Resumos
Caracterizaram-se dois estratos da vegetação de uma área de cerca de 300 ha de cerrado stricto sensu, localizada no município de Brotas, SP, quanto à sua estrutura e diversidade, pelo método de parcelas. Para amostragem do estrato arbóreo (diâmetro mínimo de 5 cm, medido a 50 cm acima do nível do solo), foi amostrada área total de 5000 m² (250 x 20 m), divididos em 50 parcelas contíguas de 10 x 10 m (100 m²). Para o estrato inferior (altura < 50 cm e diâmetro do caule inferior a 5 cm), a área total de amostragem foi de 500 m², distribuídos em 50 sub-parcelas de 10 x 1 m (10 m²), demarcadas dentro de cada uma das parcelas maiores. Determinou-se a cobertura do estrato arbóreo pelo método de interceptação de linhas e o índice de agregação das espécies e da comunidade, segundo Payandeh. Foram identificadas, no total, 78 espécies (36 famílias). O estrato arbóreo apresentou densidade de 1150 ind/ha, 7,2 m²/ha de área basal e 19,6 % de cobertura. Foram amostradas, neste estrato, 44 espécies (27 famílias), com H´=3,02 e os indivíduos da comunidade como um todo apresentaram-se agregados (P=4,26). As espécies de maior valor de importância no estrato superior, em ordem decrescente, foram: Acosmium subelegans, Aspidosperma tomentosum, Eriotheca gracilipes, Styrax ferrugineus e Tabebuia ochracea. No estrato inferior, com densidade de 10.220 ind/ha, foram amostradas 61 espécies (32 famílias), destacando-se, em ordem decrescente de densidade relativa: Campomanesia adamantium, Bromelia balansae, Attalea geraensis, Xylopia aromatica e Ocotea pulchella. A comunidade apresentou-se também agregada no estrato inferior (P=3,89) e obteve-se índice de diversidade (H') de 3,32. Algumas espécies abundantes no estrato arbóreo, como Styrax ferrugineus, Eriotheca gracilipes, Piptocarpha rotundifolia e Annona crassiflora, não foram amostradas no estrato inferior, sugerindo a existência de restrições aos processos naturais de reprodução e regeneração. Essas espécies podem estar correndo o risco de extinção local.
Cerrado stricto sensu; fitossociologia; estratificação; diversidade
Two strata of cerrado stricto sensu vegetation were surveyed, in a fragment covering an area of 300 ha, at Brotas, SP, Brazil. The sampling area had 5000 m² (250 x 20 m). The upper stratum (diameter 50 cm above ground <FONT FACE=Symbol>³</FONT> 5cm) was surveyed in 50 plots, 100 m² each, and the lower stratum (diameter < 5 cm and height < 50 cm) was surveyed in 50 sub-plots, 10 m² each, for phytosociological analysis. Crown cover was estimated by the line interception method and the aggregation index of Payandeh was also calculated, for each species and for the community as a whole. Trees, shrubs, palms and herbs were identified, comprising 78 species (36 families). The upper stratum had 1150 ind/ha, basal area of 7.2 m²/ha and crown cover of 19.6 %. In this stratum, 44 species (27 families) were surveyed (H'=3.02) and the community was aggregated (P=4.26). The most important species (decreasing importance value) were: Acosmium subelegans, Aspidosperma tomentosum, Eriotheca gracilipes, Styrax ferrugineus and Tabebuia ochracea. The density of the lower stratum was 10,220 ind/ha, the community was also aggregated (P=3.89) and the diversity index (H'=3.32) was higher than in the upper stratum. From the 61 species surveyed (32 families), the most important in decreasing order of relative density were: Campomanesia adamantium, Bromelia balansae, Attalea geraensis, Xylopia aromatica e Ocotea pulchella. Some of the most abundant species of the upper layer, such as Styrax ferrugineus, Eriotheca gracilipes, Piptocarpha rotundifolia and Annona crassiflora, were not found in the lower stratum. It is suggested that the regeneration process was interrupted and such populations may be locally threatened.
