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Revista de Sociologia e Política, Número: 26, Publicado: 2006
  • Editorial

  • Apresentação: Pierre Bourdieu e a profissão de sociólogo, na prática Dossiê Pierre Bordieu No Campo

    Codato, Adriano; Moraes, Pedro Bodê de
  • Seguindo Pierre Bourdieu no campo Dossiê Pierre Bordieu No Campo

    Wacquant, Loïc

    Resumo em Português:

    Prestar atenção aos primeiros estudos de campo de Pierre Bourdieu, conduzidos concomitantemente na Argélia colonial e na sua aldeia natal no Béarn, no sudoeste francês, permite avaliar sua abordagem sociológica e seus resultados científicos numa nova chave interpretativa. Eles revelam as raízes etnográficas gêmeas da sua empresa teórica, dissolvem a figura caricatural do "teórico da reprodução", indiferente à mudança histórica, e afastam a ficção acadêmica do "teórico da prática". Mostram como as inovações conceituais de Bourdieu (como o conceito de habitus) eram guiadas por questões de pesquisa de campo centradas na transformação social, na disjunção cultural e na divisão da consciência. A utilização de cada local como um laboratório vivo para analisar de modo cruzado o outro local, permitiu a Bourdieu descobrir a especificidade da "universalmente pré-lógica lógica da prática" e levou-o a romper com o paradigma estruturalista. Ligar seus estudos de juventude na Cabília e no Béarn revela ainda que pressagiando o "repatriamento" da Antropologia depois do encerramento da era imperial, Bourdieu revogou a concepção dominante da Etnografia como uma exploração heróica da alteridade, sendo o pioneiro no desenvolvimento da Etnografia multissituada como um meio de controle da construção do objeto de pesquisa. Os estudos de campo sobre a estrutura social e sobre o sentimento na colônia longínqua e na terra natal, não só apagam na prática a divisão disciplinar entre Sociologia e Antropologia, como também demonstram que se pode conduzir Etnografia "insider" e reconhecer a inserção social e a subjetividade dividida do pesquisador sem, para tal, reduzir a Etnografia ao ato de contar histórias e sem abandonar a teoria à poesia.

    Resumo em Francês:

    Examiner les premières études de champ de Pierre Bourdieu, menées à la fois dans l'Algérie coloniale et dans son village natal en Béarn, sud-ouest de la France, nous permet d'évaluer son approche sociologique et ses résultats scientifiques sous une nouvelle clef interprétative. Elles révèlent les racines etnographiques jumelles de son univers théorique, dissolvent la figure caricaturale du « théoricien de la réproduction » indifférente au changement historique, et distinguent la fiction académique du « théoricien de la pratique ». Elles montrent comment les innovations conceptuelles chez Bourdieu (comme celle du concept d'habitus) s'appuyaient sur des questions de recherche de champ centrées sur la transformation sociale, la disjonction culturelle et la division de la conscience. L'utilisation de chaque espace comme un laboratoire réel pour analyser, à travers les regards croisés, l'autre espace, a permis à Bourdieu de découvrir la spécificité de « l'universellement pré-logique logique de la pratique » et l'a fait rompre avec le paradigme structuraliste. Mettre en rapport ses études de jeunesse en Kabylie et en Béarn révèle aussi que, prévoyant la « rentrée » de l'Anthropologie après la clôture de la période impériale, Bourdieu a révoqué la conception dominante de l'ethnographie comme une exploitation héroïque de l'altérité, devenant pionnier dans le développement de l'ethnographie multi-située comme un moyen de contrôle de la construction de l'objet de recherche. Les études de champ appliquées sur la structure sociale et sur le sentiment dans la lointaine colonie et dans la terre maternelle, non seulement effacent dans la pratique la division disciplinaire entre Sociologie et Anthropologie, mais encore montrent qu'il est possible de mener ethnographie « insider » et de reconnaitre l'insertion sociale et la subjectivité partagée du chercheur sans, à cette effet, réduire l'ethnographie à l'acte de raconter des histoires et sans abandonner la théorie à la poésie.

