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Variação da estrutura carpelar em seis espécies de Cassiinae (Leguminosae: Caesalpinioideae)

Structural variation of the carpel in six Cassiinae species (Leguminosae: Caesalpinioideae)

Resumos

Estudos estruturais sobre carpelos são raros, embora de grande importância como subsídios para análises taxonômicas e filogenéticas. Este trabalho foi realizado com o objetivo de analisar morfoanatomicamente os carpelos de seis espécies da subtribo Cassiinae, grupo em que a literatura tem registrado significativa diversidade estrutural carpelar, analisando-os sob o ponto de vista evolutivo. Para tanto, os carpelos de flores em antese foram fixados e processados segundo as técnicas de inclusão em metacrilato. Apesar de diferenças específicas serem registradas, observou-se um padrão estrutural típico das Leguminosae, especialmente em características morfológicas gerais, como: gineceu unicarpelar, unilocular, pluriovulado e estipitado, com placentação sutural e óvulos anátropos, bitegumentados e crassinucelados. A presença de epiderme na região sutural, conectando as faces abaxial e adaxial é reconhecida como caráter ancestral. Este aspecto foi verificado nas seis espécies estudadas, indicando que o fechamento do carpelo é ontogenético e que produz estrutura variável com relação à manutenção da epiderme entre as faces carpelares.

anatomia; ovário; estilete; estigma; Leguminosae


Structural studies of carpels are rare, even though they are very important for taxonomic and phylogenetic analysis. The aim of this work was to analyze carpel structure of six Cassiinae species. To this end, carpels of flowers at anthesis were processed by embedding in methacrylate. Although specific differences were recorded, we observed a structural pattern that is typical of Leguminosae species, especially in overall morphology, as follows: unicarpellate, unilocular, pluriovulated and stipitate gynoecium, with sutural placentation, and anatropous, bitegmic and crassinucelate ovules. The presence of epidermis in the sutural region connecting abaxial and adaxial surfaces is recognized as an ancestral character. This aspect was verified in all six species, indicating that carpel closure is ontogenetic and produces variable structure related to the maintenance of the epidermis between carpel surfaces.

anatomy; ovary; style; stigma; Leguminosae


Variação da estrutura carpelar em seis espécies de Cassiinae (Leguminosae: Caesalpinioideae)

Structural variation of the carpel in six Cassiinae species (Leguminosae: Caesalpinioideae)

Orlando Cavalari De-PaulaI; Denise Maria Trombert OliveiraI,1 1 Autor para correspondência: dmtoliveira@icb.ufmg.br

IUniversidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, C. Postal 510, 18618-000 Botucatu, SP, Brasil

IIUniversidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica, Av. Antônio Carlos 6627, Pampulha, 31270-901 Belo Horizonte, MG, Brasil

RESUMO

Estudos estruturais sobre carpelos são raros, embora de grande importância como subsídios para análises taxonômicas e filogenéticas. Este trabalho foi realizado com o objetivo de analisar morfoanatomicamente os carpelos de seis espécies da subtribo Cassiinae, grupo em que a literatura tem registrado significativa diversidade estrutural carpelar, analisando-os sob o ponto de vista evolutivo. Para tanto, os carpelos de flores em antese foram fixados e processados segundo as técnicas de inclusão em metacrilato. Apesar de diferenças específicas serem registradas, observou-se um padrão estrutural típico das Leguminosae, especialmente em características morfológicas gerais, como: gineceu unicarpelar, unilocular, pluriovulado e estipitado, com placentação sutural e óvulos anátropos, bitegumentados e crassinucelados. A presença de epiderme na região sutural, conectando as faces abaxial e adaxial é reconhecida como caráter ancestral. Este aspecto foi verificado nas seis espécies estudadas, indicando que o fechamento do carpelo é ontogenético e que produz estrutura variável com relação à manutenção da epiderme entre as faces carpelares.

