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Ausência de alteração no quociente respiratório durante a dependência do suprimento de oxigênio no choque endotoxêmico: subanálise de um estudo experimental controlado

RESUMO

Objetivo:

Avaliar se as reduções do consumo de oxigênio sistêmico e renal estão associadas ao desenvolvimento de evidências de metabolismo anaeróbico.

Métodos:

Esta é uma subanálise de estudo já publicado. Em ovinos anestesiados e ventilados mecanicamente, medimos o quociente respiratório por calorimetria indireta e seus substitutos sistêmicos, renais e intestinais (as razões entre a diferença de pressão venoarterial do teor de dióxido de carbono e a diferença arteriovenosa do teor de oxigênio). O Grupo Choque Endotoxêmico (n = 12) foi medido inicialmente, após 60 minutos do choque endotoxêmico e após 60 e 120 minutos da ressuscitação com fluidos e norepinefrina, e os valores foram comparados com os do Grupo Controle (n = 12) sem intervenções.

Resultados:

O choque endotoxêmico diminuiu o consumo de oxigênio sistêmico e renal (6,3 [5,6 - 6,6] versus 7,4 [6,3 - 8,5] mL/minuto/kg e 3,7 [3,3 - 4,5] versus 5,4 [4,6 - 9,4] mL/minuto/100g; p < 0,05 para ambos). Após 120 minutos de ressuscitação, o consumo sistêmico de oxigênio foi normalizado, mas o consumo renal de oxigênio permaneceu reduzido (6,3 [5,9 - 8,2] versus 7,1 [6,1 - 8,6] mL/minuto/100g; p = NS e 3,8 [1,9 - 4,8] versus 5,7 [4,5 - 7,1]; p < 0,05). O quociente respiratório e as razões sistêmica, renal e intestinal entre a diferença na pressão venoarterial do teor de dióxido de carbono e a diferença arteriovenosa do teor de oxigênio não se alteraram ao longo dos experimentos.

Conclusão:

Nesse modelo experimental de choque séptico, a dependência do suprimento de oxigênio não foi associada a aumentos no quociente respiratório ou em seus substitutos. As explicações possíveis para esses achados são a ausência de metabolismo anaeróbico ou a baixa sensibilidade dessas variáveis na detecção dessa condição.

Descritores:
Choque séptico; Anaerobiose; Consumo de oxigênio; Metabolismo energético; Respiração

ABSTRACT

Objective:

To evaluate if the reductions in systemic and renal oxygen consumption are associated with the development of evidence of anaerobic metabolism.

Methods:

This is a subanalysis of a previously published study. In anesthetized and mechanically ventilated sheep, we measured the respiratory quotient by indirect calorimetry and its systemic, renal, and intestinal surrogates (the ratios of the venous-arterial carbon dioxide pressure and content difference to the arterial-venous oxygen content difference. The Endotoxemic Shock Group (n = 12) was measured at baseline, after 60 minutes of endotoxemic shock, and after 60 and 120 minutes of fluid and norepinephrine resuscitation, and the values were compared with those of a Control Group (n = 12) without interventions.

Results:

Endotoxemic shock decreased systemic and renal oxygen consumption (6.3 [5.6 - 6.6] versus 7.4 [6.3 - 8.5] mL/minute/kg and 3.7 [3.3 - 4.5] versus 5.4 [4.6 - 9.4] mL/minute/100g; p < 0.05 for both). After 120 minutes of resuscitation, systemic oxygen consumption was normalized, but renal oxygen consumption remained decreased (6.3 [5.9 - 8.2] versus 7.1 [6.1 - 8.6] mL/minute/100g; p = not significance and 3.8 [1.9 - 4.8] versus 5.7 [4.5 - 7.1]; p < 0.05). The respiratory quotient and the systemic, renal and intestinal ratios of the venous-arterial carbon dioxide pressure and content difference to the arterial-venous oxygen content difference did not change throughout the experiments.

Conclusion:

In this experimental model of septic shock, oxygen supply dependence was not associated with increases in the respiratory quotient or its surrogates. Putative explanations for these findings are the absence of anaerobic metabolism or the poor sensitivity of these variables in detecting this condition.

Keywords:
Septic shock; Anaerobiosis; Oxygen consumption; Energetic metabolism; Respiration

INTRODUÇÃO

Os estados de choque são caracterizados pela incapacidade do sistema cardiovascular de atender às demandas metabólicas de oxigênio. Independentemente dos diferentes padrões hemodinâmicos, a característica distintiva e comum do choque é a presença de hipoperfusão tecidual, que resulta em hipóxia tecidual e metabolismo anaeróbico. Por isso, a dependência do consumo de oxigênio (VO2) em relação à oferta de oxigênio (DO2) é considerada característica de todos os tipos de choque.(11 Astiz ME, Rackow EC, Weil MH. Pathophysiology and treatment of circulatory shock. Crit Care Clin. 1993;9(2):183-203.)