Cerrado stricto sensu; phytosociology; stratification; diversity
Caracterização de dois estratos da vegetação em uma área de cerrado no município de Brotas, SP, Brasil
Characterization of two strata of cerrado vegetation at Brotas, SP, Brazil
Giselda DuriganI; Dulcelaine L. Lopes NishikawaII; Elektra RochaII; Éliton Rodrigo da SilveiraII; Fabiana Marise PulitanoII; Luciano Bonatti RegaladoII; Mariana Aparecida CarvalhaesII; Patrícia Amaral ParanaguáII; Victor Eduardo Lima RanieriIII
IInstituto Florestal, Estação Experimental de Assis, Caixa Postal 104, 19800-000, Assis, SP
IIPrograma de Pós-graduação em Ciências da Engenharia Ambiental, CRHEA - Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada , USP, São Carlos
IIIPrograma de Pós-graduação em Hidráulica e Saneamento, Depto. de Hidráulica e Saneamento, EESC-USP, São Carlos
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Giselda Durigan E-mail: giselda@femanet.com.br
RESUMO
Caracterizaram-se dois estratos da vegetação de uma área de cerca de 300 ha de cerrado stricto sensu, localizada no município de Brotas, SP, quanto à sua estrutura e diversidade, pelo método de parcelas. Para amostragem do estrato arbóreo (diâmetro mínimo de 5 cm, medido a 50 cm acima do nível do solo), foi amostrada área total de 5000 m2 (250 x 20 m), divididos em 50 parcelas contíguas de 10 x 10 m (100 m2). Para o estrato inferior (altura < 50 cm e diâmetro do caule inferior a 5 cm), a área total de amostragem foi de 500 m2, distribuídos em 50 sub-parcelas de 10 x 1 m (10 m2), demarcadas dentro de cada uma das parcelas maiores. Determinou-se a cobertura do estrato arbóreo pelo método de interceptação de linhas e o índice de agregação das espécies e da comunidade, segundo Payandeh. Foram identificadas, no total, 78 espécies (36 famílias). O estrato arbóreo apresentou densidade de 1150 ind/ha, 7,2 m2/ha de área basal e 19,6 % de cobertura. Foram amostradas, neste estrato, 44 espécies (27 famílias), com H´=3,02 e os indivíduos da comunidade como um todo apresentaram-se agregados (P=4,26). As espécies de maior valor de importância no estrato superior, em ordem decrescente, foram: Acosmium subelegans, Aspidosperma tomentosum, Eriotheca gracilipes, Styrax ferrugineus e Tabebuia ochracea. No estrato inferior, com densidade de 10.220 ind/ha, foram amostradas 61 espécies (32 famílias), destacando-se, em ordem decrescente de densidade relativa: Campomanesia adamantium, Bromelia balansae, Attalea geraensis, Xylopia aromatica e Ocotea pulchella. A comunidade apresentou-se também agregada no estrato inferior (P=3,89) e obteve-se índice de diversidade (H') de 3,32. Algumas espécies abundantes no estrato arbóreo, como Styrax ferrugineus, Eriotheca gracilipes, Piptocarpha rotundifolia e Annona crassiflora, não foram amostradas no estrato inferior, sugerindo a existência de restrições aos processos naturais de reprodução e regeneração. Essas espécies podem estar correndo o risco de extinção local.