    Resumo em Inglês:

    Attending to Bourdieu's early field studies conducted concurrently in colonial Algeria and in his childhood village of Béarn in southwestern France sets his scientific approach and output into a new light: it reveals the twinned ethnographic roots of his theoretical enterprise; it dissolves the caricatural figure of the 'reproduction theorist' oblivious to historical change; and it dispels the academic fiction of the 'practice theorist' by displaying how Bourdieu's conceptual innovations (such as the reintroduction of habitus) were driven by questions of field research centered on social transformation, cultural disjuncture, and the fissuring of consciousness. Using each site as a living laboratory to cross-analyze the other enabled Bourdieu to discover the specificity of the 'universally prelogical logic of practice' and led him to break out of the structuralist paradigm. Recoupling his youthful inquiries in Kabylia and Béarn further reveals how, foreshadowing the 'repatriation' of anthropology after the close of the imperial age, Bourdieu revoked the dominant conception of ethnography as a heroic exploration of otherness and pioneered multi-sited ethnography as a means for controlling the construction of the object. Bourdieu's paired field studies of social structure and sentiment in the far-away colony and the mother-country not only efface in practice the disciplinary division between sociology and anthropology. They demonstrate that one can conduct 'insider ethnography' and acknowledge the social embeddedness and split subjectivity of the inquirer without reducing ethnography to story-telling and forsaking social theory for poetry.
  • O camponês e a fotografia Dossiê Pierre Bordieu No Campo

    Bourdieu, Pierre; Bourdieu, Marie-Claire

    Resumo em Português:

    Recorrendo a uma etnografia da aldeia do Sudoeste francês onde o autor passou sua infância, este artigo analisa os usos sociais e o sentido das fotografias e da prática fotográfica na sociedade camponesa do Béarn nos inícios de 1960. A fotografia surgiu ali, pela primeira vez, durante as grandes cerimônias da vida familiar e coletiva, como os casamentos, em que preenchia a função de afirmar a unidade, posição e fronteiras das linhagens envolvidas. Tais cerimônias podiam ser fotografadas porque estavam fora da rotina diária, e deviam ser fotografadas para solenizar e materializar a imagem que o grupo pretendia apresentar de si próprio. Por isso, as fotografias são vistas e apreciadas não em si mesmas e por si mesmas, isto é, em termos das suas qualidades técnicas ou estéticas, mas como sociogramas leigos que possibilitam um registro visual das relações e papéis sociais existentes.

    Resumo em Francês:

    S'appuyant sur l'ethnographie du village du sud-ouest français où l'auteur a passé son enfance, cet article analyse les usages sociaux et le sens de la photographie et de la pratique photographique au sein de la société paysanne du Béarn, au début des années 1960. La photograhie y survient pour la première fois à l'occasion de céremonies importantes de la vie familiale et collective, comme les mariages, où elle jouait le rôle d'affirmer l'unité, la position et les frontières des lignées. Ces cérimonies pouvaient être photographiées parce qu'elles ne s'inséraient pas dans le quotidien, et devraient être photographiées pour célébrer et matérialiser l'image que le groupe voulait rendre de lui-même. Les photos ne sont donc pas vues et appréciées en tant que telles, c'est-à-dire par leurs qualités techniques ou esthétiques, mais comme des sociogrammes non professionnels qui permettent d'y inscrire visuellement les relations et les rôles sociaux.

    Resumo em Inglês:

    Drawing on an ethnography of the author's childhood village in southwestern France, this article analyses the social uses and meaning of photographs and photographic practice in the peasant society of Béarn in the early 1960s. Photography was first introduced on the occasion of the great ceremonies of familial and collective life, such as weddings, in which it fulfills the function of affirming the unity, standing, and boundaries of the lineages involved. Such ceremonies can be photographed because they lie outside the everyday routine and they must be photographed to solemnize and materialize the image that the group intends to present of itself. Thus photos are read and appreciated not in themselves and for themselves, in terms of their technical or aesthetic qualities, but as lay sociograms providing a visual record of extant social roles and relations.
  • A dominação colonial e o sabir cultural Dossiê Pierre Bordieu No Campo

    Bourdieu, Pierre; Sayad, Abdelmalek

    Resumo em Português:

    A política francesa de "reassentamento" dos camponeses argelinos, planejada para minar o apoio popular à guerra de libertação nacional (1954-1962), levou ao deslocamento de um quarto da população nativa da Argélia em 1960. Disciplinando o espaço e reorganizando rigidamente a vida dos fellahin, os militares franceses esperavam domesticar um povo, mas isso apenas completou o que a primeira política colonial e a generalização das trocas monetárias já começara: a "descamponeização" de comunidades agrárias despojadas dos meios sociais e culturais para dar sentido ao seu presente e para controlar o seu futuro. Assim, a guerra cumpriu a intenção latente da política colonial, que é desintegrar a ordem social local com o objetivo de subordiná-la, seja sob a bandeira da segregação, seja sob a bandeira da assimilação. Mas a dominação imperial também produz um novo tipo de sujeito que contém em si as contradições nascidas do choque de civilizações: os padrões de comportamento e de ethos econômico importados pela colonização coexistem dentro do camponês argelino expulso de sua terra com aqueles que foram herdados da tradição ancestral, originando condutas, expectativas e aspirações antinômicas. Esta dupla dimensão da realidade, objetiva e subjetiva, ameaçava minar os esforços para socializar a agricultura depois da independência, enquanto que a lógica da descolonização induzia a pequena-burguesia letrada dos burocratas a negar magicamente as contradições da realidade como fantasmas vergonhosos de um passado colonial morto.

    Resumo em Francês:

    La politique française de« regrupement » des paysans algériens, mise en oeuvre pour miner l'appui populaire à la guerre de libération nationale (1954-1962), a provoqué le déplacement d'un quart de la population native de l'Algérie en 1960. En disciplinant l'espace et en aménageant rigoureusement la vie des fellahin, les militaires français espéraient dominer un peuple, mais cela n'a fait qu'achever ce que la première politique coloniale et la généralisation des échanges monétaires avaient déjà entrepris : la « dépaysannisation » de communautés agraires dépouillées de tous les moyens sociaux et culturels qui donnaient du sens à leur présent et qui réglaient leur futur. Ainsi, la guerre a accompli l'intention secrète de la politique coloniale : la désintégration de l'ordre social local dont l'objectif était de le soumettre, soit sous le drapeau de la ségrégation, soit sous le drapeau de l'assimilation. Mais la domination impériale produit aussi un nouvel sujet qui porte les contraditions issues du choc des civilisations : les modèles de comportement et d'ethos économique importés par la colonisation et ceux hérités de la tradition ancestrale cohabitant chez le paysan algérien exhilé, ce qui fait naître des attitudes, des attentes et des aspirations antinomiques. Cette double dimension de la réalité, objective et subjective, menaçait miner les efforts de socialisation de l'agriculture après l'indépendance, tandis que la logique de la décolonisation amenait la petite bourgeoisie lettrée des bureaucrates à nier par magie les contradictions de la réalité comme des fantasmes honteux d'un passé colonial mort.

    Resumo em Inglês:

    The French policy of 'resettlement' of Algerian peasants, designed to undercut popular support for the nationalist war of liberation (1954-62), led to the displacement of one-fourth of the indigenous population of Algeria in 1960. By disciplining space and rigidly reorganizing the life of the fellahin under the sign of the uniform, the French military hoped to tame a people, but it only completed what early colonial policy and the generalization of monetary exchanges had started: the 'depeasantization' of agrarian communities stripped of the social and cultural means to make sense of their present and get hold of their future. War thus accomplished the latent intention of colonial policy, which is to disintegrate the indigenous social order in order to subordinate it, whether it be under the banner of segregation or assimilation. But imperial domination also produces a new type of subject containing within himself or herself the contradictions born of the clash of civilizations: the patterns of behavior and economic ethos imported by colonization coexist inside of the exiled Algerian peasant with those inherited from ancestral tradition, fostering antinomic conducts, expectations, and aspirations. This double-sidedness of objective and subjective reality threatened to undermine the efforts to socialize agriculture after independence, as the logic of decolonization inclined the educated petty bourgeoisie of bureaucrats to magically deny the contradictions of reality as shameful ghosts of a dead colonial past.
  • Diálogo sobre a poesia oral na Cabília: entrevista de Mouloud Mammeri a Pierre Bourdieu Dossiê Pierre Bordieu No Campo

    Bourdieu, Pierre

    Resumo em Português:

    Neste diálogo, Pierre Bourdieu e o etnólogo, escritor e poeta argelino Mouloud Mammeri (1917-1989) exploram e explicam as bases sociais, os usos e o sentido da poesia oral na sociedade e história cabilas. Como filho do penúltimo amusnaw (sábio; bardo) de sua tribo, Mammeri estava posicionado de maneira única para situar esse mestre das palavras que atuou na função tradicional de mediador e transportador do conhecimento e manteve-se como a encarnação viva da tamusni (a filosofia prática da excelência berbere), em relação com o marabuto (depositário das sagradas escrituras do Corão) e com os camponeses (que compõem seu público principal). Torná-se amusnaw graças a uma eleição e isso requer um duplo aprendizado: primeiro, por osmose em um meio saturado de comércio e disputas verbais (no treinamento de guerra, na assembléia da vila, nos mercados e nas peregrinações) e, depois, por meio de um treinamento explícito com um poeta-mestre que orienta uma série de exercícios e provas. Esse processo requer não apenas o domínio de uma variedade de técnicas verbais e de um cânone oratório, mas também implica absorver e encarnar a sabedoria. Jogando com a multidimensionalidade da linguagem, adaptando-a com flexibilidade diante das especificidades de cada situação e público, o bardo cabila era continuamente testado e suas habilidades culturais infinitamente refinadas, até o ponto em que ele não apenas dominasse as regras do ofício, mas também jogasse com elas, trangredindo-as no espírito da tradição a fim de inventar novas figuras retóricas e extrair o máximo de "rendimento" da linguagem. A tamusni emerge assim não apenas como um corpo de conhecimento inerte, desligado da vida e transmitido por si mesmo, mas como uma "ciência prática", constantemente revivida pela e para a prática. O poeta é o porta-voz do grupo que, por meio de seu discernimento cultural e uso técnico da linguagem, aperfeiçoa os valores específicos do grupo, separa coisas que são confusas e, ao iluminar o que é obscuro, mobiliza seu povo.

    Resumo em Francês:

    Dans ce dialogue qui a eu lieu autour des années soixante-dix, Pierre Bourdieu et l'ethnologue, écrivain et poète algérien Mouloud Mammeri (1917-1989) exploitent et expliquent les bases sociales, les usages et le sens de la poésie orale dans la société et l'histoire kabyles. En fils de l'avant dernier amusnaw (sage, barde) de sa tribu, Mammeri occupait une place exceptionnelle pour situer ce maître des paroles qui a joué le rôle traditionnel de médiateur et porteur de la connaissance et est démeuré l'incarnation vive de la tamusni (la philosophhie pratique de l'excellence berbère), et entretenait des relations avec le marabout (le dépositaire des écritures sacrées du Coran) et les paysans (qui forment son principal public). Pour devenir un amusnaw il faut qu'il soit élu et qu'il ait un double apprentissage : d'abord, par osmose, dans un contexte plein de commerce et de disputes verbales (dans l'atelier de l'armurier, à l'assemblée du village, au marché et en pélerinages) et, puis, par l'intermédiaire d'un entrainement explicite auprès d'un maître, qui oriente une série d'exercices et d'examens. Il faut non seulement la maitrise de plusieurs techniques verbales et un canon oratoire, mais aussi s'imprégner et incarner la sagesse. Lorsqu'il joue sur la multidimensionnalité du langage et il adapte avec aisance ses propos à l'occasion et au public, le barde kabyle était en permanence mis à l'épreuve, et ses capacités culturelles étaient sans cesse aiguisées jusqu'à ce qu'il soit non seulement maitre des règles du métier, mais encore il y jouerait, les transgressant dans l'esprit de la tradition afin d'inventer de nouvelles figures rhétoriques et exploitant énormément le « rendement » du langage. La tamusni émerge donc non seulement comme un corps de la connaissance inerte, détaché de la vie et transmis par lui-même, mais comme une « science pratique », continuellement renouvelée par et pour la pratique. Le poète est le porte-parole du groupe qui, à travers son entendement culturel et l'usage technique du langage, perfectionne les valeurs spécifiques du groupe, sépare ce qui est confus et quand il illumine ce qui est obscur, mobilise le peuple.

