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Características clínicas associadas à evolução desfavorável na miocardiopatia periparto

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar as características clínicas de mulheres com diagnóstico prévio de miocardiopatia periparto e verificar as características associadas à evolução desfavorável. MÉTODOS: Variáveis clínicas, obstétricas e ecocardiográficas foram estudadas em 12 pacientes com miocardiopatia periparto, avaliadas no momento do diagnóstico e em consulta atual, quando foram divididas em dois grupos: GF (n= 6, sem alterações cardíacas) e GD (n= 6, com cardiomegalia e disfunção ventricular persistentes). As comparações foram feitas com o teste "t" de Student e exato de Fisher (p<0,05). RESULTADOS: No diagnóstico, a idade média das pacientes (8 brancas e 4 negras/pardas) foi de 24±7,4 anos; todas em classe funcional IV (NYHA) e 8 relataram hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia. A mediana do tempo de seguimento foi de 25 meses. Dez pacientes evoluíram para classe funcional I/II. A comparação entre os grupos mostrou GD com menor fração de ejeção do ventrículo esquerdo (0,30±0,05 vs. 0,58±0,09; p<0,001) e maior diâmetro sistólico do VE (58±5mm vs. 46±3mm; p<0,001), no momento do diagnóstico. A evolução desfavorável foi mais frequente entre as pardas (p=0,01). Na avaliação atual o GD apresentou menor espessura relativa da parede (0,13±0,02 vs. 0,17±0,02; p< 0,05) e maior massa do VE (283±90g vs. 186±41g; p<0,05). CONCLUSÃO: Pacientes com miocardiopatia periparto prévia apresentam evolução desfavorável associada à raça negra e alterações cardíacas iniciais mais acentuadas e a evolução favorável está associada à redução da massa miocárdica e aumento da espessura relativa da parede ventricular.

insuficiência cardíaca; ecocardiograma; gestação


OBJECTIVE: To assess the clinical characteristics of women with a previous diagnosis of peripartum myocardiopathy and to study the characteristics associated with unfavorable outcomes. METHODS: Clinical, obstetric, and echocardiographic variables were studied in 12 patients with peripartum myocardiopathy, assessed at diagnosis and at a current appointment, when they were divided into 2 groups: FG (n = 6, without cardiac alterations) and UG (n = 6, with cardiomegaly and persistent ventricular dysfunction). The comparisons were made using the Student t test and Fisher's exact test (P < 0.05). RESULTS: At diagnosis, mean age of the patients (8 Caucasian and 4 black/non-Caucasian) was 24±7.4 years, all in Functional Class IV (NYHA) and 8 reporting gestational hypertension or preeclampsia. Mean follow-up time was 25 months. Ten patients developed Functional Class I/II. Comparison between the groups demonstrated that UG had lower left ventricular ejection fractions (0.30±0.05 vs. 0.58±0.09; P < 0.001) and greater LV systolic diameter (58±5mm vs. 46±3mm; P < 0.001) at diagnosis. An unfavorable outcome was more frequent among non-Caucasian women (P = 0.01). In the current evaluation, UG had lower relative wall thickness (0.13±0.02 vs. 0.17±0.02; P < 0.05) and greater LV mass (283±90g vs. 186±41g; P < 0.05). CONCLUSION: Patients with previous peripartum myocardiopathy had unfavorable outcomes associated with black race, and stronger initial cardiac alterations; a favorable outcome was associated with a reduction in myocardial mass and an increase in relative ventricular wall thickness.

heart failure; echocardiogram; gestation


ARTIGO ORIGINAL

Características clínicas associadas à evolução desfavorável na miocardiopatia periparto

Caroline da Costa Moreira; Silméia Garcia Zanati; Vera Therezinha Borges Medeiros; Cláudia Guimarães; Elaine Farah Simões; Beatriz Bojikian Matsubara

Botucatu, SP

Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Caroline da Costa Moreira Rua João Carmelo, 452 - Apto 01 Botucatu - SP - E-mail: caroline@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar as características clínicas de mulheres com diagnóstico prévio de miocardiopatia periparto e verificar as características associadas à evolução desfavorável.

