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Fenótipos característicos em pacientes com insuficiência respiratória aguda com e sem COVID-19 e sua relação com os desfechos: um estudo de coorte

RESUMO

Objetivo:

Comparar, em uma coorte de pacientes com insuficiência respiratória aguda, os fenótipos de pacientes com e sem COVID-19, no contexto da pandemia, e avaliar se a COVID-19 é um preditor independente de mortalidade na unidade de terapia intensiva.

Métodos:

Este estudo de coorte histórico avaliou 1.001 pacientes com insuficiência respiratória aguda e suspeita de COVID-19 internados na unidade de terapia intensiva de oito hospitais. Os pacientes foram classificados como casos com e sem COVID-19 segundo os resultados da RT-PCR. Foram coletados dados sobre características clínicas e demográficas na admissão à unidade de terapia intensiva, bem como dados clínicos e laboratoriais diários e desfechos da unidade de terapia intensiva.

Resultados:

Embora os grupos não tenham diferido nos escores APACHE II ou SOFA na admissão, o grupo COVID-19 apresentou mais sintomas iniciais de febre, mialgia e diarreia e teve maior duração dos sintomas e maior prevalência de obesidade. Eles também apresentaram menor relação PaO2/FiO2 e níveis mais baixos de plaquetas do que os pacientes sem COVID-19 e mais alterações metabólicas, como níveis mais altos de glicemia, proteína C-reativa e desidrogenase lática. Os pacientes com insuficiência respiratória aguda sem COVID-19 apresentaram maior prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica/asma e cardiopatia. Os pacientes com COVID-19 permaneceram mais tempo no hospital e tiveram mais complicações, como insuficiência renal aguda, síndrome do desconforto respiratório agudo grave e infecção grave. A taxa de mortalidade por todas as causas também foi maior nesse grupo (43,7% no grupo com COVID-19 versus 27,4% no grupo sem COVID-19). O diagnóstico de COVID-19 foi um preditor de mortalidade na unidade de terapia intensiva (razão de chances de 2,77; IC95% 1,89 - 4,07; p < 0,001), independentemente da idade ou da pontuação do Índice de Comorbidade de Charlson.

Conclusão:

Em uma coorte prospectiva de pacientes admitidos com insuficiência respiratória aguda, os pacientes com COVID-19 apresentaram fenótipo claramente diferente e uma mortalidade mais alta do que os pacientes sem COVID-19. Isso pode ajudar a traçar uma triagem mais precisa e um tratamento adequado e oportuno para esses pacientes.

Descritores:
COVID-19; Infecções por coronavírus; SARS-CoV-2; Epidemiologia; Cuidados críticos; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To compare, within a cohort of patients with acute respiratory failure, the phenotypes of patients with and without COVID-19 in the context of the pandemic and evaluate whether COVID-19 is an independent predictor of intensive care unit mortality.

Methods:

This historical cohort study evaluated 1001 acute respiratory failure patients with suspected COVID-19 admitted to the intensive care unit of 8 hospitals. Patients were classified as COVID-19 cases and non-COVID-19 cases according to real-time polymerase chain reaction results. Data on clinical and demographic characteristics were collected on intensive care unit admission, as well as daily clinical and laboratory data and intensive care unit outcomes.

Results:

Although the groups did not differ in terms of APACHE II or SOFA scores at admission, the COVID-19 group had more initial symptoms of fever, myalgia and diarrhea, had a longer duration of symptoms, and had a higher prevalence of obesity. They also had a lower PaO2/FiO2 ratio, lower platelet levels than non-COVID-19 patients, and more metabolic changes, such as higher levels of blood glucose, C-reactive protein, and lactic dehydrogenase. Patients with non-COVID-19 acute respiratory failure had a higher prevalence of chronic obstructive pulmonary disease/asthma and cardiopathy. Patients with COVID-19 stayed in the hospital longer and had more complications, such as acute kidney failure, severe acute respiratory distress syndrome and severe infection. The all-cause mortality rate was also higher in this group (43.7% in the COVID-19 group versus 27.4% in the non-COVID-19 group). The diagnosis of COVID-19 was a predictor of intensive care unit mortality (odds ratio, 2.77; 95%CI, 1.89 - 4.07; p < 0.001), regardless of age or Charlson Comorbidity Index score.

Conclusion:

In a prospective cohort of patients admitted with acute respiratory failure, patients with COVID-19 had a clearly different phenotype and a higher mortality than non-COVID-19 patients. This may help to outline more accurate screening and appropriate and timely treatment for these patients.

Keywords:
COVID-19; Coronavirus infections; SARS-CoV-2; Epidemiology; Critical care; Intensive care units

INTRODUÇÃO

A pandemia da doença do coronavírus 2019 (COVID-19) impôs um ônus aos hospitais e foi uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo.(11 World Health Organization (WHO). WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard. 2021. Available from: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
) Por ser uma doença nova e agressiva, que pode ser confundida com outras doenças respiratórias, o manejo clínico específico da COVID-19 não está bem estabelecido, o que levou a internações mais longas, maior frequência de internação em unidades de terapia intensiva (UTI), complicações e desfechos desfavoráveis.(22 Helmy YA, Fawzy M, Elaswad A, Sobieh A, Kenney SP, Shehata AA. The COVID-19 pandemic: a comprehensive review of taxonomy, genetics, epidemiology, diagnosis, treatment, and control. J Clin Med. 2020;9(4):1225.) Embora esses aspectos pareçam ter melhorado ao longo da pandemia,(33 Dennis JM, McGovern AP, Vollmer SJ, Mateen BA. Improving survival of critical care patients with coronavirus disease 2019 in England: a national cohort study, march to june 2020. Crit Care Med. 2021;49(2):209-14.,44 Bateson ML, McPeake JM. Critical care survival rates in COVID-19 patients improved as the first wave of the pandemic developed. Evid Based Nurs. 2022;25(1):13.) ainda há muito a aprender com o que está por vir.

