Acessibilidade / Reportar erro

Perfil lipídico, fatores de risco cardiovascular e síndrome metabólica em um grupo de pacientes com AIDS

Resumos

FUNDAMENTO: Desde o advento da AIDS, a terapia antiretroviral desenvolveu-se significantemente, incluindo a terapia antiretroviral altamente ativa (HAART) e a doença adquiriu uma característica crônica. Entretanto, após a introdução da HAART, várias alterações metabólicas foram observadas, principalmente relacionadas ao perfil lipídico. OBJETIVO: Avaliar e comparar os perfis lipídicos, analisar o risco cardiovascular, e descrever a prevalência da síndrome metabólica em pacientes com AIDS tratados ou não com HAART. MÉTODOS: Durante um período de 18 meses, 319 pacientes tratados em ambulatórios na cidade de São Paulo, Brasil, foram selecionados. RESULTADOS: A amostra final incluiu 215 pacientes tratados com HAART e 69 pacientes virgens de tratamento com HAART. A idade média era 39,5 anos, e 60,9% eram do sexo masculino. Os principais fatores de risco cardiovascular eram o fumo (27%), hipertensão (18%) e histórico familiar de aterosclerose (40%). Os valores médios de colesterol total, HDL-colesterol, triglicérides e glicose foram mais altos no grupo HAART do que no grupo não-HAART (205 vs 180 mg/dl, 51 vs 43 mg/dl, 219 vs 164 mg/dl e 101 vs 93 mg/dl respectivamente; p < 0,001 para todos). De acordo com o escore de risco de Framingham, o risco cardiovascular era moderado a alto em 11% dos pacientes tratados com HAART e 4% dos pacientes não-HAART. De acordo com a definição do Adult Treatment Panel III, a síndrome metabólica foi observada em 13% e 12% dos pacientes, respectivamente, com e sem HAART. CONCLUSÃO: Embora os valores médios do colesterol total, HDL-c e triglicérides tenham sido mais altos no grupo HAART, um maior risco cardiovascular não foi identificado no primeiro grupo. A prevalência de síndrome metabólica foi comparável em ambos os grupos.

síndrome metabólica; desordens do metabolismo lipídico; doença cardiovascular; terapia antiretroviral de alta potência


FUNDAMENTO: Desde el surgimiento del SIDA, la terapia antiretroviral se desarrolló significantemente. Al incluir la terapia antiretroviral altamente activa (HAART), la enfermedad adquirió una característica crónica. Sin embargo, tras la introducción de HAART, diversas alteraciones metabólicas se observaron, principalmente relacionadas al perfil lipídico. OBJETIVO: Evaluar y comparar los perfiles lipídicos, analizar el riesgo cardiovascular, y describir la prevalencia del síndrome metabólico en pacientes con SIDA tratados o no con HAART. MÉTODOS: Durante un período de 18 meses, se seleccionaron a 319 pacientes tratados en ambulatorios en la ciudad de São Paulo, Brasil. RESULTADOS: La muestra final incluyó a 215 pacientes tratados con HAART y a 69 pacientes vírgenes de tratamiento con HAART. La edad promedio era de 39,5 años, y el 60,9% eran del sexo masculino. Los principales factores de riesgo cardiovascular eran el fumo (27%), hipertensión (18%) e histórico familiar de aterosclerosis (40%). Los valores promedios de colesterol total, HDL-colesterol, triglicéridos y glucosa fueron más altos en el Grupo HAART que en el Grupo no-HAART (205 vs. 180 mg/dL, 51 vs. 43 mg/dL, 219 vs. 164 mg/dL, 101 vs. 93 mg/dL respectivamente; p < 0,001 para todos). De conformidad con el score de riesgo de Framingham, el riesgo cardiovascular era moderado y alto en el 11% de los pacientes tratados con HAART y el 4% de los pacientes no-HAART. Según la definición del Adult Treatment Panel III, el síndrome metabólico se observó en el 13% y el 12% de los pacientes, respectivamente, con y sin HAART. CONCLUSIÓN: Aunque los valores promedios del colesterol total, HDL-c y triglicéridos fueron más altos en el Grupo HAART, un mayor riesgo cardiovascular no se identificó en el primer grupo. La prevalencia de síndrome metabólico fue comparable en ambos grupos.