MÉTODOS: Variáveis clínicas, obstétricas e ecocardiográficas foram estudadas em 12 pacientes com miocardiopatia periparto, avaliadas no momento do diagnóstico e em consulta atual, quando foram divididas em dois grupos: GF (n= 6, sem alterações cardíacas) e GD (n= 6, com cardiomegalia e disfunção ventricular persistentes). As comparações foram feitas com o teste "t" de Student e exato de Fisher (p<0,05).

RESULTADOS: No diagnóstico, a idade média das pacientes (8 brancas e 4 negras/pardas) foi de 24±7,4 anos; todas em classe funcional IV (NYHA) e 8 relataram hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia. A mediana do tempo de seguimento foi de 25 meses. Dez pacientes evoluíram para classe funcional I/II. A comparação entre os grupos mostrou GD com menor fração de ejeção do ventrículo esquerdo (0,30±0,05 vs. 0,58±0,09; p<0,001) e maior diâmetro sistólico do VE (58±5mm vs. 46±3mm; p<0,001), no momento do diagnóstico. A evolução desfavorável foi mais frequente entre as pardas (p=0,01). Na avaliação atual o GD apresentou menor espessura relativa da parede (0,13±0,02 vs. 0,17±0,02; p< 0,05) e maior massa do VE (283±90g vs. 186±41g; p<0,05).

CONCLUSÃO: Pacientes com miocardiopatia periparto prévia apresentam evolução desfavorável associada à raça negra e alterações cardíacas iniciais mais acentuadas e a evolução favorável está associada à redução da massa miocárdica e aumento da espessura relativa da parede ventricular.

Palavras-chave: insuficiência cardíaca, ecocardiograma, gestação

Miocardiopatia periparto (MCPP) é uma forma rara de insuficiência cardíaca de causa desconhecida, que ocorre durante a gravidez (um mês antes do parto) ou no período pós-parto (até cinco meses), em mulheres previamente saudáveis, sem doença cardíaca pré-existente. Seu diagnóstico só é feito após a exclusão de outras causas de miocardiopatia1-3. Estima-se que a incidência seja de 1:3000 a 1:4000 recém-nascidos vivos, correspondendo entre 1000 a 1300 mulheres afetadas a cada ano nos Estados Unidos2.

Apesar de rara, sua importância reside na alta taxa de mortalidade, que varia entre 18% e 56%2. Essa variabilidade está relacionada com a diversidade de evolução clínica, pois a miocardiopatia periparto pode cursar com completa normalização da dimensão e função cardíaca ou com insuficiência ventricular progressiva até o óbito. Mesmo no primeiro caso, em que o ventrículo esquerdo retorna ao normal, há evidências de que a reserva contrátil fica comprometida e pode haver recorrência da doença4. Além disso, foi relatada evolução significativamente pior de mulheres com miocardiopatia periparto, quando comparadas a mulheres com cardiomiopatia dilatada, diagnosticada antes da gravidez5-6.

Os fatores de risco que têm sido relacionados à miocardiopatia periparto incluem multiparidade, idade materna avançada (> 30 anos), gemelaridade, pré-eclâmpsia, hipertensão gestacional e raça negra2. Há um estudo7 que considera também a obesidade e a cesárea como fatores predisponentes, e um outro, a história de hipertensão crônica8.

O prognóstico das mulheres com miocardiopatia periparto parece depender da normalização do tamanho e da função ventricular esquerda até 6 meses depois do parto2. Dentre as mulheres com disfunção ventricular esquerda persistente, a taxa de mortalidade cardíaca foi de 85% em cinco anos, enquanto no grupo de pacientes com função ventricular normal, não ocorreram mortes de etiologia cardiovascular no mesmo intervalo de tempo9.

Existem poucos estudos, na literatura nacional, que descrevem a evolução clínica dessas pacientes. Marin-Neto e cols.10 avaliaram 14 pacientes com o diagnóstico de miocardiopatia periparto e verificaram que algumas se apresentavam em estado hiperdinâmico, com débito cardíaco aumentado. Avila e cols.11 e Albanesi e Silva12 descreveram que a função ventricular esquerda determina o prognóstico de gestações subseqüentes. Um estudo publicado por Carvalho e cols.13 concluiu que algumas características ecocardiográficas, como o aumento do diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo, na fase aguda da doença, e o início tardio dos sintomas, no período pós-parto, encontram-se associados com mau prognóstico.