Além da lesão respiratória substancial, ou seja, insuficiência respiratória aguda, o vírus pode promover, direta ou indiretamente, complicações extrapulmonares que afetam quase todos os principais sistemas (cardiovascular, gastrointestinal, renal, hepático, endócrino e nervoso).(55 Gupta A, Madhavan MV, Sehgal K, Nair N, Mahajan S, Sehrawat TS, et al. Extrapulmonary manifestations of COVID-19. Nat Med. 2020;26(7):1017-32.) Devido à gravidade da COVID-19, estima-se que cerca de 32% dos pacientes hospitalizados pela doença podem precisar de cuidados intensivos.(66 Abate SM, Ahmed Ali S, Mantfardo B, Basu B. Rate of intensive care unit admission and outcomes among patients with coronavirus: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2020;15(7):e0235653.) Além disso, a taxa de mortalidade em cuidados intensivos é muito alta (19,6 a 40%).(44 Bateson ML, McPeake JM. Critical care survival rates in COVID-19 patients improved as the first wave of the pandemic developed. Evid Based Nurs. 2022;25(1):13.,77 Armstrong RA, Kane AD, Cook TM. Outcomes from intensive care in patients with COVID-19: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Anaesthesia. 2020;75(10):1340-9.) No entanto, muitas outras doenças respiratórias agudas têm apresentação clínica semelhante e diferentes abordagens terapêuticas. Desse modo, é essencial caracterizar esses pacientes, identificar possíveis fatores de risco e desenvolver estratégias para melhorar seus cuidados na UTI.

São escassos os estudos comparativos que se concentram em pacientes concomitantes com insuficiência respiratória aguda, com e sem COVID-19. Esses estudos geralmente dependem de controles históricos(88 Tomazini BM, Costa EL, Besen BA, Zampieri FG, Carvalho CR, Caser EB, et al. Desfechos clínicos e características da mecânica pulmonar entre a síndrome do desconforto respiratório agudo associada à COVID-19 e a não associada à COVID-19: uma análise de escore de propensão de dois importantes ensaios randomizados. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(3):335-41.

9 Ferrando C, Suarez-Sipmann F, Mellado-Artigas R, Hernández M, Gea A, Arruti E, Aldecoa C, Martínez-Pallí G, Martínez-González MA, Slutsky AS, Villar J; COVID-19 Spanish ICU Network. Clinical features, ventilatory management, and outcome of ARDS caused by COVID-19 are similar to other causes of ARDS. Intensive Care Med. 2020;46(12):2200-11.
-1010 Bain W, Yang H, Shah FA, Suber T, Drohan C, Al-Yousif N, et al. COVID-19 versus non-COVID-19 Acute respiratory distress syndrome: comparison of demographics, physiologic parameters, inflammatory biomarkers, and clinical outcomes. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(7):1202-10.) ou de pequenas populações de pacientes exclusivamente em ventilação mecânica.(1111 Todi S, Ghosh S. A comparative study on the outcomes of mechanically ventilated COVID-19 vs non-covid-19 patients with acute hypoxemic respiratory failure. Indian J Crit Care Med. 2021;25(12):1377-81.) É importante identificar as diferenças clínicas entre essas duas populações distintas na admissão hospitalar para fazer um diagnóstico diferencial precoce e preciso. Além disso, o conhecimento das características evolutivas e das possíveis complicações de cada grupo ao longo do tempo pode fornecer informações sobre o prognóstico.

Este estudo se propôs a analisar os dados clínicos de 1.001 pacientes com insuficiência respiratória aguda que foram admitidos à UTI durante os estágios iniciais da pandemia no Brasil. Os objetivos deste estudo foram comparar os dados de pacientes concomitantes com e sem COVID-19 e identificar quaisquer diferenças em seus fenótipos. Este estudo também pretendeu determinar se a COVID-19 era um preditor independente de mortalidade na UTI.

MÉTODOS

Este estudo de coorte prospectivo incluiu pacientes consecutivos com insuficiência respiratória aguda secundária à suspeita de infecção respiratória admitidos na UTI entre 11 de março e 13 de setembro de 2020, em oito hospitais de Curitiba (PR). Durante esse período, esses hospitais tinham capacidade máxima de 225 leitos exclusivamente para pacientes com insuficiência respiratória aguda e forte suspeita de COVID-19. Desses, 124 eram dedicados a pacientes do sistema público de saúde, 71 a pacientes do sistema privado de saúde e 30 a pacientes do sistema misto de saúde.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital INC - Instituto de Neurologia de Curitiba, sob o protocolo 2.899.188, em 17 de setembro de 2018. O mesmo comitê dispensou a exigência de consentimento informado, dado o desenho não intervencionista deste estudo e pelo fato de que os dados foram coletados de registros clínicos, sem contato com os participantes, e os procedimentos realizados neste estudo faziam parte da rotina assistencial. Todos os procedimentos de pesquisa foram conduzidos conforme os padrões éticos do comitê institucional de experimentação humana e com a Declaração de Helsinque de 1975, revisada em 2013. Para garantir um relatório adequado, adotamos as diretrizes do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) neste estudo.

