Acessibilidade / Reportar erro

Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo Aumentada, Diminuída ou Estável ao Longo do Tempo em uma Série de 626 Pacientes com Insuficiência Cardíaca que Receberam Tratamento Médico

Resumo

Fundamento:

A fração de ejeção (FE) tem sido utilizada em análises fenotípicas e na tomada de decisões sobre o tratamento de insuficiência cardíaca (IC). Assim, a FE tornou-se parte fundamental da prática clínica diária.

Objetivo:

Este estudo tem como objetivo investigar características, preditores e desfechos associados a alterações da FE em pacientes com diferentes tipos de IC grave.

Métodos:

Foram incluídos neste estudo 626 pacientes com IC grave e classe III–IV da New York Heart Association (NYHA). Os pacientes foram classificados em três grupos de acordo com as alterações da FE, ou seja, FE aumentada (FE-A), definida como aumento da FE ≥10%, FE diminuída (FE-D), definida como diminuição da FE ≥10%, e FE estável (FE-E), definida como alteração da FE <10%. Valores p inferiores a 0,05 foram considerados significativos.

Resultados:

Dos 377 pacientes com IC grave, 23,3% apresentaram FE-A, 59,5% apresentaram FE-E e 17,2% apresentaram FE-D. Os resultados mostraram ainda 68,2% de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr) no grupo FE-A e 64,6% de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp) no grupo FE-D. Os preditores de FE-A identificados foram faixa etária mais jovem, ausência de diabetes e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) menor. Já os preditores de FE-D encontrados foram ausência de fibrilação atrial, baixos níveis de ácido úrico e maior FEVE. Em um seguimento mediano de 40 meses, 44,8% dos pacientes foram vítimas de morte por todas as causas.

Conclusão:

Na IC grave, a ICFEr apresentou maior percentual no grupo FE-A e a ICFEp foi mais comum no grupo FE-D.

Palavras-chave:
Insuficiência Cardíaca/mortalidade; Volume Sistólico; Disfunção Ventricular Esquerda; Prognóstico; Uso de Medicamentos

Abstract

Background:

Ejection fraction (EF) has been used in phenotype analyses and to make treatment decisions regarding heart failure (HF). Thus, EF has become a fundamental part of daily clinical practice.

Objective:

This study aims to investigate the characteristics, predictors, and outcomes associated with EF changes in patients with different types of severe HF.

Methods:

A total of 626 severe HF patients with New York Heart Association (NYHA) class III–IV were enrolled in this study. The patients were classified into three groups according to EF changes, namely, increased EF (EF-I), defined as an EF increase ≥10%, decreased EF (EF-D), defined as an EF decrease ≥10%, and stable EF (EF-S), defined as an EF change <10%. A p-value lower than 0.05 was considered significant.

Results:

Out of 377 severe HF patients, 23.3% presented EF-I, 59.5% presented EF-S, and 17.2% presented EF-D. The results further showed 68.2% of heart failure with reduced ejection fraction (HFrEF) in the EF-I group and 64.6% of heart failure with preserved ejection fraction (HFpEF) in the EF-D group. The predictors of EF-I included younger age, absence of diabetes, and lower left ventricular ejection fraction (LVEF). The predictors of EF-D were absence of atrial fibrillation, lower uric acid level, and higher LVEF. Within a median follow-up of 40 months, 44.8% of patients suffered from all-cause death.

Conclusion:

In severe HF, HFrEF presented the highest percentage in the EF-I group, and HFpEF was most common in the EF-D group.