Síndrome metabólico; desórdenes del metabolismo lipídico; enfermedad cardiovascular; terapia antiretroviral de alta potencia


BACKGROUND: Since the advent of AIDS, the anti-HIV therapy has developed significantly, including the highly active antiretroviral therapy (HAART) and the disease acquired a chronic characteristic. However, after the introduction of HAART, several metabolic alterations were observed, mainly related to the lipid profile. OBJECTIVES: to evaluate and compare lipid profiles, analyze cardiovascular risk, describe the prevalence of metabolic syndrome in AIDS patients with or without HAART. METHODS: Over an 18-month period, 319 patients treated at outpatient clinics in the city of São Paulo, Brazil were selected. RESULTS: The final sample included 215 patients receiving HAART and 69 HAART-naive patients. The mean age was 39.5 years, and 60.9% were males. The main cardiovascular risk factors were smoking (27%), hypertension (18%) and family history of atherosclerosis (40%). Mean total cholesterol, HDL-cholesterol, triglycerides and glucose were higher in the HAART group than in the non-HAART group (205 vs 180 mg/dl, 51 vs 43 mg/dl, 219 vs 164 mg/dl and 101 vs 93 mg/dl respectively; p < 0.001 for all). According to the Framingham risk score, the cardiovascular risk was moderate to high in 11% of the patients receiving HAART and 4% of the HAART-naïve patients. According to the Adult Treatment Panel III definition, the metabolic syndrome was observed in 13% and 12% of the patients with or without HAART, respectively. CONCLUSIONS: Although the mean values for total cholesterol, HDL-c and triglycerides were higher in the HAART group, a higher cardiovascular risk was not identified in the former. The prevalence of metabolic syndrome was comparable in both groups.

metabolic syndrome X; lipid metabolism disorders; cardiovascular disease; highly active antiretroviral therapy


ARTIGO ORIGINAL

DISLIPIDEMIAS

Perfil lipídico, fatores de risco cardiovascular e síndrome metabólica em um grupo de pacientes com AIDS

Érika Ferrari Rafael da SilvaI; Katia Cristina BassichettoII; David Salomão LewiI

IUniversidade Federal de São Paulo

IISecretaria Municipal de Saúde de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Érika Ferrari Rafael da Silva Rua Loefgren, 1588, Vila Clementino 04040-002, São Paulo, SP - Brasil E-mail: erikaferrari@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Desde o advento da AIDS, a terapia antiretroviral desenvolveu-se significantemente, incluindo a terapia antiretroviral altamente ativa (HAART) e a doença adquiriu uma característica crônica. Entretanto, após a introdução da HAART, várias alterações metabólicas foram observadas, principalmente relacionadas ao perfil lipídico.

OBJETIVO: Avaliar e comparar os perfis lipídicos, analisar o risco cardiovascular, e descrever a prevalência da síndrome metabólica em pacientes com AIDS tratados ou não com HAART.

MÉTODOS: Durante um período de 18 meses, 319 pacientes tratados em ambulatórios na cidade de São Paulo, Brasil, foram selecionados.

RESULTADOS: A amostra final incluiu 215 pacientes tratados com HAART e 69 pacientes virgens de tratamento com HAART. A idade média era 39,5 anos, e 60,9% eram do sexo masculino. Os principais fatores de risco cardiovascular eram o fumo (27%), hipertensão (18%) e histórico familiar de aterosclerose (40%). Os valores médios de colesterol total, HDL-colesterol, triglicérides e glicose foram mais altos no grupo HAART do que no grupo não-HAART (205 vs 180 mg/dl, 51 vs 43 mg/dl, 219 vs 164 mg/dl e 101 vs 93 mg/dl respectivamente; p < 0,001 para todos). De acordo com o escore de risco de Framingham, o risco cardiovascular era moderado a alto em 11% dos pacientes tratados com HAART e 4% dos pacientes não-HAART. De acordo com a definição do Adult Treatment Panel III, a síndrome metabólica foi observada em 13% e 12% dos pacientes, respectivamente, com e sem HAART.

