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Fatores associados ao paciente com síndrome do desconforto respiratório agudo grave devido ao SARS-CoV-2 irresponsivo ao decúbito ventral

RESUMO

Objetivo:

Identificar fatores de risco em pacientes submetidos à ventilação mecânica devido à síndrome do desconforto respiratório agudo grave associada à COVID-19 e hipoxemia refratária irresponsivos ao decúbito ventral em um hospital terciário na Colômbia.

Métodos:

Estudo observacional baseado em coorte retrospectiva de pacientes submetidos à ventilação mecânica devido à síndrome do desconforto respiratório agudo grave associada ao SARS-CoV-2 em decúbito ventral devido à hipoxemia refratária. O estudo considerou resposta a melhora ≥ 20% na relação entre pressão parcial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio após o primeiro ciclo de 16 horas em decúbito ventral. Os pacientes irresponsivos foram considerados casos, e os responsivos foram considerados controles. Controlamos as variáveis clínicas, laboratoriais e radiológicas.

Resultados:

Foram incluídos 724 pacientes (58,67 ± 12,37 anos, 67,7% do sexo masculino). Destes, 21,9% eram pacientes irresponsivos. A mortalidade foi de 54,1% nos irresponsivos e de 31,3% nos responsivos (p < 0,001). As variáveis associadas à ausência de resposta foram tempo do início da ventilação mecânica até o decúbito ventral (RC de 1,23; IC95% 1,10 - 1,41); relação entre pressão parcial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio pré-intubação (RC de 0,62; IC95% 0,40 - 0,96); relação entre pressão parcial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio anterior ao decúbito ventral (RC de 1,88; IC95% 1,22 - 2,94); e consolidação radiológica de múltiplos lobos (RC de 2,12; IC95% 1,33 - 3,33) ou padrão misto (RC de 1,72; IC95% 1,07 - 2,85) em comparação com um padrão em vidro fosco.

Conclusão:

Este estudo identificou fatores associados à ausência de resposta ao decúbito ventral em pacientes com hipoxemia refratária e síndrome do desconforto respiratório agudo devido ao SARS-CoV-2 em ventilação mecânica. O reconhecimento desses fatores ajuda a identificar os candidatos a outras estratégias de resgate, incluindo decúbito ventral mais prolongado ou oxigenação por membrana extracorpórea. São necessários novos estudos para avaliar a consistência desses achados em populações com síndrome do desconforto respiratório agudo por causa de outras etiologias.

Descritores:
Síndrome do desconforto respiratório; Respiração artificial; Intubação intratraqueal; Decúbito ventral; Hipóxia; SARS-CoV-2; Infecções por coronavírus; COVID-19

ABSTRACT

Objective:

To identify risk factors for nonresponse to prone positioning in mechanically ventilated patients with COVID-19-associated severe acute respiratory distress syndrome and refractory hypoxemia in a tertiary care hospital in Colombia.

Methods:

Observational study based on a retrospective cohort of mechanically ventilated patients with severe acute respiratory distress syndrome due to SARS-CoV-2 who underwent prone positioning due to refractory hypoxemia. The study considered an improvement ≥ 20% in the PaO2/FiO2 ratio after the first cycle of 16 hours in the prone position to be a ‘response’. Nonresponding patients were considered cases, and responding patients were controls. We controlled for clinical, laboratory, and radiological variables.

Results:

A total of 724 patients were included (58.67 ± 12.37 years, 67.7% males). Of those, 21.9% were nonresponders. Mortality was 54.1% for nonresponders and 31.3% for responders (p < 0.001). Variables associated with nonresponse were time from the start of mechanical ventilation to pronation (OR 1.23; 95%CI 1.10 - 1.41); preintubation PaO2/FiO2 ratio (OR 0.62; 95%CI 0.40 - 0.96); preprone PaO2/FiO2 ratio (OR 1.88. 95%CI 1.22 - 2.94); and radiologic multilobe consolidation (OR 2.12; 95%CI 1.33 - 3.33) or mixed pattern (OR 1.72; 95%CI 1.07 - 2.85) compared with a ground-glass pattern.