Em pacientes com choque séptico, a dependência de VO2/DO2 tem sido repetidamente descrita.(22 Dantzker D. Oxygen delivery and utilization in sepsis. Crit Care Clin. 1989;5(1):81-98.) Em modelos experimentais, a dependência do suprimento de oxigênio também foi encontrada, tanto em nível sistêmico quanto em nível de órgão - como no intestino e no rim.(33 Nelson DP, Samsel RW, Wood LD, Schumacker PT. Pathological supply dependence of systemic and intestinal O2 uptake during endotoxemia. J Appl Physiol (1985). 1988;64(6):2410-9.,44 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Caminos Eguillor JF, Buscetti MG, Canales HS, Lattanzio B, et al. Effects of fluid and norepinephrine resuscitation in a sheep model of endotoxin shock and acute kidney injury. J Appl Physiol (1985). 2019;127(3):788-97.) No entanto, o significado desse fenômeno é controverso. Embora a queda no VO2 seja geralmente considerada uma expressão do metabolismo anaeróbico que leva à disfunção orgânica, outras explicações são possíveis. No choque séptico, embora a capacidade mitocondrial de gerar adenosina trifosfato (ATP) celular esteja diminuída, isso não está associado a uma necrose significativa dos órgãos.(55 Preau S, Vodovar D, Jung B, Lancel S, Zafrani L, Flatres A, et al. Energetic dysfunction in sepsis: a narrative review. Ann Intensive Care. 2021;11(1):104.) Assim, a redução do VO2 pode ser uma resposta adaptativa, que permite a sobrevida diante de um insulto avassalador. A supressão de funções não essenciais, como a taxa de filtração glomerular e a consequente demanda de energia tubular, pode ser um mecanismo para evitar a morte por disóxia. Desse ponto de vista, a falência de órgãos poderia ser um mecanismo reativo e potencialmente protetor.(66 Singer M. Cellular dysfunction in sepsis. Clin Chest Med. 2008;29(4):655-60.)

Uma abordagem que pode ajudar a elucidar o significado da dependência de VO2/DO2 é a análise do quociente respiratório (QR). O QR é a relação entre o volume de dióxido de carbono (VCO2) e o VO2. Em modelos animais de hipóxia tecidual, o início do metabolismo anaeróbico é sinalizado pelo aumento abrupto do QR.(77 Cohen IL, Sheikh FM, Perkins RJ, Feustel PJ, Foster ED. Effect of hemorrhagic shock and reperfusion on the respiratory quotient in swine. Crit Care Med. 1995;23(3):545-52.,88 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Martins E, Canales HS, Canullán C, Murias G, et al. Intestinal and sublingual microcirculation are more severely compromised in hemodilution than in hemorrhage. J Appl Physiol (1985). 2016;120(10):1132-40.) Embora o VCO2 e o VO2 diminuam em função do comprometimento do metabolismo aeróbico, ocorre VCO2 anaeróbico devido ao tamponamento de prótons derivados de ácidos gerados anaerobicamente pelo bicarbonato. Assim, o aumento relativo do VCO2 em relação ao VO2 aumenta o QR.

Em um modelo experimental de choque endotoxêmico e lesão renal grave, descobrimos a presença de dependência do suprimento de oxigênio sistêmico e renal.(44 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Caminos Eguillor JF, Buscetti MG, Canales HS, Lattanzio B, et al. Effects of fluid and norepinephrine resuscitation in a sheep model of endotoxin shock and acute kidney injury. J Appl Physiol (1985). 2019;127(3):788-97.) As diminuições do VO2 renal ainda estavam presentes após a ressuscitação. Apesar disso, a extração da taxa de oxigênio renal (O2ER) permaneceu estável e, eventualmente, diminuiu, sugerindo redução primária nas necessidades metabólicas de oxigênio.

O objetivo desta subanálise foi avaliar se as reduções do VO2 sistêmico e renal estão associadas ao desenvolvimento de evidências de metabolismo anaeróbico. Para isso, examinamos as alterações no QR e seus substitutos sistêmicos e regionais, as proporções da pressão venoarterial de dióxido de carbono e a diferença de teor em relação à diferença arteriovenosa do teor de oxigênio (Pv-aCO2/Ca-vO2 e Cv-aCO2/Ca-vO2, respectivamente).(99 Mekontso-Dessap A, Castelain V, Anguel N, Bahloul M, Schauvliege F, Richard C, et al. Combination of venoarterial PCO2 difference with arteriovenous O2 content difference to detect anaerobic metabolism in patients. Intensive Care Med. 2002;28(3):272-7.) Nossa hipótese foi a de que a dependência de VO2/DO2 não está associada ao metabolismo anaeróbico, conforme refletido pelo QR e seus substitutos.

MÉTODOS

Usamos dados originais de um estudo publicado.(44 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Caminos Eguillor JF, Buscetti MG, Canales HS, Lattanzio B, et al. Effects of fluid and norepinephrine resuscitation in a sheep model of endotoxin shock and acute kidney injury. J Appl Physiol (1985). 2019;127(3):788-97.) O comitê de pesquisa local aprovou este estudo (protocolo P01-05-2016). O cuidado com os animais foi realizado de acordo com o Guia para o Cuidado e Uso de Animais de Laboratório do Conselho Nacional de Pesquisa.

