Acessibilidade / Reportar erro

Evidências de Validade da Versão Brasileira da Florida Shock Anxiety Scale para Portadores de Cardioversor-Desfibrilador Implantável

Resumo

Fundamento

A despeito da comprovada efetividade do cardioversor-desfibrilador implantável (CDI), as terapias de choque deflagradas pelo dispositivo podem causar níveis elevados de ansiedade e depressão, provocando efeitos deletérios na qualidade de vida.

Objetivo

Realizar a tradução, adaptação transcultural e validação do instrumento Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) para a língua portuguesa falada no Brasil.

Métodos

Nesse estudo psicométrico, a validade de construto foi realizada pela análise fatorial exploratória (AFE) e confirmatória (AFC) e pela Teoria de Resposta ao Item. Os índices de ajustamento da AFC foram: Robust Mean-Scaled Chi Square/df NNFI, CFI (Comparative Fit Index), GFI (Goodness Fit Index), AGFI (Adjusted Goodness Fit Index), RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) e RMSR (Root Mean Square of Residuals). A confiabilidade foi verificada pelo Alfa de Cronbach, Ômega de McDonald e Greatest Lower Bound. As análises foram realizadas no SPSS 23.0 e Factor 10.8.01, com nível de significância de 5%.

Resultados

A versão final em português do FSAS foi administrada em 151 portadores de CDI, com idade média de 55,7 ± 14,1 anos e predomínio do sexo masculino. A análise paralela indicou que o FSAS é unidimensional, com variância explicada de 64,4%. As correlações variaram de 0,31 a 0,77; as cargas fatoriais de 0,67 a 0,86 e as comunalidades de 0,46 a 0,74. Os índices de ajustamento da AFC estabeleceram-se acima dos limites de qualidade. Encontramos evidências satisfatórias de confiabilidade da escala FSAS.

Conclusão

O instrumento FSAS-Br apresentou evidências consistentes de validade e confiabilidade, podendo, portanto, ser utilizado em portadores de CDI do Brasil. (Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):764-772)

Desfibrilador implantável; Terapias de choque; Arritmias; Ansiedade; Qualidade de vida; Validade; Confiabilidade; Psicometria

Abstract

Background

In spite of proven effectiveness of implantable cardioverter defibrillators (ICDs), shock therapy delivered by the device may result in increased levels of anxiety and depression, leading to deleterious effects on quality of life.

Objective

To carry out the translation, cross-cultural adaptation and validation of the Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) scale into Brazilian Portuguese.

Methods

In this psychometric study, construct validity was performed by exploratory (EFA) and confirmatory (CFA) factor analyses, and by item response theory (IRT). The adjustment indexes of the CFA were: Robust Mean-Scaled Chi Square/df NNFI, CFI (Comparative Fit Index), GFI (Goodness Fit Index), AGFI (Adjusted Goodness Fit Index), RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) and RMSR (Root Mean Square of Residuals). Reliability was evaluated through Cronbach’s Alpha, McDonald’s Omega and Greatest Lower Bound (GLB). The analyses were carried out with the programs SPSS 23 and Factor 10.8.01. A 5 percent significance level was used.

Results

The final Portuguese version of the FSAS was administered to 151 ICD patients, with a mean age of 55.7 ± 14.1 years, and predominantly male. The parallel analysis indicated that the FSAS is unidimensional, with an explained variance of 64.4%. The correlations ranged from 0.31 to 0.77, factor loadings from 0.67 to 0.86, and communalities from 0.46 to 0.74. The adjustment indexes of the CFA were above the quality threshold. Satisfactory reliability evidence was provided by the FSAS.

Conclusions

The FSAS-Br showed consistent validity and reliability evidence. Therefore, it can be used in ICD patients in Brazil. (Arq Bras Cardiol. 2020; 114(5):764-772)

Implantable defibrillator; Shock therapies; Arrhythmias; Anxiety; Psychometric

Introdução

Atualmente, não existem dúvidas quanto ao papel do cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) na prevenção da morte súbita cardíaca, especialmente em pacientes com disfunção ventricular e doenças genéticas arritmogênicas.11. Al-Khatib SM, Friedman P, Ellenbogen KA. Defibrillators: Selecting the Right Device for the Right Patient. Circulation. 2016;134(18):1390-404.

2. Colquitt JL, Mendes D, Clegg AJ, Harris P, Cooper K, Picot J, Bryant J. Implantable cardioverter defibrillators for the treatment of arrhythmias and cardiac resynchronization therapy for the treatment of heart failure: systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess. 2014;18(56):1-560.
-33. Winkle RA. Evolution of the implantable cardioverter-defibrillator: from bullets to BBs. J Am Coll Cardiol 2012;60(23):2399-401.Por sua comprovada eficácia na identificação e reversão de taquiarritmias ventriculares potencialmente letais, o número de implantes de CDI tem crescido exponencialmente no mundo inteiro, sendo realizados mais de 250.000 procedimentos por ano.44. Camm AJ, Nisam S. European utilization of the implantable defibrillator: has 10 years changed the “enigma”? Europace 2010;12:1063-9.

A função primordial do CDI é reverter arritmias ventriculares potencialmente fatais pela aplicação de terapias de baixa ou de alta energia. Terapias de baixa energia, conhecidas como estimulação antitaquicardia ou sobre-estimulação, não provocam dor. Terapias de alta energia são choques de até 40 joules que, apesar de causar grande desconforto, usualmente, são aplicados após o paciente ter perdido a consciência, uma vez que são disparados cerca de 15 segundos após o início da fibrilação ventricular ou de uma taquiarritmia ventricular rápida. Em situações pouco desejáveis, como é o caso das arritmias resistentes à sobre-estimulação ou nas tempestades elétricas, choques de alta energia podem ocorrer em pacientes acordados.33. Winkle RA. Evolution of the implantable cardioverter-defibrillator: from bullets to BBs. J Am Coll Cardiol 2012;60(23):2399-401.,55. Wilkoff BL, Fauchier L, Stiles MK, Morillo CA, Al-Khatib SM, Almendral J, et al. 2015 HRS/EHRA/APHRS/ SOLAECE Expert consensus statement on optimal implantable cardioverter-defibrillator programming and testing. Heart Rhythm. 2016;13(2):e50–e86.,66. Daubert JP, Zareba W, Cannom DS, McNitt S, Rosero SZ, Wang P, et al. Inappropriate implantable cardioverter-defibrillator shocks in MADIT II: frequency, mechanisms, predictors, and survival impact. J Am Coll Cardiol. 2008;51(14):1357-65.