Palavras-chave: Cerrado stricto sensu, fitossociologia, estratificação, diversidade
ABSTRACT
Two strata of cerrado stricto sensu vegetation were surveyed, in a fragment covering an area of 300 ha, at Brotas, SP, Brazil. The sampling area had 5000 m2 (250 x 20 m). The upper stratum (diameter 50 cm above ground ³ 5cm) was surveyed in 50 plots, 100 m2 each, and the lower stratum (diameter < 5 cm and height < 50 cm) was surveyed in 50 sub-plots, 10 m2 each, for phytosociological analysis. Crown cover was estimated by the line interception method and the aggregation index of Payandeh was also calculated, for each species and for the community as a whole. Trees, shrubs, palms and herbs were identified, comprising 78 species (36 families). The upper stratum had 1150 ind/ha, basal area of 7.2 m2/ha and crown cover of 19.6 %. In this stratum, 44 species (27 families) were surveyed (H'=3.02) and the community was aggregated (P=4.26). The most important species (decreasing importance value) were: Acosmium subelegans, Aspidosperma tomentosum, Eriotheca gracilipes, Styrax ferrugineus and Tabebuia ochracea. The density of the lower stratum was 10,220 ind/ha, the community was also aggregated (P=3.89) and the diversity index (H'=3.32) was higher than in the upper stratum. From the 61 species surveyed (32 families), the most important in decreasing order of relative density were: Campomanesia adamantium, Bromelia balansae, Attalea geraensis, Xylopia aromatica e Ocotea pulchella. Some of the most abundant species of the upper layer, such as Styrax ferrugineus, Eriotheca gracilipes, Piptocarpha rotundifolia and Annona crassiflora, were not found in the lower stratum. It is suggested that the regeneration process was interrupted and such populations may be locally threatened.
Key words: Cerrado stricto sensu, phytosociology, stratification, diversity
Introdução
A região de domínio do bioma Cerrado compreende uma extensa área contínua nos Estados de Goiás, Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso e algumas penínsulas e áreas disjuntas que se estendem por outros estados (Eiten, 1972). No Estado de São Paulo, o Cerrado apresenta-se na forma de manchas dispersas, que ocupavam originalmente cerca de 14 % do território (São Paulo, 1997). Em 1962, segundo Borgonovi & Chiarini (1965), a vegetação de Cerrado cobria 33.929 km2. Onze anos depois, Serra Filho et al. (1974) estimaram essa cobertura em apenas 10.388 km2 e Kronka et al. (1998), com imagens de 1992, encontraram área total remanescente de apenas 2.379 km2 de Cerrado, comprovando a rápida destruição desse bioma no Estado.
A vegetação de Cerrado compreende um gradiente de fitofisionomias correspondente a um gradiente de biomassa: campo sujo, campo cerrado, cerrado e cerradão. Mapear as fitofisionomias separadamente é difícil, seja por não haver nitidez na separação entre elas, seja porque as fitofisionomias se alteram ao longo do tempo em um mesmo local, em função da freqüência e intensidade de impactos como o fogo e o pastoreio.
Chiarini & Coelho (1969), através da interpretação de fotografias aéreas de 1962, encontraram predominância da fisionomia cerrado (75 %) sobre as fisionomias de campo (16 %) e cerradão (9 %). Kronka et al. (1998), mapeando os remanescentes a partir de imagens de satélite, encontraram 68,9 % de cerrado, 30,5 % de cerradão e 0,6 % de campo cerrado.
Na região de Brotas (SP), onde se insere a área de estudo, predominam as fisionomias campestres: campo cerrado e cerrado.
A vegetação de Cerrado no Estado de São Paulo tem sido objeto de diversos estudos, concentrados nas décadas de 70 e 80, mapeados por Durigan et al. (1999). Leitão Filho (1992), analisando trabalhos publicados e coleções de herbário, publicou "A flora arbórea dos cerrados do Estado de São Paulo". O que se verifica é que, com raras exceções (p. ex. Mantovani, 1987 e Durigan et al. 1999), esses estudos restringem-se ao estrato arbóreo. Estudos fitossociológicos envolvendo diferentes estratos da vegetação de cerrado são inexistentes.
O presente trabalho teve como objetivo a caracterização detalhada de dois estratos da vegetação em uma área de cerrado stricto sensu, visando a compreensão da estrutura e diversidade da comunidade vegetal, bem como aspectos da ecologia das populações, entre os quais a distribuição espacial dos indivíduos e a regeneração das espécies.
