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Cardiopatia Chagásica: A Evolução da Doença e seus Exames Complementares

Palavras-chave
Doença de Chagas; Cardiomiopatia Chagásica/complicações; Evolução Clínica; Diagnóstico por Imagem/métodos; Epidemiologia; Insuficiência Cardíaca

Como em muitas áreas da Medicina, o cenário que abriga a Doença de Chagas (DC) tem mudado substancialmente. Há aproximadamente 50 anos, como Médico Residente, fazia plantões na Emergência do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e, rotineiramente atendia, em cada plantão, um ou mais casos de pacientes com franca Insuficiência Cardíaca Congestiva, anasarca, eletrocardiograma com distúrbios da condução e múltiplas arritmias, radiografia de tórax com cardiomegalia e diagnóstico laboratorial de DC. Não havia ecocardiograma. Hoje esta é uma situação incomum; quando ocorre, são chamados os estudantes para verem um quadro exuberante de Cardiopatia Chagásica (CC), que se apresenta a cada semestre.

Nos levantamentos epidemiológicos se observam constatações semelhantes. Em 1984 a prevalência da DC no Estado do Paraná, Brasil, era de 4% da população.11 Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência de infecção chagásica no Brasil, 1975/1980. Rev Inst Med Trop S Paulo. 1984;26(4):192-204. doi: 10.1590/s0036-46651984000400003.
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Em 2020 as estimativas da prevalência de infecções pelo Trypanosoma cruzi foram de 1,02% a 2,4% no Brasil.22 BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença de Chagas. Brasilia.2021.p:1-38. No período 1975/83 entre 291 municípios paranaenses, 90 (30,9%) tinham insetos triatomíneos infestados pelo T. cruzi, enquanto que em 1990 estes foram encontrados em apenas 4 municípios (1,4%),33 BRASIL. Ministério da Saúde. Programa para a erradicação/eliminação da transmissão vetorial por Triatoma infestans e transfusional do Trypanosoma cruzi - 1992/1995. Brasilia;1991.p:1-53 com posterior erradicação da contaminação vetorial. As estratégias de controle vetorial têm propiciado um declínio substancial na prevalência mundial da doença, estimada em 18 milhões em 1990 e em 6 milhões em 2018.44 Nunes MCP, Beaton A, Acquatella H, Bern C, Bolger AF, Echeverría LE et al. Chagas Cardiomyopathy: An Update of Current Clinical Knowledge and Management: A Scientific Statement from the American Heart Association. Circulation. 2018;138(12):e169-e209. doi: 10.1161/CIR.0000000000000599.
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Apesar do evidente avanço na contenção de novos casos da DC, a população doente é ainda muito grande e exige cuidados especiais no seu diagnóstico e tratamento. No presente número dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Tassi et al. estudam achados de exames complementares em relação às arritmias na CC.55 Tassi EM, Nascimento EM, Continentino MA, Pereira BB, Pedrosa RC. Relação entre norepinefrina urinária, fibrose e arritmias na Cardiopatia Chagásica Crônica com fração de ejeção preservada ou minimamente reduzida. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(1):3-11

As técnicas laboratoriais para o diagnóstico da DC crônica não têm apresentado mudanças há anos. A antiga Reação de Machado-Guerreiro (fixação de complemento) não é mais empregada por sua baixa sensibilidade, baixa especificidade e complexidade na execução. São utilizados os testes de imunofluorescência indireta, hemoaglutinação e ELISA (imunoensaio enzimático). Tendo em vista a possibilidade de falso-positivos (leishmaniose, malária, sífilis, toxoplasmose, hanseníase, colagenoses, hepatites) é recomendado que o soro seja testado em pelo menos dois desses métodos para confirmação da positividade da sorologia. Na fase aguda da doença o teste preferido é a PCR (Reação em Cadeia da Polimerase).66 Dias JC, Ramos AN Jr, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR et al. 2 nd Brazilian Consensus on Chagas Disease, 2015, Rev Soc Bras Med Trop. 2016;49(Suppl 1):3-60. doi: 10.1590/0037-8682-0505-2016.
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A avaliação cardiovascular dos pacientes com DC definida ou suspeita, é essencial para detectar os eventuais danos cardíacos. O eletrocardiograma é o teste mais importante na avaliação inicial, podendo indicar se já há uma cardiomiopatia instalada, presença de arritmias e contribuição para a estimativa do risco cardiovascular.77 Andrade JP, Marin Neto JA, Paola AA, Vilas-Boas F, Oliveira GM, Bacal F et al. I Latin American Guidelines for the diagnosis and treatment of Chagas’ heart disease: executive summary. Arq Bras Cardiol. 2011;96(6):434-42. doi: 10.1590/s0066-782x2011000600002.
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A radiografia do tórax contribui na avaliação das câmaras cardíacas e da congestão pulmonar. O achado de cardiomegalia tem peso significativo na escala de risco de morte, proposta por Rassi, acrescentando 5 pontos para um máximo de 20.88 Rassi Jr A, Rassi A, Little WC, Xavier SS, Rassi SG, Rassi AG et al. Development and validation of a risk score for predicting death in Chagas’ heart disease. N Engl J Med. 2006;355(8):799–808. doi: 10.1056/NEJMoa053241.
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A ecocardiografia em geral é o teste chave, usado para identificar anormalidades estruturais e funcionais na DC. Integra a investigação de rotina, tanto na fase aguda como crônica, mesmo na Forma Indeterminada, e independente de sintomas. O estudo contribui para avaliação das funções ventriculares sistólica e diastólica, análise regional e global dos ventrículos esquerdo e direito, presença de aneurismas ventriculares, derrame pericárdico principalmente na fase aguda, pesquisa de trombos, regurgitações mitral e tricúspide, análise da hipertensão pulmonar.99 Acquatella H, Asch FM, Barbosa MM, Barros M, Bern C, Cavalcante JL et al. Recommendations for Multimodality Cardiac Imaging in Patients with Chagas Disease: A Report from the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 2018;31(1):3-25. doi: 10.1016/j.echo.2017.10.019.
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O Holter (Monitorização Ambulatorial do ECG) é outro exame fundamental para investigação diagnóstica, conduta terapêutica e avaliação prognóstica da DC. Permite estudar arritmias ventriculares complexas, fibrilação atrial, doença do nó sinusal e defeitos da condução atrioventricular e intraventricular.1010 Rassi Jr A, Rassi A, Marin-Neto JA. Chagas Disease. Lancet. 2010;375(9723):1388–402. doi: 10.1016/S0140-6736(10)60061-X.
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Pacientes selecionados com CC requerem avaliação adicional com outros exames: Teste Ergométrico, Coronariografia, Ressonância Magnética (avaliação ventricular em ecocardiogramas subótimos e pesquisa de fibrose), Testes de Medicina Nuclear (Ventriculografia radionuclear, SPECT, Imagem da inervação simpática miocárdica com MIBG-I123*, tomografia por emissão de pósitron com 18F-fluorodeoxiglicose*) e biópsia endomiocárdica* (* = aplicações em pesquisas).44 Nunes MCP, Beaton A, Acquatella H, Bern C, Bolger AF, Echeverría LE et al. Chagas Cardiomyopathy: An Update of Current Clinical Knowledge and Management: A Scientific Statement from the American Heart Association. Circulation. 2018;138(12):e169-e209. doi: 10.1161/CIR.0000000000000599.
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O estudo de Tassi et al.,55 Tassi EM, Nascimento EM, Continentino MA, Pereira BB, Pedrosa RC. Relação entre norepinefrina urinária, fibrose e arritmias na Cardiopatia Chagásica Crônica com fração de ejeção preservada ou minimamente reduzida. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(1):3-11 exemplifica a evolução das pesquisas no entendimento das arritmias na CC.

