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Resposta para: COVID-19 crítico e disfunção neurológica - uma análise comparativa direta entre o SARS-CoV-2 e outros agentes infecciosos

AO EDITOR

Agradecemos aos Drs. Finsterer e Scorza por seu interesse e elogios ao nosso estudo intitulado “COVID-19 crítico e disfunção neurológica - uma análise comparativa direta entre o SARS-CoV-2 e outros agentes infecciosos”.(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.)

Na carta, é apontado que o exame neurológico realizado no nosso estudo estava incompleto. De fato, e no sentido estrito do estudo, os investigadores não realizaram uma avaliação neurológica detalhada dos pacientes incluídos, tendo como enfoque a avaliação dos sinais de disfunção do trato corticoespinhal (DTCE) em conformidade com o racional do estudo O objetivo principal do nosso estudo não era caracterizar o estado neurológico dos pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), mas identificar se o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) está mais frequentemente associado a sinais de DTCE (e outros sinais, sintomas e síndromes neurológicos) do que outros agentes infecciosos que causam insuficiência respiratória grave. Conforme relatado por Parsons et al.(22 Parsons N, Outsikas A, Parish A, Clohesy R, D’Aprano F, Toomey F, et al. Modelling the anatomic distribution of neurologic events in patients with COVID-19: a systematic review of MRI findings. AJNR Am J Neuroradiol.2021;42(7):1190-5.) e mencionado em nosso artigo, as lesões do trato corticoespinhal são as lesões mais comuns da substância branca descritas em pacientes com COVID-19 e, como tal, foram o alvo de nosso estudo. Dessa forma, o tamanho da nossa amostra foi calculado com base no uso de respostas de reflexo tendinoso profundo como a principal variável de resultado. No entanto, todos os pacientes foram submetidos a exames neurológicos completos diariamente durante sua internação na unidade de terapia intensiva (UTI). Esses exames foram realizados pelos médicos intensivistas assistentes, conforme o padrão de prática clínica do Departamento de Medicina Intensiva. Todos os dados relevantes (clínicos, laboratoriais e exames diagnósticos complementares) referentes à presença de sinais, sintomas e síndromes neurológicas durante a internação na UTI foram incluídos nos prontuários clínicos eletrônicos e coletados pelos investigadores.

Os resultados falso-negativos da reação em cadeia da polimerase via transcrição reversa (RT-PCR) em pacientes com COVID-19 podem ser causados por erros do observador, mas são causados principalmente por baixos níveis de RNA viral nos estágios mais tardios da doença após a resolução da infecção. De fato, os médicos devem estar cientes de que os pacientes com COVID-19 podem ter resultados negativos no teste RT-PCR para SARS-CoV-2 nos estágios mais tardios da infecção.(33 Takahashi H, Ichinose N, Okada Y. False-negative rate of SARS-CoV-2 RT-PCR tests and its relationship to test timing and illness severity: a case series. IDCases. 2022;28:e01496.) Foi relatado que a carga viral do SARS-CoV-2 muda com o tempo, com carga viral alta observada na primeira semana após o início da doença e carga viral baixa observada 2 semanas após o início. A principal conclusão do artigo usado como referência pelos autores da carta é que resultados negativos consecutivos de RT-PCR em amostras respiratórias podem não ser um critério adequado de depuração viral, e não para o seu diagnóstico.(44 Du T, Wang Z. High positive rate after consecutive negative tests of SARS-CoV-2. Medicine (Baltimore). 2023;102(13):e33333.) De fato, o teste consecutivo de RT-PCR pode efetivamente descartar o diagnóstico de COVID-19. Após vários testes negativos de RT-PCR, devem-se considerar outros diagnósticos. Em nossa população, todos os casos de SDRA foram avaliados por meio de esfregaços nasais/faríngeos. Em casos de negatividade e na ausência de outras causas, o teste foi repetido e, sempre que possível, uma amostra de lavado broncoalveolar foi obtida para testes diagnósticos microbiológicos que também incluíram a RT-PCR do SARS-CoV-2.

De acordo com a carta, o estudo deveria detalhar quantos dos pacientes incluídos eram suspeitos de ter não apenas infecções por SARS-CoV-2, mas também outros tipos de infecções. Esses dados estão disponíveis na tabela 2 do nosso artigo,(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) a qual mostra que 85% dos casos de COVID-19 tinham infecções sobrepostas (superinfecções) enquanto apenas 26% dos pacientes do grupo controle tinham infecções sobrepostas. Embora esse achado não seja formalmente discutido, ele coincide com os resultados relatados por Nokhodian et al.(55 Nokhodian Z, Rostami S, Zeraatei P, Rahimkhorasani M, Abbasi S, Sadeghi S. Bacterial superinfection and antibiotic management in patients with COVID-19 admitted to intensive care medicine in Central Iran: a follow-up study. Adv Biomed Res. 2023;12:43.)