Palavras-chave: anatomia, ovário, estilete, estigma, Leguminosae

ABSTRACT

Structural studies of carpels are rare, even though they are very important for taxonomic and phylogenetic analysis. The aim of this work was to analyze carpel structure of six Cassiinae species. To this end, carpels of flowers at anthesis were processed by embedding in methacrylate. Although specific differences were recorded, we observed a structural pattern that is typical of Leguminosae species, especially in overall morphology, as follows: unicarpellate, unilocular, pluriovulated and stipitate gynoecium, with sutural placentation, and anatropous, bitegmic and crassinucelate ovules. The presence of epidermis in the sutural region connecting abaxial and adaxial surfaces is recognized as an ancestral character. This aspect was verified in all six species, indicating that carpel closure is ontogenetic and produces variable structure related to the maintenance of the epidermis between carpel surfaces.

Key words: anatomy, ovary, style, stigma, Leguminosae

Introdução

O carpelo é a unidade constituinte do gineceu nas Angiospermas, que abriga o megasporângio (ou nucelo) no interior de cada óvulo. Constitui uma câmara fechada, característica universal e exclusiva dos órgãos reprodutivos femininos desse grupo vegetal (Von Goebel 1909). Embora seja um órgão complexo e variável, o carpelo é ainda pouco estudado estruturalmente, variando nos níveis morfológico, anatômico e histológico (Igersheim & Endress 1997; 1998; Endress & Igersheim 2000).

Leguminosae é a terceira maior família das Angiospermas, contendo aproximadamente 730 gêneros e 19.400 espécies (Lewis et al. 2005). Das três subfamílias, Caesalpinioideae é tida como grupo ancestral dentre as leguminosas, possuindo as tribos Cassieae, Cercideae e Caesalpinieae que se diferenciaram próximo ao Cretáceo, embora haja poucos registros fósseis de leguminosas nesse período (Polhill & Raven 1981). Comos estudos moleculares atuais, Cercideae foi separada da subfamília, sendo considerada o grupo mais ancestral das leguminosas (Lavin et al. 2005).

Em Caesalpinioideae sensu lato, Bauhinia, Caesalpinia e Cassia sensu lato têm ocorrência centrada nos trópicos, principalmente na América do Sul, na África e no sudeste da Ásia (Cowan 1981).

Segundo Irwin & Barneby (1981), a subtribo Cassiinae apresenta três gêneros, resultantes da subdivisão de Cassia sensu lato: Cassia, Chamaecrista e Senna. O gênero Cassia sensu stricto possui cerca de 30 espécies de distribuição circuntropical (América, África, Madagascar, Ásia, Malásia e Austrália). Senna compreende cerca de 240 espécies, também de distribuição circuntropical, em maior número nas Américas, sendo bem representado na África e Austrália e muito pouco freqüente na Ásia e Oceania; algumas poucas espécies estendem-se por climas quentes e desérticos, por vezes ocorrendo em regiões temperadas do norte e sul das Américas. Já Chamaecrista apresenta aproximadamente 250 espécies, principalmente neotropicais, centradas especialmente no leste do Brasil (Irwin & Barneby 1981). Apesar da subdivisão do gênero ser aceita, atualmente a subtribo tem sido discutida quanto a sua composição, visto que trabalhos morfológicos e moleculares recentes têm divergido quanto à filogenia do grupo (Tucker & Douglas 1994; Chappill 1995; Käss & Wink 1996; Doyle et al. 1997; 2000; Bruneau et al. 2001; Kajita et al. 2001; Wojciechowski 2003; Lavin et al. 2005).

A estrutura carpelar de espécies de Caesalpinioideae desperta a atenção de vários pesquisadores. A análise da morfologia do estigma de representantes de Cassiinae evidenciou diferenças significativas entre os três gêneros, relacionando-os ao tipo de polinização (Owens & Lewis 1989). Em Cassia, Chamaecrista e Senna, prevalece o estigma em forma de câmara, definido como um poro voltado para o estilete e margeado por tricomas curtos. Em Senna e Chamaecrista, é rara a ocorrência do estigma crateriforme, que é definido como uma abertura em forma de cratera, que ocorre em estiletes levemente curvados (Dulberger et al. 1994). Tucker & Kantz (2001) investigaram a ocorrência de carpelos com as margens abertas durante a iniciação dos óvulos em leguminosas, encontrando-os nas tribos Caesalpinieae, Cassieae e Detarieae; de acordo com as autoras, este é um caráter efêmero, já que as margens carpelares se fundem ontogeneticamente, escondendo os óvulos durante seu desenvolvimento.