Conclusion:

This study identified factors associated with nonresponse to prone positioning in patients with refractory hypoxemia and acute respiratory distress syndrome due to SARS-CoV-2 receiving mechanical ventilation. Recognizing such factors helps identify candidates for other rescue strategies, including more extensive prone positioning or extracorporeal membrane oxygenation. Further studies are needed to assess the consistency of these findings in populations with acute respiratory distress syndrome of other etiologies.

Keywords:
Respiratory distress syndrome; Respiration; artificial; Intubation; intratracheal; Prone position; Hypoxia; SARS-CoV-2; Coronavirus infections; COVID-19

INTRODUÇÃO

Desde o surgimento inicial do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) em Wuhan, na China, foram registradas mais de 600 milhões de infecções em todo o mundo. O vírus matou mais de 6,4 milhões de pessoas até setembro de 2022 e custou mais de 41 bilhões de euros.

A doença do coronavírus 2019 (COVID-19) tem um espectro de manifestações, que vai desde uma forma assintomática até uma doença multissistêmica.(11 Seyed Hosseini E, Riahi Kashani N, Nikzad H, Azadbakht J, Hassani Bafrani H, Haddad Kashani H. The novel coronavirus Disease-2019 (COVID-19): mechanism of action, detection and recent therapeutic strategies. Virology. 2020;551:1-9.) O envolvimento pulmonar é a apresentação mais bem compreendida e pode causar a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).(22 Lentz S, Roginski MA, Montrief T, Ramzy M, Gottlieb M, Long B. Initial emergency department mechanical ventilation strategies for COVID-19 hypoxemic respiratory failure and ARDS. Am J Emerg Med. 2020;38(10):2194-202.) Sem tratamento adequado, esse quadro pode levar à morte. O tratamento da SDRA inclui ventilação mecânica (VM) protetora com baixos volumes correntes, pressão expiratória positiva final (PEEP - positive end-expiratory pressure) ideal(33 Amato MB, Meade MO, Slutsky AS, Brochard L, Costa EL, Schoenfeld DA, et al. Driving pressure and survival in the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2015;372(8):747-55.,44 Brower RG, Lanken PN, MacIntyre N, Matthay MA, Morris A, Ancukiewicz M, Schoenfeld D, Thompson BT; National Heart, Lung, and Blood Institute ARDS Clinical Trials Network. Higher versus lower positive end-expiratory pressures in patients with the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2004;351(4):327-36.) e dexametasona.(55 RECOVERY Collaborative Group; Horby P, Lim WS, Emberson JR, Mafham M, Bell JL, Linsell L, et al. Dexamethasone in hospitalized patients with COVID-19. N Engl J Med. 2021;384(8):693-704.) Apesar dessas intervenções, alguns pacientes apresentam hipoxemia refratária e requerem o uso de agentes bloqueadores neuromusculares(66 Papazian L, Forel JM, Gacouin A, Penot-Ragon C, Perrin G, Loundou A, Jaber S, Arnal JM, Perez D, Seghboyan JM, Constantin JM, Courant P, Lefrant JY, Guérin C, Prat G, Morange S, Roch A; ACURASYS Study Investigators. Neuromuscular blockers in early acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2010;363(12):1107-16.) e decúbito ventral.(77 Guérin C, Reignier J, Richard JC, Beuret P, Gacouin A, Boulain T, Mercier E, Badet M, Mercat A, Baudin O, Clavel M, Chatellier D, Jaber S, Rosselli S, Mancebo J, Sirodot M, Hilbert G, Bengler C, Richecoeur J, Gainnier M, Bayle F, Bourdin G, Leray V, Girard R, Baboi L, Ayzac L; PROSEVA Study Group. Prone positioning in severe acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2013;368(23):2159-68.,88 Marik PE, Iglesias J. A “prone dependent” patient with severe adult respiratory distress syndrome. Crit Care Med. 1997;25(6):1085-7.) A estratégia de decúbito ventral visa melhorar a oxigenação, por meio do recrutamento de unidades capilares alveolares em regiões posteriores dependentes, a qual estabelece homogeneidade alveolar, reduz o peso do coração sobre o lobo inferior esquerdo do pulmão, minimiza a influência da pressão abdominal, melhora a relação ventilação/perfusão (V/Q), reduz o estresse e proporciona distensão pulmonar mais homogênea.(99 Lee HY, Cho J, Kwak N, Choi SM, Lee J, Park YS, et al. Improved oxygenation after prone positioning may be a predictor of survival in patients with acute respiratory distress syndrome. Crit Care Med. 2020;48(12):1729-36.) Esses mecanismos reduziram a taxa de mortalidade da SDRA associada à COVID-19.(1010 Thompson BT. Prone positioning for 16 h/d reduced mortality more than supine positioning in early severe ARDS. Ann Intern Med. 2013;159(6):JC2.) No entanto, uma porcentagem de pacientes irresponsivos requer o uso tardio de outras estratégias de resgate, o que reduz a recuperação clínica e a taxa de sobrevida.