No tocante à definição de convulsões, afirmamos que consideramos convulsão uma alteração no nível de consciência, comportamento, memória ou sentimentos relacionados à atividade elétrica descontrolada e/ou anormal do cérebro. É bem reconhecido que os pacientes com convulsões podem apresentar não apenas alterações no nível e no conteúdo da consciência, mas também outros sinais clínicos, como formigamento, movimentos bruscos, contração muscular, movimento rápido dos olhos, sensação de aura, alucinações, alterações no olfato, paladar, sensação tátil ou visão.(66 Huff JS, Murr N. Seizure. 2023 Feb 7. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan. PMID: 28613516.) Portanto, não consideramos que as convulsões estivessem presentes apenas quando existia uma alteração na consciência, e optou-se por uma definição mais ampla e aprofundada. Sempre que houve suspeita de convulsão, realizamos um eletroencefalograma e as avaliações clínica e eletrofisiológica foram realizadas por um neurofisiologista em colaboração com um intensivista. Em nossa amostra, apenas dois pacientes desenvolveram convulsões durante sua permanência na UTI; esses pacientes foram submetidos a eletroencefalograma e receberam terapia dirigida.

Com relação à definição de neuropatias periféricas, em nosso artigo, afirmamos que essas neuropatias incluíam distúrbios de células e fibras nervosas periféricas, inclusive mononeuropatias, neuropatias multifocais e polineuropatias (que incluem neuropatias de fibras finas e grossas). No entanto, concordamos que a polirradiculite e a plexopatia poderiam ter sido incluídas para uma definição mais ampla. Além disso, os autores da carta sugerem que se deveria saber quantos dos pacientes incluídos no estudo tinham neuropatia decorrente de doença crítica, e não da infecção por SARS-CoV-2. Destacamos que, na prática real de cuidados intensivos, o diagnóstico diferencial entre essas entidades é extremamente difícil, exigindo estudos diagnósticos complementares invasivos. Além disso, não foi comprovado que o diagnóstico diferencial entre essas entidades seja útil para a definição do tratamento e prognóstico. Além disso, apenas dois pacientes de nossa população apresentavam neuropatias periféricas. Outros estudos com o objetivo de analisar essa questão seriam muito interessantes.

Além disso, os Drs. Finsterer e Scorza afirmam que seria importante saber quantos dos pacientes incluídos tiveram acidente vascular cerebral (AVC) devido à trombose do seio venoso (TSV). De fato, reconhecemos que o risco de TSV é maior entre pacientes com COVID-19.(77 McCullough-Hicks ME, Halterman DJ, Anderson D, Cohen K, Lakshminarayan K. High Incidence and unique features of cerebral venous sinus thrombosis in hospitalized patients with COVID-19 infection. Stroke. 2022;53(9):e407-10.) Conforme descrito na tabela 2 de nosso artigo,(11 Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.) nenhum dos pacientes incluídos teve AVC isquêmico ou hemorrágico; observamos apenas um caso de ataque isquêmico transitório (no qual os dados de imagem não eram compatíveis com TSV).

Em conformidade com a carta, concordamos que o AVC, a encefalite, a epilepsia, a mielite e a neuropatia não podem ser diagnosticados somente por meio de um exame clínico e não afirmamos, em qualquer parte do nosso artigo, que os exames instrumentais seriam desnecessários para realizar esses diagnósticos. Na verdade, recuperamos as informações sobre essas síndromes neurológicas de prontuários clínicos eletrônicos, onde os meios de concluir esse diagnóstico incluíam exames complementares. No entanto, esse não foi o objetivo principal do artigo; portanto, em nossa seção Resultados, não detalhamos as avaliações instrumentais que cada paciente realizou.

Reconhecemos as limitações do nosso artigo e agradecemos aos autores da carta por levantarem questões que nos ajudaram a esclarecer certos aspectos do nosso estudo, bem como aspectos da prática habitual das atividades e dos prontuários clínicos do nosso Departamento de Medicina Intensiva, que inclui a prática multidisciplinar permanente baseada em intensivistas, com pelo menos duas avaliações clínicas completas dos pacientes e duas rodadas multidisciplinares diárias na UTI.

REFERENCES

  • 1
    Teixeira-Vaz A, Rocha JA, Reis DA, Oliveira M, Moreira TS, Silva AI, et al. Critical COVID-19 and neurological dysfunction - a direct comparative analysis between SARS-CoV-2 and other infectious pathogens. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):342-50.
  • 2
    Parsons N, Outsikas A, Parish A, Clohesy R, D’Aprano F, Toomey F, et al. Modelling the anatomic distribution of neurologic events in patients with COVID-19: a systematic review of MRI findings. AJNR Am J Neuroradiol.2021;42(7):1190-5.
  • 3
    Takahashi H, Ichinose N, Okada Y. False-negative rate of SARS-CoV-2 RT-PCR tests and its relationship to test timing and illness severity: a case series. IDCases. 2022;28:e01496.
  • 4
    Du T, Wang Z. High positive rate after consecutive negative tests of SARS-CoV-2. Medicine (Baltimore). 2023;102(13):e33333.
  • 5
    Nokhodian Z, Rostami S, Zeraatei P, Rahimkhorasani M, Abbasi S, Sadeghi S. Bacterial superinfection and antibiotic management in patients with COVID-19 admitted to intensive care medicine in Central Iran: a follow-up study. Adv Biomed Res. 2023;12:43.
  • 6
    Huff JS, Murr N. Seizure. 2023 Feb 7. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan. PMID: 28613516.
  • 7
    McCullough-Hicks ME, Halterman DJ, Anderson D, Cohen K, Lakshminarayan K. High Incidence and unique features of cerebral venous sinus thrombosis in hospitalized patients with COVID-19 infection. Stroke. 2022;53(9):e407-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2023
  • Aceito
    29 Ago 2023
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