Considerando as premissas de significativa diversidade estrutural entre os carpelos e que estudos em Cassiinae mostraram relevantes diferenças estruturais e moleculares, o presente trabalho tem por objetivo analisar morfoanatomicamente os carpelos de seis espécies da subtribo, visando a caracterizar a estrutura carpelar e fornecer subsídios para futuros trabalhos filogenéticos envolvendo o grupo.

Material e métodos

Para o presente trabalho, foram utilizados carpelos de flores em antese de indivíduos de Cassia ferruginea Schrad. ex DC., Chamaecrista desvauxii (Collad.) Killip. var. latistipula (Benth.) G.P. Lewis, Chamaecrista rotundifolia (Pers.) Greene, Chamaecrista serpens Greene, Senna multijuga (Rich.) H.S. Irwin & Barneby (S 22º53'W48º29') e Senna rugosa (G. Don.) H.S. Irwin & Barneby (S22º48'W48º44'), coletados nas imediações de Botucatu, São Paulo, Brasil. Ramos férteis foram coletados, herborizados e encontram-se depositados como documento taxonômico no Herbário "Irina D. Gemtchujnicov" (BOTU) do Departamento de Botânica da UNESP, campus de Botucatu, respectivamente registrados sob os números 24.501, 24.505,24.504, 24.509,24.502 e 23.418.

Os carpelos foram observados a olho nu e sob estereomicroscópio Zeiss, produzindo-se ilustrações com auxílio de câmara clara.

Os estudos morfoanatômicos foram realizados em material fresco e fixado em FAA50 (Johansen 1940), conservado em álcool etílico 70%. Parte do material foi desidratada em série etílica, incluída emmetacrilato e seccionada com cerca de 10 um de espessura, obtendo-se séries transversais. As secções obtidas foram coradas com Azul de Toluidina a 0,05% em pH 4,7 (O'Brien et al. 1964) e montadas em resina sintética. Esta coloração foi utilizada também para se interpretar a presença de algumas substâncias, conforme referido por Briggs et al. (2005).

O laminário preparado foi analisado em microscópio de luz, descrevendo-se e ilustrando-se, por meio de fotomicrografias obtidas em fotomicroscópio Zeiss, as estruturas do ovário, do estilete e do estigma de cada espécie. Para todas as ilustrações, foram preparadas escalas nas condições ópticas adequadas.

Resultados

Nas seis espécies analisadas, o gineceu mostra-se estipitado (Fig. 1-6), unicarpelar e unilocular, pluriovulado (Fig. 7, 11, 15 , 19 , 23 , 27 ), com formato alongado variando de curvo em "C", em Cassia ferruginea (Fig. 1), a quase ereto e levemente sinuoso, em Chamaecrista rotundifolia (Fig. 3). Todos são pilosos, mas a densidade é maior em Chamaecrista rotundifolia (Fig. 3, 15 ) e menor em Senna multijuga (Fig. 5,23 ). Em todas as espécies, os óvulos formam-se em placentação sutural e são anátropos, bitegumentados e crassinucelados.