Este estudo incluiu pacientes com mais de 18 anos de idade que foram admitidos na UTI com insuficiência respiratória aguda causada por suspeita de infecção respiratória. Eles foram submetidos a um teste de reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) para detectar o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), que foi coletado por meio de um esfregaço nasofaríngeo. Durante o período pandêmico, os pacientes foram avaliados quanto à insuficiência respiratória aguda secundária à suspeita de infecção respiratória, com base em um conjunto de critérios clínicos e radiológicos regularmente empregados pelas instituições do estudo. Se pelo menos dois dos critérios clínicos e radiológicos estivessem presentes, eles eram diagnosticados com insuficiência respiratória aguda devido a uma infecção respiratória secundária ou suspeita: pelo menos um sintoma semelhante ao da gripe, ou seja tosse, coriza, febre ou dor de garganta; pelo menos dois itens da escala quick-Sequential Organ Failure Assessment (qSOFA) modificada (pressão arterial sistólica < 100 mmHg, frequência respiratória > 22 rpm, diminuição do nível de consciência com pontuação da escala de coma de Glasgow < 15 e/ou saturação de oxigênio no pulso < 93%); e tomografia computadorizada (TC) de tórax com imagens sugestivas de COVID-19 (opacidade em vidro fosco e lesões periféricas distribuídas em ambos os pulmões) obtidas nas primeiras 48 horas após a admissão.(1212 Oliveira MC, Scharan KO, Thomés BI, Bernardelli RS, Reese FB, Kozesinski-Nakatani AC, et al. Diagnostic accuracy of a set of clinical and radiological criteria for screening of COVID-19 using RT-PCR as the reference standard. BMC Pulm Med. 2023;23(1):81.) Foram excluídos da coorte os pacientes sem registros completos de seguimento diário durante a internação na UTI.

Durante o período do estudo, alguns locais participantes tiveram que pausar temporariamente ou encerrar a inclusão de pacientes na coorte devido a um alto número de admissões nas UTIs e pela sobrecarga de assistência. Essa decisão foi tomada para priorizar a assistência ao paciente e garantir a segurança da equipe de pesquisa. Os pacientes admitidos nas UTIs quando o estudo estava suspenso não foram selecionados para este estudo. Entretanto, durante os períodos ativos dos locais, todos os pacientes foram selecionados e incluídos consecutivamente.

Os pacientes foram divididos em um grupo com diagnóstico de COVID-19 confirmado por RT-PCR (grupo com COVID-19) e outro grupo no qual esse diagnóstico foi refutado (grupo sem COVID-19). Para atenuar o viés de resultados de testes falso-negativos, o grupo sem COVID-19 incluiu apenas pacientes que tiveram mais de um resultado negativo de RT-PCR ou apenas um primeiro resultado negativo de RT-PCR se o paciente tivesse outro diagnóstico que fosse mais provável do que a infecção por SARS-CoV-2 para explicar o diagnóstico de insuficiência respiratória aguda.

Os dados foram obtidos de prontuários eletrônicos de pacientes e registros diários de seguimento de pacientes graves registrados à beira do leito em papel e capturados em um eCRF localizado no RedCap exclusivo para essa coorte. Os dados demográficos e clínicos foram coletados quando da admissão na UTI, e os dados clínicos e laboratoriais diários e os desfechos da UTI foram coletados para todos os pacientes incluídos. As variáveis clínicas coletadas nas primeiras 24 horas incluíram comorbidades (incluindo também o Índice de Comorbidade de Charlson), sintomas e sinais na admissão e duração dos sintomas até a admissão na UTI. As seguintes variáveis também foram coletadas dos prontuários médicos nas primeiras 24 horas de hospitalização: pressão arterial média, frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura, glicemia capilar, uso de medicamentos sedativos, nível de suporte respiratório, uso de medicamentos vasoativos, resultados de exames laboratoriais de hemograma, testes de coagulação, função renal e hepática, marcadores inflamatórios, eletrólitos, gases sanguíneos arteriais e níveis de dímero-D. O sistema de classificação Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II) foi usado como uma pontuação prognóstica com base nos dados das primeiras 24 horas de hospitalização. A disfunção orgânica atribuída aos diferentes sistemas foi caracterizada pelo SOFA, com dados coletados diariamente até o desfecho.

Também analisamos sistematicamente os tratamentos aplicados durante a hospitalização e as complicações, como derrame pleural, distúrbios de coagulação (ou seja, tempo de tromboplastina [TP] com Razão Normalizada Internacional [RNI] > 1,5 e/ou tempo de tromboplastina parcial ativado com caulim [KPTT] > 45 segundos e/ou plaquetas < 150.000 unidades/microlitro), insuficiência renal aguda (avaliada pelo AKI-KDIGO), insuficiência respiratória aguda grave e infecções secundárias. Outros parâmetros importantes avaliados foram o tempo de internação na UTI, o tempo e a necessidade de ventilação mecânica, o nível de limitação do suporte avançado de vida no momento do desfecho e a mortalidade na UTI. O status clínico na escala ordinal de 9 pontos da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi usado nas primeiras 24 horas e no momento do desfecho na UTI para classificar os pacientes em termos de comprometimento respiratório.