Anestesia e ventilação

A anestesia de 24 ovinos (24 [22 - 27] kg, mediana [percentis 25-75]) foi feita com 30mg.kg-1 de pentobarbital sódico, e eles foram intubados e ventilados mecanicamente com um Servo Ventilator 900C (Siemens, Elema AB, Solna, Suécia) com volume corrente de 10mL/kg, fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 0,21 e pressão expiratória positiva final (PEEP) de 6cmH2O. A frequência respiratória inicial foi definida para manter a PCO2 arterial entre 35 e 40mmHg. Essa configuração respiratória foi mantida durante o restante do experimento. O bloqueio neuromuscular foi realizado com brometo de pancurônio (0,06mg.kg-1). Foram administrados bólus adicionais de pentobarbital (1mg/kg) a cada hora e quando os sinais clínicos de profundidade inadequada da anestesia eram evidentes. A analgesia foi fornecida por fentanil em bólus de 2µg/kg, seguido de 1µg/kg/hora. Esses medicamentos foram administrados por via intravenosa.

Preparação cirúrgica

Um cateter de artéria pulmonar de termodiluição padrão 7,5F Swan-Ganz (Edwards Life Sciences, Irvine, Califórnia, Estados Unidos) foi inserido na veia jugular externa direita para obter amostras venosas mistas. Os cateteres foram colocados na aorta descendente, por meio da artéria femoral esquerda, para medir a pressão arterial e obter amostras de sangue, e na veia cava inferior, para administrar fluidos e medicamentos.

Foi realizada uma laparotomia na linha média, seguida de uma gastrostomia para drenar o conteúdo gástrico e uma esplenectomia para evitar a contração do baço durante o choque. Sondas de fluxo ultrassônicas perivasculares foram colocadas ao redor da artéria mesentérica superior e da artéria renal esquerda, para medir o fluxo sanguíneo intestinal (FSI) e o fluxo sanguíneo renal (FSR). Foram introduzidos cateteres nas veias renal e mesentérica esquerda, para coletar amostras de sangue e medir a pressão venosa. Os cateteres também foram posicionados no abdômen, para medir a pressão intra-abdominal, e na bexiga, para monitorar o débito urinário. Para permitir a videomicroscopia da cortical renal, o rim esquerdo foi gentilmente decapsulado, e uma incisão de 5cm foi feita no flanco esquerdo da parede abdominal. Um segmento de 10 a 15cm do íleo foi mobilizado e colocado fora do abdômen, e foram abertos 2cm na borda antimesentérica, para permitir o exame da microcirculação da mucosa. O segmento intestinal exteriorizado foi coberto e umedecido, e a temperatura foi preservada por um dispositivo de aquecimento externo. Finalmente, após a hemostasia completa, a incisão na linha média da parede abdominal foi fechada, exceto por um segmento curto, para a exteriorização da alça ileal.

Medições e cálculos derivados

O VO2 sistêmico e o QR foram medidos pela análise dos gases expirados (MedGraphics CPX Ultima, Medical Graphics Corporation, St. Paul, Minnesota, Estados Unidos) e ajustados ao peso corporal.

A PO2 arterial, venosa mista, venosa renal e venosa mesentérica, a PCO2, o pH, a hemoglobina e a saturação de oxigênio foram medidas com um analisador de gases sanguíneos e um co-oxímetro no modo ovino (ABL 5 e OSM 3, Radiometer, Copenhague, Dinamarca). As variáveis derivadas do oxigênio foram calculadas por fórmulas padronizadas.

Considerando-se que o método de termodiluição superestima o baixo débito cardíaco, o índice cardíaco (IC) foi calculado como VO2 dividido pela diferença entre o teor arterial misto menos venoso de oxigênio (Ca-mvO2). A DO2 foi calculada como o IC multiplicado pelo teor de oxigênio arterial (CaO2). A O2ER sistêmica foi calculada como Ca-mvO2 dividido pelo CaO2.

O FSI e o FSR foram medidos por um fluxômetro ultrassônico (One Channel Perivascular Flowmeter, Transonics Systems Inc., Ithaca, Nova Iorque, Estados Unidos) e normalizados para o peso do órgão.

A DO2 e o VO2 intestinais e renais foram calculados como o produto do respectivo índice de fluxo multiplicado pela diferença do CaO2 ou do teor arteriovenoso de oxigênio. A O2ER intestinal e renal foi calculada como a respectiva diferença de teor arteriovenoso de oxigênio dividido pelo CaO2 (Ca-ivO2 e Ca-rvO2, respectivamente).

Como substitutos do QR sistêmico, renal e intestinal, calculamos o Pv-aCO2/Ca-vO2 sistêmico, renal e intestinal. Além disso, os valores correspondentes de Cv-aCO2/Ca-vO2 foram calculados por meio do algoritmo de Douglas(1010 Douglas AR, Jones NL, Reed JW. Calculation of whole blood CO2 content. J Appl Physiol (1985). 1988;65(1):473-7.) para avaliar as alterações na curva de dissociação de dióxido de carbono.

