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Efeitos das áreas atelectásicas no tecido pulmonar circundante durante a ventilação mecânica em um modelo experimental de lesão pulmonar aguda induzida por lipopolissacarídeo

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o efeito da atelectasia durante a ventilação mecânica nas regiões periatelectáticas e pulmonares normais em um modelo de atelectasia em ratos com lesão pulmonar aguda induzida por lipopolissacarídeo.

Métodos:

Foram distribuídos aleatoriamente 24 ratos em quatro grupos, cada um com 6 animais: Grupo Salina-Controle, Grupo Lipopolissacarídeo-Controle, Grupo Salina-Atelectasia e Grupo Lipopolissacarídeo-Atelectasia. A lesão pulmonar aguda foi induzida por injeção intraperitoneal de lipopolissacarídeo. Após 24 horas, a atelectasia foi induzida por bloqueio brônquico. Os animais foram submetidos à ventilação mecânica por 2 horas com parâmetros ventilatórios protetores, e a mecânica respiratória foi monitorada durante esse período. Em seguida, foram realizadas análises histológicas de duas regiões de interesse: as áreas periatelectásicas e o pulmão normalmente aerado contralateral às áreas atelectásicas.

Resultados:

O escore de lesão pulmonar foi significativamente maior no Grupo Controle-Lipopolissacarídeo (0,41 ± 0,13) do que no Grupo Controle-Solução Salina (0,15 ± 0,51), com p < 0,05. As regiões periatelectásicas apresentaram escores maiores de lesão pulmonar do que as regiões normalmente aeradas nos Grupos Atelectasia-Solução Salina (0,44 ± 0,06 versus 0,27 ± 0,74, p < 0,05) e Atelectasia-Lipopolissacarídeo (0,56 ± 0,09 versus 0,35 ± 0,04, p < 0,05). O escore de lesão pulmonar nas regiões periatelectásicas foi maior no Grupo Atelectasia-Lipopolissacarídeo (0,56 ± 0,09) do que na região periatelectásica do Grupo Atelectasia-Solução Salina (0,44 ± 0,06), p < 0,05.

Conclusão:

A atelectasia pode causar lesão no tecido circundante após um período de ventilação mecânica com parâmetros ventilatórios protetores. Seu efeito foi mais significativo em pulmões previamente lesionados.

Descritores:
Síndrome do desconforto respiratório; Respiração artificial; Lesão pulmonar induzida por ventilação mecânica; Atelectasia pulmonar; Lipopolissacarídeos; Sepse; Modelos animais

ABSTRACT

Objective:

To assess the effect of atelectasis during mechanical ventilation on the periatelectatic and normal lung regions in a model of atelectasis in rats with acute lung injury induced by lipopolysaccharide.

Methods:

Twenty-four rats were randomized into the following four groups, each with 6 animals: the Saline-Control Group, Lipopolysaccharide Control Group, Saline-Atelectasis Group, and Lipopolysaccharide Atelectasis Group. Acute lung injury was induced by intraperitoneal injection of lipopolysaccharide. After 24 hours, atelectasis was induced by bronchial blocking. The animals underwent mechanical ventilation for two hours with protective parameters, and respiratory mechanics were monitored during this period. Thereafter, histologic analyses of two regions of interest, periatelectatic areas and the normally-aerated lung contralateral to the atelectatic areas, were performed.

Results:

The lung injury score was significantly higher in the Lipopolysaccharide Control Group (0.41 ± 0.13) than in the Saline Control Group (0.15 ± 0.51), p < 0.05. Periatelectatic regions showed higher lung injury scores than normally-aerated regions in both the Saline-Atelectasis (0.44 ± 0.06 x 0.27 ± 0.74 p < 0.05) and Lipopolysaccharide Atelectasis (0.56 ± 0.09 x 0.35 ± 0.04 p < 0.05) Groups. The lung injury score in the periatelectatic regions was higher in the Lipopolysaccharide Atelectasis Group (0.56 ± 0.09) than in the periatelectatic region of the Saline-Atelectasis Group (0.44 ± 0.06), p < 0.05.