Análise estatística

As variáveis categóricas são apresentadas como frequências absolutas e percentuais, as variáveis quantitativas com distribuição normal como médias e desvios-padrão e as variáveis quantitativas sem distribuição normal como médias, medianas e intervalos interquartis. As variáveis categóricas foram comparadas entre os grupos com e sem COVID-19 usando o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, quando apropriado. As comparações das variáveis quantitativas entre os grupos foram realizadas usando o teste t de Student para amostras independentes, quando os dados eram normalmente distribuídos, e o teste não paramétrico U de Mann-Whitney, quando os dados não eram normalmente distribuídos.

A razão de chances e o respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%) de COVID-19 para mortalidade durante a internação na UTI foram estimados por modelos de regressão logística binária multivariada ajustados por idade e pontuação do Índice de Comorbidade de Charlson (representando comorbidades). Determinamos esses fatores de confusão a priori, seguindo as recomendações para estudos observacionais entre pacientes críticos.(1313 Lederer DJ, Bell SC, Branson RD, Chalmers JD, Marshall R, Maslove DM, et al. Control of confounding and reporting of results in causal inference studies. Guidance for authors from editors of respiratory, sleep, and critical care journals. Ann Am Thorac Soc. 2019;16(1):22-8.) O teste de Wald foi usado para analisar a significância de cada variável incluída nos modelos.

O nível de significância estatística foi fixado em 5%, e os dados foram analisados com o programa estatístico IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 28.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, Estados Unidos). Não foi realizada a imputação de dados ausentes.

RESULTADOS

Durante o período de inclusão, 2.578 pacientes foram admitidos nas UTIs dos oito hospitais. Desses pacientes, 1.001 foram incluídos porque atenderam aos três critérios de inclusão clínico-radiográficos, e todos foram submetidos ao teste de PCR para SARS-CoV-2 na admissão. Após os resultados, os 822 indivíduos positivos formaram o grupo com COVID-19, e os 179 indivíduos negativos formaram o grupo sem COVID-19. A figura 1 descreve o fluxo de pacientes admitidos nas UTIs até a definição final da amostra.

Figura 1
Fluxograma de pacientes com síndrome respiratória aguda grave com e sem COVID-19 referente às características basais e aos desfechos.

O grupo sem COVID-19 (n = 179) incluiu os seguintes diagnósticos estabelecidos para explicar o diagnóstico de insuficiência respiratória aguda: 41,3% tinham diagnóstico clínico de pneumonia bacteriana; 22,4% de doenças cardiovasculares; 17,9% de pneumopatias crônicas exacerbadas (asma, doença pulmonar obstrutiva crônica [DPOC] ou fibrose pulmonar); 5,0% de sepse de etiologia extrapulmonar; 4,5% de doenças neurológicas; 2,8% de câncer de pulmão; 2,2% de tromboembolismo pulmonar; 1,7% de descompensação metabólica; 1,1% de pneumonite e 1,1% de tuberculose.

Na admissão na UTI, não houve diferenças significativas entre os grupos com e sem COVID-19 em termos do APACHE II, do SOFA ou condição clínica basal, conforme classificado pela escala ordinal de 9 pontos. Além disso, a proporção de pacientes sob ventilação mecânica invasiva, drogas vasoativas e sedação no início do tratamento não foi significativamente diferente entre os dois grupos (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação das características basais entre os pacientes admitidos na UTI com síndrome respiratória aguda grave devido à COVID-19 e outras causas

O grupo com COVID-19 teve tempo maior entre o início dos sintomas e a admissão hospitalar (com uma mediana de 7 dias em comparação com 4 dias no grupo sem COVID-19) e índice de massa corporal médio mais alto de 29,3, em comparação com 26,9 no grupo sem COVID-19. O grupo com COVID-19 também apresentou maior taxa de obesidade e sintomas como febre, mialgia/artralgia e diarreia do que o grupo sem COVID-19 (Tabela 1).

Além disso, o grupo sem COVID-19 tinha maior média de idade (64,4 versus 61); proporção significativamente maior de pacientes com cardiomiopatia e DPOC/asma como comorbidades e menor nível de consciência como sintoma. A tosse e a dispneia foram os sintomas mais frequentes em ambos os grupos (Tabela 1).

Com base nos dados clínicos laboratoriais coletados nas primeiras 24 horas, verificou-se que os pacientes com COVID-19 tinham relação entre pressão parcial média de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2) menor do que aqueles sem COVID-19 (212,7 versus 264,1; p < 0,001). Os pacientes com COVID-19 apresentaram níveis médios mais altos de glicemia, proteína C-reativa e desidrogenase lática do que os pacientes sem COVID-19. Por outro lado, observou-se maior contagem de leucócitos, média de excesso de base e mediana de bilirrubina total no grupo sem COVID-19 (Tabela 1).

Ao analisar os dados coletados durante a permanência na UTI, descobrimos que o grupo com COVID-19 apresentou maior ocorrência de hiperglicemia, insuficiência renal aguda, infecção nosocomial, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e SDRA mais grave. Por outro lado, o grupo sem COVID-19 teve um número maior de casos com derrame pleural e episódios de insuficiência cardíaca congestiva (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação de desfechos entre pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva com insuficiência respiratória aguda devido à COVID-19 e outras causas

Os pacientes com COVID-19 receberam significativamente mais pronação em ventilação mecânica e espontânea, mais tratamento antiviral, antifúngico, corticosteroide e diálise, permaneceram mais tempo na UTI (mediana de 7 versus 4; p < 0,001) e tiveram taxa de mortalidade mais alta (43,7% versus 27,4%; p < 0,001) em comparação com o grupo sem COVID-19 (Tabela 2).