Com relação à anatomia do carpelo, muitas peculiaridades foram registradas. Em Cassia ferruginea, o ovário possui secção transversal tendendo a circular, comprimida nas laterais formando duas reentrâncias nítidas (Fig. 7). A epiderme externa é unisseriada e composta por células cubóides com conteúdo fenólico; ocorrem numerosos tricomas tectores unicelulares e longos, dispostos regularmente por toda a epiderme. O mesofilo externo é composto por quatro a seis camadas de células aproximadamente isodiamétricas. O mesofilo interno apresenta células parenquimáticas isodiamétricas menores que as mais externas, entre as quais se encontram inseridos um feixe dorsal amplo e dois ventrais (Fig. 7). Aepiderme interna é composta por uma camada de células cubóides e densas, que se tornam papilosas na região de placentação. Esta epiderme mantém algumas células diferenciadas no tecido fundamental da região de sutura, sem, contudo, chegar até a epiderme externa (Fig. 8). No estilete de Cassia ferruginea (Fig. 9), a epiderme é composta por células cubóides, havendo tricomas tectores unicelulares na região dorsal; ventralmente, as células epidérmicas alongam-se intensamente. O mesofilo externo mantém características similares às desta região no ovário. No mesofilo interno, além das células fundamentais isodiamétricas e pequenas, ocorrem seis cordões procambiais, dispostos centro-dorsalmente, reduzindo-se numericamente em direção ao ápice. A epiderme interna é composta por duas camadas de células cubóides densas, com núcleo e nucléolo evidentes, delimitando o canal estilar. No estigma dessa espécie (Fig. 10), a secção transversal assume a conformação de ferradura, definindo o orifício estigmático. A constituição celular do estilete é mantida, com a diferença de não haver vascularização. Nessa altura, cada margem ventral da epiderme exibe longos tricomas multisseriados.

O ovário de Chamaecrista desvauxii var. latistipula tem secção transversal ovada curta e uma reentrância na região dorsal e outra na ventral (Fig. 11). A epiderme externa é composta por células cubóides e tricomas tectores unicelulares regularmente distribuídos, havendo ainda alguns estômatos. No mesofilo externo, observam-se células bem vacuoladas, alongadas radialmente, algumas delas distribuídas de modo irregular (Fig. 11-12). O mesofilo interno possui células parenquimáticas que tendem a isodiamétricas, entre as quais se observa a presença de um feixe dorsal amplo e dois ventrais. A epiderme ainda permanece no parênquima da região de sutura, embora constituída por células distintas daquelas da face externa e da interna da epiderme. Esta apresenta duas camadas de células levemente achatadas (Fig. 12), resultantes de divisão periclinal das células epidérmicas nos ovários mais jovens. No estilete (Fig. 13), a epiderme possui células mais ou menos cubóides e tricomas na região ventral. No mesofilo externo, encontram-se de uma a duas camadas de células volumosas e vacuoladas, aproximadamente isodiamétricas. Já a porção interna do mesofilo é composta por células parenquimáticas pequenas, que tendem a isodiamétricas, e cinco cordões procambiais dispersos. A epiderme interna é multisseriada, com células pécticas densas com núcleo e nucléolos evidentes, delimitando o canal estilar. A estrutura do estigma de Chamaecrista desvauxii var. latistipula (Fig. 14) é similar à descrita para o estilete, excetuando-se o formato de ferradura da secção transversal e a redução do número de cordões procambiais estigmáticos.

Analisando-se Chamaecrista rotundifolia, nota-se que o ovário tem secção transversal ovada longa (Fig. 15 ) e é constituído por epiderme externa unisseriada, composta por células cubóides e numerosos tricomas tectores unicelulares, homogeneamente distribuídos (Fig. 15 ). O mesofilo externo é composto por células bem vacuoladas, ligeiramente alongadas no sentido radial. O mesofilo interno é composto por células parenquimáticas aproximadamente isodiamétricas, entre as quais se inserem um feixe dorsal e dois ventrais (Fig. 15 ). Na região de sutura, verifica-se a persistência da epiderme (Fig. 16). Esta é composta por duas camadas de células em sua maior extensão, sendo unisseriada e levemente papilosa na região de placentação (Fig. 16). O estilete (Fig. 17) é composto pela epiderme externa, que é glabra e apresenta uma camada de células cubóides. O mesofilo externo é unisseriado e composto por células isodiamétricas volumosas, enquanto que o interno é composto por células parenquimáticas menores, tendendo a isodiamétricas. Vascularizando o estilete, existem cordões procambiais dispersos. A epiderme interna é multisseriada, composta por células pécticas densas, com núcleo e nucléolos evidentes, delimitando o canal estilar levemente acêntrico. O estigma de Chamaecrista rotundifolia (Fig. 18), em secção transversal, apresenta formato de ferradura, com nítido orifício estigmático. A organização é mantida como no estilete, não se verificando os cordões procambiais.