Em nosso serviço, não temos levantamento sobre aspectos clínicos e evolutivos de pacientes com diagnóstico de miocardiopatia periparto. Assim, os objetivos do presente estudo foram: avaliar as características clínicas de mulheres com o diagnóstico prévio da doença e verificar as características associadas com evolução desfavorável.

Métodos

Todas as mulheres incluídas no estudo preencheram os critérios diagnósticos de Demakis e cols.9: 1) desenvolvimento de insuficiência cardíaca no último mês de gravidez ou em 5 meses pós-parto, 2) ausência de uma etiologia determinável para a insuficiência cardíaca e 3) ausência de doença cardíaca demonstrável antes do último mês de gravidez. Todos os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética da Instituição, OF.37/2002-CEP.

No período de 1994 a 2002, foram diagnosticados 14 casos de miocardiopatia periparto no Hospital das Clínicas, e analisados, retrospectivamente, por meio da consulta ao prontuário médico e por meio de avaliação clínica atualizada, após convocação da paciente, o que foi denominado de avaliação atual. Duas pacientes que não atenderam à convocação foram excluídas do estudo. No único caso de óbito, foi considerada a "avaliação atual" aquela registrada no prontuário antes do evento. Todas as pacientes que compareceram à última avaliação assinaram o termo de consentimento pós informado. Todas as avaliações médicas foram efetuadas pelo cardiologista.

Durante a avaliação clínica foram registradas as seguintes variáveis: a) variáveis obstétricas: histórico obstétrico, idade gestacional no parto, variação de peso na gestação que precedeu o diagnóstico, tipo de parto, intercorrências obstétricas, vitalidade e maturidade do recém-nascido; b) variáveis demográficas e clínicas: raça, idade, peso, altura, sintomas, classe funcional, freqüência cardíaca e pressão arterial no momento do diagnóstico e na avaliação atual, além da medicação em uso, evolução, antecedentes pessoais e familiares.

Foram considerados os exames Doppler-ecocardiográficos anexados ao prontuário e realizados no laboratório de ecocardiografia, no setor de fisiodiagnóstico do Hospital das Clínicas. As pacientes foram submetidas a novo exame, no momento da avaliação atual. As análises incluíram as seguintes variáveis obtidas no primeiro e último exames realizados: a) variáveis morfométricas obtidas a partir do ecocardiograma monodimensional: tamanho do átrio esquerdo (AE), diâmetros diastólico (VEd) e sistólico (VEs) do ventrículo esquerdo e massa do ventrículo esquerdo (MVE); MVE = [(2PPd + VEd) 3 - VEd3] x 1,05, onde PPd e VEd são a espessura da parede e o diâmetro da cavidade do ventrículo esquerdo, na diástole, respectivamente. Foi também analisada a espessura relativa da parede ventricular (PPd/VEd); b) variáveis funcionais: porcentagem de variação do diâmetro do VE (%DD), fração de ejeção (FE), débito cardíaco (DC), volume ejetado durante a sístole (VS) e razão E/A, correspondente à razão entre os picos de velocidade do fluxo transmitral nas fases de enchimento ventricular rápido (E) e contração atrial (A).

Após a avaliação atual, as pacientes foram divididas em dois grupos, segundo a evolução clínica no período de seguimento: 1) pacientes com evolução favorável, ou seja, que cursaram com normalização da função e da morfologia cardíaca, com FE > 0,56, %DD > 26%, AE < 38mm e VED < 56mm, na avaliacão atual; e 2) pacientes com evolução desfavorável, com dilatação e disfunção ventricular esquerda persistentes.

Foram calculados os valores médios, com os respectivos desvios padrão para cada variável analisada. Quando a variável apresentou distribuição não normal, foram calculadas as medianas e as amplitudes interquartílicas. A comparação entre os dois grupos de pacientes foi feita por meio do teste "t" de Student e do teste exato de Fisher. A associação entre espessura relativa da parede miocárdica e a fração de ejeção foi analisada pelo coeficiente de correlação de Spearman. O nível de significância adotado foi p<0,05.