CONCLUSÃO: Embora os valores médios do colesterol total, HDL-c e triglicérides tenham sido mais altos no grupo HAART, um maior risco cardiovascular não foi identificado no primeiro grupo. A prevalência de síndrome metabólica foi comparável em ambos os grupos.

Palavras-chave: síndrome metabólica, desordens do metabolismo lipídico, doença cardiovascular, terapia antiretroviral de alta potência.

Introdução

O aparecimento da terapia antiretroviral altamente ativa (highly active antiretroviral therapy) - HAART - mudou o curso da infecção pelo HIV, aumentando a sobrevida e melhorando a qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HIV1. Entretanto, tem sido demonstrado que uma alta proporção de pacientes tratados com regimes HAART, especialmente aqueles que incluem inibidores de protease (IP), apresentam distúrbios metabólicos (dislipidemia, resistência à insulina) e alterações fisiológicas (lipodistrofia e lipoatrofia), bem como aumento do risco de doença cardiovascular (doença arterial coronariana e acidente vascular cerebral - AVC)2-10. Essas descobertas mudaram o cenário da infecção pelo HIV e seu tratamento.

Em 1998, Carr e cols.11 descreveram a lipodistrofia associada ao HIV, caracterizada por hipertrofia do tecido adiposo dorsocervical (também conhecida como buffalo hump ou "giba de búfalo"), aumento da medida da cintura abdominal, aumento de tamanho das mamas, bem como lipoatrofia da face, nádegas e membros, junto com proeminência das veias superficiais das extremidades. Acredita-se que a prevalência geral de pelo menos uma anormalidade física em pacientes com AIDS tratados com HAART seja de aproximadamente 50%, embora as taxas relatadas variem de 18 a 83%10. Diferenças nas taxas de prevalência podem ser atribuídas à idade, gênero ou o tipo/duração da terapia antiretroviral, bem como a falta de uma definição de caso validada e objetiva10.

Dados na literatura mostram que a prevalência de hiperlipidemia varia de 28% a 80% em pacientes que recebem HAART, incluindo hipertrigliceridemia (40-80%) e colesterol total elevado (10-50%)4-7,12-14. Essas alterações lipídicas estão especialmente relacionadas ao uso de IP2,4-9.

Há dados conflitantes em relação à HAART e a incidência de doença coronariana (angina ou infarto do miocárdio) em pacientes com AIDS12-17. Embora diferenças no desenho do estudo, seleção de pacientes e análise estatística possam explicar essa disparidade, uma exposição mais longa à HAART, principalmente aos IP, parecem aumentar o risco de infarto do miocárdio. O estudo Data Collection on Adverse Events of Anti-HIV Drugs mostrou que o aumento relativo no risco de infarto do miocárdio foi de 26% por ano de exposição à HAART14.

Vários estudos têm demonstrado que a prevalência da síndrome metabólica é mais alta em pacientes com AIDS tratados com HAART do que em indivíduos HIV-negativos18-20.

Até hoje, nenhum estudo avaliou as alterações metabólicas em pacientes com AIDS tratados com HAART no Brasil, que tem uma população estimada de 600.000 indivíduos infectados pelo HIV, dos quais 180.000 são tratados com HAART, a maioria em clínicas ambulatoriais do sistema público de saúde.

O objetivo desse estudo foi avaliar e comparar os perfis lipídicos, analisar o risco cardiovascular e descrever a prevalência da síndrome metabólica em pacientes com AIDS tratados e não-tratados com HAART.

Métodos

O presente estudo é descritivo, transversal, conduzido em sete clínicas ambulatoriais na cidade de São Paulo, Brasil: a Universidade de São Paulo e seis clínicas ambulatoriais da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de São Paulo.

Os pacientes foram recrutados durante visitas ambulatoriais programadas regularmente, entre Dezembro de 2004 e Maio de 2006. Os pacientes foram considerados elegíveis para inclusão no estudo se, à época da coleta de dados, estivessem recebendo HAART por pelo menos dois meses e não tivessem tomando qualquer medicamento que pudesse afetar o perfil lipídico (diuréticos, estatinas, fibratos, hormônios, etc.) ou não estivessem recebendo terapia antiretroviral.