Conclusion:

Atelectasis may cause injury to the surrounding tissue after a period of mechanical ventilation with protective parameters. Its effect was more significant in previously injured lungs.

Keywords:
Acute respiratory distress syndrome; Respiration, artificial; Ventilator-induced lung injury; Pulmonary atelectasis; Lipopolysaccharides; Sepsis; Models, animal

INTRODUÇÃO

Pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) dependem de ventilação mecânica (VM) para manter a oxigenação adequada e reduzir o trabalho ventilatório.(11 Gorman EA, O’Kane CM, McAuley DF. Acute respiratory distress syndrome in adults: diagnosis, outcomes, long-term sequelae, and management. The Lancet. 2022;400(10358):1157-70.) No entanto, a VM pode lesar os pulmões por diferentes mecanismos, agravando a inflamação do tecido e prejudicando a sua recuperação.(22 Gattinoni L, Protti A, Caironi P, Carlesso E. Ventilator-induced lung injury: The anatomical and physiological framework. Crit Care Med. 2010;38(10 Suppl):S539-48.,33 Slutsky AS, Ranieri VM. Ventilator-induced lung injury. N Eng J Med. 2013;369(22):2126-36.) Estratégias que limitam o volume corrente (VT) a 4 - 8mL/kg de peso corporal predito, a pressão de platô (Pplat) < 30cmH2O e a pressão de distensão < 15cmH2O são recomendadas para evitar e minimizar essa lesão pulmonar induzida por ventilador (LPIV).(44 Fan E, Del Sorbo L, Goligher EC, Hodgson CL, Munshi L, Walkey AJ, Adhikari NKJ, Amato MBP, Branson R, Brower RG, Ferguson ND, Gajic O, Gattinoni L, Hess D, Mancebo J, Meade MO, McAuley DF, Pesenti A, Ranieri VM, Rubenfeld GD, Rubin E, Seckel M, Slutsky AS, Talmor D, Thompson BT, Wunsch H, Uleryk E, Brozek J, Brochard LJ; American Thoracic Society, European Society of Intensive Care Medicine, and Society of Critical Care Medicine. An Official American Thoracic Society/European Society of Intensive Care Medicine/Society of Critical Care Medicine Clinical Practice Guideline: Mechanical ventilation in adult patients with acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(9):1253-63. Erratum in Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(11):1540.)

Na SDRA, os pulmões apresentam distribuição heterogênea da sua aeração, com regiões completamente desprovidas de ar (áreas consolidadas e colapsadas) e regiões normalmente aeradas.(55 Cressoni M, Cadringher P, Chiurazzi C, Amini M, Gallazzi E, Marino A, et al. Lung inhomogeneity in patients with acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(2):149-58.,66 Maunder RJ. Preservation of normal lung regions in the adult respiratory distress syndrome. Analysis by computed tomography. JAMA. 1986;255(18):2463-5.) As regiões aeradas podem representar apenas uma pequena fração dos pulmões em formas graves de SDRA (o conceito de baby lung).(77 Gattinoni L, Pesenti A. The concept of “baby lung”. Intensive Care Med. 2005;31(6):776-84.) Nesses casos, a LPIV pode ocorrer mesmo com um VT limitado, devido à sobredistensão do baby lung, levando à deformação da matriz extracelular e das células epiteliais e endoteliais.(55 Cressoni M, Cadringher P, Chiurazzi C, Amini M, Gallazzi E, Marino A, et al. Lung inhomogeneity in patients with acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(2):149-58.) Essa sobredistensão pode romper diretamente o tecido ou desencadear sinais de transdução mecânica que iniciam uma cascata inflamatória.(88 Pinhu L, Whitehead T, Evans T, Griffiths M. Ventilator-associated lung injury. Lancet. 2003;361(9354):332-40.)