Keywords:
Heart Failure/mortality; Stroke Volume; Ventricular Dysfunction, Left; Prognosis; Drug Utilization

Introdução

A fração de ejeção (FE) tem sido utilizada em análises fenotípicas e na tomada de decisões sobre o tratamento de insuficiência cardíaca (IC).11. McMurray JJ, Adamopoulos S, Anker SD, Auricchio A, Böhm M, Dickstein K, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2012: the Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2012 of the European Society of Cardiology. Developed in collaboration with the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2012;33(14):1787-847. Assim, a FE tornou-se parte fundamental da prática clínica diária. A IC é atualmente classificada de acordo com a FE — insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr; FE<40%), insuficiência cardíaca com fração de ejeção intermediária (ICFEi; FE 40–49%) ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp; FE≥50%).22. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC)Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-2200. A avaliação da FE de referência em todos os pacientes com IC é essencial para o diagnóstico, tratamento e prognóstico. O grau de ativação neuro-humoral e a resposta ao tratamento médico diferem entre os tipos de IC.33. Kapoor JR, Kapoor R, Ju C, Heidenreich PA, Eapen ZJ, Hernandez AF, et al. Precipitating clinical factors, heart failure characterization, and outcomes in patients hospitalized with heart failure with reduced, borderline, and preserved ejection fraction. JACC Heart Fail. 2016;4(6):464-72.55. Vedin O, Lam CSP, Koh AS, Benson L, Teng THK, Tay WT, et al. Significance of ischemic heart disease in patients with heart failure and preserved, midrange, and reduced ejection fraction: a Nationwide Cohort Study. Circ Heart Fail. 2017;10(6):e003875. Indicações para o tratamento de IC podem surgir com a deterioração da FE.66. Lupón J, Díez-López C, Antonio M, Domingo M, Zamora E, Moliner P, et al. Recovered heart failure with reduced ejection fraction and outcomes: a prospective study. Eur J Heart Fail. 2017;19(12):1615-23.,77. Park CS, Park JJ, Mebazaa A, Oh IY, Park HA, Cho HJ, et al. Characteristics, outcomes, and treatment of heart failure with improved ejection fraction. J Am Heart Assoc. 2019;8(6):e011077. Além disso, a FE não é uma medida estática e alterações ao longo do tempo são comuns em todos os grupos de IC.88. Savarese G, Vedin O, D’Amario D, Uijl A, Dahlström U, Rosano G, et al. Prevalence and prognostic implications of longitudinal ejection fraction change in heart failure. JACC Heart Fail. 2019;7(4):306-17.1010. Tsuji K, Sakata Y, Nochioka K, Miura M, Yamauchi T, Onose T, et al. Characterization of heart failure patients with mid-range left ventricular ejection fraction-a report from the CHART-2 Study. Eur J Heart Fail. 2017;19(10):1258-69.

A maioria dos estudos recentes sobre IC incluiu pacientes com classificação funcional II–IV da New York Heart Association (classe NYHA). Entretanto, algumas pesquisas têm se concentrado em pacientes críticos com classe III–IV da NYHA. Adicionalmente, essas pesquisas avaliaram o espectro completo de alterações da FE para todos os grupos de IC, mas não detalharam os determinantes da mudança e o prognóstico associado em pacientes com IC grave. Assim, este estudo examinou os padrões de alteração longitudinal da FE em uma coorte de pacientes com IC grave e analisou se as alterações da FE tiveram implicações prognósticas na ICFEr, ICFEi e ICFEp.

Métodos

População do estudo

Pacientes acometidos de IC grave foram incluídos neste estudo entre janeiro de 2011 e dezembro de 2016. Os cardiologistas responsáveis chegaram ao diagnóstico de IC com base nos critérios do estudo de Framingham.1111. Nieminen MS, Harjola VP. Definition and epidemiology of acute heart failure syndromes. Am J Cardiol. 2005;96(6A):5G-10G. A gravidade da IC foi definida como classe III–IV da NYHA, N-terminal do pró-peptídeo natriurético cerebral (NT-proBNP) >1000 pg/mL e teste de caminhada de 6 minutos <150 m. Pacientes com tipos diferentes de IC foram classificados de acordo com as novas Diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (European Society of Cardiology — ESC) para o diagnóstico e tratamento da IC crônica e aguda: ICFEr, ICFEi e ICFEp. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Beijing Chaoyang Hospital, Capital Medical University, e foi conduzida em conformidade com a declaração de Helsinki. O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os participantes.