Resultados

Encontram-se na tabela I as variáveis obstétricas e clínicas das pacientes. A idade média foi de 24 ± 7,4 (variação de 15 a 36) anos no momento do diagnóstico. Dez pacientes eram primigestas ou secundigestas e 8 apresentavam resolução da gestação por cesárea. Das pacientes com evolução desfavorável, quatro eram da raça negra, enquanto que todas as pacientes do grupo com evolução favorável eram brancas (p<0,05). A mediana do tempo de seguimento foi de 25,5 meses, sendo que 75% acompanhadas por 15 meses ou mais.

Oito pacientes apresentaram hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia (PE). De acordo com a classificação da New York Heart Association (NYHA), 100% encontravam-se em classe funcional IV no momento do diagnóstico, e submetidas a tratamento para insuficiência cardíaca com digital, furosemida e inibidor de enzima conversora de angiotensina. Não houve diferença entre a terapêutica adotada para os dois grupos de pacientes. Na avaliação atual, oito das 12 pacientes estavam em classe funcional I, 2 em classe II e 2 em classe IV. De acordo com essa distribuição, todas as pacientes de evolução favorável encontravam-se em classe funcional I.

Uma paciente faleceu subitamente numa das internações para tratamento de insuficiência cardíaca congestiva; era branca, com gestação única, tinha 17 anos de idade e faleceu após 2 meses do diagnóstico, realizado 5 meses pós-parto.

A tabela II apresenta a média e os respectivos desvios padrão de variáveis ecocardiográficas das 12 pacientes, no momento do diagnóstico e na avaliação atual. As comparações entre as variáveis não foram efetuadas, devido à grande heterogeneidade do intervalo de tempo entre as avaliações, na casuística. Foi observada associação direta e significante entre a espessura relativa da parede ventricular e o indicador de função sistólica obtidos na avaliação atual (fig. 1).


Na tabela III acham-se a idade, freqüência cardíaca e débito cardíaco observados nos dois momentos e nos dois grupos considerados, sendo que, a única com diferença estatística entre os grupos foi o débito cardíaco obtido no diagnóstico (GF: 4,3 ± 0,8 l/min vs. GD: 3,1 ± 0,8 l/min; p<0,05).

Nas figuras 2 a 4 são apresentadas as variáveis ecocardiográficas obtidas nos dois grupos, no momento do diagnóstico e na avaliação atual. No momento do diagnóstico, o grupo favorável era comparável ao desfavorável quanto às dimensões das câmaras cardíacas esquerdas, aumentadas (fig. 2, A e B). No intervalo de tempo entre as avaliações, houve redução mais expressiva dessas dimensões nas pacientes com evolução favorável, ocorrendo diferença significante entre os grupos. Desde o momento do diagnóstico, o desem penho sistólico apresentou-se mais prejudicado no grupo com evolução desfavorável (fig. 3, A e B), refletido na maior dimensão sistólica do ventrículo esquerdo (58 ± 5 mm e 46 ± 3 mm, p<0,001) e na menor fração de ejeção (0,30 ± 0,05 e 0,58 ± 0,09, p<0,001). A figura 4 mostra os valores da massa do ventrículo esquerdo e da espessura relativa da parede ventricular. Os dois grupos eram comparáveis, no momento do diagnóstico, em relação à massa do ventrículo esquerdo e à espessura relativa da parede posterior do ventrículo esquerdo. Na avaliação atual foi observada menor massa do ventrí culo esquerdo e maior espessura relativa da parede posterior do ventrículo esquerdo no grupo de pacientes com evolução favorável (fig. 4, A e B ).



As variáveis Doppler-ecocardiográficas de função diastólica (tab. IV) foram comparáveis nos dois grupos com miocardiopatia periparto, exceto a velocidade de fluxo durante a contração atrial no momento do diagnóstico, que apresentou valor significantemente maior no grupo que iria evoluir favoravelmente.

Discussão

Os 12 casos apresentados no presente estudo são de relevância clínica, diante da baixa incidência da doença. De fato, os trabalhos publicados na literatura sobre o tema, também oferecem casuística de grandeza semelhante5,7-14. Cabe destacar os 47 casos diagnosticados em 7 anos, em serviço médico do Haiti, por Fett e cols.3, sem definição das causas dessa incidência elevada.