O lactato arterial foi medido com um analisador de ponto de cuidado (Stat Profile Critical Care Xpress, Nova Biomedical, Waltham, Massachusetts, Estados Unidos).

A depuração de creatinina foi calculada como o nível de creatinina urinária multiplicado pela produção de urina em 60 minutos, dividido pelo nível de creatinina plasmática.

Procedimento experimental

As medições basais foram realizadas após um período não inferior a 30 minutos depois que a pressão arterial, a frequência cardíaca, o VO2 sistêmico e o FSR e FSI se tornaram estáveis. Os animais foram, então, distribuídos aleatoriamente nos grupos choque endotoxêmico (n = 12) ou controle (n = 12). No grupo choque endotoxêmico, o choque foi induzido por injeção intravenosa de lipopolissacarídeo de Escherichia coli (5µg/kg seguido de 2,5µg/kg/hora por 180 minutos). Após 60 minutos de choque, foram infundidos 30mL/kg de solução de cloreto de sódio (NaCl) a 0,9%, e a norepinefrina foi titulada para atingir uma pressão arterial média (PAM) de 70mmHg. No grupo simulado, foi realizada a mesma preparação experimental, e foi infundido NaCl a 0,9%, para manter as variáveis hemodinâmicas em valores basais sem outras intervenções. As medições foram realizadas inicialmente (minuto zero), após 60 minutos de choque endotoxêmico sem ressuscitação e após 60 e 120 minutos de ressuscitação. A temperatura do sangue foi mantida constante durante todo o estudo com uma lâmpada de aquecimento.

No fim do experimento, os animais foram mortos com uma dose adicional de pentobarbital e um bólus de cloreto de potássio (KCl). Um cateter foi inserido na artéria mesentérica superior e foi instilada tinta nanquim através do cateter. Os segmentos intestinais tingidos foram dissecados, lavados e pesados. Também pesamos o rim esquerdo. Consequentemente, o VO2 e a DO2 renal e intestinal são expressos como índices baseados no peso do órgão.

Análise de dados

Em virtude do pequeno número de animais, foram usados testes não paramétricos. Os dados expressos como medianas [percentis 25 a 75] foram analisados com equações de estimativa generalizada (GEE), seguidos pelo teste de Mann-Whitney e pelo teste de Wilcoxon com correção de Bonferroni para comparações de pares entre grupos e dentro de grupos. A associação do QR com a Pv-aCO2/Ca-vO2 sistêmica e o Cv-aCO2/Ca-vO2 foi avaliada por meio da correlação de Spearman. A concordância entre o QR e a Cv-aCO2/Ca-vO2 foi avaliada pelo método de Bland e Altman. Considerou-se estatisticamente significativo valor de p < 0,05.

RESULTADOS

O efeito do choque endotoxêmico e da ressuscitação subsequente sobre a hemodinâmica sistêmica, regional e microvascular e o transporte de oxigênio foi relatado em outros estudos.(44 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Caminos Eguillor JF, Buscetti MG, Canales HS, Lattanzio B, et al. Effects of fluid and norepinephrine resuscitation in a sheep model of endotoxin shock and acute kidney injury. J Appl Physiol (1985). 2019;127(3):788-97.) Em resumo, a administração de endotoxina diminuiu a pressão arterial, o IC, a FSR e a FSI (Tabela 1). O VO2 sistêmico e a DO2 diminuíram, e a O2ER aumentou. O VO2 e a DO2 renais diminuíram, mas a O2ER renal não se alterou. No nível intestinal, a DO2 diminuiu, mas devido ao aumento da O2ER, o VO2 permaneceu estável (Tabela 1 e Figuras 1S, 2S e 3S - Material suplementar). Alterações microcirculatórias surgiram na mucosa sublingual, nas vilosidades intestinais e, principalmente, nos capilares peritubulares renais.(44 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Caminos Eguillor JF, Buscetti MG, Canales HS, Lattanzio B, et al. Effects of fluid and norepinephrine resuscitation in a sheep model of endotoxin shock and acute kidney injury. J Appl Physiol (1985). 2019;127(3):788-97.) Também foram observadas oligúria e lesão renal aguda grave (Tabela 1).

Tabela 1
Valores das variáveis hemodinâmicas sistêmicas, intestinais e renais e do transporte de oxigênio nos grupos controle e choque endotoxêmico

Figura 1
Quociente respiratório (painel A); razão entre a diferença de pressão venoarterial mista de dióxido de carbono e a diferença venoarterial mista do teor de oxigênio (painel B); razão entre a diferença de pressão venoarterial de dióxido de carbono renal e a diferença venoarterial do teor de oxigênio renal (painel C); e razão entre a diferença de pressão venoarterial de dióxido de carbono intestinal e a diferença arteriovenosa do teor de oxigênio intestinal (painel D) nos grupos controle e choque endotoxêmico.

Figura 2
Razão entre a diferença do teor de dióxido de carbono venoarterial misto e a diferença do teor de oxigênio venoarterial misto (Painel A); razão entre a diferença do teor de dióxido de carbono venoarterial renal e a diferença do teor de oxigênio venarterial renal (Painel B); e razão entre a diferença do teor de dióxido de carbono venoarterial intestinal e a diferença do teor de oxigênio venoarterial intestinal (Painel C) nos grupos controle e choque endotoxêmico.