No total, 319 pacientes preencheram os critérios de inclusão e foram avaliados através de um questionário de perguntas relacionadas ao uso de HAART, histórico familiar de doença cardíaca coronariana, diabetes mellitus, fumo e o uso de medicamentos que poderiam afetar o perfil lipídico. Níveis de colesterol total, lipoproteína de baixa densidade (LDL-c), lipoproteína de alta densidade (HDL-c) e triglicérides, bem como contagem de células CD4+ e carga viral do HIV também foram mensurados. Quando o nível de triglicérides era > 400 mg/dL, a equação de Friedwald era usada para determinar os níveis de LDL-c. O risco cardiovascular foi calculado usando o escore de risco de Framingham21 e a presença de síndrome metabólica era avaliada de acordo com os critérios do Adult Treatment Panel III (APT III)22. Essas regras são: triglicérides > 150 mg /dl, circunferência abdominal para homem > 102 cm e para mulher > 88 cm, glicose > 110 mg/dl, HDL-c < 40 mg/dl para homem e < 50 mg/dl para mulher e pressão arterial (PA) > 130 x 85 mmHg22.

O tamanho da amostra foi calculado a partir de uma análise preliminar das variáveis de interesse. Foram considerados médias e desvios-padrão. Todos os dados foram padronizados e colocados em um banco de dados. O nível de significância estatística foi definido como 0,05 (α = 5%), e o software Estatístico para Ciências Sociais, versão 12.0 para Windows, foi utilizado em todas as análises. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e informado, previamente aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo e da Secretaria Municipal de Saúde da Cidade de São Paulo.

Resultados

Dos 319 pacientes com AIDS avaliados, 243 eram tratados com HAART (Grupo 1), e 76 eram virgens de tratamento com HAART (Grupo 2). A média da idade era 39,5 anos e 60,9% dos pacientes eram do sexo masculino. Os principais fatores de risco cardiovascular dos pacientes eram fumo (27%), hipertensão (18%), histórico familiar de aterosclerose (40%) e diabetes mellitus (4%). As características basais dos pacientes são descritas na Tabela 1. Em comparação com o Grupo 2, o Grupo 1 apresentava valores médios mais altos de colesterol total (205 vs 180 mg/dl [p < 0,001], HDL-c (51 vs 43 mg/dl [p < 0,001]), triglicérides (219 vs 164 mg/dl [p = 0,004]) e glicose (101 vs 93 mg/dl [ p < 0,001) respectivamente. Nenhuma diferença significante foi observada entre os grupos em relação aos níveis de LDL-c (p = 0,073).

Alguns pacientes foram excluídos da estimativa de risco de doença arterial coronariana pelo escore de risco de Framingham: 41 por terem menos de 30 anos; 31 porque o perfil lipídico estava incompleto; e 5, porque os dados sobre a PA não estavam disponíveis. Dessa forma, 242 pacientes foram avaliados (193 pacientes no Grupo 1 e 49 no Grupo 2). De acordo com o escore de risco de Framingham, o risco cardiovascular era moderado a alto em 11% (22) dos pacientes tratados com HAART e em 4% (2) dos pacientes virgens de tratamento com HAART. Como mostrado na Tabela 2, nenhuma diferença estatisticamente significante foi observada entre os dois grupos. A síndrome metabólica, de acordo com os critérios do ATP III22, foi identificada em 13% (27) pacientes do grupo 1 e em 12% (8) pacientes do grupo 2 (p=0,832). As características da síndrome metabólica são descritas na Tabela 3.