Critérios de inclusão e exclusão

Critérios de inclusão: (1) pacientes com IC grave e classe III–IV da NYHA; (2) pacientes com dados completos de histórico clínico e anamnese; (3) pacientes com 18 anos ou mais. Critérios de exclusão: (1) pacientes com dispneia não cardíaca; (2) pacientes com choque cardiogênico; (3) pacientes com infarto agudo do miocárdio; (4) pacientes com doenças terminais e tempo de sobrevida previsto <1 ano (por exemplo, câncer terminal); (5) pacientes grávidas ou lactantes (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de pacientes incluídos no estudo. FE-A: fração de ejeção aumentada; FE-E: fração de ejeção estável; FE-D: fração de ejeção diminuída; ICFEr: insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida; ICFEi: insuficiência cardíaca com fração de ejeção intermediária; ICFEp: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.

Coleta de dados

Todas as informações dos pacientes, incluindo características demográficas, anamnese, exames laboratoriais, resultados ecocardiográficos e uso de medicação, foram coletadas a partir dos prontuários eletrônicos por um único pesquisador como dados de referência.

Pacientes com pelo menos duas avaliações de FE foram incluídos neste estudo. Para pacientes com mais de duas avaliações de FE, foram considerados o primeiro e o último resultado para o cálculo de alteração da FE. O tempo decorrido entre os dois exames foi demonstrado por meio de um gráfico de dispersão (Figura 2). Um ultrassonografista cardíaco realizou todos os estudos ecocardiográficos utilizando um aparelho de ultrassom VV5. Técnicas padrão foram adotadas para obtenção de medidas de modo M, bidimensionais e de Doppler conforme as diretrizes da Sociedade Americana de Ecocardiografia.1212. Lang RM, Badano LP, Mor-Avi V, Afilalo J, Armstrong A, Ernande L, et al. Recommendations for cardiac chamber quantification by echocardiography in adults: an update from the American Society of Echocardiography and the European Association of Cardiovascular Imaging. J Am Soc Echocardiogr. 2015;28(1):1-39.e14. Os pacientes foram divididos em três grupos com base nas alterações da FE: FE aumentada (FE-A), definida como aumento da FE ≥10%, FE diminuída (FE-D), definida como diminuição da FE ≥10% e FE estável (FE-E), definida como alteração da FE <10%. O método utilizado para calcular a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) foi a modificação da dieta na doença renal (Modification of Diet in Renal Disease — MDRD) e para medir o NT-proBNP foi a eletroluminescência.

Figura 2
Gráfico de dispersão da distribuição do tempo decorrido entre os exames de ultrassom.

Todos os pacientes foram acompanhados por telefone ou em ambulatórios e os desfechos primários foram registrados. Os desfechos primários incluíram morte por todas as causas.

Análise estatística

O programa SPSS 22.0 foi utilizado para a realização da análise estatística. A distribuição normal foi testada nas variáveis contínuas pelo método de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis contínuas foram expressas como média±desvio padrão (DP) ou mediana com intervalo interquartil (IIQ) segundo o teste de normalidade. As variáveis categóricas foram expressas como porcentagem (%). Para comparações múltiplas, cada valor foi comparado por análise de variância (ANOVA) de uma via, seguindo o teste de Dunnett, quando os dados apresentavam distribuição normal, enquanto os dados contínuos com distribuição não normal foram comparados por testes não paramétricos (teste H de Kruskal-Wallis). Variáveis categóricas foram testadas pelo teste qui-quadrado. Modelos de regressão logística multivariada foram aplicados para avaliar preditores independentes de FE aumentada ou diminuída. Como os preditores de alteração da FE eram desconhecidos na maioria dos casos, os modelos multivariados incluíram todas as variáveis clinicamente relevantes que poderiam potencialmente afetar a FE ao longo do tempo. Curvas de Kaplan-Meier foram utilizadas para avaliar a associação entre as alterações da FE e a morte por todas as causas e comparadas pelo teste de Mantel-Cox. Valores p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Dados gerais