A ressuscitação normalizou o IC, o VO2 sistêmico e a DO2. O FSR, a DO2 e o VO2 renais permaneceram baixos, enquanto a O2ER renal nunca aumentou e diminuiu aos 60 minutos de ressuscitação. A DO2 intestinal melhorou, mas a O2ER permaneceu alta (Tabela 1 e Figuras 1S, 2S e 3S - Material Suplementar). A maioria das anormalidades microvasculares renais que apareceram durante o choque ainda estava presente no período de ressuscitação; na mucosa intestinal e sublingual, apenas pequenas alterações persistiram.(44 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Caminos Eguillor JF, Buscetti MG, Canales HS, Lattanzio B, et al. Effects of fluid and norepinephrine resuscitation in a sheep model of endotoxin shock and acute kidney injury. J Appl Physiol (1985). 2019;127(3):788-97.)

No grupo endotoxêmico, observaram-se hiperlactatemia e aumento da acidose metabólica por hiato aniônico durante a ressuscitação (Tabela 2).

Tabela 2
Valores dos gases sanguíneos arteriais nos grupos controle e choque endotóxico

Em ambos os grupos, o QR não se alterou durante os experimentos. A Pv-aCO2/Ca-vO2 sistêmica, renal e intestinal e a Cv-aCO2/Ca-vO2 também permaneceram inalteradas (Figuras 1 e 2).

O QR apresentou correlação fraca, mas estatisticamente significativa, com Pmv-aCO2/Ca-mvO2 (rs = 0,23, p = 0,02). O QR não apresentou correlação com Cmv-aCO2/Ca-mvO2 (rs = 0,10, p = 0,36). A análise de Bland e Altman mostrou viés de -0,04, precisão de 0,41 e limites de concordância de 95% de 1,60 entre QR e Cmv-aCO2/Ca-mvO2 (Figuras 4S, 5S e 6S - Material suplementar).

DISCUSSÃO

A principal descoberta deste estudo foi que o QR e seus substitutos sistêmicos e regionais não se alteraram, apesar do grave comprometimento hemodinâmico com dependência do suprimento de oxigênio, hipoperfusão tecidual e lesão renal aguda produzida pela administração de endotoxina. A ausência de aumento no QR e em seus substitutos pode sugerir a ausência de metabolismo anaeróbico, mas também a incapacidade dessas variáveis de refletir a hipoperfusão tecidual.

Nosso modelo experimental é relevante e se assemelha a muitos componentes do choque séptico humano, incluindo distúrbios na hemodinâmica sistêmica e microvascular. Além disso, ele produziu insuficiência renal grave, que não respondeu à ressuscitação. Notavelmente, a O2ER renal nunca aumentou e eventualmente diminuiu 60 minutos após o início do período de ressuscitação.

As alterações concomitantes no FSR e na microcirculação peritubular podem ser consideradas a causa da insuficiência renal ou uma compensação reflexa do desligamento metabólico. Como estudos anteriores não conseguiram detectar lesões necróticas evidentes,(1111 Langenberg C, Bagshaw SM, May CN, Bellomo R. The histopathology of septic acute kidney injury: a systematic review. Crit Care. 2008;12(2):R38) a lesão renal aguda séptica tem sido relacionada à insuficiência bioenergética. Essa hipótese afirma que a disfunção mitocondrial e a insuficiência de adenosina trifosfato levam à redução do metabolismo celular. Assim, as falhas nos órgãos podem ser principalmente funcionais, não estruturais. De fato, isso poderia atuar como um mecanismo reativo potencialmente protetor contra o estresse inflamatório.(66 Singer M. Cellular dysfunction in sepsis. Clin Chest Med. 2008;29(4):655-60.) Em estudo experimental, as células tubulares proximais expostas à endotoxina desenvolveram redução irreversível no VO2 como sinal de desregulação metabólica patológica.(1212 Quoilin C, Mouithys-Mickalad A, Duranteau J, Gallez B, Hoebeke M. Endotoxin-induced basal respiration alterations of renal HK-2 cells: a sign of pathologic metabolism down-regulation. Biochem Biophys Res Commun. 2012;423(2):350-4.) Embora esse processo seja geralmente descrito várias horas ou dias após o desafio séptico, a administração intravenosa de endotoxina está associada a reduções quase imediatas no estado redox intestinal do citocromo mitocondrial aa3.(1313 Schaefer CF, Biber B, Lerner MR, Jöbsis-VanderVliet FF, Fagraeus L. Rapid reduction of intestinal cytochrome a,a3 during lethal endotoxemia. J Surg Res. 1991;51(5):382-91.) Da mesma forma, dentro de 1 hora após a exposição à endotoxina, as células renais mostram diminuição da expressão de genes envolvidos em processos mitocondriais.(1414 Janosevic D, Myslinski J, McCarthy TW, Zollman A, Syed F, Xuei X, et al. The orchestrated cellular and molecular responses of the kidney to endotoxin define a precise sepsis timeline. Elife. 2021;10:e62270.) A ausência de alterações no QR e na Pv-aCO2/Ca-vO2 sistêmica e regional e na Cv-aCO2/Ca-vO2 pode estar ligada à falha bioenergética, mas isso é meramente especulativo, porque nosso estudo não avaliou a função mitocondrial.