Como mostrado na Tabela 4, os pacientes do grupo 1 foram agrupados em 5 grupos de acordo com o regime de HAART utilizado, a fim de avaliar o melhor regime em termos de efeito sobre o perfil metabólico: o grupo A recebia zidovudina (AZT)+lamivudina (3TC)+efavirenz; o grupo B, recebia AZT+3TC+lopinavir/ritonavir e AZT+3TC+nelfinavir; o grupo C recebia AZT+3TC+atazanavir; o grupo D recebia estavudina (d4T)+3TC+efavirenz e o grupo E recebia d4T+3TC+lopinavir/ritonavir e d4T+3TC+nelfinavir e d4T+didanosina+lopinavir/ritonavir. Sessenta e um pacientes foram excluídos por que não foi possível incluí-los em nenhum dos 5 regimes mais prevalentes utilizados no tratamento, e assim, 154 pacientes foram avaliados. As concentrações médias de HDL-c eram mais baixas no grupo E (p = 0,049) quando comparado ao grupo A (p = 0,011), grupo B (p = 0,026) ou grupo D (p = 0,026). As concentrações mais baixas de LDL-c e colesterol total foram observadas no grupo C. Embora os níveis mais altos de triglicérides tivessem sido observados no grupo E, não houve diferenças significantes entre os 5 grupos (p = 0,495).

Discussão

As concentrações médias de colesterol total, HDL-c, triglicérides e glicose eram estatisticamente mais altas entre os pacientes tratados com HAART quando comparados com os não-tratados, com exceção do LDL-c (p = 0,073). Esses dados estão de acordo com os encontrados na literatura, que mostram que pacientes com AIDS tratados com HAART apresentam mais alterações metabólicas, principalmente altos níveis de triglicérides e colesterol, quando comparados com os pacientes virgens de tratamento com HAART2. Dos pacientes tratados com HAART no presente estudo, 41,4% (89) e 20,5% (44) apresentavam altos níveis de triglicérides e colesterol total, respectivamente. Os dados da literatura mostram que a prevalência de hiperlipidemia varia de 28% a 80%, incluindo hipertrigliceridemia (40-80%) e altos níveis de colesterol total (10-50%)4-7,13,14. No estudo brasileiro de Caramelli e cols.23, a hipercolesterolemia estava presente em 43% e a hipertrigliceridemia em 53% dos pacientes tratados com IP23.

Em nossa casuística como um todo, os principais fatores de risco cardiovascular observados foram o fumo (27%), a hipertensão (18%) e um histórico familiar de aterosclerose (40%). Entretanto, 88% dos pacientes apresentavam pelo menos um fator de risco cardiovascular. No estudo Swiss HIV Cohort Study, 57% dos pacientes eram fumantes, 35,7% apresentavam altos níveis de triglicérides e 26,1% tinham pressão arterial alta24. Nossa amostra era jovem para o desenvolvimento de doença cardiovascular. Contudo, nossos achados relacionados a outros fatores de risco cardiovascular (tabagista atual, hipertensão e hipertrigliceridemia) estão de acordo com os da literatura. Currier e cols.6 e Carr e cols.25 mostraram que 60% dos pacientes com AIDS têm hiperglicemia, dislipidemia e obesidade central, uma combinação observada em 88,3% dos indivíduos avaliados no presente estudo.

De acordo com o escore de risco de Framingham, o risco cardiovascular era moderado a alto em 11% dos pacientes tratados com HAART e em 4% dos pacientes não-tratados com HAART. As médias de colesterol total (199 mg/dL) e HDL-c (49 mg/dL), a baixa frequência de diabete (4%) e a faixa etária mais jovem dos pacientes (39 anos) na amostra como um todo poderia explicar o escore de risco de Framingham levemente mais alto no grupo tratado com HAART. Essas características são similares às relatadas em um estudo conduzido na Noruega, no qual os pacientes tratados com HAART apresentavam um risco quase duas vezes maior do que aqueles no grupo controle (11,9% vs 6,3%)26. O escore de risco de Framingham tem sido amplamente utilizado com esse propósito pelo fato de ter sido validado na literatura.

De acordo com os critérios do APT III 22, a síndrome metabólica estava presente em 13% dos pacientes do grupo 1 e em 12% dos pacientes do grupo 2. Esses achados diferem daqueles de Estrada e cols.20, que observaram que 15,8% dos pacientes tratados com HAART apresentavam síndrome metabólica, quando comparados com apenas 3,2% dos pacientes-controle.

