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Estenose aórtica no idoso: perspectiva brasileira

PONTO DE VISTA

Estenose aórtica no idoso: perspectiva brasileira

Max Grinberg; Tarso Augusto Duenhas Accorsi

Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Max Grinberg Rua Manoel Antonio Pinto, 4, ap. 21A – Paraisópolis 05663-020 – São Paulo, SP - Brasil E-mail: grinberg@incor.usp.br, max@cardiol.br

Palavras chave: Estenose da valva aórtica / etiologia, idoso, Brasil.

O cardiologista brasileiro, cada vez mais geriatra

Com a progressão prevista da pirâmide demográfica brasileira para a forma de trapézio, pelo aumento da proporção de idosos (fig. 1), a história natural da estenose aórtica (EAo) aterosclerótica tende a ganhar relevância médico-social.


O novo idoso brasileiro

Cenário para 2025: 30 milhões de brasileiros idosos, com expectativa média de vida de 76 anos, 3% com EAo aterosclerótica, cerca de 50 casos para cada cardiologista.

Trata-se de uma mudança no perfil do brasileiro portador de valvopatia. Tradicionalmente, associa-se deficiência valvar do brasileiro a "jovem reumático", com conseqüências significativas sobre a força de trabalho da nação1.

Esse acréscimo à comorbidez de aposentados promoverá impacto nas políticas de sustentação à longevidade e na assistência-pesquisa-docência, envolvendo matérias-primas tais como: estado da arte, recomendações de diretrizes, resultados de estudos multicêntricos, valores do paciente-uno e infra-estrutura proporcionada pelo sistema de saúde.

Estatuto do idoso

Vale apresentar algumas partes da Lei nº 10741/2003:

Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Art. 10. §1º II – O direito à liberdade compreende opinião e expressão.

Art. 17. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.

Parágrafo único. Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita:

I – pelo curador, quando o idoso for interditado;

II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contatado em tempo hábil;

III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar;

IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.

Destaques

Apresentamos dez aspectos da EAo que são mais observados no idoso do que no paciente mais jovem:

1) Etiopatogenia aterosclerótica;

2) Coronariopatia associada;

3) Comorbidade influente no prognóstico de vida e transoperatório;

4) Heterogeneidade de inclusão no vínculo médico-paciente;

5) Complexidade médico-social para tomada de decisão;

6) Maior risco em teste funcional de autodeclarados assintomáticos;

7) Morbidade e mortalidade transoperatórias crescentes a cada década de vida;

8) Maior dimensão clínica do risco para operação não-cardíaca;

9) Participação de cuidador na anamnese e no consentimento;

10) Menos dados na literatura.

Sintoma: anamnese ou teste?

A maior longevidade do brasileiro trará crescente identificação de EAo discreta ou moderada como "achado de ausculta" ou "achado ecocardiográfico" precedendo a manifestação subjetiva.

O aumento da velocidade de pico, a aceleração do gradiente transvalvar anual e a densificação cálcica2 sinalizam o agravamento da lesão aórtica e incluem o envelhecimento endocárdico valvar na relação de causas de insuficiências vascular-cerebral, coronária ou cardíaco-diastólica.

Para alguns autores3, a subjetividade pela anamnese do estado assintomático e sintomático do idoso é uma apreciação reducionista de indicador para tomada de decisão. Alegam a possibilidade de o idoso declarar-se assintomático ou por estar limitado na atividade ou porque dissimula para não se submeter à operação valvar4. Recomendam a objetividade de um marcador técnico para garantir que o paciente com EAo é truly asymptomatic quando atinge 80% da freqüência cardíaca predita sem manifestar sintomas3.

Adjetivações qualitativas ou quantitativas não cabem no assintomático, sob pena de análises físicas fora das habitualidades do idoso criarem um batalhão de "sadios sintomáticos".

Não se deve confundir auto-avaliação pelo idoso com avaliação em outro nível de correlação clínico-hemodinâmica, por meio de acréscimos externos à sobrecarga existente e útil para antevisão de maior ou menor proximidade de evento clínico. Supor falsidade declaratória pode soar como invasão de privacidade. Ressalte-se que o fundamento para a substituição da valva aórtica é a manifestação de sintomas não-induzida por métodos científicos (classe I, nível B) para todas as faixas etárias5.

É questionável o real benefício – não isento de riscos e dificuldades de cumprimento no idoso – para fundamentar a terapêutica. A indicação do teste de esforço, por um lado, e tê-lo como critério para desencadeamento de substituição valvar, por outro, não são estimulados (classe IIb)5.