Foram incluídos neste estudo 626 pacientes com IC grave e classe III–IV da NYHA entre janeiro de 2011 e dezembro de 2016. Após uma mediana de 27 meses, 377 pacientes com pelo menos 2 exames ecocardiográficos foram inseridos nesta análise. As informações dos pacientes são descritas na Figura 1. O perfil geral da população foi: média de idade de 67±13 anos, 60,2% do sexo masculino, 43,0% com ICFEr, 17,2% com ICFEi e 39,8% com ICFEp. De acordo com a primeira medida do Doppler, 88 pacientes (23,3%) apresentavam FE-A — 68,2% com ICFEr, 17,0% com ICFEi e 14,8% com ICFEp; 224 pacientes (59,5%) apresentavam FE-E — 40,2% com ICFEr, 17,4% com ICFEi e 42,4% com ICFEp; e 65 pacientes (17,2%) apresentavam FE-D — 18,5% com ICFEr, 16,9% com ICFEi e 64,6% com ICFEp (Figura 3).

Figura 3
Tipos diferentes de insuficiência cardíaca de acordo com mudanças na fração de ejeção. FE-A: fração de ejeção aumentada; FE-E: fração de ejeção estável; FE-D: fração de ejeção diminuída; ICFEr: insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida; ICFEi: insuficiência cardíaca com fração de ejeção intermediária; ICFEp: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.

Características de referência dos pacientes

Os pacientes com FE-A eram mais jovens e predominantemente do sexo masculino, enquanto os pacientes com FE-D apresentaram maior percentual de cardiopatia isquêmica e ICFEp. Além disso, os pacientes com FE-A tinham maior frequência cardíaca e menor pressão arterial sistólica. A média da pressão arterial sistólica foi 129 mmHg, da pressão arterial diastólica foi 80 mmHg e da frequência cardíaca foi 78 bpm entre os pacientes com ICFEr do grupo FE-A. No entanto, pacientes com FE-D demonstraram níveis mais baixos de hemoglobina e ácido úrico. Não houve diferença de NT-proBNP e TFGe entre os três grupos de alteração da FE. Ademais, os pacientes com FE-A apresentaram níveis menores de FEVE e maior diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo (DDFVE) ou diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo (DSFVE). O uso de digoxina e antagonistas da aldosterona (AA) foi maior entre pacientes com FE-A, enquanto o uso de betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina/bloqueadores do receptor da angiotensina II (IECA/BRA) e diuréticos de alça não diferiram entre os três grupos (Tabela 1). Um total de 106 pacientes com ICFEr faziam uso de betabloqueadores, 107 de IECA/BRA e 133 de AA. Contudo, a dose desses medicamentos foi difícil de ser coletada, já que os pacientes tomavam tipos diferentes de betabloqueadores e IECA/BRA.

Tabela 1
Características de referência de acordo com alterações da fração de ejeção

Preditores de fração de ejeção aumentada ou diminuída

A Tabela 2 apresenta a razão de chances (odds ratio — OR) ajustada para FE-A e FE-D após a análise de regressão logística multivariada. Faixa etária mais jovem, ausência de diabetes e FEVE menor foram associadas com a FE-A. Por sua vez, as variáveis preditoras de FE-D foram ausência de fibrilação atrial, baixos níveis de ácido úrico e maior FEVE. Nenhum medicamento foi associado à alteração da FE após ajuste para fatores multivariados (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre histórico clínico e alteração da fração de ejeção

Desfechos clínicos

A mortalidade por todas as causas de acordo com as alterações da FE na IC geral, na ICFEr, na ICFEi e na ICFEp foi: em um seguimento mediano de 40 meses, 44,8% de todos os pacientes do estudo foram vítimas de morte por todas as causas. O grupo FE-A apresentou maior sobrevida que os grupos FE-E e FE-D, embora esse aumento não seja estatisticamente significativo (p=0,064) (Tabela 3).

Tabela 3
Mortalidade por todas as causas para alterações da fração de ejeção em diferentes tipos de insuficiência cardíaca

Na ICFEr, os pacientes com FE-A apresentaram mortalidade significativamente menor em relação aos com FE-E e FE-D. Ao mesmo tempo, não foram encontradas diferenças na mortalidade por todas as causas relacionadas a alterações da FE na ICFEi e ICFEp. As curvas de Kaplan-Meier estimaram a mortalidade para diferentes tipos de IC, como mostra a Figura 4.