As pacientes atendidas em nosso serviço apresentavam idade média entre eles, diferindo do estudo de Carvalho e cols.13, no qual as mulheres do grupo com evolução desfavorável tenderam a ser mais velhas. Nossa população também diferiu em relação à literatura, no que diz respeito à raça e à paridade, pois foi composta por uma maioria de mulheres brancas (64,3%), primigestas ou secundigestas, na época do diagnóstico. A literatura em geral admite, como fatores de risco, a raça negra, a multiparidade e a gemelaridade2,5,7, 9,14. Todas as nossas pacientes de cor negra cursaram com evolução desfavorável, e elas representaram 67% do grupo que evoluiu desfavoravelmente, também relatado por Carvalho e cols.13. Ford e cols.8, estudaram uma população de pacientes muito semelhante à nossa, em relação à idade média de acometimento da doença, à raça e à porcentagem de nulíparas em relação ao total de mulheres avaliadas, e observaram índice de boa evolução maior do que o relatado na literatura. Os autores atribuíram esses achados ao fato de serem mulheres jovens, com baixa paridade e à ausência de comorbidades. Portanto, consideramos de relevância analisar em separado as pacientes com evolução favorável e as com evolução desfavorável.

Assim como nos estudos de outros autores3,8,14,15, o diagnóstico de miocardiopatia periparto, na maioria dos casos, foi feito no período pós-parto, principalmente, 1º mês após o término da gestação. Coincide também com a literatura o alto índice de casos de hipertensão induzida pela gestação ou de pré-eclâmpsia (71,4%) nas pacientes atendidas em nosso serviço. Não houve significância estatística quanto à ocorrência de hipertensão gestacional e a evolução das pacientes e este fator não é referido pela literatura como sendo definidor do prognóstico das pacientes acometidas. Até o momento, não se conhece o mecanismo envolvido na fisiopatologia da miocardiopatia periparto que pudesse explicar a sua associação com a hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia.

Em nosso estudo, 8 pacientes evoluíram com melhora clínica e classe funcional I, sendo que seis apresentaram indicadores de função e morfologia normais no ecocardiograma convencional de repouso, indicando evolução favorável. Esse resultado também está de acordo com a literatura, que relata boa evolução em 50% dos casos2,5,9,12,15.

As pacientes do grupo desfavorável apresentavam débito cardíaco menor que as mulheres do outro grupo, no momento do diagnóstico, apesar dos valores médios normais, mesmo na vigência de classe funcional IV. É provável que naquele momento, o débito se mantivesse às custas da taquicardia. Em ambos os grupos, o débito cardíaco observado na avaliação atual foi semelhante ao verificado no diagnóstico. No entanto, a freqüência cardíaca na última avaliação foi menor, indicando aumento do volume ejetado, compatível com a melhora clínica observada. Outro dado a ser destacado é que, independentemente da evolução, as pacientes apresentaram redução da freqüência cardíaca durante o tempo de observação, ocorrido provavelmente em resposta ao tratamento.

De acordo com os valores ecocardiográficos, obtidos no momento do diagnóstico, a cardiomegalia não era acentuada, embora todas as pacientes estivessem em classe funcional IV (NYHA), o que reforça o caráter agudo do quadro. Acrescido a esse fato, o exame precoce na evolução da doença pode justificar a discrepância do quadro clínico das 12 pacientes e a redução não tão acentuada da fração de ejeção inicial e da %DD inicial. Diante da agressão aguda, qualquer redução da ejeção pode causar aumento súbito do volume residual na cavidade. Estando a câmara desadaptada a esse maior volume, haveria aumento desproporcional da pressão de enchimento ventricular. Com isso, a congestão pulmonar é desproporcionalmente mais intensa do que a redução da fração de ejeção e da %DD. De fato, a dispnéia em repouso e os sinais de congestão pulmonar predominaram no quadro clínico inicial.

