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Para: COVID-19 crítico e disfunção neurológica - uma análise comparativa direta entre o SARS-CoV-2 e outros patógenos infecciosos

Ao editor,

Com interesse, lemos o artigo de Teixeira-Vaz et al. sobre um estudo de coorte prospectivo e unicêntrico em 27 pacientes com doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) que necessitaram de ventilação mecânica por mais de 48 horas devido à síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) Em comparação com uma coorte de controle da doença, os pacientes com SDRA por COVID-19 apresentaram maior risco de complicações neurológicas e disfunção do trato corticoespinhal.(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) Concluiu-se que os pacientes com COVID-19 grave devem ser sistematicamente examinados neurologicamente.(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) O estudo é excelente, mas tem limitações que são motivo de preocupação e devem ser discutidas.

A principal limitação do estudo é que o exame neurológico clínico não foi completo.(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) O exame incluiu apenas a avaliação do nível de sedação, a excitabilidade dos reflexos tendinosos e a presença/ausência do sinal de Babinski.(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) Ao avaliar apenas esses três pontos, é impossível decidir se um paciente em particular desenvolveu complicações no sistema nervoso central ou no sistema nervoso periférico. É necessário um exame neurológico clínico abrangente para avaliar se a COVID-19 é agravada por comprometimento neurológico. Se o exame clínico indicar anormalidades neurológicas, é necessário iniciar investigações instrumentais, como exames de imagem cerebral, eletrofisiologia e estudos do líquido cefalorraquidiano. Com relação ao exame clínico, não está claro por que apenas as funções do trato corticoespinhal foram avaliadas. As infecções por SARS-CoV-2 afetam não apenas as funções motoras, mas também todo o corpo, particularmente todo o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico.

Um teste de esfregaço nasal ou faríngeo negativo usando a reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR) para o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) não exclui a possibilidade de a SDRA ser causada pela COVID-19.(22 Du T, Wang Z. High positive rate after consecutive negative tests of SARS-CoV-2. Medicine (Baltimore). 2023;102(13):e33333.) Os pacientes com COVID-19 podem se tornar superinfectados devido à imunodeficiência induzida pelo SARS-CoV-2.(33 Nokhodian Z, Rostami S, Zeraatei P, Rahimkhorasani M, Abbasi S, Sadeghi S. Bacterial superinfection and antibiotic management in patients with covid-19 admitted to intensive care medicine in Central Iran: a follow-up study. Adv Biomed Res. 2023;12:43.) Devemos saber quantos dos pacientes incluídos eram suspeitos de ter não apenas infecções por SARS-CoV-2, mas também outros tipos de infecções.

Também discordamos da definição de convulsão.(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) As convulsões não estão necessariamente associadas à alteração da consciência. Particularmente, em convulsões focais, a consciência pode estar intacta. Também discordamos da definição de neuropatia periférica. Esse termo inclui não apenas mononeuropatia, neuropatia múltipla e polineuropatia, mas também polirradiculite, plexopatia e neuropatia de pequenas fibras. Como a permanência na unidade de terapia intensiva pode ser complicada pela neuropatia ou miopatia da doença crítica, devemos saber quantos dos pacientes inscritos tinham neuropatia decorrente da doença crítica, não da infecção pelo SARS-CoV-2.

Uma doença cerebrovascular não incluída na avaliação é a trombose do seio venoso, comumente complicada por acidente vascular cerebral isquêmico e sangramento intracerebral. A trombose do seio venoso foi repetidamente relatada como complicação das infecções por SARS-CoV-2.(44 Smith LJ, Khattar-Sullivan A, Devore E, Blace N. case report: papilledema secondary to Cerebral Venous Sinus Thrombosis after Severe COVID-19 infection. Optom Vis Sci. 2023;100(4):289-95.) Devemos saber quantos dos pacientes incluídos tiveram um acidente vascular cerebral devido à trombose do seio venoso.

Discordamos que o acidente vascular cerebral, a encefalite, a epilepsia, a mielite e a neuropatia possam ser diagnosticados somente por meio do exame clínico. O diagnóstico de condições neurológicas geralmente requer exames instrumentais para confirmar ou excluir um diagnóstico suspeito.

Em geral, o interessante estudo tem limitações que colocam em dúvida os resultados e sua interpretação. A abordagem dessas questões fortaleceria as conclusões e poderia melhorar o caráter do estudo. Os pacientes com COVID-19 com indicações de complicações neurológicas exigem investigações clínicas e instrumentais abrangentes para fazer um diagnóstico preciso e iniciar um tratamento precoce e adequado.

REFERENCES

  • 1
    Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.
  • 2
    Du T, Wang Z. High positive rate after consecutive negative tests of SARS-CoV-2. Medicine (Baltimore). 2023;102(13):e33333.
  • 3
    Nokhodian Z, Rostami S, Zeraatei P, Rahimkhorasani M, Abbasi S, Sadeghi S. Bacterial superinfection and antibiotic management in patients with covid-19 admitted to intensive care medicine in Central Iran: a follow-up study. Adv Biomed Res. 2023;12:43.
  • 4
    Smith LJ, Khattar-Sullivan A, Devore E, Blace N. case report: papilledema secondary to Cerebral Venous Sinus Thrombosis after Severe COVID-19 infection. Optom Vis Sci. 2023;100(4):289-95.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2023
  • Aceito
    06 Maio 2023
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