Figura 4
A) Curva de Kaplan-Meier de mortalidade por todas as causas para alteração da fração de ejeção em insuficiência cardíaca geral. B) Curva de Kaplan-Meier de mortalidade por todas as causas para alteração da fração de ejeção em insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. C) Curva de Kaplan-Meier de mortalidade por todas as causas para alteração da fração de ejeção em insuficiência cardíaca com fração de ejeção intermediária. D) Curva de Kaplan-Meier de mortalidade por todas as causas para alteração da fração de ejeção em insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.

Discussão

Os resultados deste estudo revelaram que, dos 377 pacientes com IC grave, 23,3% apresentaram FE-A, 59,5% apresentaram FE-E e 17,2% apresentaram FE-D. Adicionalmente, 68,2% dos pacientes com ICFEr estavam no grupo FE-A e 64,6% dos pacientes com ICFEp estavam no grupo FE-D. Os preditores de FE-A identificados foram faixa etária mais jovem, ausência de diabetes e FEVE menor. Já os preditores de FE-D encontrados foram ausência de fibrilação atrial, baixos níveis de ácido úrico e maior FEVE. Em um seguimento mediano de 40 meses, 44,8% dos pacientes foram vítimas de morte por todas as causas. A mortalidade no grupo FE-A foi menor que no grupo FE-D entre os pacientes com ICFEr. Entretanto, não foram encontradas diferenças na mortalidade por todas as causas relacionadas à alteração da FE em pacientes com ICFEi e ICFEp.

Alteração da fração de ejeção em pacientes com insuficiência cardíaca grave

A IC grave apresenta sintomas e resultados preocupantes quanto à função cardíaca, levando a taxas de mortalidade extremamente altas e prognósticos insatisfatórios. Alguns estudos anteriores investigaram a melhora da FE em pacientes com ICFEr.66. Lupón J, Díez-López C, Antonio M, Domingo M, Zamora E, Moliner P, et al. Recovered heart failure with reduced ejection fraction and outcomes: a prospective study. Eur J Heart Fail. 2017;19(12):1615-23.,77. Park CS, Park JJ, Mebazaa A, Oh IY, Park HA, Cho HJ, et al. Characteristics, outcomes, and treatment of heart failure with improved ejection fraction. J Am Heart Assoc. 2019;8(6):e011077.,1313. Kalogeropoulos AP, Fonarow GC, Georgiopoulou V, Burkman G, Siwamogsatham S, Patel A, et al. Characteristics and outcomes of adult outpatients with heart failure and improved or recovered ejection fraction. JAMA Cardiol. 2016;1(5):510-8.1515. Basuray A, French B, Ky B, Vorovich E, Olt C, Sweitzer NK, et al. Heart failure with recovered ejection fraction: clinical description, biomarkers, and outcomes. Circulation. 2014;129(23):2380-7. Ainda assim, a extensão da alteração da FE em pacientes com IC grave tem sido pouco revisada. Zhang et al.1616. Zhang F, Zhou G, Guo L, Lu F, Zhou G. Comparison of clinical efficacy of metoprolol combined with irbesartan and hydrochlorothiazide and non-invasive ventilator in the emergency treatment of patients with severe heart failure. Exp Ther Med. 2018;16(6):5059-66. revelaram que o uso de metoprolol combinado com irbesartana, hidroclorotiazida e ventilação não-invasiva ajudou a recuperar a função cardíaca normal, aumentando o débito cardíaco e normalizando a FE de pacientes com IC grave. Este estudo mostrou que 23,3% dos pacientes com IC grave apresentaram FE-A, 17,2% FE-D e 59,5% FE-E. Dunlay et al.99. Dunlay SM, Roger VL, Weston SA, Jiang R, Redfield MM. Longitudinal changes in ejection fraction in heart failure patients with preserved and reduced ejection fraction. Circ Heart Fail. 2012;5(6):720-6. relataram que uma proporção significativa de pacientes com ICFEp teve redução da FE <50% e uma proporção similar de pacientes com ICFEr teve aumento da FE de ≥50%. A presente pesquisa também identificou que a história natural da IC foi semelhante em pacientes com IC grave.