Estima-se que a chance de portadores de CDI necessitar de um choque apropriado para prevenção primária da morte súbita cardíaca varia de 2 a 15% ao ano.55. Wilkoff BL, Fauchier L, Stiles MK, Morillo CA, Al-Khatib SM, Almendral J, et al. 2015 HRS/EHRA/APHRS/ SOLAECE Expert consensus statement on optimal implantable cardioverter-defibrillator programming and testing. Heart Rhythm. 2016;13(2):e50–e86.

6. Daubert JP, Zareba W, Cannom DS, McNitt S, Rosero SZ, Wang P, et al. Inappropriate implantable cardioverter-defibrillator shocks in MADIT II: frequency, mechanisms, predictors, and survival impact. J Am Coll Cardiol. 2008;51(14):1357-65.

7. Sood N, Ruwald AC, Solomon S, Daubert JP, McNitt S, Polonsky B, et al. Association between myocardial substrate, implantable cardioverter defibrillator shocks and mortality in MADIT-CRT. Eur Heart J. 2014;35(2):106-15.
-88. Desai H, Aronow WS, Ahn C, Gandhi K, Hussain S, Lai HM, et al. Risk factors for appropriate cardioverter-defibrillator shocks, inappropriate cardioverter-defibrillator shocks, and time to mortality in 549 patients with heart failure. Am J Cardiol. 2010;105(9):1336-8. Por outro lado, quando o CDI é utilizado para prevenção secundária, a incidência de terapias de choque pode variar de 35 a 53%, no primeiro ano após o implante.55. Wilkoff BL, Fauchier L, Stiles MK, Morillo CA, Al-Khatib SM, Almendral J, et al. 2015 HRS/EHRA/APHRS/ SOLAECE Expert consensus statement on optimal implantable cardioverter-defibrillator programming and testing. Heart Rhythm. 2016;13(2):e50–e86.

6. Daubert JP, Zareba W, Cannom DS, McNitt S, Rosero SZ, Wang P, et al. Inappropriate implantable cardioverter-defibrillator shocks in MADIT II: frequency, mechanisms, predictors, and survival impact. J Am Coll Cardiol. 2008;51(14):1357-65.

7. Sood N, Ruwald AC, Solomon S, Daubert JP, McNitt S, Polonsky B, et al. Association between myocardial substrate, implantable cardioverter defibrillator shocks and mortality in MADIT-CRT. Eur Heart J. 2014;35(2):106-15.
-88. Desai H, Aronow WS, Ahn C, Gandhi K, Hussain S, Lai HM, et al. Risk factors for appropriate cardioverter-defibrillator shocks, inappropriate cardioverter-defibrillator shocks, and time to mortality in 549 patients with heart failure. Am J Cardiol. 2010;105(9):1336-8. A despeito do elevado nível de sofisticação tecnológica dos CDIs, lamentavelmente, existe o risco de o paciente receber um choque inapropriado em decorrência da discriminação errônea entre taquiarritmias supraventriculares e ventriculares. Nessas ocasiões, a sensação relatada é de uma experiência dolorosa e angustiante.99. Ahmad M, Bloomstein L, Roelke M, Bernstein AD, Parsonnet V. Patients’ attitudes towards implanted defibrillator shocks. Pacing Clin Electrophysiol 2000; 23(6):934–8.

10. Costa R, Silva KR, Mendonça RC, Nishioka SA, Siqueira SF, Tamaki WT, et al. Incidence of shock and quality of life in young patients with implantable cardioverter-defibrillator. Arq Bras Cardiol. 2007;88(3):258-64.

11. Pedersen SS, Sears SF, Burg MM, Van Den Broek KC. Does ICD indication affect quality of life and levels of distress? Pacing Clin Electrophysiol. 2009; 32(2):153-6.

12. Sears SF, Conti JB. Quality of life and psychological functioning of ICD patients. Heart 2002; 87(5): 488–93.

13. Carroll SL, Strachan PH, de Laat S, Schwartz L, Arthur HM. Patients’ decision making to accept or decline an implantable cardioverter defibrillator for primary prevention of sudden cardiac death. Health Expect 2013;16(1):69-79
-1414. da Silva KR, Costa R, Rodrigues CG, Schasechter A, Nobre MC, Passman R, et al. Quality of life in patients with implantable cardioverter-defibrillator: systematic review of randomized controlled trials. Eur J Cardiovasc Nurs. 2018;17(3):196-206.

Portadores de CDI convivem com a expectativa de que, a qualquer momento, o dispositivo irá aplicar terapias de choque para interromper arritmias ventriculares decorrentes de sua doença cardíaca. Desse modo, apesar de reconhecerem os benefícios do tratamento, alguns pacientes podem apresentar quadros de ansiedade, depressão, distúrbios do humor, transtorno de estresse pós-traumático, bem como medo do não funcionamento do dispositivo em momentos cruciais.99. Ahmad M, Bloomstein L, Roelke M, Bernstein AD, Parsonnet V. Patients’ attitudes towards implanted defibrillator shocks. Pacing Clin Electrophysiol 2000; 23(6):934–8.

10. Costa R, Silva KR, Mendonça RC, Nishioka SA, Siqueira SF, Tamaki WT, et al. Incidence of shock and quality of life in young patients with implantable cardioverter-defibrillator. Arq Bras Cardiol. 2007;88(3):258-64.

11. Pedersen SS, Sears SF, Burg MM, Van Den Broek KC. Does ICD indication affect quality of life and levels of distress? Pacing Clin Electrophysiol. 2009; 32(2):153-6.

12. Sears SF, Conti JB. Quality of life and psychological functioning of ICD patients. Heart 2002; 87(5): 488–93.

13. Carroll SL, Strachan PH, de Laat S, Schwartz L, Arthur HM. Patients’ decision making to accept or decline an implantable cardioverter defibrillator for primary prevention of sudden cardiac death. Health Expect 2013;16(1):69-79
-1414. da Silva KR, Costa R, Rodrigues CG, Schasechter A, Nobre MC, Passman R, et al. Quality of life in patients with implantable cardioverter-defibrillator: systematic review of randomized controlled trials. Eur J Cardiovasc Nurs. 2018;17(3):196-206.Por outro lado, tem sido reportado que o implante do CDI pode conferir aos pacientes uma grande sensação de segurança, considerando-se a capacidade do dispositivo para interromper episódios inesperados de taquiarritmias ventriculares potencialmente letais.1010. Costa R, Silva KR, Mendonça RC, Nishioka SA, Siqueira SF, Tamaki WT, et al. Incidence of shock and quality of life in young patients with implantable cardioverter-defibrillator. Arq Bras Cardiol. 2007;88(3):258-64.