Ainda não estão claros os fatores relacionados à ausência de resposta ao decúbito ventral. Estudos observacionais sugerem que tais fatores incluem o tempo entre o início da doença clínica e o início do decúbito ventral, alguns padrões radiológicos, a gravidade da hipóxia, o shunt intrapulmonar e a obesidade.(1111 Koulouras V, Papathanakos G, Papathanasiou A, Nakos G. Efficacy of prone position in acute respiratory distress syndrome patients: a pathophysiology-based review. World J Crit Care Med. 2016;5(2):121-36.)

Este estudo visou identificar fatores de risco relacionados à ausência de resposta ao decúbito ventral de pacientes em VM com SDRA grave associada à COVID-19 e hipoxemia refratária em um hospital terciário na Colômbia.

MÉTODOS

Este foi um estudo observacional baseado em uma coorte retrospectiva de pacientes com mais de 18 anos que sofriam de SDRA grave associada ao SARS-CoV-2. Os indivíduos foram admitidos de junho de 2020 a fevereiro de 2022 na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Universitario San Ignacio (HUSI) em Bogotá, Colômbia. O diagnóstico de SDRA grave baseou-se nos critérios de Berlim,(1212 ARDS Definition Task Force; Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, Ferguson ND, Caldwell E, Fan E, et al. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307(23):2526-33.) e a infecção por SARS-CoV-2 foi testada por reação em cadeia da polimerase (PCR - polymerase chain reaction) ou teste de antígeno. A coorte incluiu pacientes que necessitavam de VM e que, devido à hipoxemia refratária (pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio - PaO2/FiO2 - persistentemente < 150), foram submetidos a decúbito ventral. O estudo excluiu pacientes que interromperam o decúbito ventral por outros motivos que não a ausência de resposta e pacientes cuja VM foi iniciada em outra instituição. O comitê institucional de ética aprovou o estudo (Ato nº MI 015-2022), o qual foi realizado de acordo com os padrões éticos estabelecidos na Declaração de Helsinque de 1964 e suas alterações posteriores.

Na coorte do estudo, as indicações de VM invasiva foram PaO2/FiO2 < 150 ou sinais clínicos de insuficiência respiratória. De acordo com estudos anteriores, os parâmetros de proteção da VM incluíram volume corrente (Vt) de 6 a 8mL/kg; pressão platô nas vias aéreas (Ppl) < 25cmH2O; driving pressure (DP) < 15cmH2O; e PEEP ajustada pela mecânica pulmonar individual. Imediatamente após o início da VM, realizou-se um exame de gasometria arterial. Os pacientes qualificados com hipoxemia refratária (PaO2/FiO2 < 150) receberam bloqueio neuromuscular por 48 horas e foram colocados em decúbito ventral por 16 horas, seguidos de posterior retorno à posição de decúbito dorsal por 8 horas. Os exames de gasometria arterial avaliaram as respostas na hora 15 do decúbito ventral e na hora 7 após o retorno à posição em decúbito dorsal. O estudo considerou como resposta uma melhora ≥ 20% em PaO2/FiO2 após o primeiro ciclo de decúbito ventral. Os pacientes irresponsivos foram considerados casos, e os responsivos foram considerados controles, com base em critérios de estudos observacionais anteriores.(1313 van Meenen DM, Roozeman JP, Serpa Neto A, Pelosi P, Gama de Abreu M, Horn J, Cremer OL, Paulus F, Schultz MJ; MARS Consortium. Associations between changes in oxygenation, dead space and driving pressure induced by the first prone position session and mortality in patients with acute respiratory distress syndrome. J Thorac Dis. 2019;11(12):5004-13.)