Os valores normais de QR variam de 0,67 a 1,10, o que depende do tipo de substrato utilizado.(1515 McClave SA, Lowen CC, Kleber MJ, McConnell JW, Jung LY, Goldsmith LJ. Clinical use of the respiratory quotient obtained from indirect calorimetry. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2003;27(1):21-6.) Por essa razão, um aumento acentuado - em vez de valores altos isolados - do QR sinaliza o início do metabolismo anaeróbico durante a carga progressiva de exercício e durante reduções no transporte de oxigênio em pacientes críticos.(1616 Wasserman K, Beaver WL, Whipp BJ. Gas exchange theory and the lactic acidosis (anaerobic) threshold. Circulation. 1990;81(1 Suppl):II14-30.) Aumentos agudos no QR foram descritos em hipóxia isquêmica, hipóxica e anêmica.(77 Cohen IL, Sheikh FM, Perkins RJ, Feustel PJ, Foster ED. Effect of hemorrhagic shock and reperfusion on the respiratory quotient in swine. Crit Care Med. 1995;23(3):545-52.,88 Ferrara G, Kanoore Edul VS, Martins E, Canales HS, Canullán C, Murias G, et al. Intestinal and sublingual microcirculation are more severely compromised in hemodilution than in hemorrhage. J Appl Physiol (1985). 2016;120(10):1132-40.,1717 Dubin A, Murias G, Estenssoro E, Canales H, Sottile P, Badie J, et al. End-tidal CO2 pressure determinants during hemorrhagic shock. Intensive Care Med. 2000;26(11):1619-23.,1818 Moss M, Moreau G, Lister G. Oxygen transport and metabolism in the conscious lamb: the effects of hypoxemia. Pediatr Res. 1987;22(2):177-83.)

Outra explicação para a ausência de alterações no QR durante o choque endotoxêmico pode ser uma mudança na fonte de energia, ou seja, de carboidratos para lipídios. Nesse caso, entretanto, o RQ deve ser menor durante a ressuscitação.

No choque séptico, há resultados conflitantes sobre o comportamento do QR e seus substitutos. Em nosso estudo, essas variáveis permaneceram constantes. Em modelo semelhante de choque endotoxêmico com dependência do suprimento de oxigênio sistêmico e intestinal, não verificamos aumento da Cv-aCO2/Ca-vO2 correspondente.(1919 Dubin A, Edul VS, Pozo MO, Murias G, Canullán CM, Martins EF, et al. Persistent villi hypoperfusion explains intramucosal acidosis in sheep endotoxemia. Crit Care Med. 2008;36(2):535-42.) Além do nosso, apenas dois estudos realizados em modelos de sepse em roedores, avaliaram o QR calculado a partir da medição dos gases expirados durante a dependência de VO2/DO2.(2020 Steiner AA, Flatow EA, Brito CF, Fonseca MT, Komegae EN. Respiratory gas exchange as a new aid to monitor acidosis in endotoxemic rats: relationship to metabolic fuel substrates and thermometabolic responses. Physiol Rep. 2017;5(1):e13100.,2121 Teo TC, Selleck KM, Wan JM, Pomposelli JJ, Babayan VK, Blackburn GL, et al. Long-term feeding with structured lipid composed of medium-chain and N-3 fatty acids ameliorates endotoxic shock in guinea pigs. Metabolism. 1991;40(11):1152-9.) Em contraste com nossos resultados, a injeção de endotoxina resultou em aumento do QR. Essa discrepância pode estar relacionada às espécies estudadas (ratos, porquinhos-da-índia e ovinos). Modelos de sepse em murinos gravemente hipodinâmicos têm sido considerados pouco representativos da sepse humana.(55 Preau S, Vodovar D, Jung B, Lancel S, Zafrani L, Flatres A, et al. Energetic dysfunction in sepsis: a narrative review. Ann Intensive Care. 2021;11(1):104.) Outra explicação pode residir no fato de que nossos animais estavam em ventilação mecânica, enquanto os roedores respiravam espontaneamente. A respiração espontânea é um dos principais contribuintes para o desenvolvimento do metabolismo anaeróbico muscular e da acidose láctica em estados de choque, independentemente das alterações hemodinâmicas.(2222 Aubier M, Trippenbach T, Roussos C. Respiratory muscle fatigue during cardiogenic shock. J Appl Physiol Respir Environ Exerc Physiol. 1981;51(2):499-508.,2323 Hussain SN, Graham R, Rutledge F, Roussos C. Respiratory muscle energetics during endotoxic shock in dogs. J Appl Physiol (1985). 1986;60(2):486-93.)