11. Pedersen SS, Sears SF, Burg MM, Van Den Broek KC. Does ICD indication affect quality of life and levels of distress? Pacing Clin Electrophysiol. 2009; 32(2):153-6.

12. Sears SF, Conti JB. Quality of life and psychological functioning of ICD patients. Heart 2002; 87(5): 488–93.

13. Carroll SL, Strachan PH, de Laat S, Schwartz L, Arthur HM. Patients’ decision making to accept or decline an implantable cardioverter defibrillator for primary prevention of sudden cardiac death. Health Expect 2013;16(1):69-79
-1414. da Silva KR, Costa R, Rodrigues CG, Schasechter A, Nobre MC, Passman R, et al. Quality of life in patients with implantable cardioverter-defibrillator: systematic review of randomized controlled trials. Eur J Cardiovasc Nurs. 2018;17(3):196-206.

Diante da preocupação com os efeitos deletérios do CDI na adaptação psicossocial, foi desenvolvido um instrumento especificamente destinado à avaliação do nível de ansiedade relacionado à presença do CDI e aos choques aplicados pelo dispositivo, para uso na prática clínica e no cenário da pesquisa científica.1515. Kuhl EA, Dixit NK, Walker RL, Conti JB, Sears SF. Measurement of patient fears about implantable cardioverter defibrillator shock: an initial evaluation of the Florida Shock Anxiety Scale. Pacing Clin Electrophysiol. 2006;29(6):614-8.,1616. Ford J, Finch JF, Woodrow LK, Cutitta KE, Shea J, Fischer A, et al. The Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) for patients with implantable cardioverter defibrillators: testing factor structure, reliability, and validity of a previously established measure. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(9):1146-53. Em pouco tempo, o instrumento Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) alcançou grande aceitação internacional, tendo sido traduzido e validado em diferentes culturas (Holanda,1717. Versteeg H, Starrenburg A, Denollet J, Palen Jv, Sears SF, Pedersen SS. Monitoring device acceptance in implantable cardioverter defibrillator patients using the Florida Patient Acceptance Survey. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(3):283-93. Dinamarca,1818. Pedersen SS, Spindler H, Johansen JB, Mortensen PT, Sears SF. Correlates of patient acceptance of the cardioverter defibrillator: cross-validation of the Florida Patient Acceptance Survey in Danish patients. Pacing Clin Electrophysiol. 2008;31(9):1168-77 Polônia,1919. Kochańska A, Zarzycka B, Świątecka G, Majkowicz M, Kozłowski D, Raczak G.Quality of life in patients with an implantable cardioverter-defibrillator – the significance of clinical factors. Arch Med Sci 2008; 4(4):409-16. China,2020. Chair SY, Lee CK, Choi KC, Sears SF. Quality of life outcomes in chinese patients with implantable cardioverter defibrillators. Pacing Clin Electrophysiol. 2011;34(7):858-67 Noruega,2121. Morken IM, Isaksen K, Karlsen B, Norekvål TM, Bru E, Larsen AI. Shock anxiety among implantable cardioverter defibrillator recipients with recent tachyarrhythmia. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(11):1369-76 Turquia2222. Oz Alkan H, Enç N. Validity and reliability of the Florida Patient Acceptance Survey and Florida Shock Anxiety Scale in Turkish patients with implantable cardioverter defibrillation. Int J Med Res Health Sci 2017,6(10):21-32.), com resultados consistentes.

Objetivos

A finalidade do presente estudo foi avaliar as propriedades psicométricas da versão brasileira do instrumento FSAS para portadores de CDI.

Métodos

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo transversal com duas fases: (1) Processo de tradução e adaptação transcultural do instrumento FSAS; (2) Validação de construto do instrumento FSAS.

Local do estudo e aspectos éticos

Esse estudo foi realizado em um hospital cardiológico de alta complexidade, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Instrumento Florida Shock Anxiety Scale (FSAS)

O instrumento FSAS foi desenvolvido em 2006 nos Estados Unidos para avaliar o nível de ansiedade relacionado à presença do CDI e aos choques aplicados pelo dispositivo. O instrumento consiste em 10 itens, com cinco opções de resposta (“nunca”, “quase nunca”, “de vez em quando”, “quase sempre” e “sempre”), correspondendo a uma escala do tipo Likert de 5 pontos.1515. Kuhl EA, Dixit NK, Walker RL, Conti JB, Sears SF. Measurement of patient fears about implantable cardioverter defibrillator shock: an initial evaluation of the Florida Shock Anxiety Scale. Pacing Clin Electrophysiol. 2006;29(6):614-8.,1616. Ford J, Finch JF, Woodrow LK, Cutitta KE, Shea J, Fischer A, et al. The Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) for patients with implantable cardioverter defibrillators: testing factor structure, reliability, and validity of a previously established measure. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(9):1146-53.

As perguntas do questionário estão relacionadas ao medo e à ansiedade dos pacientes em razão da expectativa de o dispositivo aplicar terapias de choque, bem como a mudanças comportamentais (não realizar exercícios físicos ou atividade sexual, não ficar nervoso ou com raiva, por exemplo) adotadas para evitar a ocorrência de terapias de choque, a partir da perspectiva do paciente.

O escore total do instrumento FSAS é determinado pela soma de todos os itens, podendo atingir pontuação máxima de 50 pontos. Quanto maior a pontuação, maior o nível de ansiedade, sendo que os itens que atingem três ou mais pontos devem ser considerados os aspectos mais críticos.1717. Versteeg H, Starrenburg A, Denollet J, Palen Jv, Sears SF, Pedersen SS. Monitoring device acceptance in implantable cardioverter defibrillator patients using the Florida Patient Acceptance Survey. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(3):283-93.,1818. Pedersen SS, Spindler H, Johansen JB, Mortensen PT, Sears SF. Correlates of patient acceptance of the cardioverter defibrillator: cross-validation of the Florida Patient Acceptance Survey in Danish patients. Pacing Clin Electrophysiol. 2008;31(9):1168-77 O instrumento pode ser autoadministrado ou aplicado na forma de entrevista.