Os pulmões heterogêneos da SDRA também favorecem a ocorrência de LPIV devido às forças excessivas e lesivas geradas nas interfaces entre os tecidos abertos e fechados durante a VM. O mecanismo proposto por Mead consiste em um modelo matemático que mostra que os alvéolos não atelectásicos são expostos a forças de cisalhamento dos alvéolos atelectásicos vizinhos, que se abrem e colapsam ciclicamente durante a ventilação. Assim, a atelectasia poderia atuar como um concentrador de estresse e um gatilho para lesões em áreas próximas.(99 Mead J, Takishima T, Leith D. Stress distribution in lungs: a model of pulmonary elasticity. J Appl Physiol. 1970;28(5):596-608.) Com base nesses mecanismos, as estratégias de recrutamento alveolar podem ter o potencial de reduzir a LPIV, pois aumentam a área alveolar apta a receber o VT, reduzindo a sobredistensão, e tornam os pulmões menos heterogêneos, reduzindo as áreas de interface entre tecidos aerados e não aerados, que estão sujeitos às maiores pressões transpulmonares.

Retamal et al. já constataram maior extensão de trauma mecânico e inflamação nas regiões circundantes às áreas colapsadas em um modelo experimental de atelectasia em ratos com pulmões inicialmente saudáveis.(1010 Retamal J, Bergamini BC, Carvalho AR, Bozza FA, Borzone G, Borges JB, et al. Non-lobar atelectasis generates inflammation and structural alveolar injury in the surrounding healthy tissue during mechanical ventilation. Crit Care. 2014;18(5):505.) Nossa hipótese é a de que o impacto das áreas colapsadas como estressor nas áreas circundantes é mais pronunciado em pulmões previamente lesionados. Este estudo objetiva analisar a lesão no tecido que circunda os pulmões colapsados durante a VM em ratos com pulmões previamente lesionados por injeção intraperitoneal de lipopolissacarídeo (LPS).

MÉTODOS

Preparação dos animais

Ratos machos adultos da linhagem Wistar (pesando 307,6 ± 25,9g) foram obtidos do Centro de Biologia da Reprodução, biotério da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Os animais receberam cuidados de acordo com os Principles of Laboratory Animal Care formulados pela National Society for Medical Research. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da UFJF, em Minas Gerais.

Protocolo experimental

Os animais foram inicialmente distribuídos aleatoriamente (em uma proporção de 1:1) para receber LPS de Escherichia coli (LPS sorotipo 055:B5, purificado por extração de fenol, Sigma-Aldrich, Israel), 10mg/kg dissolvido em 0,5mL de solução salina a 0,9% (n = 12), ou uma quantidade equivalente de solução salina (n = 12), ambos por via intraperitoneal.(1111 da Fonseca LM, Reboredo MM, Lucinda LM, Fazza TF, Rabelo MA, Fonseca AS, et al. Emphysema induced by elastase enhances acute inflammatory pulmonary response to intraperitoneal LPS in rats. Int J Exp Pathol. 2016;97(6):430-7.)

Após 24 horas, os ratos foram anestesiados com um bólus intraperitoneal de cetamina (80mg/kg) e xilazina (8mg/kg). Após a anestesia, os ratos de ambos os grupos (solução salina e LPS) foram aleatoriamente designados aos grupos controle ou atelectasia. Desse modo, foram criados os quatro grupos a seguir: Grupo Salina-Controle (SAL-C), Grupo Lipopolissacarídeo-Controle (LPS-C), Grupo Salina-Atelectasia (SAL-AT) e Grupo Lipopolissacarídeo-Atelectasia (LPS-AT) (Figura 1).

Figura 1
Alocação de grupos e cronograma do desenho do estudo.

Procedeu-se a uma traqueostomia com um cateter de calibre 14, e a artéria carótida direita foi canulada com um cateter de calibre 18, para monitoramento da pressão arterial. Nos Grupos SAL-AT e LPS-AT, a atelectasia foi induzida por um êmbolo cilíndrico de silicone (3mm de comprimento e 1,8mm de diâmetro). O êmbolo foi conectado a um cateter de calibre 18 com fio-guia metálico e inserido através da cânula de traqueostomia até ficar preso na árvore brônquica terminal. Após o encaixe na árvore brônquica, o êmbolo foi liberado do fio guia, o qual foi removido em conjunto com o catéter.(1010 Retamal J, Bergamini BC, Carvalho AR, Bozza FA, Borzone G, Borges JB, et al. Non-lobar atelectasis generates inflammation and structural alveolar injury in the surrounding healthy tissue during mechanical ventilation. Crit Care. 2014;18(5):505.)