Em outro estudo realizado em porcos com sepse, a Pv-aCO2/Ca-vO2 sistêmica e regional e a Cv-aCO2/Ca-vO2 não se alteraram, porém era ausente a dependência VO2/DO2.(2424 Corrêa TD, Pereira AJ, Takala J, Jakob SM. Regional venous-arterial CO2 to arterial - venous O2 content difference ratio in experimental circulatory shock and hypoxia. Intensive Care Med Exp. 2020;8(1):64.) Em pacientes com choque séptico, o QR teve curso de tempo semelhante em sobreviventes e não sobreviventes.(2525 Hoeyer-Nielsen AK, Holmberg MJ, Grossestreuer AV, Yankama T, Branton JP, Donnino MW, et al. Association between the oxygen consumption: lactate ratio and survival in critically ill patients with sepsis. Shock. 2021;55(6):775-81.,2626 Hirayama I, Asada T, Yamamoto M, Hayase N, Hiruma T, Doi K. Changes in carbon dioxide production and oxygen uptake evaluated using indirect calorimetry in mechanically ventilated patients with sepsis. Crit Care. 2021;25(1):416.) Embora a mortalidade tenha sido associada a diminuições temporais em VCO2 e VO2, o QR foi estável ao longo do tempo. Em contraste, no choque perioperatório, o RQ foi um preditor de hiperlactatemia e complicações.(2727 Karam L, Desebbe O, Coeckelenbergh S, Alexander B, Colombo N, Laukaityte E, et al. Assessing the discriminative ability of the respiratory exchange ratio to detect hyperlactatemia during intermediate-to-high risk abdominal surgery. BMC Anesthesiol. 2022;22(1):211.

28 Bar S, Grenez C, Nguyen M, de Broca B, Bernard E, Abou-Arab O, et al. Predicting postoperative complications with the respiratory exchange ratio after high-risk noncardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Anaesthesiol. 2020;37(11):1050-7.
-2929 Bar S, Santarelli D, de Broca B, Abou Arab O, Leviel F, Miclo M, et al. Predictive value of the respiratory exchange ratio for the occurrence of postoperative complications in laparoscopic surgery: a prospective and observational study. J Clin Monit Comput. 2021;35(4):849-58.)

Utilizaram-se Pv-aCO2/Ca-vO2 e Cv-aCO2/Ca-vO2 como substitutas para o QR. Estudos experimentais mostraram que ambas as variáveis aumentam durante estados de hipóxia isquêmica, hipóxica e anêmica.(3030 Mallat J, Vallet B. Ratio of venous-to-arterial PCO2 to arteriovenous oxygen content difference during regional ischemic or hypoxic hypoxia. Sci Rep. 2021;11(1):10172.,3131 Dubin A, Ferrara G, Kanoore Edul VS, Martins E, Canales HS, Canullán C, et al. Venoarterial PCO2-to-arteriovenous oxygen content difference ratio is a poor surrogate for anaerobic metabolism in hemodilution: an experimental study. Ann Intensive Care. 2017;7(1):65.) Em pacientes com choque séptico, a Pv-aCO2/Ca-vO2 maior que 1,4 foi preditor de mortalidade, hiperlactatemia e dependência de suprimento de oxigênio.(99 Mekontso-Dessap A, Castelain V, Anguel N, Bahloul M, Schauvliege F, Richard C, et al. Combination of venoarterial PCO2 difference with arteriovenous O2 content difference to detect anaerobic metabolism in patients. Intensive Care Med. 2002;28(3):272-7.) No entanto, a Pv-aCO2/Ca-vO2 pode aumentar antes do início da dependência de VO2/DO2 ou persistir em um nível elevado após a correção da hipóxia tecidual.(3030 Mallat J, Vallet B. Ratio of venous-to-arterial PCO2 to arteriovenous oxygen content difference during regional ischemic or hypoxic hypoxia. Sci Rep. 2021;11(1):10172.