Fase 1 - Tradução e adaptação transcultural do instrumento

O processo de adaptação transcultural do instrumento FSAS seguiu as recomendações internacionais e constou de cinco etapas: (1) Tradução por dois colaboradores independentes; (2) Consolidação das traduções pelo comitê de especialistas; (3) Retrotradução; (4) Harmonização das versões pelo comitê de especialistas; (5) Pré-teste com a população alvo; (6) Revisão do pré-teste e versionamento final.2323. Wild D, Grove A, Martin M. Principles of good practice for the translation and cultural adaptation process for patient-reported outcomes (PRO) measures: report of the ISPOR task force for translating adaptation. Value Health> 2005;8(2):94-104.

24. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91.
-2525. Sousa VD, Rojjanasrirat WJ. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74. O comitê de especialistas foi constituído por profissionais da área da estimulação cardíaca artificial e enfermeiros.

A tradução do instrumento original para a língua portuguesa foi realizada por dois colaboradores independentes, brasileiros com proficiência na língua portuguesa e inglesa. Nessa etapa, as versões elaboradas pelos dois tradutores independentes (T1 e T2) foram consolidadas em uma única versão (T1-2), após discussão com o comitê de especialistas. A partir dessa versão traduzida, foi realizada a etapa da retrotradução (RT1 e RT2) por dois professores bilíngues que não tinham tido contato prévio com o instrumento original. A finalidade dessa etapa foi aferir a consistência semântica e idiomática das traduções realizadas na primeira etapa. Finalmente, foi realizada uma nova reunião com o comitê de especialistas para revisar todo o processo de adaptação transcultural e realizar a harmonização das versões, obtendo-se, assim, a versão pré-final do instrumento. (Figura 1)

Figura 1
Processo de adaptação transcultural do instrumento FSAS.

A versão pré-teste foi administrada em uma amostra de conveniência de 20 participantes, com idades entre 18 e 80 anos, portadores de CDI por pelo menos seis meses e que realizavam acompanhamento clínico em nossa instituição. O pré-teste foi realizado para identificar e corrigir possíveis problemas de tradução. Após o preenchimento do instrumento pelo próprio indivíduo, realizou-se uma entrevista de esclarecimento, para verificar se havia itens de difícil compreensão ou irrelevantes, assim como aferir a compreensão de cada item do instrumento. O critério estabelecido para revisão e modificação da tradução foi a compreensão dos itens por menos de 80% dos entrevistados.

Fase 2 – Validação de construto do instrumento FSAS

A versão final em português do instrumento FSAS foi administrada em uma amostra de conveniência de 151 participantes com as seguintes características: (1) adultos, com idades entre 18 a 80 anos, de ambos os sexos e com qualquer nível de escolaridade; (2) portadores de CDI há mais de seis meses; (3) capacidade de compreender e responder às perguntas do questionário utilizado no estudo; (4) concordância em participar do estudo, com assinatura do TCLE. Não foram incluídos no estudo os indivíduos que apresentaram ao menos uma das seguintes situações: (1) indicação de transplante cardíaco; (2) gestação em curso; (3) neoplasias malignas.

Os pacientes foram selecionados, de forma consecutiva, durante o atendimento ambulatorial ou mediante visitas realizadas à Unidade de Internação da nossa instituição. Os indivíduos que preencheram os critérios de elegibilidade foram convidados a responder o questionário FSAS. Nesse mesmo momento, era realizado o levantamento do histórico clínico e obtidas informações sobre o implante do CDI, terapias de choque prévias e uso de medicamentos.

Todos os dados foram coletados diretamente em tablets, utilizando-se formulários eletrônicos desenvolvidos no sistema Research Electronic Data Capture (REDCap)2626. Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap) - A metadata-driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support, J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81. hospedado no servidor da nossa instituição.

Número amostral

O dimensionamento do número de participantes nos estudos psicométricos usualmente é feito sobre o número de itens dos instrumentos avaliados. Alguns estudos demonstraram que uma relação de 20:1 ou superior, ou seja, 20 participantes para cada item do instrumento, seria o ideal. Contudo, relações de 10:1 já permitem análises adequadas. Desse modo, foi estabelecido o mínimo amostral de 150 pacientes.2525. Sousa VD, Rojjanasrirat WJ. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74.

Análise Estatística

Análise descritiva

Foi realizada uma análise descritiva minuciosa utilizando medidas de tendência central (média, desvio padrão, mediana, média aparada, intervalos de confiança e intervalo interquartil). O teste de Kolmogorov-Smirnov (KS) foi utilizado para a testagem isolada da normalidade de cada item do questionário, enquanto que o Teste de Mardia foi empregado para verificar a normalidade multivariada.

Todas as análises foram realizadas nos softwares SPSS 23.0 e Factor 10.8.01, adotando-se o nível de significância de 5%.

Validade de construto e dimensionalidade

Neste estudo, foram realizadas as análises fatoriais exploratória (AFEs) e confirmatória (AFC) para verificar a dimensionalidade do instrumento FSAS em sua versão na língua portuguesa.

A testagem da dimensionalidade foi realizada pela Análise Paralela Robusta (APR), por meio da Optimal Implementation of Parallel Analysis (PA), com minimum rank factor analysis (MRFA), que minimiza a variância comum dos resíduos.2727. Timmerman ME, Lorenzo-Seva U. Dimensionality assessment of ordered polytomous items with parallel analysis. Psychol Methods. 2011;16(2):209-20.,2828. Lorenzo-Seva, U. How to report the percentage of explained common variance in exploratory factor analysis. Tarragona (Italia):Universita Technical Report. Department of Psychology, Universitat Rovira i Virgili, Tarragona (Italia): Universita Rovira-Virgili; 2013, (Technical Report).A robustez do teste foi determinada a partir da associação de um bootstrap com uma extrapolação amostral para 5000. A extração dos fatores foi feita inicialmente com RULS (Robust Unweighted Least Squares), que reduz os resíduos das matrizes.2929. Briggs NE, MacCallum RC. Recovery of Weak Common Factors by Maximum Likelihood and Ordinary Least Squares Estimation. Multivariate Behav Res. 2003;38(1):25-56.

Teoria de Resposta ao Item

Foi utilizado o índice de discriminação do item (a), que mede a força de associação entre o item e a variável latente e tem interpretação similar às cargas fatoriais da AFE.

Parâmetros de qualidade da versão traduzida e adaptada do instrumento FSAS

Para a adequação dos itens e do modelo, foram considerados os seguintes critérios: variância explicada do modelo (60 a 70%), valores de cargas fatoriais (> 0,50), comunalidades (> 0,40) e discriminação do item, problemas de colinearidade e multicolinearidade (cargas fatoriais acima de 0,80 e 0,85, respectivamente).