Todos os regimes HAART causaram alterações no perfil lipídico quando comparados com o perfil dos pacientes não-tratados com HAART. As diferenças observadas entre os grupos avaliados não foram estatisticamente significantes em termos de perfil lipídico. Consequentemente, não foi possível determinar qual o melhor regime em termos de perfil metabólico. O grupo C, tratado com atazanavir, apresentou os níveis mais baixos de colesterol total e LDL-c, embora nenhum benefício tenha sido observado em termos de níveis de triglicérides. Inesperadamente, níveis mais altos de HDL-c foram observados no grupo tratado com HAART. Não há uma explicação razoável para tal fato, embora possa-se especular que tenha sido pelo fato que o HIV estava sob controle (85% dos pacientes nesse grupo atingiram uma carga viral indetectável), o que diminui a resposta inflamatória.

Conclusões

Embora tenha sido observado que os valores médios para colesterol total, HDL-c e triglicérides eram mais altos no grupo tratado com HAART do que no grupo não-tratado com HAART, não identificamos um maior risco cardiovascular no primeiro grupo. A prevalência da síndrome metabólica foi comparável nos dois grupos, apesar das alterações metabólicas induzidas pela HAART.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer o Ministério da Saúde do Brasil, UNESCO, a Prefeitura da cidade de São Paulo e o Instituto de Doenças Infecciosas e Parasitárias pelo apoio dado a este trabalho. Também gostaríamos de agradecer ao PGS Medical Statistics e todos que nos ajudaram nesta pesquisa: Denise S. M. Oskata, Edina Aparecida T. Trovões, Elenice M Morales Campos, Gabriela M. Vedovato, Helga Fuchs Piloto, Janice Chencinski, Iara Lobo Macedo, Marisia Nagamini, Marta C. Pereira, Nivania F. Zauith, Vânia Regina S. Garcia e Simone Tenore.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pelo Ministério da Saúde e UNESCO processo CSV 067/06 contrato número: SA - 2223/2006 e controle UNESCO: 16270.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de Dissertação de Mestrado de Érika Ferrari Rafael da Silva pela Universidade Federal de São Paulo.

Artigo recebido em 03/03/08; revisado recebido em 24/04/08; aceito 08/05/08.