Material e métodos
Área de estudo trata-se de um fragmento com área aproximada de 300 ha (Fig. 1), de propriedade da Universidade de São Paulo, situado à margem esquerda da Represa do Lobo, no município de Brotas, SP (22o11'S e 47o54'W).
A altitude média da área é de 710m e o solo, segundo Freire et al. (1980), é do tipo Areia Quatzosa Vermelho-Amarela Câmbica Distrófica Álica A fraco. O clima, segundo a classificação de Köppen, é Cwa: quente, de inverno seco, para clima tropical com verão úmido e inverno seco, precipitação média anual entre 1400 e 1500mm (Messina, 1998).
Levantamento fitossociológico - optou-se pela amostragem pelo método de parcelas, para os dois estratos, segundo os seguintes procedimentos e critérios:
Estrato superior: amostrou-se área contínua de 5000 m2 (250 x 20 m), localizada na porção central do fragmento, estando as parcelas distantes pelo menos 100 m da margem do reservatório. A área de amostragem foi subdividida em 50 parcelas de 10 x 10 m (100 m2), em que foram identificados e medidos altura e diâmetro de todos os indivíduos com DAJ (diâmetro à altura do joelho, medido a 50cm acima do nível do solo) igual ou superior a 5 cm.
Estrato inferior: demarcaram-se 50 sub-parcelas de 10 x 1 m (10 m2), cada uma no interior de uma das parcelas de amostragem do estrato superior, em que foram identificados e medida a altura de todos os indivíduos a partir de 50 cm e com DAJ inferior a 5 cm.
A identificação das espécies foi feita com o auxílio de chaves de identificação (Mantovani et al. 1985; Batalha & Mantovani 1999) e de bibliografia especializada. Material cuja identificação no campo não foi possível foi herborizado e identificado posteriormente por comparação com material de herbário e consulta a especialistas. Este material encontra-se depositado na coleção botânica da Estação Experimental de Assis, do Instituto Florestal.
Os cálculos fitossociológicos de freqüência, densidade e dominância seguiram Müller-Dombois & Ellenberg (1974) e geraram os valores de importância (VI) e cobertura (VC) para as espécies. Para cálculos de dominância, embora a área basal seja medida, por definição, a 1,30 m acima do nível do solo, adotou-se a medição de diâmetro do caule a apenas 50 cm do solo, pois a tortuosidade e abundante ramificação das árvores de cerrado dificultam tremendamente as medições à altura do peito.
Para efeito de comparação, efetuou-se a estimativa de densidade da comunidade pelo método de quadrantes (Cottam & Curtis, 1956), a partir da média das distâncias árvore-ponto, com um total de 50 pontos amostrados (200 indivíduos), no interior da área de amostragem por parcelas.
Diversidade Calcularam-se os índices de diversidade de Shannon (Pielou, 1975) e equabilidade (Pielou, 1969), segundo as fórmulas:
Onde:
H' = Índice de diversidade de Shannon
E = Equabilidade
Pi = ni / N
ni = número de indivíduos da espécie i
N = número total de indivíduos amostrados
ln = logaritmo neperiano
E = equabilidade
Similaridade - Efetuaram-se cálculos de similaridade, utilizando-se o índice de Jaccard (Magurran, 1988), entre a área estudada e outras áreas de cerrado na região e entre os dois estratos amostrados, segundo a fórmula:
Onde:
Cj = índice de similaridade
a = número total de espécies presentes no local A
b = número total de espécies presentes no local B
c = número de espécies comuns aos locais A e B.
Distribuição das populações Para verificar o padrão de distribuição espacial dos indivíduos de cada espécie e da comunidade como um todo, adotou-se o Índice de Agregação de Payandeh (1970), expresso pela fórmula:
Onde:
P = índice de agregação
ni = número de indivíduos da espécie i por parcela
= número médio de indivíduos da espécie i por parcela
Valores de P superiores a 1,5 indicam distribuição agregada; P variando de 1,0 a 1,5 corresponde a distribuição aleatória e P inferior a 1,0 indica distribuição regular. Para espécies com um único indivíduo amostrado, não foi calculado o valor de P.