Índices de ajustamento na Análise Fatorial Confirmatória

Os índices de ajustamento do modelo e os respectivos valores esperados foram: Robust Mean-Scaled Chi Square/df NNFI (Non-Normed Fit Index > 0,93), CFI (Comparative Fit Index > 0,94), GFI (Goodness Fit Index > 0,95), AGFI (Adjusted Goodness Fit Index > 0,93), RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation < 0,07) e RMSR (Root Mean Square of Residuals < 0,08).29-31

Confiabilidade

Foram adotados três indicadores para a avaliação da confiabilidade da versão brasileira do questionário FSAS: Alfa de Cronbach, Ômega de McDonald e GLB (Greatest Lower Bound).

Resultados

Versão final do instrumento FSAS

De um modo geral, as etapas de tradução e adaptação transcultural produziram versões semelhantes do instrumento FSAS. A síntese das traduções foi bem concisa e uniu o mais coerente de cada tradução realizada. As versões produzidas na retrotradução evidenciaram uma boa qualidade das traduções e do processo de síntese realizado nas etapas iniciais.

Participaram do pré-teste 20 portadores de CDI, com idade média de 55,6 ± 6,8 anos, dos quais 50% eram do sexo feminino, 50% eram brancos e 30% tinham cursado até o Ensino Médio. Todos os participantes consideraram os itens relevantes, de fácil entendimento e compreenderam as opções de respostas. Nenhum participante sugeriu modificações no instrumento. Na Tabela 1 estão apresentados os itens do instrumento em suas versões na língua inglesa e portuguesa.

Tabela 1
– Instrumento original e versão brasileira da Florida Shock Anxiety Scale (FSAS-Br)

Propriedades psicométricas do instrumento FSAS

Composição da População

Nesta fase do estudo, foram incluídos 151 portadores de CDI, com idade média de 55,7±14,1 anos (variação de 19 a 80 anos). Houve predomínio do sexo masculino que correspondeu a 64% dos casos. A maioria dos pacientes era da raça branca (85,4%) e 49% haviam cursado o ensino fundamental (Tabela 2).

Tabela 2
– Perfil demográfico e clínico dos participantes do estudo

Dentre as doenças cardíacas, chama a atenção a Doença de Chagas, que esteve presente em 30,5% dos casos, seguida pela cardiopatia isquêmica em 25,2%. A Síndrome de Brugada e a Síndrome do QT longo congênita foram identificadas em 4,6 e 3,3% dos pacientes, respectivamente.

A avaliação basal mostrou que a maioria dos pacientes estava em classe funcional I (37,1%) e II (47,7%), segundo os critérios da New York Heart Association. A função ventricular esquerda determinada pelo ecocardiograma transtorácico bidimensional variou de 18 a 77%, com mediana de 35%.

Apenas 29,1% dos pacientes não apresentavam comorbidades associadas. Dislipidemia e hipertensão arterial foram as comorbidades mais frequentes, estando presentes em 51,4% e 49,5% dos pacientes, respectivamente. Fibrilação atrial estava presente em 27,1% dos indivíduos estudados (Tabela 2).

Como já era esperado, 80,1% das indicações do CDI corresponderam à profilaxia secundária da morte súbita arrítmica, visto que, na realidade brasileira, devido à escassez de recursos, o implante de CDI ainda é pouco utilizado para profilaxia primária da morte súbita.

Quanto ao tipo de CDI, sistemas unicamerais estavam presentes em 41,1% dos pacientes, seguidos pelos sistemas dupla-câmara (46,4%). Apenas 12,6% dos pacientes apresentavam CDI com ressincronizador cardíaco, por terem doença cardíaca mais avançada. O tempo de uso do CDI foi de 6,7 ± 4,4 anos, variando de 6 meses a 16,9 anos. O número expressivo de pacientes (60,3%) que haviam recebido terapias de choque do CDI foi condizente com a indicação clínica do dispositivo, visto que terapias de choque são muito mais frequentes em indivíduos submetidos à profilaxia secundária da morte súbita.

Análise descritiva dos itens do instrumento FSAS

Através da análise descritiva dos itens do instrumento, foi possível identificar que houve violação da normalidade da distribuição, indicando, portanto, a necessidade da utilização de correlações policóricas, ao invés da correlação de Pearson.

As médias dos itens do instrumento variaram de 1,5 a 2,9. O escore médio do FSAS foi de 22,8 ± 11,1, com mediana de 20 pontos e variação de 10 a 50 pontos. Não houve efeito de valores extremos na média (Tabela 3).

Tabela 3
– Análise descritiva dos itens da FSAS-Br

Validade de construto e dimensionalidade do instrumento FSAS

Os valores obtidos do índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO= 0,88), do teste de esfericidade de Bartlett (X22. Colquitt JL, Mendes D, Clegg AJ, Harris P, Cooper K, Picot J, Bryant J. Implantable cardioverter defibrillators for the treatment of arrhythmias and cardiac resynchronization therapy for the treatment of heart failure: systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess. 2014;18(56):1-560.= 565,5, df= 45; p< 0,001) e o determinante da matriz (0,0206 (p<0,0001)) revelaram uma correlação significativa entre os itens, confirmando a adequação da aplicação da AFE.

A análise paralela indicou a existência de apenas uma dimensão para o instrumento. Ademais, esse conjunto de itens consegue explicar 64,4% da variável latente (acima dos valores recomendados na literatura). 2929. Briggs NE, MacCallum RC. Recovery of Weak Common Factors by Maximum Likelihood and Ordinary Least Squares Estimation. Multivariate Behav Res. 2003;38(1):25-56.

30. Matt C. Howard. A Review of Exploratory Factor Analysis Decisions and Overview of Current Practices: What We Are Doing and How Can We Improve? Int J Hum Comput Interact. 2016;32(1):51-62.
-3131. Kahn JH. Factor analysis in counseling psychology research, training, and practice: principles, advances, and applications. Couns Psychol. 2006;34(5):684-718. O conceito dos autovalores (eigenvalue > 1) também apontou apenas uma dimensão com um autovalor de 6,08. O fato de o instrumento ser unidimensional dispensou a necessidade de técnicas rotacionais da matriz fatorial. A unidimensionalidade indicou o uso da técnica Normal-ogive graded response model para a TRI, mais adequada para modelo unidimensional politômico.3131. Kahn JH. Factor analysis in counseling psychology research, training, and practice: principles, advances, and applications. Couns Psychol. 2006;34(5):684-718.