Entre os pacientes internados na UTI com insuficiência respiratória aguda secundária à suspeita de infecção respiratória, os pacientes com diagnóstico confirmado de COVID-19 tinham 2,77 vezes mais chances de morrer durante a internação na UTI do que aqueles sem esse diagnóstico (IC95%, 1,89 a 4,07; p < 0,001), mesmo quando ajustados para idade e pontuação do Índice de Comorbidade de Charlson em uma análise multivariada. A maior idade e a pontuação do Índice de Comorbidade de Charlson também foram associadas a uma maior chance de mortalidade na UTI (Figura 2).

Figura 2
Avaliação da COVID-19 como preditor de mortalidade na unidade de terapia intensiva, independentemente da idade e da pontuação do Índice de Comorbidade de Charlson.

DISCUSSÃO

Em 2020, vários pacientes foram admitidos na UTI com sintomas de insuficiência respiratória aguda. Identificar quais pacientes com insuficiência respiratória aguda tinham COVID-19 e/ou maior probabilidade de morrer na admissão e fornecer a melhor assistência representou um desafio para os médicos. Aqui, descrevemos uma coorte concomitante de pacientes com insuficiência respiratória aguda com e sem COVID-19 admitidos na UTI durante a primeira onda da pandemia no Brasil.(1414 Resende PC, Delatorre E, Gräf T, Mir D, Motta FC, Appolinario LR, et al. Evolutionary dynamics and dissemination pattern of the SARS-CoV-2 lineage B.1.1.33 during the early pandemic phase in Brazil. Front Microbiol. 2021;11:615280.) Além disso, detalhamos as características demográficas, clínicas e laboratoriais, os tratamentos, as complicações e as características dos resultados associados a esses grupos.

Em toda nossa análise, a COVID-19 sozinha aumentou significativamente o risco de mortalidade dos pacientes. Nossos resultados também demonstraram um perfil diferente de pacientes com insuficiência respiratória aguda. Por exemplo, as diferenças basais clinicamente relevantes nos pacientes com COVID-19 foram índice de massa corporal mais alto, obesidade e resultados de testes mostrando níveis mais altos de glicemia, proteína C-reativa e desidrogenase lática. Além disso, esses pacientes tinham maior probabilidade de desenvolver insuficiência renal, hiperglicemia, SDRA e um nível mais grave de SDRA. Eles usaram ventilação mecânica com a manobra de decúbito ventral com mais frequência, fizeram diálise com mais frequência e permaneceram mais tempo hospitalizados.

Por outro lado, os pacientes sem COVID-19 eram mais velhos e tinham mais comorbidades, como cardiopatia e DPOC/asma. Nas primeiras 24 horas, foram observados valores mais altos para contagem de leucócitos, PaO2 e PaO2/FiO2. Os parâmetros de resultado observados foram, em sua maioria, níveis moderados de SDRA, derrame pleural e insuficiência cardíaca congestiva.

As características basais da população estudada foram semelhantes às relatadas em outros artigos sobre a COVID-19. Os pacientes incluídos nesta coorte tinham uma média de idade semelhante a estudos brasileiros e internacionais.(1515 Castro MC, Gurzenda S, Macário EM, França GV. Characteristics, outcomes and risk factors for mortality of 522 167 patients hospitalised with COVID-19 in Brazil: a retrospective cohort study. BMJ Open. 2021;11(5):e049089.

16 Ranzani OT, Bastos LS, Gelli JG, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18.

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18 Auld SC, Caridi-Scheible M, Blum JM, Robichaux C, Kraft C, Jacob JT, Jabaley CS, Carpenter D, Kaplow R, Hernandez-Romieu AC, Adelman MW, Martin GS, Coopersmith CM, Murphy DJ; and the Emory COVID-19 Quality and Clinical Research Collaborative. ICU and ventilator mortality among critically ill adults with coronavirus disease 2019. Crit Care Med. 2020;48(9):e799-804.