Cobertura das copas Para estimativa da cobertura das copas (porcentagem do terreno coberta pela projeção das copas do estrato arbóreo), adotou-se o método de interceptação de linhas (Canfield, 1941), medindo-se a projeção das copas sobre uma trena, em uma extensão de 100m no interior da área de amostragem.
Resultados e discussão
Foram identificadas, no total, 78 espécies vegetais, pertencentes a 36 famílias (Tab. 1), sendo 48 árvores, 17 arbustos, 7 subarbustos, 2 palmeiras acaules e 3 espécies herbáceas. Do total de espécies amostradas, apenas 27 ocorreram nos dois estratos. No estrato superior (DAJ ³ 5cm) foram amostradas 44 espécies, pertencentes a 27 famílias (Tab. 2).
Em outras áreas de amostragem do estrato arbóreo de vegetação de cerrado na mesma região, Toledo Filho et al. (1989) encontraram 103 espécies em Mogi-Mirim, Pagano et al. (1989) encontraram 125 espécies em Corumbataí, Castro (1987), em Santa Rita do Passa Quatro, registrou 110 espécies e, em Itirapina, Giannotti (1988) encontrou 118 espécies, em área de transição entre cerrado e mata ciliar. Durigan et al. (1994), em área submetida a incêndios freqüentes, registraram apenas 44 espécies no estrato arbóreo. Em comparação com essas outras áreas, quanto ao número de espécies arbóreas amostradas, a riqueza de espécies na área estudada foi baixa, comparável apenas à área fortemente impactada por incêndios freqüentes em Itirapina.
Analisando-se a similaridade florística do estrato arbóreo entre a área estudada e outras áreas de cerrado na região, pelo índice de Jaccard, encontra-se 25% com Mogi-Guaçu (Mantovani et al., 1985) 23% com Corumbataí (Cesar et al. 1988) e 29% com área freqüentemente queimada no município de Itirapina (Durigan et al. 1994). Considerando-se que 25% é o limite mínimo para duas serem consideradas floristicamente semelhantes (Müller-Dombois & Ellenberg, 1974), pode-se afirmar que os valores de similaridade encontrados entre a área estudada e outras áreas de cerrado na região são baixos.
A densidade do estrato arbóreo, obtida pelo método de parcelas, foi de 1150 ind/ha. A estimativa de densidade obtida pelo método de quadrantes, dentro da mesma área amostral, gerou um valor de 869 ind/ha, 24,4% inferior ao valor encontrado pelo método de parcelas. A subestimativa da densidade pelo método de quadrantes era esperada, em concordância com as ponderações de Cottam et al. (1953), uma vez que os indivíduos distribuem-se de forma agregada na área amostral (P=4,26).
Na análise de distribuição espacial das populações, encontraram-se 12 espécies com distribuição agregada, 7 espécies com distribuição aleatória e 19 espécies com distribuição regular. As espécies com maior índice de agregação foram Pouteria torta, Aspidosperma tomentosum e Rapanea guianensis. A alta agregação dos indivíduos da comunidade como um todo e das populações de algumas espécies está, provavelmente, associada ao modo de regeneração dos indivíduos, após incêndios ou corte. A maioria das espécies de cerrado pode regenerar-se facilmente por brotação de estruturas subterrâneas, muitas vezes gerando vários indivíduos geneticamente idênticos, a partir de um único indivíduo pré-existente.
As árvores do estrato superior são de pequeno porte, com altura máxima de 7 m e diâmetro máximo de 32 cm, resultando em baixa cobertura de copas (19,6 %) e área basal de apenas 7,2 m2/ha. Estes valores correspondem à classificação fisionômica da vegetação de "cerrado típico", segundo Ribeiro et al. (1985), mais comumente denominada cerrado stricto sensu. Em outras áreas de cerrado stricto sensu, Goodland (1979) encontrou área basal de 16,2 m2/ha, Ribeiro et al. (1985) obtiveram 9,65 m2/ha e Sambuichi & Eiten (2000) encontraram 11,7 m2/ha.