Os ratos foram, então, paralisados com 1mg/kg de rocurônio por via intravenosa e ventilados mecanicamente (Inspira ASV, Harvard Apparatus, Estados Unidos) com os seguintes parâmetros: VT = 8mL/kg, frequência respiratória (FR) de 80 respirações por minuto, relação inspiração-expiração de 1:2, fração inspirada de oxigênio (FiO2) = 0,21 e pressão expiratória positiva final (PEEP) de 5cmH2O. Após 120 minutos de VM, os animais foram sacrificados por exsanguinação através da linha carotídea. A traqueia foi pinçada no fim da inspiração, e os pulmões foram removidos para análise posterior.

Mecânica do sistema respiratório

O pico de pressão nas vias aéreas (Ppico) foi medido continuamente com um transdutor de pressão diferencial (105124-9, SCIREQ, Montreal, Quebec, Canadá) na extremidade distal da cânula traqueal. O fluxo de ar inspiratório foi medido com um pneumotacógrafo controlado por aquecimento (Hans Rudolph Model 8430B, KS, Estados Unidos) conectado a um transdutor de pressão (105159-6, SCIREQ, Montreal, Quebec, Canadá) e posicionado entre a cânula traqueal e a peça em Y do ventilador mecânico. Os sinais de fluxo de ar inspiratório e de fluxo, pressão das vias aéreas foram filtrados a 30Hz, digitalizados a 1.000Hz e registrados com um software específico (Data Acquisition System, DAS) escrito em LabVIEW® (National Instruments, Austin, Texas, Estados Unidos). O VT foi calculado pela integração numérica do fluxo de ar inspiratório.(1212 Giannella-Neto A, Bellido C, Barbosa RB, Melo MF. Design and calibration of unicapillary pneumotacographs. J Appl Physiol. 1998:84(1):355-43.)

Histologia pulmonar

Os pulmões foram removidos em blocos, e as áreas de atelectasia identificadas por exame macroscópico. Foram definidas duas regiões de interesse: a região periatelectásica (definida como 3mm de tecido circundante à atelectasia) e o pulmão contralateral à atelectasia (lobo inferior direito ou porção inferior do pulmão esquerdo). As regiões de interesse foram isoladas, fixadas em formaldeído tamponado a 10% e processadas para inclusão em parafina. Para normalizar as regiões de interesse, seis cortes sequenciais de 4µm de espessura foram realizados, até que as regiões de atelectasia e periatelectasia distais à via aérea que foi obstruída pelo êmbolo de silicone ou o parênquima pulmonar normalmente areado distal à via aérea aberta fossem visualizados nos grupos atelectasia e controle, respectivamente. Os cortes histológicos foram, então, coradas com hematoxilina-eosina, e os exames morfológicos foram realizados por um pesquisador que desconhecia os grupos de estudo com um microscópio de luz convencional (Zeiss, Hallbergmoos, Alemanha).

A lesão pulmonar foi quantificada com o uso de um sistema de pontuação ponderada modificado, conforme previamente descrito. Resumidamente, dez campos aleatórios em uma ampliação de 400X foram pontuados de forma independente nas áreas periatelectásicas e com aeração normal. Foram utilizados valores iguais a zero, um ou dois para representar a gravidade com base nos seguintes achados: neutrófilos no espaço alveolar, neutrófilos no espaço intersticial, membranas hialinas, debris proteicos preenchendo os espaços aéreos e espessamento do septo alveolar. Para gerar um escore de lesão pulmonar, a soma das cinco variáveis foi ponderada de acordo com a relevância atribuída a cada uma delas. A pontuação resultante foi um valor contínuo entre zero (normal) e um (a lesão mais grave). Além disso, a extensão de cada componente do escore de lesão pulmonar foi calculada com base na soma dos valores (zero, um ou dois) de cada um dos dez campos analisados.(1313 Matute-Bello G, Frevert CW, Martin TR. Animal models of acute lung injury. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol. 2008;295(3):L379-99.)