    Resumo em Inglês:

    In this dialogue held in the mid-1970s, Pierre Bourdieu and the Algerian ethnologist, writer, and poet Mouloud Mammeri (1917-1989) explore and explicate the social bases, uses, and meaning of oral poetry in Kabyle society and history, thus illuminating the peculiarity of oratory and the social conditions of symbolic efficacy. As the son of the next-to-last amusnaw (sage, bard) of his tribe, Mammeri is uniquely placed to situate this master of words who served the traditional function of mediator and carrier of knowledge, and stood as the living incarnation of tamusni (the practical philosophy of Berber excellence), in relation to the marabout, bearer of the sacred scriptures of the Koran, and to the peasants who composed his main audience. Becoming an amusnaw occurred by election and entailed a two-fold apprenticeship, first by osmosis in a milieu saturated by verbal commerce and contest (in the armourer's workshop, the village assembly, the markets and pilgrimages) and, later, through explicit training with a master-poet setting out a series of exercises and exams. It required not only commanding a set of verbal techniques and an oratorial canon but also imbibing and embodying wisdom. Playing on the multi-layeredness of language, adapting with flexibility and à propos to the specificities of each occasion and audience, the Kabyle bard was continually tested and his cultural skills endlessly refined, to the point where he would not only master the rules of the craft but also play with them, transgress them within the spirit of tradition in order to invent new rhetorical figures extracting the maximum 'yield' from language. Tamusni thus emerges not a body of inert knowledge cut off from life and transmitted for its own sake but as a 'practical science' constantly revivified by and for practice. The poet is the spokesperson of the group who, through his cultural discernment and expert use of language, perfects the specific values of the group, separates things that are confused and, by shedding light on things obscure, mobilizes the people.
  • O camponês e seu corpo Dossiê Pierre Bordieu No Campo

    Bourdieu, Pierre

    Resumo em Português:

    Baseado em um estudo da cidade em que passou a infância (no Béarn, no Sudoeste da França), realizado nos anos 1960, combinando história, estatística e etnografia, o autor demonstra como as posições econômicas e sociais influenciam no crescimento da taxa de celibato em uma sociedade camponesa baseada na primogenitura graças à mediação da consciência incorporada que os homens adquirem de sua posição social. A cena de um baile local em que os solteiros reúnem-se à parte serve para iluminar e dissecar o choque cultural entre o campo e a cidade e a conseqüente desvalorização dos jovens do campo quando as categorias urbanas de julgamento penetram no mundo rural. Como sua educação e sua posição social leva as jovens a serem sensíveis à "apresentação" (aparência, vestimenta, porte, comportamento), bem como abertas aos ideais urbanos, elas assimilam os padrões culturais vindos da cidade mais rapidamente que os rapazes, o que condena os últimos a serem medidos por metros que os desvalorizam aos olhos de suas potenciais cônjuges. Como o camponês internaliza, por seu turno, a imagem desvalorizada que os outros formam de si a partir das categorias urbanas, ele passa a perceber seu próprio corpo como um corpo "encamponizado" ["em-peasanted"], carregado dos traços das atividades e das atitudes associadas à vida rural. A má consciência que ele tem de seu corpo leva-o a romper a comunhão com ele e a adotar uma atitude introvertida que amplifica a vergonha e o sem-jeito produzidos pelas relações sociais marcadas pela extrema segregação dos sexos e pela repressão do compartilhamento das emoções.

    Resumo em Francês:

    Appuyé sur un travail sur la ville où il a passé son enfance (Béarn, dans le sud-ouest de la France), effectué dans les années 60 et où il réunit histoire, stastistique et ethnographie, l'auteur explique comment les positions économiques et sociales influent dans la croissance du taux de célibat dans une société paysanne construite sur la primogénuture, grâce à la médiation de la conscience incorporée que les hommes acquièrent de leur position sociale. La scène d'un bal rural où les célibataires forment bande à part permet d'éclairer et de dépouiller le choc culturel entre la campagne et la ville et la dévalorisation des jeunes campagnards qui en découle lorsque les catégories urbaines de jugement pénètrent dans le monde rural. Comme leur éducation et leur position sociale les rendent plus sensibles à la « tenue » (allure, habits, attitude, comportement) et les rapprochent des valeurs urbaines, les jeunes filles retiennent les valeurs culturelles originaires de la ville plus aisément que les jeunes hommes, ce qui oblige ceux-ci à se faire évaluer par des mètres que les dévalorisent aux yeux d'éventuelles conjointes. À son tour, le paysan incorpore l'image sans prestige que les autres, appuyés sur des catégories urbaines, ont de lui. Il commence donc à percevoir son propre corps comme un corps «empaysannés » très marqué d'activités et d'attitudes associées à la vie rurale. La mauvaise conscience qu'il a de son corps l'amène à rompre la communion entre lui et son corps et à adopter une attitude introvertie qui accentue la honte et la maladresse engendrées par des relations sociales imprégnées d'une profonde ségrégation des sexes et du refoulement du partage des émotions.