31 Dubin A, Ferrara G, Kanoore Edul VS, Martins E, Canales HS, Canullán C, et al. Venoarterial PCO2-to-arteriovenous oxygen content difference ratio is a poor surrogate for anaerobic metabolism in hemodilution: an experimental study. Ann Intensive Care. 2017;7(1):65.
-3232 Ferrara G, Edul VS, Canales HS, Martins E, Canullán C, Murias G, et al. Systemic and microcirculatory effects of blood transfusion in experimental hemorrhagic shock. Intensive Care Med Exp. 2017;5(1):24.) Fatores que aumentam a dissociação de dióxido de carbono da hemoglobina, como anemia, acidose metabólica e o efeito Haldane, podem ser responsáveis pelo aumento da Pv-aCO2/Ca-vO2. Em nosso estudo, a Pv-aCO2/Ca-vO2 apresentou apenas uma correlação fraca com o QR. O cálculo da Cv-aCO2/Ca-vO2 deve superar essas dificuldades, mas essa abordagem também pode ser enganosa. Na validação do algoritmo de Douglas, foi encontrada excelente correlação entre o teor de dióxido de carbono tonométrico e calculado.(1010 Douglas AR, Jones NL, Reed JW. Calculation of whole blood CO2 content. J Appl Physiol (1985). 1988;65(1):473-7.) No entanto, usando dados do estudo mencionado, os limites de concordância de 95% entre os teores de dióxido de carbono medidos e calculados são de até 4,7mL/100mL. Além disso, há um erro de propagação associado ao cálculo do Cv-aCO2. Por esses motivos, esse cálculo pode ocasionalmente resultar em valores negativos espúrios de Cv-aCO2. Dessa forma, não encontramos qualquer correlação e amplos limites de concordância de 95% entre o QR e o Cv-aCO2/Ca-vO2. Estudos experimentais e clínicos mostraram que a Pv-aCO2/Ca-vO2 é um substituto enganoso para o QR;(2828 Bar S, Grenez C, Nguyen M, de Broca B, Bernard E, Abou-Arab O, et al. Predicting postoperative complications with the respiratory exchange ratio after high-risk noncardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Anaesthesiol. 2020;37(11):1050-7.,3131 Dubin A, Ferrara G, Kanoore Edul VS, Martins E, Canales HS, Canullán C, et al. Venoarterial PCO2-to-arteriovenous oxygen content difference ratio is a poor surrogate for anaerobic metabolism in hemodilution: an experimental study. Ann Intensive Care. 2017;7(1):65.,3232 Ferrara G, Edul VS, Canales HS, Martins E, Canullán C, Murias G, et al. Systemic and microcirculatory effects of blood transfusion in experimental hemorrhagic shock. Intensive Care Med Exp. 2017;5(1):24.) ela pode apresentar alta sensibilidade, mas baixa especificidade, para detectar aumentos no QR. Apesar da alta sensibilidade, essa variável permaneceu marcadamente estável em nossos experimentos, mesmo na presença de dependência do suprimento de oxigênio sistêmico e renal.

O aumento do QR em estados anaeróbicos resulta do VCO2 anaeróbico produzido pelo tamponamento com bicarbonato de ácidos gerados anaerobicamente, como o lactato.(1616 Wasserman K, Beaver WL, Whipp BJ. Gas exchange theory and the lactic acidosis (anaerobic) threshold. Circulation. 1990;81(1 Suppl):II14-30.) Em nossos experimentos, o lactato apresentou apenas aumentos marginais na fase inicial do choque, o que é congruente com a ausência de alterações no QR e seus substitutos e pode implicar a preservação do metabolismo aeróbico. Em contrapartida, após a restauração do VO2 sistêmico e da DO2 por meio da ressuscitação com fluidos e norepinefrina, observaram-se hiperlactatemia grave e acidose metabólica secundária a um aumento do hiato aniônico. Grande número de evidências mostra que a hiperlactatemia no choque séptico, especialmente após a normalização da pressão arterial e do débito cardíaco, depende principalmente do aumento da glicólise aeróbica secundária à estimulação da atividade da Na+/K+-ATPase pelas catecolaminas.(3333 Levy B, Gibot S, Franck P, Cravoisy A, Bollaert PE. Relation between muscle Na+K+ ATPase activity and raised lactate concentrations in septic shock: a prospective study. Lancet. 2005;365(9462):871-5.) Além disso, a reprogramação energética da oxidação de ácidos graxos e da fosforilação oxidativa para a glicólise aeróbica pode ser um fator contribuinte.(3434 Toro J, Manrique-Caballero CL, Gómez H. Metabolic reprogramming and host tolerance: a novel concept to understand sepsis-associated AKI. J Clin Med. 2021;10(18):4184.)

Este estudo tem pontos fracos. As análises secundárias apresentam limitações inerentes que foram alvo de críticas.(3535 Mariano ER, Ilfeld BM, Neal JM. “Going fishing”--the practice of reporting secondary outcomes as separate studies. Reg Anesth Pain Med. 2007;32(3):183-5.) Além disso, o choque endotoxêmico pode não se assemelhar completamente ao choque séptico humano. Além disso, nossa pesquisa carece de medições de oxigenação tecidual, bioenergética e função mitocondrial. Portanto, não pudemos descartar completamente a ocorrência de metabolismo anaeróbico. Outra desvantagem é a falta de exames histológicos.

CONCLUSÃO

Nesse modelo de choque séptico em ovinos, a hipoperfusão sistêmica, regional e microcirculatória, a dependência do consumo de oxigênio sistêmico e renal da oferta de oxigênio e a lesão renal aguda não foram associadas a aumentos no quociente respiratório ou em seus substitutos sistêmicos e regionais. Esses achados podem sugerir a ausência de metabolismo anaeróbico ou a baixa capacidade dessas variáveis de detectar tais condições. De qualquer forma, esse monitoramento não conseguiu refletir as anormalidades na perfusão dos tecidos e na função dos órgãos. Consequentemente, nossos resultados podem questionar a utilidade desse monitoramento em pacientes com choque séptico. Outros estudos devem explorar a relação entre esses achados e a presença de falha bioenergética.

  • Editor responsável: Gilberto Friedman

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi apoiado por um subsídio (PID 2015-00004) da Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica, Argentina.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2023
  • Aceito
    11 Jul 2023
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