Com um instrumento padronizado, os autores coletaram dados de prontuários clínicos eletrônicos. Os dados coletados incluíam variáveis clínicas, comorbidades, resultados de testes paraclínicos, gravidade na admissão à UTI, características da mecânica pulmonar e uso de drogas vasoativas ou sedativas. As variáveis paraclínicas incluíram hemograma completo, marcadores séricos com valor prognóstico (dímero D > 1.000ng/mL) e gasometria arterial realizada imediatamente antes do início dos ciclos de ventilação e decúbito ventral. Os achados radiológicos consideraram três padrões possíveis, ou seja, opacidades em vidro fosco, consolidação pulmonar ou padrão misto, os quais refletiam diferentes estágios da doença. Os especialistas em radiologia usaram critérios padronizados para classificar os achados em imagens torácicas. O Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3) foi usado para avaliar a gravidade na admissão à UTI.

Descrevemos as variáveis categóricas com frequências absolutas e relativas. Para as variáveis contínuas, apresentamos a média e o desvio-padrão ou a mediana e o intervalo interquartil (IQ), de acordo com a distribuição dos dados. O teste de Shapiro-Wilk foi usado para avaliar a suposição de normalidade. As comparações entre casos e controles foram realizadas usando o teste t de Student ou o teste U de Mann-Whitney, o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, dependendo do tipo de variável.

Curvas de Kaplan-Meier e testes de log rank foram usados para comparar as funções de sobrevida entre pacientes responsivos e não responsivos à posição em decúbito dorsal. A avaliação das variáveis explicativas utilizou a recategorização do índice de massa corporal, da PaO2/FiO2 pré-intubação e em decúbito ventral, do pH em decúbito ventral, da complacência estática, da Ppl, da DP e da PEEP. Em seguida, um modelo de regressão logística multivariada avaliou a força da associação entre as variáveis selecionadas, usando a eliminação de variáveis em etapas anteriores. Valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. A análise estatística foi realizada com o software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.0.

RESULTADOS

O estudo incluiu 724 pacientes com COVID-19 e SDRA grave que receberam VM e que, devido à hipoxemia refratária, foram submetidos a decúbito ventral. A média de idade dos pacientes foi de 58,67 ± 12,37 anos, e a maioria era do sexo masculino (67,68%). Destes, 159 pacientes (21,9%) não responderam ao decúbito ventral. A variação mediana da PaO2/FiO2 foi de 62,8% nos pacientes responsivos (IQ 42,85 - 100) e 2,7% (IQ 7,63 - 11,36) nos não responsivos.

A tabela 1 mostra as características dos pacientes de acordo com a resposta ao decúbito ventral. Os pacientes não responsivos apresentaram níveis mais altos de dímero D e PaO2/FiO2 anteriores ao decúbito ventral, consolidação pulmonar mais frequente, necessidade mais frequente de três ou mais sedativos e um período mais longo entre o início da VM e o início do decúbito ventral (Figura 1). Os pacientes não responsivos também apresentaram taxas de mortalidade mais altas (54,1% versus 31,3%; p < 0,001). As curvas de Kaplan-Meier (Figura 1S - Material suplementar) e os testes de log rank (p < 0,001) demonstraram função de sobrevida desfavorável nos pacientes não responsivos.