Analisando-se as espécies amostradas quanto à sua importância relativa no estrato superior, em ordem decrescente, destacaram-se as espécies: Acosmium subelegans, Aspidosperma tomentosum, Eriotheca gracilipes, Styrax ferrugineus e Tabebuia ochracea.
O índice de diversidade (H´) obtido para o estrato superior foi de 3,02 (equabilidade de 80%), valor menor que o obtido em outras áreas de cerrado da região. Giannotti (1988) obteve o maior valor: 3,74 e Durigan et al. (1994) obtiveram o menor valor: 3,08, em áreas de cerrado no município de Itirapina, sendo este último estudo em área submetida a incêndios freqüentes.
No estrato inferior, a densidade de indivíduos foi de 10.220 ind/ha, pertencentes a 61 espécies e 32 famílias (Tab. 3). A comunidade como um todo apresenta-se agregada também no estrato inferior (P=3,89). Analisando-se separadamente as populações no estrato inferior, encontraram-se 13 espécies com distribuição agregada, 13 com distribuição aleatória e 19 com distribuição regular. As espécies com agregação mais forte foram Bromelia balansae, Rapanea umbellata e Ocotea pulchella. O índice de diversidade (H´) obtido foi de 3,32 (equabilidade de 81%). As espécies que se destacaram no estrato inferior, em ordem decrescente de densidade relativa, foram: Campomanesia adamantium, Bromelia balansae, Attalea geraensis, Xylopia aromatica e Ocotea pulchella.
Na análise de similaridade entre os dois estratos, encontrou-se 35,1 %, pelo índice de Jaccard, valor considerado elevado para comparação entre áreas, mas inferior ao esperado para dois estratos da vegetação de cerrado stricto sensu em um mesmo local.
A maior riqueza e diversidade encontradas no estrato inferior eram previsíveis para vegetação de cerrado stricto sensu, já que, naturalmente, muitas espécies de porte não arbóreo são amostradas apenas no estrato inferior. É surpreendente, no entanto, a ausência, no estrato inferior, de um número considerável de espécies (17), algumas das quais apresentam-se com alta densidade no estrato superior, como: Eriotheca gracilipes, Styrax ferrugineus, Piptocarpha rotundifolia e Annona crassiflora, entre outras. Em ambientes florestais, ou mesmo no cerradão, a ausência de espécies heliófitas no estrato inferior é compreensível. A regeneração dessas espécies ocorre em clareiras ou na borda dos fragmentos. Porém, a vegetação de cerrado strito sensu não apresenta condições microclimáticas distintas entre estratos, a ponto de impedir a regeneração das espécies arbóreas. Por alguma razão, provavelmente relacionada com a biologia reprodutiva destas espécies, não está ocorrendo, há algum tempo, o recrutamento de novos indivíduos à comunidade. Podem ser aventadas como causas possíveis, por exemplo, a ausência de polinizadores ou dispersores específicos, já que esta área tem sofrido fortes pressões de isolamento, tendo a leste a extensa área da Represa do Lobo (formada há cerca de 70 anos) e a oeste a Estação Ecológica de Itirapina, em que predominam as fisionomias de campo úmido e campo cerrado, com poucas espécies arbóreas.
Na ausência de recrutamento, a morte dos adultos existentes poderá significar extinção local destas espécies, resultando em perda considerável de diversidade a médio prazo, caso não ocorra o ingresso de novas espécies na comunidade.
Recebido em 20/03/2001
Aceito em 10/12/2001
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Abr 2003 -
Data do Fascículo
Set 2002
Histórico
-
Aceito
10 Dez 2001 -
Recebido
20 Mar 2001