Análise estatística

A normalidade dos dados foi analisada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados paramétricos foram expressos como média ± desvio-padrão e os dados não paramétricos foram expressos como mediana (intervalo interquartil). Para a comparação dos dados paramétricos, foi utilizada análise de variância (ANOVA) unidirecional seguida do teste de Tukey. Para dados não paramétricos, foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis seguido do teste U de Mann-Whitney. Aplicou-se a análise de variância de duas vias para medidas repetidas, para avaliar os efeitos das diferenças de tempo e de grupo nas variáveis respiratórias. Na análise post hoc, para separar as diferenças entre as médias, foi utilizado o teste de comparação múltipla de Tukey quando uma razão F significativa foi obtida em relação a um fator ou a uma interação de fatores. Os ajustes para comparações repetidas foram realizados conforme a correção de Bonferroni. Considerou-se significativo valor de p < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 18.0 para Windows (SPSS Inc., Illinois, Estados Unidos).

RESULTADOS

Foram divididos 36 ratos em quatro grupos. Sete ratos morreram durante o período de VM: três do Grupo LPS-C, dois do Grupo LPS-AT, um do Grupo SAL-C e um do Grupo SAL-AT. Três ratos do Grupo LPS-AT e dois ratos do Grupo SAL-AT também foram excluídos porque, ao fim dos experimentos, a análise macroscópica dos pulmões mostrou que a atelectasia não foi induzida com sucesso. Entre os ratos incluídos no estudo, a análise histológica mostrou que a introdução de êmbolo pelas vias aéreas causou o desenvolvimento de uma pequena área de atelectasia, presente no lobo inferior direito em dez ratos (83%) e na parte inferior do pulmão esquerdo em dois ratos (17%). Essas posições foram confirmadas durante a análise histológica pela visualização do êmbolo na via aérea proximal à área atelectásica.

Mecânica respiratória

A mecânica do sistema respiratório é mostrada na tabela 1. A elastância do sistema respiratório (Esr) aumentou nos quatro grupos durante o experimento, sem relação significativa entre tempo e grupo. A Esr foi maior no Grupo LPS-AT do que nos Grupos SAL-C e LPS-C aos 60 e 120 minutos. Não foram observadas diferenças significativas na resistência do sistema respiratório (Rsr), VT/kg ou FR entre os quatro grupos (Tabela 1). Não foram observadas diferenças significativas no volume de fluido recebido durante os experimentos entre os quatro grupos (Tabela 1).

Tabela 1
Mecânica respiratória e volume de fluido infundido durante o período de 2 horas de ventilação mecânica

Análise histológica

Evidenciaram-se atelectasias nos pulmões dos animais dos Grupos SAL-AT e LPS-AT, confirmando a análise macroscópica ex vivo. Os ratos do Grupo LPS-C apresentaram maior escore de lesão pulmonar aguda (LPA) do que os do Grupo SAL-C. A análise de cada componente do escore demonstrou que os ratos do Grupo LPS-C apresentaram maior infiltração de neutrófilos alveolares e intersticiais, bem como maior quantidade de debris proteicos alveolares (Tabela 2, Figura 2).

Tabela 2
Escore de lesão pulmonar aguda e seus componentes

Figura 2
Fotomicrografias do parênquima pulmonar coradas com hematoxilina-eosina x 400.

Em ambos os grupos de ratos com atelectasia (SAL-AT e LPS-AT), as regiões de periatelectasia apresentaram escore maior de LPA do que as regiões com aeração normal dos pulmões contralaterais. As regiões de periatelectasia apresentaram maior infiltração alveolar e intersticial de neutrófilos e maior quantidade de debris proteicos alveolares. Os ratos do Grupo LPS-AT apresentaram LPA maior nas regiões de periatelectasia do que os ratos do Grupo SAL-AT (Tabela 2, Figura 2).