Em Chamaecrista serpens, o ovário também exibe secção transversal ovada longa (Fig. 19 ), similar à da espécie anterior. Na epiderme externa, encontram-se células bastante vacuoladas, de formatos variados, alongadas radialmente, de paredes periclinais externas levemente convexas (Fig. 20); ocorrem também numerosos tricomas tectores unicelulares, cujas células têm diâmetros variáveis (Fig. 19 ). O mesofilo externo é composto por uma camada de células também de formatos variados, distinguindo-se pelo grande volume e alto grau de vacuolização. O mesofilo interno é constituído por pequenas células parenquimáticas aproximadamente isodiamétricas, entre as quais estão inseridos um amplo feixe dorsal e dois ventrais (Fig. 19-20 ). A epiderme permanece distinta entre os feixes ventrais, conectando a parte interna da epiderme com a externa (Fig. 20). Deve-se destacar que as células epidérmicas residuais na região sutural assemelham-se às da face externa, na proximidade desta, onde são maiores e mais vacuoladas que as contíguas à face interna; nesta região, as células da epiderme residual são similares às da epiderme interna e, portanto, menores e mais densas que as externas (Fig. 20). Como nas demais espécies já descritas, na região de placentação, a face interna da epiderme torna-se papilosa (Fig. 20). No estilete (Fig. 21), observa-se que a epiderme externa apresenta células de formatos variáveis, algumas tendendo a isodiamétricas, de paredes ligeiramente espessadas, especialmente na face periclinal externa; não se observam tricomas. Na região ventral, a epiderme mostra-se levemente papilosa. O mesofilo externo é formado por uma a duas camadas de células vacuoladas, maiores junto à face dorsal. O mesofilo interno é composto por células parenquimáticas aproximadamente isodiamétricas, menores que aquelas anteriormente descritas; imersos nessa região, observam-se três cordões procambiais dorsalmente colocados. A epiderme interna é multisseriada, composta por células muito densas, de núcleo e nucléolo mais evidentes, delimitando o canal estilar levemente acêntrico. O estigma de Chamaecrista serpens (Fig. 22) apresenta as mesmas características descritas para as demais espécies, observando-se a presença de tricomas apenas junto ao orifício estigmático.

Já em Senna multijuga, o ovário tem secção transversal aproximadamente elíptica (Fig. 23 ) e sua epiderme externa apresenta-se unisseriada, composta por células volumosas, mais alongadas no sentido radial (Fig. 23-24 ). Tais células tornam-se menores nas extremidades dorsal e ventral, onde se agrupam alguns tricomas (Fig. 5, 23 ) tectores unicelulares simples. O mesofilo externo apresenta duas a quatro camadas de células aproximadamente isodiamétricas, muitas delas com conteúdo fenólico. O mesofilo interno possui células parenquimáticas menores e menos vacuoladas; inseridos nesta região, verificam-se dois feixes ventrais e um dorsal (Fig. 23 ). Entre os feixes ventrais, a epiderme não apresenta estrutura típica, mas são observadas duas fileiras de células alongadas tangencialmente à lateral do ovário (Fig. 24). A epiderme interna é unisseriada, com células cubóides de menor tamanho e mais densas que as externas, tornando-se papilosas na região de placentação. No estilete (Fig. 25), a estrutura é similar à descrita para o ovário, com a presença de canal estilar acêntrico. A epiderme externa é composta por células cubóides e é glabra de modo geral, com poucos tricomas restritos apenas à face ventral. Internamente, observa-se que o mesofilo externo possui duas a três camadas de células isodiamétricas, muitas delas fenólicas. O mesofilo interno apresenta células de formatos irregulares e é vascularizado por cinco cordões procambiais. Na região sutural do estilete, a epiderme permanece, mais nítida que no ovário (Fig. 25). A epiderme interna é multisseriada, composta por células densas de núcleo e nucléolo evidentes. O estigma de Senna multijuga (Fig. 26) apresenta secção transversal em forma de ferradura, com a face externa da epiderme unisseriada, apresentando tricomas apenas na margem ventral, próximo ao orifício estigmático. O mesofilo possui células de formatos variados, sem vascularização. A face interna da epiderme é constituída por três a quatro camadas de células pécticas de conteúdo denso e núcleos e nucléolos evidentes.