A tabela 4 apresenta as cargas fatoriais, que variaram de 0,67 a 0,86, representando níveis excelentes de aderência dos itens à variável latente, acima do critério mínimo de 0,50, sem indícios de multicolinearidade. A unidimensionalidade eliminou a possibilidade de dupla saturação (cross-loading). As comunalidades variaram de 0,46 a 0,74, com todos os itens acima do limite de 0,40. Para a discriminação do item (a), os valores variaram de 0,91 a 1,71, também demonstrando boa aderência à variável latente e confirmando os dados obtidos através das cargas fatoriais.

Tabela 4
– Validade de construto da FSAS-Br: cargas fatoriais, comunalidades, discriminação do item

A AFC revelou um bom ajuste ao modelo unidimensional, com valores semelhantes aos recomendados pela literatura: Robust Mean and Variance-Adjusted Chi Square X2/ df (35) = 40,40; p < 0,243; NNFI= 0,997; CFI= 0,997; GFI= 0,986; AGFI= 0,982. Os indicadores de resíduos ficaram em níveis bons (RMSEA= 0,032; RMSR= 0,077), indicando pouca diferença entre a matriz original e a matriz gerada pela carga dos fatores.3131. Kahn JH. Factor analysis in counseling psychology research, training, and practice: principles, advances, and applications. Couns Psychol. 2006;34(5):684-718.

Confiabilidade do instrumento FSAS-Br

Encontramos evidências satisfatórias de confiabilidade da escala FSAS-Br, com coeficiente alfa de Cronbach de 0,92, Ômega de McDonald de 0,92 e GLB de 0,98.

Discussão

No presente estudo, foi descrito o processo de tradução e adaptação transcultural de uma escala de avaliação do nível de ansiedade relacionado às terapias de choque do desfibrilador implantável, atendendo ao rigor metodológico preconizado na literatura internacional.2323. Wild D, Grove A, Martin M. Principles of good practice for the translation and cultural adaptation process for patient-reported outcomes (PRO) measures: report of the ISPOR task force for translating adaptation. Value Health> 2005;8(2):94-104.

24. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91.
-2525. Sousa VD, Rojjanasrirat WJ. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74. A versão final da escala FSAS para a língua portuguesa (FSAS-Br) falada no Brasil, apresentou equivalência conceitual, semântica, cultural e de mensuração em relação aos itens originais no inglês.1515. Kuhl EA, Dixit NK, Walker RL, Conti JB, Sears SF. Measurement of patient fears about implantable cardioverter defibrillator shock: an initial evaluation of the Florida Shock Anxiety Scale. Pacing Clin Electrophysiol. 2006;29(6):614-8.,1616. Ford J, Finch JF, Woodrow LK, Cutitta KE, Shea J, Fischer A, et al. The Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) for patients with implantable cardioverter defibrillators: testing factor structure, reliability, and validity of a previously established measure. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(9):1146-53.

Esforços foram empreendidos para incluir pacientes com diferentes perfis sociodemográficos e diferentes tipos de doença cardíaca para garantir uma representação heterogênea, visando assegurar a melhor calibração dos itens do instrumento. Desse modo, pacientes com diferentes tipos de CDI (ventricular, atrioventricular ou associado à terapia de ressincronização cardíaca) foram incluídos, assim como pacientes com indicação de profilaxia primária ou secundária da morte súbita cardíaca. Não obstante, os principais grupos de cardiopatias comuns a esse perfil de pacientes também foram contemplados, com expressiva prevalência da Doença de Chagas, cardiopatia isquêmica e hipertrófica.

No cenário internacional, a escala FSAS tem sido amplamente utilizada em diferentes contextos, já que apresenta boa sensibilidade para identificar o nível de ansiedade relacionado às terapias de choque do CDI e tempo reduzido para preenchimento.1515. Kuhl EA, Dixit NK, Walker RL, Conti JB, Sears SF. Measurement of patient fears about implantable cardioverter defibrillator shock: an initial evaluation of the Florida Shock Anxiety Scale. Pacing Clin Electrophysiol. 2006;29(6):614-8.

16. Ford J, Finch JF, Woodrow LK, Cutitta KE, Shea J, Fischer A, et al. The Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) for patients with implantable cardioverter defibrillators: testing factor structure, reliability, and validity of a previously established measure. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(9):1146-53.

17. Versteeg H, Starrenburg A, Denollet J, Palen Jv, Sears SF, Pedersen SS. Monitoring device acceptance in implantable cardioverter defibrillator patients using the Florida Patient Acceptance Survey. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(3):283-93.

18. Pedersen SS, Spindler H, Johansen JB, Mortensen PT, Sears SF. Correlates of patient acceptance of the cardioverter defibrillator: cross-validation of the Florida Patient Acceptance Survey in Danish patients. Pacing Clin Electrophysiol. 2008;31(9):1168-77

19. Kochańska A, Zarzycka B, Świątecka G, Majkowicz M, Kozłowski D, Raczak G.Quality of life in patients with an implantable cardioverter-defibrillator – the significance of clinical factors. Arch Med Sci 2008; 4(4):409-16.

20. Chair SY, Lee CK, Choi KC, Sears SF. Quality of life outcomes in chinese patients with implantable cardioverter defibrillators. Pacing Clin Electrophysiol. 2011;34(7):858-67

21. Morken IM, Isaksen K, Karlsen B, Norekvål TM, Bru E, Larsen AI. Shock anxiety among implantable cardioverter defibrillator recipients with recent tachyarrhythmia. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(11):1369-76
-2222. Oz Alkan H, Enç N. Validity and reliability of the Florida Patient Acceptance Survey and Florida Shock Anxiety Scale in Turkish patients with implantable cardioverter defibrillation. Int J Med Res Health Sci 2017,6(10):21-32. Desse modo, é importante ressaltar que a escala FSAS não foi projetada para avaliar aspectos relevantes da adaptação ao dispositivo e o seu real impacto na qualidade de vida, fazendo-se necessária a utilização de outros instrumentos para complementar a avaliação desses pacientes. Nesse sentido, os autores da escala FSAS desenvolveram outro instrumento, o Florida Patient Acceptance Survey (FPAS),3232. Burns JL, Serber ER, Keim S, Sears SF. Measuring patient acceptance of implantable cardiac device therapy: initial psychometric investigation of the Florida Patient Acceptance Survey. J Cardiovasc Electrophysiol. 2005;16(4):384-90. que visa avaliar a adaptação psicossocial dos portadores de dispositivos cardíacos implantáveis. Os resultados do processo de adaptação transcultural e validação para a língua portuguesa da escala FPAS serão publicados oportunamente.