DISCUSSÃO

Neste estudo, replicamos um modelo de atelectasia não lobar desenvolvido por Retamal et al. para investigar a lesão pulmonar na interface entre regiões pulmonares abertas e colapsadas em ratos sob VM.(1010 Retamal J, Bergamini BC, Carvalho AR, Bozza FA, Borzone G, Borges JB, et al. Non-lobar atelectasis generates inflammation and structural alveolar injury in the surrounding healthy tissue during mechanical ventilation. Crit Care. 2014;18(5):505.) Para aproximar nossos achados da prática clínica, avaliamos o efeito da atelectasia em pulmões previamente lesionados por injeção intraperitoneal de LPS e ventilamos os animais de acordo com os parâmetros ventilatórios comumente usados na prática clínica (VT de 8mL/kg e PEEP de 5cmH2O). A lesão pulmonar foi mais significativa nas regiões circundantes às áreas atelectásicas do que nas regiões normalmente aeradas, confirmando nossa hipótese de que as áreas colapsadas podem amplificar a lesão induzida pela VM.

Na SDRA, os volumes pulmonares são distribuídos de forma heterogênea, e há áreas atelectásicas circundantes às áreas normalmente aeradas e até mesmo sobredistendidas. Essas inomogeneidades aumentam o estresse e a tensão locais e podem promover LPIV.(55 Cressoni M, Cadringher P, Chiurazzi C, Amini M, Gallazzi E, Marino A, et al. Lung inhomogeneity in patients with acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(2):149-58.,99 Mead J, Takishima T, Leith D. Stress distribution in lungs: a model of pulmonary elasticity. J Appl Physiol. 1970;28(5):596-608.) Os fundamentos teóricos sugerem que, na interface entre uma área totalmente aberta e uma totalmente fechada, a pressão transpulmonar aumenta até atingir valores muito maiores do que os encontrados em pulmões homogêneos. Essa exposição repetida à alta pressão transpulmonar, devido ao fechamento e reabertura cíclicos dos alvéolos durante o ciclo respiratório, contribui para a LPIV e é chamada de atelectrauma.(99 Mead J, Takishima T, Leith D. Stress distribution in lungs: a model of pulmonary elasticity. J Appl Physiol. 1970;28(5):596-608.,1414 Lachmann B. Open up the lung and keep the lung open. Intensive Care Med. 1992;18(6):319-21.)

Na análise do impacto da atelectasia na ocorrência de LPIV, recorremos ao modelo experimental descrito por Retamal et al. Nesse modelo, uma área atelectásica periférica isolada é obtida por meio do bloqueio brônquico com um êmbolo cilíndrico de silicone, criando uma interface entre áreas alveolares colapsadas e abertas. Eles observaram evidências histológicas de lesão pulmonar e inflamação nas regiões de periatelectasia, sugerindo que a atelectasia atua como um concentrador de estresse.(1010 Retamal J, Bergamini BC, Carvalho AR, Bozza FA, Borzone G, Borges JB, et al. Non-lobar atelectasis generates inflammation and structural alveolar injury in the surrounding healthy tissue during mechanical ventilation. Crit Care. 2014;18(5):505.) No entanto, em seu estudo, os ratos tinham pulmões previamente saudáveis antes dos experimentos e foram tratados com 20mL/kg de VT, condições que provavelmente não são encontradas na prática clínica.