Em Senna rugosa, o ovário tem secção transversal ovada curta (Fig. 27 ) e sua epiderme externa apresenta-se unisseriada, composta por células cubóides e tricomas tectores unicelulares, de paredes espessadas (Fig. 27-28 ). O mesofilo externo apresenta células parenquimáticas de formatos variáveis, freqüentemente isodiamétricas, que se tornam menores no mesofilo interno, na região próxima aos feixes vasculares. Estes se encontram inseridos no mesofilo, havendo dois feixes ventrais evidentes e um dorsal amplo (Fig. 27 ). Verifica-se que a epiderme está nitidamente visível na região de sutura do carpelo, entre os feixes ventrais (Fig. 28), inclusive detectando-se presença de resquícios de cutícula. A epiderme interna é unisseriada, com células cubóides de menor tamanho e mais densas que as externas, tornando-se papilosa na região de placentação. No estilete de Senna rugosa (Fig. 29), a epiderme torna-se glabra com células epidérmicas cubóides. O mesofilo apresenta células de formatos irregulares e é irrigado apenas por cordões procambiais, um dorsal e dois ventrais. A face interna da epiderme permanece unisseriada, comunicando-se com a face externa por uma camada de células que se mantém somente na face ventral. O estigma de Senna rugosa (Fig. 30) apresenta-se completamente aberto e tem secção transversal em forma de ferradura, com a epiderme interna unisseriada apresentando tricomas tectores simples apenas nas duas extremidades ventrais. O mesofilo possui células de formatos e densidades variáveis; sua vascularização é similar à do restante do estilete. A face interna da epiderme possui células densas, de núcleos evidentes.

Discussão

O carpelo das angiospermas apresenta-se como um apêndice alongado, laminar em plantas ancestrais e semelhante à folha no que se refere à posição na planta, vascularização, anatomia e ontogenia (Eames 1977). Discussões a respeito da possível homologia entre o carpelo e a folha têm sido proeminentes na história botânica (Eames 1977; Fahn 1990), embora poucos investimentos tenham sido feitos no sentido de elucidar aspectos estruturais de carpelos de várias espécies.

Segundo Doyle et al. (2000), Caesalpinioideae é um grupo basal e polifilético dentro das Leguminosae. Assim como a subfamília, a tribo Cassieae é considerada como um grupo polifilético (Bruneau et al. 2001). Para a subtribo Cassiinae, as análises são controversas, algumas vezes tratando Chamaecrista e Senna como gêneros próximos e separando Cassia em um clado distinto como um grupo irmão (Doyle et al. 1997; 2000; Kajita et al. 2001). Os estudos de Bruneau et al. (2001) não corroboram os anteriormente citados e apontam Chamaecrista como um grupo separado, incluindo Senna e Cassia no mesmo ramo. Apesar da divergência dos dados moleculares, morfologicamente os três gêneros podem ser separados por características sutis do androceu (Irwin & Barneby 1981; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 1988; Owens & Lewis 1989), do desenvolvimento floral (Tucker 1996) e de nodulação (Whitty et al. 1994; Sprent 2000).

Da análise anatômica dos carpelos aqui estudados, verifica-se que apenas pequenas diferenças caracterizam as espécies, como o formato, os conteúdos celulares e o número de camadas que compõem cada região do ovário, estilete e estigma. Mais que as diferenças, observa-se um padrão constante nestes carpelos que se destaca por apresentar: gineceu estipitado, unicarpelar e unilocular, pluriovulado, de placentação sutural; epiderme externa com tricomas tectores e poucos estômatos; mesofilo externo distinto do interno, este composto por células menores que as externas, e vascularizado por um feixe dorsal e dois ventrais; epiderme interna unisseriada ou bisseriada, papilosa na região de placentação; na região sutural, entre os feixes ventrais, persistência de epiderme mais ou menos evidente, entre as células fundamentais; óvulo anátropo, bitegumentado e crassinucelado; no estilete, delimitando o canal estilar, e no estigma, células da epiderme interna com o aspecto típico de unidades secretoras, similares ao tecido de transmissão; presença de orifício estigmático. As características morfológicas relatadas para o gineceu conferem com o esperado para a família Leguminosae, especialmente para as Caesalpinioideae (Polhill & Raven 1981). Também o tipo de óvulo encontrado nas espécies estudadas enquadra-se perfeitamente na descrição feita por Corner (1951; 1976), caracterizando a estrutura típica das leguminosas.