Características clínicas e preditores de alteração da fração de ejeção

Entender as características clínicas e os preditores da alteração da FE é essencial, pois eles fornecem informações importantes e podem ser utilizados na estratificação de risco e no direcionamento do tratamento para pacientes com IC grave. Neste estudo, a regressão logística multivariada mostrou que a faixa etária mais jovem, a ausência de diabetes e a FEVE menor estavam associadas à FE-A. Por sua vez, as variáveis preditoras da FE-D foram ausência de fibrilação atrial, baixos níveis de ácido úrico e FEVE mais elevada.

Estudos anteriores relataram que pacientes com melhora da FE eram mais jovens.99. Dunlay SM, Roger VL, Weston SA, Jiang R, Redfield MM. Longitudinal changes in ejection fraction in heart failure patients with preserved and reduced ejection fraction. Circ Heart Fail. 2012;5(6):720-6. No entanto, esta análise identificou a ausência de diabetes como preditora da FE-A, o que pode ser explicado por estudos prévios que detectaram uma associação inversa da diabetes mellitus, da cardiopatia isquêmica e da prescrição de AA na alta hospitalar com a IC e a melhora da FE.1717. Kotecha D, Flather MD, Altman DG, Holmes J, Rosano G, Wikstrand J, et al. Heart rate and rhythm and the benefit of beta-blockers in patients with heart failure. J Am Coll Cardiol. 2017;69(24):2885-96.1919. Garg R, Yusuf S. Overview of randomized trials of angiotensin-converting enzyme inhibitors on mortality and morbidity in patients with heart failure. Collaborative Group on ACE Inhibitor Trials. JAMA. 1995;273(18):1450-6.

O preditor ausência de fibrilação atrial demonstrou relação com a FE-D, em concordância com um relatório que indicou a fibrilação atrial como um preditor positivo para a melhora da FE. Surpreendentemente, o baixo nível de ácido úrico foi um preditor da FE-D, o que é difícil de explicar.

O presente estudo constatou que a FEVE menor estava associada à FE-A, enquanto a FEVE maior estava associada à FE-D. Dunlay et al.99. Dunlay SM, Roger VL, Weston SA, Jiang R, Redfield MM. Longitudinal changes in ejection fraction in heart failure patients with preserved and reduced ejection fraction. Circ Heart Fail. 2012;5(6):720-6. também identificaram esse resultado em sua análise, já que a FE diminuiu 5,8% em pacientes com ICFEp. Por outro lado, a FE aumentou 6,9% em pacientes com ICFEr ao longo de 5 anos.

Alteração da fração de ejeção e desfechos nos diferentes tipos de insuficiência cardíaca

Pouco se sabe, a partir de estudos publicados, sobre a implicação prognóstica da alteração da FE em diferentes tipos de IC grave. Este estudo demonstrou que o grupo FE-A teve maior sobrevida que os grupos FE-E e FE-D, embora esse aumento não seja estatisticamente significativo.

No grupo ICFEr, a alteração da FE foi inversamente associada à mortalidade por todas as causas, o que é consistente com achados de estudos anteriores indicando que a recuperação da FEVE reduzida está relacionada a melhores desfechos.88. Savarese G, Vedin O, D’Amario D, Uijl A, Dahlström U, Rosano G, et al. Prevalence and prognostic implications of longitudinal ejection fraction change in heart failure. JACC Heart Fail. 2019;7(4):306-17.,1010. Tsuji K, Sakata Y, Nochioka K, Miura M, Yamauchi T, Onose T, et al. Characterization of heart failure patients with mid-range left ventricular ejection fraction-a report from the CHART-2 Study. Eur J Heart Fail. 2017;19(10):1258-69. Lupon et al.66. Lupón J, Díez-López C, Antonio M, Domingo M, Zamora E, Moliner P, et al. Recovered heart failure with reduced ejection fraction and outcomes: a prospective study. Eur J Heart Fail. 2017;19(12):1615-23. observaram que ao utilizar como referência o grupo com recuperação da IC, a razão de risco (hazard ratio — HR) da morte cardiovascular ou da hospitalização por IC foi de 2,33 para ICFEp e 1,99 para ICFEr. Essas linhas de evidência sugerem fortemente que a recuperação da ICFEr estava associada a um melhor prognóstico em pacientes com IC. Assim, ressalta-se a importância do controle direcionado a aumentar a FE em pacientes com ICFEr.