  • 1. Palella FJ, Delaney KM, Moorman AC, Loveless MO, Fuhrer J, Satten GA, et al. Declining morbidity and mortality among patients with advanced human immunodeficiency virus infection. N Engl J Med. 1998; 338: 853-60.
  • 2. Mulligan K, Grunfeld C, Tai VW, Algren H, Pang M, Chernoff DN, et al. Hyperlipidemia and insulin resistance are induced by protease inhibitors independent of changes in body composition in patients with HIV infection. J Acquir Immune Defic Syndr. 2000; 23: 35-43.
  • 3. Carr A. HIV protease inhibitor-related lipodystrophy syndrome. Clin Infect Dis. 2000; 30 (Suppl 2): 135-42.
  • 4. Dube M, Sattler F. Metabolic complications of antiretroviral therapies. AIDS Clin Care. 1998; 10: 41-4.
  • 5. Sweet DE. Metabolic complications of antiretroviral therapy. Top HIV Med. 2005; 13 (2): 70-74.
  • 6. Currier JS, Havlir DV. Complications of HIV disease and antiretroviral therapy. Top HIV Med. 2005; 13 (1): 16-23.
  • 7. Stein J. Dyslipidemia in the era of HIV protease inhibitors. Prog Cardiovasc Dis. 2003; 45: 293-304.
  • 8. Barbaro G. Metabolic and cardiovascular complications of highly active antiretroviral therapy for HIV infection. Curr HIV Res. 2006, 4: 79-85.
  • 9. Barbaro G. Highly active antiretroviral therapy-associated metabolic syndrome: pathogenesis and cardiovascular risk. Am J Therapeutics. 2006; 13: 248-60.
  • 10. Grinspoon S, Carr A. Cardiovascular risk and body fat abnormalities in HIV-infected adults. N Engl J Med. 2005; 352: 48-62.
  • 11. Carr A, Samaras K, Burton S, Law M, Freund J, Chisholm DJ, et al. A syndrome of peripheral lipodystrophy, hyperlipidaemia and insulin resistance in patients receiving HIV protease inhibitors. AIDS. 1998; 12, F51-F58.
  • 12. Hajjar LA, Calderaro D, Yu PC, Giuliano I, Lima EMO, Barbaro G, et al. Cardiovascular manifestations in patients with the human immunodeficiency virus. Arq Bras Cardiol. 2005; 85 (5): 365-77.
  • 13. Bozzette SA, Ake CF, Tam HK, Chang SW, Louis TA. Cardiovascular and cerebrovascular events in patients treated for human immunodeficiency virus infection. N Engl J Med. 2003; 348: 702-10.
  • 14. Friis-Moller N, Weber R, Reiss P, Thiebaut R, Kirk O, D'Arminio Monforte A, et al. For the D.A.D Study Group. Cardiovascular disease risk factors in HIV patients - associations with antiretroviral therapy: results from the DAD Study. AIDS. 2003; 17: 1179-93.
  • 15. Holmberg SD, Moorman AC, Willianson JM, Tong TC, Ward DJ, Wood KC, et al and the HIV Outpatient Study (HOPS) Investigators. Protease inhibitors and cardiovascular outcomes in patients with HIV-1. Lancet. 2002; 360: 1747-8.
  • 16. Mary-Krause M, Cotte L, Simon A, Partisani M, Costagliola D and the Clinical Epidemiology Group from the French Hospital Database. Increased risk for myocardial infarction with duration of protease inhibitor therapy in HIV-infected men. AIDS. 2003; 17: 2479-86.
  • 17. Currier J, Taylor A, Boyd F, Dezii CM, Kawabata H, Burtcel B, et al. Coronary heart disease in HIV-infected individuals. J Acquir Immune Defic Syndr. 2003; 33: 506-12.
  • 18. Gazzaruso C, Bruno C, Garzaniti A, Giordanetti S, Fratino P, Sacchi P, et al. Hypertension among HIV patients: prevalence and relationships to insulin resistance and metabolic syndrome. J Hypertens. 2003; 21: 1377-82.
  • 19. Bruno R, Gazzaruso C, Sacchi P, Zocchetti C, Giordanetti C, Garzaniti A, et al. High prevalence of metabolic syndrome among HIV-infected patients: link with the cardiovascular risk. J Acquir Immune Defic Syndr. 2002; 31: 363-5.
  • 20. Estrada V, Martinez-Larrad T, Gonzalez-Sanchez JL, de Villar NGP, Zabena C, Fernandez C, et al. Lipodystrophy and metabolic syndrome in HIV-infected patients treated with antiretroviral therapy. Metabolism. 2006; 55 (7): 940-5.
  • 21. Dawber TR, Meadors GF, Moore FE Jr. Epidemiolofical approaches to heart disease: the Framingham Study. Am J Public Health. 1951; 41 (3): 279-81.
  • 22. Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP). Expert Panel on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III) final report. National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). Circulation. 2002; 106: 3143-421.
  • 23. Caramelli B, de Bernoche CYSM, Sartori AMC, Sposito AC, Santos RD, Monachini TS, et al. Hyperlipidaemia related to the use of HIV protease inhibitors: natural history and results of treatment with Fenofibrate. Braz J Infect Dis. 2001; 5 (6): 332-8.
  • 24. Glass TR, Ungsedhapand C, Wolbers M, Weber R, Vernazza PL. Bucher HC, et al. Prevalence of risk factors for cardiovascular disease in HIV-infected patients over time: the Swiss HIV Cohort Study. HIV Med. 2006; 7 (6): 404-10.
  • 25. Carr A, Samaras K, Chisholm DJ, Cooper DA. Pathogenesis of HIV-1 protease inhibitor-associated peripheral lipodystrophy, hyperlipidaemia and insulin resistance. Lancet. 1998; 351: 1881-3.
  • 26. Bergensen BM, Sandvik L, Brunn JN, Tonstad S. Elevated Framingham risk score in HIV-positive patients on highly active antiretroviral therapy: results from a Norwegian study of 721 subjects. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2004; 23: 625-30.
  • Correspondência:
    Érika Ferrari Rafael da Silva
    Rua Loefgren, 1588, Vila Clementino
    04040-002, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      03 Mar 2008
    • Revisado
      24 Abr 2008
    • Aceito
      08 Maio 2008
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br