Para reproduzir melhor o cenário clínico da LPIV durante a VM devido à LPA, criamos um modelo de atelectasia em ratos com LPA induzida por injeção intraperitoneal de LPS. Esse modelo de LPA está bem estabelecido e causa uma inflamação leve e transitória no tecido pulmonar. Em contraste com outros modelos de LPA, particularmente o obtido por lavagens pulmonares repetidas, nosso modelo não leva a um colapso alveolar extenso nem a uma heterogeneidade na distribuição dos volumes pulmonares.(1515 Kabir K, Gelinas JP, Chen M, Chen D, Zhang D, Luo X, et al. Characterization of a murine model of endotoxin-induced acute lung injury. Shock. 2002;17(4):300-3.) Essa característica evita a ocorrência de recrutamento pelo VT que, pela presença de extensas áreas colapsadas, poderia levar à distensão excessiva dos alvéolos abertos. Assim, é possível isolar o efeito da atelectasia causada pelo bloqueio brônquico, comparando pulmões abertos e colapsados. Nosso modelo de LPA reproduziu as características descritas na literatura com a presença de inflamação e a ausência de mecânica respiratória prejudicada. Os animais do Grupo LPS-C apresentaram lesão pulmonar mais grave, conforme evidenciado pela presença de mais neutrófilos intersticiais e alveolares e mais debris proteicos em comparação com o Grupo SAL-C. Não houve diferença na Esr basal ou durante o período de 2 horas de VM entre esses grupos.

Em nosso estudo, a atelectasia atuou como um fator de estresse e causou maior lesão pulmonar durante a VM, apesar do baixo VT de 8mL/kg aplicado. As áreas de periatelectasia nos grupos salina e LPS foram mais lesadas, conforme demonstrado por um escore maior de lesão pulmonar e maior infiltração de neutrófilos intersticiais e alveolares, e maior presença de debris proteicos em comparação com as áreas contralaterais com aeração normal. O efeito da atelectasia no LPIV foi mais grave nos grupos LPS, o que significa que os pulmões que tinham sido previamente inflamados foram mais facilmente lesionados. Esse achado pode ser explicado pela hipótese duplo insulto, segundo a qual duas agressões agem sinergicamente para causar a lesão.(1616 Pfeifer R, Andruszkow JH, Busch D, Hoepken M, Barkatali BM, Horst K, et al. Development of a standardized trauma-related lung injury model. J Surg Res. 2015;196(2):388-94.,1717 Hoegl S, Burns N, Angulo M, Francis D, Osborne CM, Mills TW, et al. Capturing the multifactorial nature of ARDS - “Two-hit” approach to model murine acute lung injury. Physiol Rep. 2018;6(6):e13648.) Neste estudo, a inflamação causada pelo LPS intraperitoneal pode ter preparado o sistema imunológico inato para uma resposta mais rápida e significativa ao aumento do estresse causado pela atelectasia. De fato, uma combinação desses modelos pode ser uma melhor representação da fisiopatologia complexa e multifatorial da SDRA, em que uma lesão inicial provavelmente aumentará a necessidade de VM.(1818 Ware LB, Matthay MA. The acute respiratory distress syndrome. N Eng J Med. 2000;342(18):1334-49.)

Há algumas limitações em nosso estudo que devem ser consideradas. Primeiro, o modelo de atelectasia não reflete a magnitude e o local do colapso pulmonar que ocorre na SDRA. Segundo, o modelo de LPA induzido por LPS intraperitoneal causa inflamação pulmonar leve e transitória que não reproduz os aspectos patológicos da SDRA. Terceiro, embora tenhamos excluído amostras com lesão evidente no tecido pulmonar causada pela presença de êmbolo de silicone, danos mais sutis podem ser indistinguíveis daqueles causados pela injeção de LPS. Por fim, os animais foram ventilados por apenas 2 horas, e períodos mais longos de VM, que podem ser necessários na prática clínica, podem levar a desfechos diferentes.

CONCLUSÃO

Nossos achados podem sugerir que a atelectasia aumenta o estresse nas áreas circundantes, favorecendo a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica, tanto em pulmões previamente saudáveis quanto em pulmões lesionados, apesar dos parâmetros ventilatórios protetores. Esses resultados apoiam o conceito de que a redução do número de interfaces entre unidades alveolares abertas e fechadas, que pode ser obtida por meio de estratégias ventilatórias, como a titulação da pressão expiratória positiva final e o posicionamento em decúbito ventral, pode diminuir a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica.

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), APQ-02419-18.

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Editado por

Editor responsável: Felipe Dal-Pizzol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2023
  • Aceito
    29 Set 2023
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