A avaliação atual mostrou fração de ejeção e %DD com valores médios pouco acima dos limites inferiores da normalidade, considerados 0,56 e 26%, respectivamente. Esses resultados sugerem que, apesar da aparente boa evolução clínica, houve persistência de dano cardíaco em muitas pacientes. No diagnóstico, o grupo que evoluiria de forma desfavorável apresentou dimensão diastólica do ventrículo esquerdo levemente maior, apenas com tendência estatística, em relação ao outro grupo (p= 0,065), mas com aumento do ventrículos esquerdos e redução da fração de ejeção. Nossas observações estão em acordo com o estudo de Carvalho e cols.13, que ao dividir as pacientes de acordo com sua evolução clínica, encontraram forte associação entre valor aumentado da dimensão diastólica ventricular e prognóstico ruim. Provavelmente, um dos fatores envolvidos é que o coração com menor dilatação permite a manutenção de níveis menos elevados de pós-carga ventricular esquerda e direita, com desempenho sistólico mais adequado e fluxo sistêmico preservado, ensejando melhores condições de perfusão tissular10. Outros autores16,17 observaram que, dentre características clínicas, ecocardiográficas, hemodinâmicas ou histológicas avaliadas no início do quadro, somente o índice de função sistólica do ventrículo esquerdo estava associado a pior evolução. Também é feita referência ao retorno do tamanho do coração ao normal no prazo de até 6 meses, como associação ao curso clínico favorável da miocardiopatia periparto9.

Considerando-se todas as pacientes, os valores de massa do ventrículo esquerdo observados na internação indicaram que a hipertrofia já estava presente na primeira avaliação. Esse resultado é interessante porque consideramos que o exame foi realizado muito precocemente, no desenvolvimento do processo patológico, dias após o início dos sintomas. O fato de encontrarmos hipertrofia nesse período inicial, sugere que algum tipo de estímulo para hipertrofia deveria estar atuando antes do início dos sintomas. Se esse estímulo foi humoral ou mecânico (hipertensão) ou fisiológico da gravidez não é possível esclarecer. Na avaliação atual, as pacientes com evolução desfavorável apresentaram massa do ventrículo esquerdo maior do que as de evolução favorável. Esse resultado sugere que as pacientes com boa evolução tiveram regressão da hipertrofia, enquanto que essa alteração persistiu nas demais.

A partir da avaliação da espessura relativa da parede ventricular, pôde-se sugerir que o primeiro exame refletia uma situação de dilatação ventricular, com remodelação excêntrica da cavidade. Esse é um dos mecanismos reativos na fase aguda de insuficiência cardíaca para aumentar a capacitância ventricular numa situação de aumento de volume18. Assim, o maior valor de PPd/VEd no GF em relação ao GD, na avaliação atual, foi interpretado como um sinal de adaptação e retorno da geometria original do ventrículo esquerdo. Foi observada associação direta significante entre a espessura relativa da parede e o índice de ejeção ventricular. Esse resultado sugere que a geometria da câmara tem papel fundamental no desempenho cardíaco. Reforça este raciocínio o fato de não ter se observado associação significante entre a massa miocárdica ou dimensão ventricular e indicadores de função sistólica. Isto é, o prejuízo da ejeção esteve associado com o crescimento desproporcional do volume da cavidade, não compensado pela hipertrofia miocárdica. Essa situação de desajuste causa aumento da pré-carga e da pós-carga, com desenvolvimento de insuficiência cardíaca18. A espessura relativa da parede, no momento do diagnóstico não foi uma variável que indicaria o tipo de evolução, favorável ou desfavorável, das pacientes.

Com as análises efetuadas até o momento, podemos concluir que a miocardiopatia periparto, na série de casos analisada, foi de grave repercussão clínica, com evolução favorável em apenas 50% dos casos. Ao subdividir as pacientes de acordo com o tipo de evolução apresentada, pôde-se concluir que a evolução desfavorável da miocardiopatia periparto está associada à raça negra e alterações morfofuncionais cardíacas, mais acentuadas desde o início do quadro clínico, e que a evolução favorável associa-se à redução da massa miocárdica e ao aumento da espessura relativa da parede ventricular.

Enviado em 05/11/2003

Aceito em 18/08/2004

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  • Endereço para correspondência

    Caroline da Costa Moreira
    Rua João Carmelo, 452 - Apto 01
    Botucatu - SP - E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Aceito
      18 Ago 2004
    • Recebido
      05 Nov 2003
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