A presente pesquisa identificou que as implicações prognósticas da alteração da FE entre os pacientes com ICFEi e ICFEp foram menos evidentes. A falta de associações de risco com a alteração da FE na ICFEi e ICFEp pode resultar da falta de relação linear entre FE e os desfechos da IC quando a FE é mais elevada.

Destaques deste estudo

Pesquisas anteriores sobre a IC avaliaram pacientes com classe II–IV da NYHA, enquanto este estudo se concentrou em pacientes críticos com classe III–IV da NYHA. Além disso, outras investigações relatam que o prognóstico melhora com o aumento do valor da FE. Adicionalmente, o presente estudo constatou que, em pacientes com IC grave e ICFEr, a FE aumentou após o tratamento, sugerindo assim que o prognóstico pode ser melhorado. Os outros dois tipos de pacientes com IC não foram associados à alteração e ao prognóstico da FE após o tratamento. Os conteúdos mencionados acima foram os destaques deste artigo.

Limitações

Este estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, a amostra, especialmente no grupo FE-D, foi relativamente pequena, o que pode reduzir as diferenças estatisticamente significativas entre esses pacientes. Segundo, este estudo é uma análise retrospectiva de centro único; os achados podem não ser generalizáveis a outras coortes. Terceiro, os pacientes tinham ao menos dois ecocardiogramas para a medida inicial e final da FE, com mediana de 27 meses. No entanto, o ecocardiograma no seguimento de 1 ano não foi registrado, o que poderia ter fornecido novos resultados. Por último, não se chegou a um consenso sobre a definição adequada de alteração da FE. Sabe-se que pequenas melhoras na FEVE, mas ainda qualificadas como FE-A, têm implicações prognósticas prováveis e diferentes do que as maiores. Portanto, para quantificar esse efeito, o presente estudo definiu FE-A como um aumento da FE ≥10%, a FE-D como uma diminuição da FE ≥10% e a FE-E como uma alteração da FE <10%, além da transição para outros fenótipos de IC.

Conclusões

Na IC grave, a ICFEr apresentou maior percentual no grupo FE-A e a ICFEp foi mais comum no grupo FE-D. A alteração da FE foi associada a uma série de características clínicas, preditores e desfechos, particularmente em pacientes com ICFEr.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo foi financiado por Basic and Clinical Research Cooperative project of Capital Medical University (15JL04) and the Natural Science Foundation of Capital Medical University (PYZ2018109).
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer o trabalho árduo e dedicado de toda a equipe que implementou a intervenção e avaliou os componentes do estudo.