Qualidade de vida para o idoso

Comportamentos próprios do idoso com EAo influenciam a auto-apreciação da qualidade de vida. Ele pode estar assintomático e insatisfeito com perdas advindas da obediência a restrições físicas, e sentir-se contido na sua independência para decisões pessoais e profissionais pela perspectiva do sintoma a qualquer momento6.

Não é raro que a informação prestada pelo cuidador sobre o que o paciente pensa sobre a significação da sua vida e suas motivações não seja cioncidente com a exposta pelo próprio idoso. É um viés a ser considerado no raciocínio clínico, tanto quanto as modificações biopsicossociais do envelhecimento e os efeitos nosológicos ou farmacológicos sobre o discernimento do idoso.

Morte súbita

Morte inesperada e morte por insuficiência cardíaca foram destacadas há mais de setenta anos como eventos da EAo7.

Em 1.000 pacientes com EAo, estima-se que a morte súbita ocorra em 3-10, habitualmente no estado de portador sintomático. Os poucos casos associados a assintomáticos trazem dúvidas quanto à eventual não-revelação de sintoma8.

Destacam-se três aspectos:

a) a não-comunicação sobre a possibilidade de morte súbita tem tido contraponto na sua explícita revelação na internet;

b) prevenir morte súbita não constitui critério isolado para operar o assintomático (classe III);

c) comentário de Eugene Braunwald9: "[...] O tratamento cirúrgico é a causa mais comum de morte súbita em pacientes assintomáticos com estenose aórtica [...]".

Idealidade da prótese valvar

A calcificação aterosclerótica impede o usufruto da conservação valvar e acena com o não-preenchimento dos atributos de idealidade de prótese10.

Recomendamos a bioprótese ao idoso, prática que completa quarenta anos em nossa instituição, tendência universal atual e que no idoso corresponde a recomendações classe I/IIa. Ressalte-se a conveniência de evitar a anticoagulação no idoso pelo maior risco de hemorragia a partir de anomalias anatômicas e pela maior chance de intervenções cirúrgicas.

Prevenção por estatina

Há possibilidade de interferência no processo ativo celular e molecular associado a lesão endotelial, inflamação e acúmulo de lípides da EAo do idoso. A hipercolesterolemia é fator admitido de risco, junto com tabagismo, hipertensão arterial sistêmica e diabetes.

Sobressaem cinco observações sobre desaceleração da progressão hemodinâmica pela ação antilipídica e antiinflamatória de estatinas:

1) Estudos retrospectivos sinalizam efeito benéfico.

2) O estudo prospectivo Saltire concluiu pela ineficácia.

3) O estudo prospectivo Raave apontou benefício a pacientes com hipercolesterolemia.

4) O estudo prospectivo Astronomer tem conclusões previstas para dezembro de 2008.

5) O estudo prospectivo Seas já permitiu observar:

a) ausência de beneficência da associação sinvastatina-ezetimibe na progressão da EAo e

b) alerta sobre o quesito não-maleficência pelo diagnóstico de câncer (9,9% vs. 7,0%, p = 0,03) e morte relacionada (4,1% vs. 2,5%, p = 0,05).

Em suma, até o momento, o uso de estatina deve ser considerado apenas para as indicações já acolhidas.

Tratamento clínico ou cirúrgico?

Essa tomada de decisão no idoso é complexa e individualizada, em razão de:

1) Definição do grau importante de EAo;

2) Ausência de sintomas significa observação cuidadosa quanto a sintomas e função ventricular esquerda;

3) Perspectivas de influência farmacológica antilipídica e antiinflamatória na progressão hemodinâmica;

4) Presença de sintomas e/ou rebaixamento da função ventricular justificam correção cirúrgica em curto prazo;

5) Definição sobre a realidade das artérias coronárias;

6) Alta probabilidade de pontuação múltipla no escore de risco operatório;

7) Perspectivas de usufruto do benefício da correção hemodinâmica, em razão de conseqüências físicas e mentais do envelhecimento;

8) Opinião própria do idoso/cuidador;

9) Forte necessidade de operação não-cardíaca;

10) Perspectivas da técnica percutânea de implante de prótese.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 25/08/08; revisado recebido em 11/09/08; aceito em 11/09/08

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  • Correspondência:
    Max Grinberg
    Rua Manoel Antonio Pinto, 4, ap. 21A – Paraisópolis
    05663-020 – São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009
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