Tabela 1
Características do paciente e resposta ao decúbito ventral

Figura 1
Dias do início da ventilação mecânica até o decúbito ventral em pacientes irresponsivos e responsivos.

A tabela 2 apresenta a taxa de variação da PaO2/FiO2 por gasometria arterial basal, padrão radiográfico e estratégia ventilatória. A variação da PaO2/FiO2 foi menor quando a PaO2/FiO2 pré-intubação ou anterior ao decúbito ventral foi maior, quando a DP era ≥ 15 e em pacientes que receberam mais sedativos.

Tabela 2
Alteração da relação entre pressão parcial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio por padrão radiológico, gasometria arterial basal e parâmetros ventilatórios

O modelo de regressão logística mostrou que a chance de ausência de resposta ao decúbito ventral aumentou significativamente a cada dia após o início da VM (Tabela 3). O modelo também mostrou que a probabilidade de não responder era maior no caso de consolidação pulmonar ou padrão radiológico misto do que no caso de padrão em vidro fosco.

Tabela 3
Modelos brutos e multivariados para fatores associados à ausência de resposta ao decúbito ventral

Encontramos baixa correlação entre a PaO2/FiO2 pré-intubação e a PaO2/FiO2 anterior ao decúbito ventral (teste de correlação de Spearman 0,37) (Figura 2S - Material suplementar), portanto, ambas as variáveis foram avaliadas no modelo. A probabilidade de não responder ao decúbito ventral era menor em pacientes com PaO2/FiO2 pré-intubação de 100 a 150 do que em pacientes com PaO2/FiO2 pré-intubação < 100. Em contrapartida, os pacientes com PaO2/FiO2 anterior ao decúbito ventral de 100 a 150 tinham duas vezes mais probabilidade de não responder ao decúbito ventral do que os pacientes com PaO2/FiO2 < 100. Essa probabilidade foi ainda maior para pacientes com PaO2/FiO2 >150 (Tabela 3).

A avaliação da capacidade de discriminação mostrou que o modelo previu corretamente a ausência de resposta ao decúbito ventral em 79,28% dos casos, com capacidade de discriminação adequada (área sob a curva - ASC 0,713) (Figura 2).

Figura 2
Curva ROC para avaliar a capacidade de discriminação do modelo na previsão de ausência de resposta ao decúbito ventral.

DISCUSSÃO

Este estudo documentou que houve resposta em 78% dos pacientes em decúbito ventral, semelhante à taxa de sucesso de 70% relatada na literatura.(1414 Kallet RH. A comprehensive review of prone position in ARDS. Respir Care. 2015;60(11):1660-87.) Os fatores associados à ausência de resposta são o padrão radiológico, o tempo entre a VM e o decúbito ventral e a PaO2/FIO2 antes da intubação e do decúbito ventral.

Vários autores tentaram encontrar escores e padrões(1111 Koulouras V, Papathanakos G, Papathanasiou A, Nakos G. Efficacy of prone position in acute respiratory distress syndrome patients: a pathophysiology-based review. World J Crit Care Med. 2016;5(2):121-36.) que previssem resposta ao decúbito ventral(1515 Chen YY, Kuo JS, Ruan SY, Chien YC, Ku SC, Yu CJ, et al. Prognostic value of computed tomographic findings in acute respiratory distress syndrome and the response to prone positioning. BMC Pulm Med. 2022;22(1):71.,1616 Papazian L, Paladini MH, Bregeon F, Thirion X, Durieux O, Gainnier M, et al. Can the tomographic aspect characteristics of patients presenting with acute respiratory distress syndrome predict improvement in oxygenation-related response to the prone position? Anesthesiology. 2002;97(3):599-607.) mas não encontraram resultados claros. Este estudo mostrou que o tempo entre o início da VM e o decúbito ventral é um fator relevante para a resposta. Isso é consistente com os achados das revisões de ensaios clínicos feitas por Guerín.(1717 Guérin C, Albert RK, Beitler J, Gattinoni L, Jaber S, Marini JJ, et al. Prone position in ARDS patients: why, when, how and for whom. Intensive Care Med. 2020;46(12):2385-96.) Certamente, atrasar o início das medidas de proteção pulmonar favorece a inflamação e a lesão pulmonar autoinfligida pelo paciente (P-SILI).(1818 Cruces P, Retamal J, Hurtado DE, Erranz B, Iturrieta P, González C, et al. A physiological approach to understand the role of respiratory effort in the progression of lung injury in SARS-CoV-2 infection. Crit Care. 2020;24(1):494.)