19 Grasselli G, Zangrillo A, Zanella A, Antonelli M, Cabrini L, Castelli A, Cereda D, Coluccello A, Foti G, Fumagalli R, Iotti G, Latronico N, Lorini L, Merler S, Natalini G, Piatti A, Ranieri MV, Scandroglio AM, Storti E, Cecconi M, Pesenti A; COVID-19 Lombardy ICU Network. Baseline characteristics and outcomes of 1591 patients infected with SARS-CoV-2 admitted to ICUs of the Lombardy Region, Italy. JAMA. 2020;323(16):1574-81.
-2020 Thomson RJ, Hunter J, Dutton J, Schneider J, Khosravi M, Casement A, et al. Clinical characteristics and outcomes of critically ill patients with COVID-19 admitted to an intensive care unit in London: a prospective observational cohort study. PLoS One. 2020;15(12):e0243710.) As comorbidades mais frequentes relatadas aqui também são compatíveis com a literatura,(1515 Castro MC, Gurzenda S, Macário EM, França GV. Characteristics, outcomes and risk factors for mortality of 522 167 patients hospitalised with COVID-19 in Brazil: a retrospective cohort study. BMJ Open. 2021;11(5):e049089.,1818 Auld SC, Caridi-Scheible M, Blum JM, Robichaux C, Kraft C, Jacob JT, Jabaley CS, Carpenter D, Kaplow R, Hernandez-Romieu AC, Adelman MW, Martin GS, Coopersmith CM, Murphy DJ; and the Emory COVID-19 Quality and Clinical Research Collaborative. ICU and ventilator mortality among critically ill adults with coronavirus disease 2019. Crit Care Med. 2020;48(9):e799-804.,1919 Grasselli G, Zangrillo A, Zanella A, Antonelli M, Cabrini L, Castelli A, Cereda D, Coluccello A, Foti G, Fumagalli R, Iotti G, Latronico N, Lorini L, Merler S, Natalini G, Piatti A, Ranieri MV, Scandroglio AM, Storti E, Cecconi M, Pesenti A; COVID-19 Lombardy ICU Network. Baseline characteristics and outcomes of 1591 patients infected with SARS-CoV-2 admitted to ICUs of the Lombardy Region, Italy. JAMA. 2020;323(16):1574-81.,2121 Argenziano MG, Bruce SL, Slater CL, Tiao JR, Baldwin MR, Barr RG, et al. Characterization and clinical course of 1000 patients with coronavirus disease 2019 in New York: retrospective case series. BMJ. 2020;369:m1996.) incluindo hipertensão arterial sistêmica, diabetes e obesidade. É importante ressaltar que os pacientes sem COVID-19 apresentaram mais cardiopatia e DPOC/asma do que os pacientes com COVID-19. APACHE II e SOFA relatados na literatura até o momento são muito variados.(1717 Socolovithc RL, Fumis RR, Tomazini BM, Pastore L, Galas FR, de Azevedo LC, et al. Epidemiology, outcomes, and the use of intensive care unit resources of critically ill patients diagnosed with COVID-19 in Sao Paulo, Brazil: a cohort study. PLoS One. 2020;15(12):e0243269.,2222 Liu J, Liu Z, Jiang W, Wang J, Zhu M, Song J, et al. Clinical predictors of COVID-19 disease progression and death: Analysis of 214 hospitalised patients from Wuhan, China. Clin Respir J. 2021;15(3):293-309.,2323 Kurtz P, Bastos LS, Dantas LF, Zampieri FG, Soares M, Hamacher S, et al. Evolving changes in mortality of 13,301 critically ill adult patients with COVID-19 over 8 months. Intensive Care Med. 2021;47(5):538-48.)

Nossa amostra de pacientes com COVID-19 apresentou menos disfunção de órgãos extrapulmonares e mais disfunção respiratória do que os pacientes sem COVID-19. O grupo com COVID-19 teve uma relação PaO2/FiO2 média mais baixa do que o grupo sem COVID-19. Achados semelhantes de Kurtz et al.(2323 Kurtz P, Bastos LS, Dantas LF, Zampieri FG, Soares M, Hamacher S, et al. Evolving changes in mortality of 13,301 critically ill adult patients with COVID-19 over 8 months. Intensive Care Med. 2021;47(5):538-48.) mostraram que aproximadamente 50% dos pacientes com COVID-19 tinham relação PaO2/FiO2 inferior a 199. As pontuações SOFA na admissão foram menores do que em relatórios anteriores,(1717 Socolovithc RL, Fumis RR, Tomazini BM, Pastore L, Galas FR, de Azevedo LC, et al. Epidemiology, outcomes, and the use of intensive care unit resources of critically ill patients diagnosed with COVID-19 in Sao Paulo, Brazil: a cohort study. PLoS One. 2020;15(12):e0243269.,1818 Auld SC, Caridi-Scheible M, Blum JM, Robichaux C, Kraft C, Jacob JT, Jabaley CS, Carpenter D, Kaplow R, Hernandez-Romieu AC, Adelman MW, Martin GS, Coopersmith CM, Murphy DJ; and the Emory COVID-19 Quality and Clinical Research Collaborative. ICU and ventilator mortality among critically ill adults with coronavirus disease 2019. Crit Care Med. 2020;48(9):e799-804.) as quais podem estar relacionadas às características demográficas dos pacientes neste estudo. Como esperado, devido ao extenso componente inflamatório dessa doença, os níveis de proteína C-reativa foram mais altos em pacientes com COVID-19 e poderiam ser um biomarcador importante na admissão.(2424 Yitbarek GY, Walle Ayehu G, Asnakew S, Ayele FY, Bariso Gare M, Mulu AT, et al. The role of C-reactive protein in predicting the severity of COVID-19 disease: a systematic review. SAGE Open Med. 2021;9:20503121211050755.)

Nessa coorte, o grupo com COVID-19 apresentou proporção 30,85% maior de pessoas com SDRA e níveis duas vezes mais graves de SDRA do que o grupo sem COVID-19. Outras complicações observadas no grupo com COVID-19 foram insuficiência renal aguda, hiperglicemia e infecção nosocomial, compatíveis com a fisiopatologia e os achados clínicos da COVID-19.(55 Gupta A, Madhavan MV, Sehgal K, Nair N, Mahajan S, Sehrawat TS, et al. Extrapulmonary manifestations of COVID-19. Nat Med. 2020;26(7):1017-32.,2525 Barron E, Bakhai C, Kar P, Weaver A, Bradley D, Ismail H, et al. Associations of type 1 and type 2 diabetes with COVID-19-related mortality in England: a whole-population study. Lancet Diabetes Endocrinol. 2020;8(10):813-22.