A comprovação das evidências de validade de um instrumento tem sido recomendada pela comunidade científica como forma de verificar se o instrumento realmente mensura a variável latente de interesse com precisão. Além disso, é importante analisar se a estrutura fatorial do instrumento está adequadamente representada pela sua dimensionalidade, ou seja, o número de dimensões que compõem o instrumento de avaliação.2727. Timmerman ME, Lorenzo-Seva U. Dimensionality assessment of ordered polytomous items with parallel analysis. Psychol Methods. 2011;16(2):209-20.

28. Lorenzo-Seva, U. How to report the percentage of explained common variance in exploratory factor analysis. Tarragona (Italia):Universita Technical Report. Department of Psychology, Universitat Rovira i Virgili, Tarragona (Italia): Universita Rovira-Virgili; 2013, (Technical Report).

29. Briggs NE, MacCallum RC. Recovery of Weak Common Factors by Maximum Likelihood and Ordinary Least Squares Estimation. Multivariate Behav Res. 2003;38(1):25-56.

30. Matt C. Howard. A Review of Exploratory Factor Analysis Decisions and Overview of Current Practices: What We Are Doing and How Can We Improve? Int J Hum Comput Interact. 2016;32(1):51-62.
-3131. Kahn JH. Factor analysis in counseling psychology research, training, and practice: principles, advances, and applications. Couns Psychol. 2006;34(5):684-718. Na publicação original do FSAS, os autores postulam que o instrumento é bidimensional, apresentando uma dimensão composta por 7 itens (“Consequence”) e outra com 3 itens (“Trigger”).1515. Kuhl EA, Dixit NK, Walker RL, Conti JB, Sears SF. Measurement of patient fears about implantable cardioverter defibrillator shock: an initial evaluation of the Florida Shock Anxiety Scale. Pacing Clin Electrophysiol. 2006;29(6):614-8. Esse modelo não foi reprodutível para a versão brasileira, visto que todas as análises realizadas no presente estudo sustentaram a unidimensionalidade da escala FSAS-Br. Revisitando o estudo de Kuhl et al.,15 é importante ressaltar que a amostra foi constituída por apenas 72 participantes, o que pode ter causado impacto nos resultados das análises psicométricas.

Posteriormente, a escala FSAS foi submetida a um processo de avaliação de suas propriedades psicométricas, dessa vez, com uma casuística de 443 participantes.16 A AFC mostrou que as duas dimensões anteriormente identificadas eram altamente correlacionadas a um fator de segunda ordem (“Shock anxiety”), ou seja, as duas dimensões identificadas previamente poderiam ser melhor explicadas pela sua associação a um fator comum, que seria a dimensão “Ansiedade relacionada ao choque”. Em virtude desses resultados, os autores passaram a recomendar a utilização da pontuação total da escala FSAS, ao invés de subdividi-la nas duas dimensões anteriormente descritas. Esses resultados corroboraram a estrutura fatorial identificada em nosso estudo.

As análises de confiabilidade da escala FSAS-Br revelaram a precisão da versão brasileira, que foi confirmada pelos valores adequados do coeficiente alfa de Cronbach, Ômega de McDonald e GLB. A adoção desses três indicadores buscou aumentar a precisão da interpretação, visto que o coeficiente alfa de Cronbach sofre efeitos da natureza da distribuição dos dados e do tamanho da amostra. Além disso, seus valores podem estar elevados em decorrência de escalas extensas, de itens paralelos e/ou redundantes ou da cobertura restrita do construto em análise, tornando a medida de confiabilidade frágil.3333. Panayides P. Coefficient alpha: interpret with caution. Eur J Psychol. 2013;9(4):687-96.

De um modo geral, os resultados observados no presente estudo demonstraram que o instrumento é confiável e válido para aplicação no Brasil, atendendo adequadamente aos critérios de qualidade propostos para medidas de desfechos reportados por pacientes.

Limitações do estudo

Embora a população estudada seja maior do que as amostras de várias publicações anteriores que utilizaram a escala FSAS, a condução de novos estudos com amostras mais robustas é fundamental para a consolidação de sua validade e para atestar sua estabilidade nos mais diversos cenários e perfis de pacientes com CDI.

Estudos futuros, analisando a associação dos escores da FSAS-Br com a ocorrência de terapias de choque do CDI e outros parâmetros clínicos, serão úteis para identificar fatores que podem estar associados aos níveis elevados de ansiedade e, assim, permitir o estabelecimento de intervenções específicas e personalizadas para esses pacientes.

Conclusões

O instrumento FSAS-Br apresentou evidências consistentes de validade e confiabilidade, podendo-se, portanto, recomendar sua utilização na população de portadores de CDI do Brasil, na prática clínica e em pesquisas científicas.