O padrão radiológico do tórax foi outra variável associada à resposta. O padrão misto e a consolidação foram associados à ausência de resposta. Este estudo considerou três padrões radiológicos com base na fisiologia inflamatória da COVID-19. Cada padrão descreve um estágio diferente da doença, revelando a extensão e a gravidade do envolvimento parenquimatoso. O ultrassom à beira do leito também pode desempenhar um papel importante na previsão da resposta.(1919 Haddam M, Zieleskiewicz L, Perbet S, Baldovini A, Guervilly C, Arbelot C, Noel A, Vigne C, Hammad E, Antonini F, Lehingue S, Peytel E, Lu Q, Bouhemad B, Golmard JL, Langeron O, Martin C, Muller L, Rouby JJ, Constantin JM, Papazian L, Leone M; CAR’Echo Collaborative Network; AzuRea Collaborative Network. Lung ultrasonography for assessment of oxygenation response to prone position ventilation in ARDS. Intensive Care Med. 2016;42(10):1546-56.

20 Guerin C, Gattinoni L. Assessment of oxygenation response to prone position ventilation in ARDS by lung ultrasonography. Intensive Care Med. 2016;42(1):1601-3.
-2121 Prat G, Guinard S, Bizien N, Nowak E, Tonnelier JM, Alavi Z, et al. Can lung ultrasonography predict prone positioning response in acute respiratory distress syndrome patients? J Crit Care. 2016;32:36-41.)

Por fim, a PaO2/FIO2 pré-intubação e a anterior ao decúbito ventral foram inversamente associadas à resposta. Quanto menor a PaO2/FIO2 anterior ao decúbito ventral, maior a probabilidade de resposta. A interpretação desses achados, no entanto, deve ser feita com cautela. Matematicamente, qualquer alteração na resposta obtida a partir de valores mais baixos terá uma porcentagem maior de variação em comparação com um valor basal ligeiramente mais alto, mesmo quando a alteração absoluta for semelhante. Respostas semelhantes têm sido evidenciadas desde os primeiros estudos na literatura por Blanch et al.(2222 Blanch L, Mancebo J, Perez M, Martinez M, Mas A, Betbese AJ, et al. Short-term effects of prone position in critically ill patients with acute respiratory distress syndrome. Intensive Care Med. 1997;23(10):1033-9.) Outra possível explicação é que a deterioração da PaO2/FIO2 em decúbito ventral durante a internação na UTI poderia ser uma possível ferramenta para prever a resposta em decúbito ventral. Para avaliar essa hipótese, serão necessários estudos futuros.

Embora não fosse objetivo desse estudo, diferenças significativas de mortalidade entre pacientes não responsivos e responsivos foram reladas (56,36 versus 40,5%, p ≤ 0,001) e significativas funções de sobrevida. Esses resultados diferem dos resultados relatados por van Meenen et al., que não mostraram diferenças entre os dois grupos.(1313 van Meenen DM, Roozeman JP, Serpa Neto A, Pelosi P, Gama de Abreu M, Horn J, Cremer OL, Paulus F, Schultz MJ; MARS Consortium. Associations between changes in oxygenation, dead space and driving pressure induced by the first prone position session and mortality in patients with acute respiratory distress syndrome. J Thorac Dis. 2019;11(12):5004-13.)

Considerando que a fisiologia inflamatória na SDRA afeta não apenas o pulmão, mas também as estruturas endoteliais, outras variáveis podem ser relevantes em resposta ao decúbito ventral. Entre elas estão o dímero D, a hemoglobina indicativa de anemia, a Ppl e a DP. Embora a análise multivariada não tenha revelado associação forte entre essas variáveis e a resposta, elas devem ser levadas em conta.