  • Minieditorial referente ao artigo: Relação entre Norepinefrina Urinária, Fibrose e Arritmias na Cardiopatia Chagásica Crônica com Fração de Ejeção Preservada ou Minimamente Reduzida

Referências

  • 1
    Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência de infecção chagásica no Brasil, 1975/1980. Rev Inst Med Trop S Paulo. 1984;26(4):192-204. doi: 10.1590/s0036-46651984000400003.
    » https://doi.org/10.1590/s0036-46651984000400003
  • 2
    BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença de Chagas. Brasilia.2021.p:1-38.
  • 3
    BRASIL. Ministério da Saúde. Programa para a erradicação/eliminação da transmissão vetorial por Triatoma infestans e transfusional do Trypanosoma cruzi - 1992/1995. Brasilia;1991.p:1-53
  • 4
    Nunes MCP, Beaton A, Acquatella H, Bern C, Bolger AF, Echeverría LE et al. Chagas Cardiomyopathy: An Update of Current Clinical Knowledge and Management: A Scientific Statement from the American Heart Association. Circulation 2018;138(12):e169-e209. doi: 10.1161/CIR.0000000000000599.
    » https://doi.org/10.1161/CIR.0000000000000599
  • 5
    Tassi EM, Nascimento EM, Continentino MA, Pereira BB, Pedrosa RC. Relação entre norepinefrina urinária, fibrose e arritmias na Cardiopatia Chagásica Crônica com fração de ejeção preservada ou minimamente reduzida. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(1):3-11
  • 6
    Dias JC, Ramos AN Jr, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR et al. 2 nd Brazilian Consensus on Chagas Disease, 2015, Rev Soc Bras Med Trop. 2016;49(Suppl 1):3-60. doi: 10.1590/0037-8682-0505-2016.
    » https://doi.org/10.1590/0037-8682-0505-2016
  • 7
    Andrade JP, Marin Neto JA, Paola AA, Vilas-Boas F, Oliveira GM, Bacal F et al. I Latin American Guidelines for the diagnosis and treatment of Chagas’ heart disease: executive summary. Arq Bras Cardiol 2011;96(6):434-42. doi: 10.1590/s0066-782x2011000600002.
    » https://doi.org/10.1590/s0066-782x2011000600002
  • 8
    Rassi Jr A, Rassi A, Little WC, Xavier SS, Rassi SG, Rassi AG et al. Development and validation of a risk score for predicting death in Chagas’ heart disease. N Engl J Med 2006;355(8):799–808. doi: 10.1056/NEJMoa053241.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa053241
  • 9
    Acquatella H, Asch FM, Barbosa MM, Barros M, Bern C, Cavalcante JL et al. Recommendations for Multimodality Cardiac Imaging in Patients with Chagas Disease: A Report from the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr 2018;31(1):3-25. doi: 10.1016/j.echo.2017.10.019.
    » https://doi.org/10.1016/j.echo.2017.10.019
  • 10
    Rassi Jr A, Rassi A, Marin-Neto JA. Chagas Disease. Lancet. 2010;375(9723):1388–402. doi: 10.1016/S0140-6736(10)60061-X.
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)60061-X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jul 2022
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