Referências

  • 1
    Al-Khatib SM, Friedman P, Ellenbogen KA. Defibrillators: Selecting the Right Device for the Right Patient. Circulation. 2016;134(18):1390-404.
  • 2
    Colquitt JL, Mendes D, Clegg AJ, Harris P, Cooper K, Picot J, Bryant J. Implantable cardioverter defibrillators for the treatment of arrhythmias and cardiac resynchronization therapy for the treatment of heart failure: systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess. 2014;18(56):1-560.
  • 3
    Winkle RA. Evolution of the implantable cardioverter-defibrillator: from bullets to BBs. J Am Coll Cardiol 2012;60(23):2399-401.
  • 4
    Camm AJ, Nisam S. European utilization of the implantable defibrillator: has 10 years changed the “enigma”? Europace 2010;12:1063-9.
  • 5
    Wilkoff BL, Fauchier L, Stiles MK, Morillo CA, Al-Khatib SM, Almendral J, et al. 2015 HRS/EHRA/APHRS/ SOLAECE Expert consensus statement on optimal implantable cardioverter-defibrillator programming and testing. Heart Rhythm. 2016;13(2):e50–e86.
  • 6
    Daubert JP, Zareba W, Cannom DS, McNitt S, Rosero SZ, Wang P, et al. Inappropriate implantable cardioverter-defibrillator shocks in MADIT II: frequency, mechanisms, predictors, and survival impact. J Am Coll Cardiol. 2008;51(14):1357-65.
  • 7
    Sood N, Ruwald AC, Solomon S, Daubert JP, McNitt S, Polonsky B, et al. Association between myocardial substrate, implantable cardioverter defibrillator shocks and mortality in MADIT-CRT. Eur Heart J. 2014;35(2):106-15.
  • 8
    Desai H, Aronow WS, Ahn C, Gandhi K, Hussain S, Lai HM, et al. Risk factors for appropriate cardioverter-defibrillator shocks, inappropriate cardioverter-defibrillator shocks, and time to mortality in 549 patients with heart failure. Am J Cardiol. 2010;105(9):1336-8.
  • 9
    Ahmad M, Bloomstein L, Roelke M, Bernstein AD, Parsonnet V. Patients’ attitudes towards implanted defibrillator shocks. Pacing Clin Electrophysiol 2000; 23(6):934–8.
  • 10
    Costa R, Silva KR, Mendonça RC, Nishioka SA, Siqueira SF, Tamaki WT, et al. Incidence of shock and quality of life in young patients with implantable cardioverter-defibrillator. Arq Bras Cardiol. 2007;88(3):258-64.
  • 11
    Pedersen SS, Sears SF, Burg MM, Van Den Broek KC. Does ICD indication affect quality of life and levels of distress? Pacing Clin Electrophysiol. 2009; 32(2):153-6.
  • 12
    Sears SF, Conti JB. Quality of life and psychological functioning of ICD patients. Heart 2002; 87(5): 488–93.
  • 13
    Carroll SL, Strachan PH, de Laat S, Schwartz L, Arthur HM. Patients’ decision making to accept or decline an implantable cardioverter defibrillator for primary prevention of sudden cardiac death. Health Expect 2013;16(1):69-79
  • 14
    da Silva KR, Costa R, Rodrigues CG, Schasechter A, Nobre MC, Passman R, et al. Quality of life in patients with implantable cardioverter-defibrillator: systematic review of randomized controlled trials. Eur J Cardiovasc Nurs. 2018;17(3):196-206.
  • 15
    Kuhl EA, Dixit NK, Walker RL, Conti JB, Sears SF. Measurement of patient fears about implantable cardioverter defibrillator shock: an initial evaluation of the Florida Shock Anxiety Scale. Pacing Clin Electrophysiol. 2006;29(6):614-8.
  • 16
    Ford J, Finch JF, Woodrow LK, Cutitta KE, Shea J, Fischer A, et al. The Florida Shock Anxiety Scale (FSAS) for patients with implantable cardioverter defibrillators: testing factor structure, reliability, and validity of a previously established measure. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(9):1146-53.
  • 17
    Versteeg H, Starrenburg A, Denollet J, Palen Jv, Sears SF, Pedersen SS. Monitoring device acceptance in implantable cardioverter defibrillator patients using the Florida Patient Acceptance Survey. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(3):283-93.
  • 18
    Pedersen SS, Spindler H, Johansen JB, Mortensen PT, Sears SF. Correlates of patient acceptance of the cardioverter defibrillator: cross-validation of the Florida Patient Acceptance Survey in Danish patients. Pacing Clin Electrophysiol. 2008;31(9):1168-77
  • 19
    Kochańska A, Zarzycka B, Świątecka G, Majkowicz M, Kozłowski D, Raczak G.Quality of life in patients with an implantable cardioverter-defibrillator – the significance of clinical factors. Arch Med Sci 2008; 4(4):409-16.
  • 20
    Chair SY, Lee CK, Choi KC, Sears SF. Quality of life outcomes in chinese patients with implantable cardioverter defibrillators. Pacing Clin Electrophysiol. 2011;34(7):858-67
  • 21
    Morken IM, Isaksen K, Karlsen B, Norekvål TM, Bru E, Larsen AI. Shock anxiety among implantable cardioverter defibrillator recipients with recent tachyarrhythmia. Pacing Clin Electrophysiol. 2012;35(11):1369-76
  • 22
    Oz Alkan H, Enç N. Validity and reliability of the Florida Patient Acceptance Survey and Florida Shock Anxiety Scale in Turkish patients with implantable cardioverter defibrillation. Int J Med Res Health Sci 2017,6(10):21-32.
  • 23
    Wild D, Grove A, Martin M. Principles of good practice for the translation and cultural adaptation process for patient-reported outcomes (PRO) measures: report of the ISPOR task force for translating adaptation. Value Health> 2005;8(2):94-104.
  • 24
    Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91.
  • 25
    Sousa VD, Rojjanasrirat WJ. Translation, adaptation and validation of instruments or scales for use in cross-cultural health care research: a clear and user-friendly guideline. Eval Clin Pract. 2011;17(2):268-74.
  • 26
    Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap) - A metadata-driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support, J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81.
  • 27
    Timmerman ME, Lorenzo-Seva U. Dimensionality assessment of ordered polytomous items with parallel analysis. Psychol Methods. 2011;16(2):209-20.
  • 28
    Lorenzo-Seva, U. How to report the percentage of explained common variance in exploratory factor analysis. Tarragona (Italia):Universita Technical Report. Department of Psychology, Universitat Rovira i Virgili, Tarragona (Italia): Universita Rovira-Virgili; 2013, (Technical Report).
  • 29
    Briggs NE, MacCallum RC. Recovery of Weak Common Factors by Maximum Likelihood and Ordinary Least Squares Estimation. Multivariate Behav Res. 2003;38(1):25-56.
  • 30
    Matt C. Howard. A Review of Exploratory Factor Analysis Decisions and Overview of Current Practices: What We Are Doing and How Can We Improve? Int J Hum Comput Interact. 2016;32(1):51-62.
  • 31
    Kahn JH. Factor analysis in counseling psychology research, training, and practice: principles, advances, and applications. Couns Psychol. 2006;34(5):684-718.
  • 32
    Burns JL, Serber ER, Keim S, Sears SF. Measuring patient acceptance of implantable cardiac device therapy: initial psychometric investigation of the Florida Patient Acceptance Survey. J Cardiovasc Electrophysiol. 2005;16(4):384-90.
  • 33
    Panayides P. Coefficient alpha: interpret with caution. Eur J Psychol. 2013;9(4):687-96.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da CAPPesq sob o número de protocolo CAAE:54522516.2.000.0068. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.
  • Fontes de financiamento
    O presente estudo foi financiado pela FAPESP, na modalidade Auxílio à Pesquisa (Processo 2016/02104-6).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Maio 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2018
  • Revisado
    04 Jun 2019
  • Aceito
    23 Jun 2019
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br