O número de sedativos é outra variável a ser mencionada. A análise univariada mostrou uma taxa de resposta significativamente menor em pacientes que precisavam de um número maior de sedativos. É possível que um maior envolvimento parenquimatoso exija maior controle respiratório, com maior necessidade de sedação.

Este estudo tem como ponto forte o número de pacientes incluídos. Esta é a maior coorte de pacientes com SDRA em decúbito ventral até o momento. Além disso, a relação de 1:3 de casos e controles do estudo permite melhor precisão na avaliação da força da associação. A seleção sistemática dos parâmetros ventilatórios por meio da mecânica pulmonar, a seleção sistemática do tempo inicial de decúbito ventral (16 horas) e o uso generalizado de bloqueio neuromuscular nas primeiras 48 horas foram baseados em estudos clássicos, como o PROSEVA.(77 Guérin C, Reignier J, Richard JC, Beuret P, Gacouin A, Boulain T, Mercier E, Badet M, Mercat A, Baudin O, Clavel M, Chatellier D, Jaber S, Rosselli S, Mancebo J, Sirodot M, Hilbert G, Bengler C, Richecoeur J, Gainnier M, Bayle F, Bourdin G, Leray V, Girard R, Baboi L, Ayzac L; PROSEVA Study Group. Prone positioning in severe acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2013;368(23):2159-68.) Essas características garantiram a homogeneidade do método de ventilação.

As limitações deste estudo incluem sua natureza retrospectiva, observacional e de um único centro. Além disso, verificou-se a ausência de dados relevantes, como os níveis de troponina, possivelmente uma variável de associação. A avaliação do resultado de interesse, no entanto, não foi comprometida graças à coleta sistemática de dados do protocolo de VM do hospital. Por fim, é uma questão em aberto se a melhora da oxigenação deve ser o objetivo final. Os médicos devem ser permissivos com o uso de diferentes estratégias protetoras (incluindo o decúbito ventral) em pacientes com hipoxemia(2323 Abdelsalam M, Cheifetz IM. Goal-directed therapy for severely hypoxic patients with acute respiratory distress syndrome: permissive hypoxemia. Respir Care. 2010;55(11):1483-90.) para evitar a piora da inflamação até que o estímulo nocivo que desencadeia a SDRA seja resolvido?

Os resultados deste estudo sugerem que é possível estabelecer escores de previsão de resposta. Esses achados respaldam o uso precoce de outras estratégias de resgate, incluindo decúbito ventral prolongado ou oxigenação por membrana extracorpórea em pacientes com SDRA de qualquer etiologia,(2424 Chiumello D, Brioni M. Severe hypoxemia: which strategy to choose. Crit Care. 2016;20(1):132.) para controlar a hipoxemia refratária.

CONCLUSÃO

Alguns fatores provavelmente estão associados à ausência de resposta ao decúbito ventral em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo grave associada ao SARS-CoV-2 em ventilação mecânica e hipoxemia refratária. Os fatores incluem o tempo entre o início da ventilação mecânica e o decúbito ventral, o valor da pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio anterior ao decúbito ventral e um padrão radiológico misto ou de consolidação multilobar.

Fazem-se necessários estudos prospectivos para avaliar uma possível associação entre a ausência de resposta e outras variáveis relevantes, como o escore Sequential Organ Failure Assessment, tromboembolismo pulmonar agudo e miocardiopatia. Além disso, são necessários estudos recentes para determinar se os achados deste estudo são consistentes em populações com síndrome do desconforto respiratório agudo por outras causas que não a COVID-19.

AGRADECIMENTOS

Dra. Catalina Navarro, Dra. Isabela Arango, Dr. Juan Guillermo Barrera, alunos de graduação da Faculdade de Medicina da Pontificia Universidad Javeriana.

REFERENCES

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Editado por

Editor responsável: Pedro Póvoa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2022
  • Aceito
    04 Mar 2023
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