    Resumo em Inglês:

    Based on a study of his childhood village of Béarn in southwestern France in the 1960s combining social history, statistics, and ethnography, the author shows how economic and social standing influence the rising rates of bachelorhood in a peasant society based on primogeniture through the mediation of the embodied consciousness that men acquire of this standing. The scene of a local ball on the margins of which bachelors gather serves to highlight and dissect the cultural clash between country and city and the resulting devaluation of the young men from the hamlet as urban categories of judgment penetrate the rural world. Because their upbringing and social position lead them to be sensitive to 'tenue' (appearance, clothing, bearing, conduct) as well as open to the ideals of the town, young women assimilate the cultural patterns issued from the city more quickly than the men, which condemns the latter to be gauged against yardsticks that make them worthless in the eyes of potential marriage partners. As the peasant internalizes in turn the devalued image that others form of him through the prism of urban categories, he comes to perceive his own body as an 'em-peasanted' body, burdened with the traces of the activities and attitudes associated with agricultural life. The wretched consciousness that he gains of his body leads him to break solidarity with it and to adopt an introverted attitude that amplifies the shyness and gaucheness produced by social elations marked by the extreme segregation of the sexes and the repression of the sharing of emotions.
  • A odisséia da reapropriação: a obra de Mouloud Mammeri Dossiê Pierre Bordieu No Campo

    Bourdieu, Pierre

    Resumo em Português:

    Este artigo reproduz uma conferência de Pierre Bourdieu sobre a obra do escritor e antropólogo argelino Mouloud Mammeri. O texto de Bourdieu foi lido in absentia no colóquio realizado em Argel sobre "A dimensão magrebina da obra de Mouloud Mammeri". O Autor compara a relação de Mammeri com o Magreb, região do Norte da África, como uma "odisséia", na qual essa peregrinação comporta dois momentos. O primeiro, de afastamento da cultura nativa, em direção à cultura universal universitária. O segundo, de reapropriação da cultura de origem através da investigação etnológica e de suas pesquisas sobre os antigos poetas cabilas. A descoberta de Homero e o investimento no trabalho etnológico sobre sua terra natal permitem a Mammeri ligar as duas pontas dessa viagem, graças ao resgate da cultura renegada através da cultura que impôs sua negação. O fim desse percurso equivale à confrontação com uma das modalidades da dominação simbólica, que é a vergonha de si.

    Resumo em Francês:

    Cet article reproduit une conférence de Pierre Bourdieu sur l'oeuvre de l'écrivain et anthropologue algérien Mouloud Mammeri. Le texte de Boudieu a été lu in absentia au colloque qui a eu lieu à Alger sur « La dimension maghrébine de l'oeuvre de Mouloud Mammeri ». L'auteur compare le rapport entre Mammeri et le Maghreb, région du Nord de l'Afrique, à « une odyssée » constituée de deux moments. Le premier, c'est l'éloignement de la culture originelle vers la culture universelle universitaire. Le second, c'est la réappropriation de la culture d'origine à travers l'investigation ethnologique et ses recherches sur les poètes kabyles anciens. La découverte d'Homère et l'attachement au travail ethnologique sur sa terre natale permettent à Mammeri de joindre les deux bouts de ce voyage, grâce à la réappropriation de la culture reniée à travers la culture qui a imposé son reniement. La fin de ce parcours correspond à la confrontation à une des modalités de la domination symbolique : la honte de soi-même.

    Resumo em Inglês:

    This article reproduces a conference that Pierre Bourdieu gave on the work of the Algerian writer and anthropologist Mouloud Mammeri. The text was read in the author's absence, in a colloquium that was held in Algeria on "The Magrebian Dimension in Mouloud Mammeri's work". Bourdieu compares Mammeri's relationship to Magreb, a region of North Africa, to an odyssey, a pilgrimage that is made up of two distinct moments. The first consists of a movement away from his native culture and toward a universal university culture. The second is marked by his return to or re-appropriation of his native culture through ethnological study and research on ancient Kabyle poets. Through the discovery of Homer as well as devotion to ethnological work on his own country, Mammeri is able to link the two points of this pilgrimage, in a return to the denied culture via the culture that led to its denial. The end-point of this journey represents a confrontation of one of the major forms of symbolic domination, shame of one's self.
  • Os limites da auto-análise Resenha

    Almeida, Bruna Gisi Martins de
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