Referências

  • 1
    McMurray JJ, Adamopoulos S, Anker SD, Auricchio A, Böhm M, Dickstein K, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2012: the Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2012 of the European Society of Cardiology. Developed in collaboration with the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2012;33(14):1787-847.
  • 2
    Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC)Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-2200.
  • 3
    Kapoor JR, Kapoor R, Ju C, Heidenreich PA, Eapen ZJ, Hernandez AF, et al. Precipitating clinical factors, heart failure characterization, and outcomes in patients hospitalized with heart failure with reduced, borderline, and preserved ejection fraction. JACC Heart Fail. 2016;4(6):464-72.
  • 4
    Chioncel O, Lainscak M, Seferovic PM, Anker SD, Crespo-Leiro MG, Harjola VP, et al. Epidemiology and one-year outcomes in patients with chronic heart failure and preserved, mid-range and reduced ejection fraction: an analysis of the ESC Heart Failure Long-Term Registry. Eur J Heart Fail. 2017;19(12):1574-85.
  • 5
    Vedin O, Lam CSP, Koh AS, Benson L, Teng THK, Tay WT, et al. Significance of ischemic heart disease in patients with heart failure and preserved, midrange, and reduced ejection fraction: a Nationwide Cohort Study. Circ Heart Fail. 2017;10(6):e003875.
  • 6
    Lupón J, Díez-López C, Antonio M, Domingo M, Zamora E, Moliner P, et al. Recovered heart failure with reduced ejection fraction and outcomes: a prospective study. Eur J Heart Fail. 2017;19(12):1615-23.
  • 7
    Park CS, Park JJ, Mebazaa A, Oh IY, Park HA, Cho HJ, et al. Characteristics, outcomes, and treatment of heart failure with improved ejection fraction. J Am Heart Assoc. 2019;8(6):e011077.
  • 8
    Savarese G, Vedin O, D’Amario D, Uijl A, Dahlström U, Rosano G, et al. Prevalence and prognostic implications of longitudinal ejection fraction change in heart failure. JACC Heart Fail. 2019;7(4):306-17.
  • 9
    Dunlay SM, Roger VL, Weston SA, Jiang R, Redfield MM. Longitudinal changes in ejection fraction in heart failure patients with preserved and reduced ejection fraction. Circ Heart Fail. 2012;5(6):720-6.
  • 10
    Tsuji K, Sakata Y, Nochioka K, Miura M, Yamauchi T, Onose T, et al. Characterization of heart failure patients with mid-range left ventricular ejection fraction-a report from the CHART-2 Study. Eur J Heart Fail. 2017;19(10):1258-69.
  • 11
    Nieminen MS, Harjola VP. Definition and epidemiology of acute heart failure syndromes. Am J Cardiol. 2005;96(6A):5G-10G.
  • 12
    Lang RM, Badano LP, Mor-Avi V, Afilalo J, Armstrong A, Ernande L, et al. Recommendations for cardiac chamber quantification by echocardiography in adults: an update from the American Society of Echocardiography and the European Association of Cardiovascular Imaging. J Am Soc Echocardiogr. 2015;28(1):1-39.e14.
  • 13
    Kalogeropoulos AP, Fonarow GC, Georgiopoulou V, Burkman G, Siwamogsatham S, Patel A, et al. Characteristics and outcomes of adult outpatients with heart failure and improved or recovered ejection fraction. JAMA Cardiol. 2016;1(5):510-8.
  • 14
    Florea VG, Rector TS, Anand IS, Cohn JN. Heart failure with improved ejection fraction: clinical characteristics, correlates of recovery, and survival: results from the Valsartan Heart Failure Trial. Circ Heart Fail. 2016;9(7):e003123.
  • 15
    Basuray A, French B, Ky B, Vorovich E, Olt C, Sweitzer NK, et al. Heart failure with recovered ejection fraction: clinical description, biomarkers, and outcomes. Circulation. 2014;129(23):2380-7.
  • 16
    Zhang F, Zhou G, Guo L, Lu F, Zhou G. Comparison of clinical efficacy of metoprolol combined with irbesartan and hydrochlorothiazide and non-invasive ventilator in the emergency treatment of patients with severe heart failure. Exp Ther Med. 2018;16(6):5059-66.
  • 17
    Kotecha D, Flather MD, Altman DG, Holmes J, Rosano G, Wikstrand J, et al. Heart rate and rhythm and the benefit of beta-blockers in patients with heart failure. J Am Coll Cardiol. 2017;69(24):2885-96.
  • 18
    Kotecha D, Manzano L, Krum H, Rosano G, Holmes J, Altman DG, et al. Effect of age and sex on efficacy and tolerability of β blockers in patients with heart failure with reduced ejection fraction: individual patient data meta-analysis. BMJ. 2016;353:i1855.
  • 19
    Garg R, Yusuf S. Overview of randomized trials of angiotensin-converting enzyme inhibitors on mortality and morbidity in patients with heart failure. Collaborative Group on ACE Inhibitor Trials. JAMA. 1995;273(18):1450-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2020
  • Revisado
    03 Set 2020
  • Aceito
    04 Nov 2020
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br