Dentre as características anatômicas, chamam a atenção os diferentes graus de fechamento carpelar na subtribo Cassiinae. Observa-se desde a epiderme típica e contínua em Chamaecrista rotundifolia e Senna rugosa, até a presença de células epidérmicas distintas apenas junto da região placentária, em Cassia ferruginea. Estruturas intermediárias são verificadas em Chamaecrista desvauxii var. latistipula, Chamaecrista serpens e Senna multijuga, em que as células epidérmicas na região sutural apresentam formato distinto das demais e das células parenquimáticas adjacentes. A presença de epiderme nítida entre as margens fundidas do carpelo é um caráter ancestral, visto que houve apenas coesão do sistema dérmico na região de sutura (Fahn 1990). Situações como a de Cassia ferruginea, onde a epiderme é parcial na sutura, mostram um pequeno avanço no sentido de fusão dos sistemas dérmico e fundamental. Outras espécies da mesma subfamília não apresentam a epiderme distinta entre os feixes ventrais, como foi observado em Hymenaea stigonocarpa por Paiva & Oliveira (2004) e em Schizolobium parahyba por Pietrobom & Oliveira (2004). Na evolução da estrutura carpelar, o próximo passo esperado após a ligação dos sistemas dérmico e fundamental é a fusão atingir também o sistema vascular, com formação de um único feixe ventral no carpelo, situação também registrada para Leguminosae, por exemplo, em Pterocarpus violaceus, espécie de Papilionoideae (Nakamura & Oliveira 2005).

Segundo Tucker & Kantz (2001), a presença de primórdio de carpelo aberto no início do desenvolvimento é caráter comum nas Leguminosae, principalmente em Caesalpinioideae, sendo mais raro em Papilionoideae e Mimosoideae. As referidas autoras enfatizam que o fechamento carpelar ocorre ao longo do desenvolvimento e ilustram que o processo não está relacionado à iniciação dos óvulos, que pode ser prévia ou não. Como o fechamento do carpelo ocorre acropetamente, o ovário é a primeira região do gineceu que se distingue, como já destacado por Tucker & Kantz (2001). Sugere-se que a presença de orifício estigmático, como o observado nas espécies estudadas, pode significar um resquício dos carpelos originalmente abertos, os quais foram fechados durante o desenvolvimento floral, da base para o ápice, onde se manteve o orifício. Embora todas as espécies de Cassiinae avaliadas exibam o orifício estigmático, observa-se que há diferentes graus de fusão carpelar, sendo encontrados, até mesmo, resquícios de cutícula na epiderme entre as faces abaxial e adaxial do ovário de Senna rugosa.

Os dados obtidos da observação da epiderme entre os feixes ventrais corroboram as análises moleculares de Doyle et al. (1997; 2000) e Kajita et al. (2001), aproximando Chamaecrista e Senna e separando Cassia. Quanto à família, análises mais detalhadas são necessárias, devendo-se considerar os graus de fechamento do carpelo e envidar esforços no sentido de se analisar a estrutura carpelar de maior número de espécies de grupos reconhecidamente ancestrais e derivados dentre as leguminosas.

Agradecimentos

A FAPESP, pelo auxílio financeiro (Processo BIOTA n. 2000/12469-3) e pela bolsa de Iniciação Científica do primeiro autor (Processo n. 2003/01544-2); ao M.Sc. Rubens Teixeira Queiroz, pela identificação das espécies de Chamaecrista; ao Sr. Clemente José Campos, pelo auxílio nas coletas.

Recebido em 14/09/2006. Aceito em 28/03/2007

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      28 Mar 2007
    • Recebido
      14 Set 2006
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