26 Michalakis K, Ilias I. COVID-19 and hyperglycemia/diabetes. World J Diabetes. 2021;12(5):642-50.
-2727 Ahmed AR, Ebad CA, Stoneman S, Satti MM, Conlon PJ. Kidney injury in COVID-19. World J Nephrol. 2020;9(2):18-32.) Em relação aos parâmetros pulmonares, a literatura apresenta variação substancial no uso de ventilação mecânica em pacientes com COVID-19,(1717 Socolovithc RL, Fumis RR, Tomazini BM, Pastore L, Galas FR, de Azevedo LC, et al. Epidemiology, outcomes, and the use of intensive care unit resources of critically ill patients diagnosed with COVID-19 in Sao Paulo, Brazil: a cohort study. PLoS One. 2020;15(12):e0243269.

18 Auld SC, Caridi-Scheible M, Blum JM, Robichaux C, Kraft C, Jacob JT, Jabaley CS, Carpenter D, Kaplow R, Hernandez-Romieu AC, Adelman MW, Martin GS, Coopersmith CM, Murphy DJ; and the Emory COVID-19 Quality and Clinical Research Collaborative. ICU and ventilator mortality among critically ill adults with coronavirus disease 2019. Crit Care Med. 2020;48(9):e799-804.

19 Grasselli G, Zangrillo A, Zanella A, Antonelli M, Cabrini L, Castelli A, Cereda D, Coluccello A, Foti G, Fumagalli R, Iotti G, Latronico N, Lorini L, Merler S, Natalini G, Piatti A, Ranieri MV, Scandroglio AM, Storti E, Cecconi M, Pesenti A; COVID-19 Lombardy ICU Network. Baseline characteristics and outcomes of 1591 patients infected with SARS-CoV-2 admitted to ICUs of the Lombardy Region, Italy. JAMA. 2020;323(16):1574-81.
-2020 Thomson RJ, Hunter J, Dutton J, Schneider J, Khosravi M, Casement A, et al. Clinical characteristics and outcomes of critically ill patients with COVID-19 admitted to an intensive care unit in London: a prospective observational cohort study. PLoS One. 2020;15(12):e0243710.,2828 Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW; the Northwell COVID-19 Research Consortium; et al. Presenting characteristics, comorbidities, and outcomes among 5700 patients hospitalized with COVID-19 in the New York City Area. JAMA. 2020;323(20):2052-9.

29 Yang X, Yu Y, Xu J, Shu H, Xia J, Liu H, et al. Clinical course and outcomes of critically ill patients with SARS-CoV-2 pneumonia in Wuhan, China: a single-centered, retrospective, observational study. Lancet Respir Med. 2020;8(5):475-81.
-3030 Petrilli CM, Jones SA, Yang J, Rajagopalan H, O’Donnell L, Chernyak Y, et al. Factors associated with hospital admission and critical illness among 5279 people with coronavirus disease 2019 in New York City: prospective cohort study. BMJ. 2020;369:m1966.) o que pode refletir diferenças na prática clínica e no perfil dos pacientes. No entanto, a ventilação mecânica é mais comum em pacientes com COVID-19 do que em pacientes sem COVID-19 com insuficiência respiratória aguda. Os dias de internação na UTI foram semelhantes aos de outros estudos no grupo com COVID-19.(1515 Castro MC, Gurzenda S, Macário EM, França GV. Characteristics, outcomes and risk factors for mortality of 522 167 patients hospitalised with COVID-19 in Brazil: a retrospective cohort study. BMJ Open. 2021;11(5):e049089.,1919 Grasselli G, Zangrillo A, Zanella A, Antonelli M, Cabrini L, Castelli A, Cereda D, Coluccello A, Foti G, Fumagalli R, Iotti G, Latronico N, Lorini L, Merler S, Natalini G, Piatti A, Ranieri MV, Scandroglio AM, Storti E, Cecconi M, Pesenti A; COVID-19 Lombardy ICU Network. Baseline characteristics and outcomes of 1591 patients infected with SARS-CoV-2 admitted to ICUs of the Lombardy Region, Italy. JAMA. 2020;323(16):1574-81.,3030 Petrilli CM, Jones SA, Yang J, Rajagopalan H, O’Donnell L, Chernyak Y, et al. Factors associated with hospital admission and critical illness among 5279 people with coronavirus disease 2019 in New York City: prospective cohort study. BMJ. 2020;369:m1966.)

As taxas de mortalidade relatadas são altamente variáveis em estudos sobre a COVID-19, variando de 10,8 a 55%.(1515 Castro MC, Gurzenda S, Macário EM, França GV. Characteristics, outcomes and risk factors for mortality of 522 167 patients hospitalised with COVID-19 in Brazil: a retrospective cohort study. BMJ Open. 2021;11(5):e049089.

16 Ranzani OT, Bastos LS, Gelli JG, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18.
-1717 Socolovithc RL, Fumis RR, Tomazini BM, Pastore L, Galas FR, de Azevedo LC, et al. Epidemiology, outcomes, and the use of intensive care unit resources of critically ill patients diagnosed with COVID-19 in Sao Paulo, Brazil: a cohort study. PLoS One. 2020;15(12):e0243269.,2323 Kurtz P, Bastos LS, Dantas LF, Zampieri FG, Soares M, Hamacher S, et al. Evolving changes in mortality of 13,301 critically ill adult patients with COVID-19 over 8 months. Intensive Care Med. 2021;47(5):538-48.) Nossos resultados são semelhantes aos de estudos no Brasil,(1515 Castro MC, Gurzenda S, Macário EM, França GV. Characteristics, outcomes and risk factors for mortality of 522 167 patients hospitalised with COVID-19 in Brazil: a retrospective cohort study. BMJ Open. 2021;11(5):e049089.,1616 Ranzani OT, Bastos LS, Gelli JG, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-18.) mas ainda mais altos do que os resultados de uma metanálise realizada em todo o mundo (33%). As características dos pacientes na admissão poderiam explicar essas discrepâncias, como o APACHE II e o SOFA, conforme mencionado. Um estudo brasileiro(1515 Castro MC, Gurzenda S, Macário EM, França GV. Characteristics, outcomes and risk factors for mortality of 522 167 patients hospitalised with COVID-19 in Brazil: a retrospective cohort study. BMJ Open. 2021;11(5):e049089.) obteve dados semelhantes de pacientes com COVID-19 na UTI em relação à mortalidade, à necessidade de ventilação mecânica, aos sintomas e à internação na UTI, demonstrando perfil semelhante de pacientes nessa região. Além disso, a mortalidade entre os pacientes com COVID-19 foi 16% maior do que entre os pacientes sem COVID-19.

O principal ponto forte deste estudo é a comparação concomitante entre pacientes com e sem COVID-19 em uma grande amostra de pacientes de UTI. Além disso, realizamos uma análise mais completa desses pacientes com informações relacionadas a resultados laboratoriais, tratamentos, complicações e características de desfecho que podem ser úteis para a crescente literatura sobre a COVID-19.

Este estudo, porém, também tem algumas limitações. Primeiro, a coleta de dados foi restrita aos exames solicitados na UTI e documentados nos registros médicos eletrônicos. Como resultado, 17,8% dos pacientes aptos foram excluídos devido à insuficiência de registros médicos, o que poderia ter introduzido algum viés de seleção neste estudo. Os registros eletrônicos foram desenvolvidos de forma rápida e prospectiva; no entanto, os dados foram coletados apenas em Curitiba no início do surto de COVID-19. Durante esse período, as ações e intervenções ainda estavam sendo estudadas e aprendidas, portanto, a amostra não era representativa de todo o país durante a pandemia. É possível que o resultado tenha sido influenciado por mudanças no manejo clínico e outras intervenções, como o uso de esteroides, anticoagulação e outros ao longo do tempo. Por fim, houve um desequilíbrio importante no número de pacientes em cada grupo, o que pode ter influenciado os resultados; no entanto, esse desequilíbrio refletiu o contexto da pandemia.

Por fim, contribuímos para a descrição dos fenótipos de pacientes tratados na UTI por insuficiência respiratória aguda devido à COVID-19 e outras causas no contexto brasileiro, e acreditamos que os resultados de nossa coorte acrescentam informações específicas à literatura atualmente disponível, detalhando as diferenças e semelhanças desses grupos concomitantemente em relação a uma ampla gama de parâmetros relevantes para a tomada de decisões clínicas para pacientes em estado grave.

CONCLUSÃO

Os pacientes com insuficiência respiratória aguda secundária à COVID-19 apresentaram fenótipo claramente diferente dos pacientes sem COVID-19 e tiveram um risco maior de morrer na unidade de terapia intensiva do que aqueles sem COVID-19, mesmo quando ajustados para idade e comorbidades. Conhecer as principais diferenças entre os pacientes com e sem COVID-19 pode contribuir para informar as equipes multidisciplinares quanto ao manejo de novos pacientes e ajudar a delimitar uma triagem mais precisa e um tratamento adequado e oportuno para esses pacientes.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a todos os centros participantes pelo apoio ao nosso estudo durante esse período desafiador para todos, especialmente ao Complexo Hospitalar do Trabalhador (Hospital do Trabalhador e Hospital de Reabilitação): Dra. Mariana Bruinje Cosentino, Dra. Cintia Cristina Martins, Dra. Lorena Macedo Araujo, Dr. Bruno Alcântara Gabardo, Dra. Luiza Lange Albino e Dra. Flavia Castanho Hubert; Hospital Santa Casa de Curitiba: Dr. Danilo Bastos Pompemayer; Instituto de Medicina de Curitiba: Dra. Ana Flavia Kalled; Hospital Vita Batel: Dra. Lauriane Caroline Carneiro; Hospital das Nações: Dra. Luísa da Silva André; Instituto de Neurologia de Curitiba: Dra. Karen Fernandes de Moura; e Hospital Marcelino Champagnat: Jarbas da Silva Motta Junior e Bruna Martins Dzivielevski da Camara. Da equipe de pesquisa do CEPETI, agradecemos a Verônica Barros por todo o apoio e a Marcelo José Martins Junior pelos gráficos e colaboração. Também expressamos nossa gratidão a Karoleen Oswald Scharan, Bruna Isadora Thomé, Chiara Andrade, Luana Caroline Kmita e Rafael Lucio Silva por auxiliarem na coleta de dados.

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Editado por

Editor responsável: Alexandre Biasi Cavalcanti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2023
  • Aceito
    09 Set 2023
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