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Cirurgia de revascularização na fase aguda do infarto do miocárdio: análise dos fatores pré-operatórios preditores de mortalidade

Resumos

OBJETIVO: Analisar os fatores pré-operatórios preditores de mortalidade, em pacientes submetidos à RM nos primeiros 30 dias após infarto agudo do miocárdio (IAM). MÉTODOS: Entre 3/1998 e 7/2002, foram incluídos, consecutiva e prospectivamente, em um banco de dados, 753 pacientes com IAM, sendo que 135 (17,9%) foram submetidos à revascularização miocárdica (RM) isolada e incluídos neste estudo. Estudaram-se os seguintes fatores prognósticos, através de análise multivariada: idade, sexo, diabete, história de IAM, RM ou angioplastia (ATC), localização do IAM, IAM Q, uso de fibrinolítico, intervalo entre o IAM e a cirurgia, presença de complicações no pré-operatório. RESULTADOS: A mortalidade hospitalar global foi de 6,7%, variando de 12,5% nos pacientes portadores de complicações pré-operatórias a 1,4% naqueles sem complicações. Tiveram correlação estatisticamente significante com a mortalidade pós-operatória apenas história prévia de angioplastia (p=0,037) e choque cardiogênico (p=0,002). Em contrapartida, o uso de trombolítico na abordagem inicial do IAM apresentou correlação negativa com a mortalidade (p=0,035). CONCLUSÃO: A RM na fase aguda do IAM é um procedimento que apresenta mortalidade cirúrgica distinta, na dependência da condição clínica pré-operatória do paciente. Dentre os fatores analisados, a presença de choque cardiogênico pré-operatório e história de angioplastia prévia determinaram pior prognóstico neste grupo de pacientes.

Mortalidade; cirurgia; infarto agudo do miocárdio


OBJECTIVE: To assess preoperative predictors of mortality in patients undergoing coronary artery bypass grafting (CABG) within the first 30 days of acute myocardial infarction (AMI). METHODS: Between March 1998 and July 2002, 753 AMI patients were consecutively and prospectively entered into a database, 135 (17.9%) of whom underwent isolated CABG and were enrolled in this study. The following prognostic factors were assessed by multivariate analysis: age, gender, diabetes, history of previous AMI, CABG or coronary angioplasty (PTCA), anterior infarct location, Q-wave AMI, the use of fibrinolytics, elapsed time from AMI to the procedure, and presence of complications in the preoperative period. RESULTS: Overall in-hospital mortality was 6.7%, ranging from 12.5% in patients with preoperative complications to 1.4% in those with no complications. Only history of previous angioplasty (p = 0.037) and cardiogenic shock (p = 0.002) showed a statistically significant correlation with postoperative mortality. The use of thrombolytics, on the other hand, in the initial management of AMI showed a negative correlation with mortality (p = 0.035). CONCLUSION: CABG in the acute phase of MI is associated with distinct operative mortality, depending on the patient’s preoperative clinical condition. Among those factors analyzed, preoperative cardiogenic shock and history of previous angioplasty were predictive of worse prognosis in this group of patients.

Mortality; surgery; acute myocardial infarction


ARTIGOS ORIGINAIS

Cirurgia de revascularização na fase aguda do infarto do miocárdio. Análise dos fatores pré-operatórios preditores de mortalidade

Renata Teixeira Ladeira; Fabio Biscegli Jatene; Rosangela Monteiro; Simone Pereira Zucato; Luciano Moreira Baracioli; Alexandre Ciappina Hueb; Luis Alberto Oliveira Dallan; Luiz Boro Puig; Sérgio Almeida Oliveira; José Carlos Nicolau

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Renata Teixeira Ladeira Rua dos Caetés, 737/205 São Paulo, SP – 05016-081 E-mail: rtlad@cardiol.br ou rtlad@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar os fatores pré-operatórios preditores de mortalidade, em pacientes submetidos à RM nos primeiros 30 dias após infarto agudo do miocárdio (IAM).

MÉTODOS: Entre 3/1998 e 7/2002, foram incluídos, consecutiva e prospectivamente, em um banco de dados, 753 pacientes com IAM, sendo que 135 (17,9%) foram submetidos à revascularização miocárdica (RM) isolada e incluídos neste estudo. Estudaram-se os seguintes fatores prognósticos, através de análise multivariada: idade, sexo, diabete, história de IAM, RM ou angioplastia (ATC), localização do IAM, IAM Q, uso de fibrinolítico, intervalo entre o IAM e a cirurgia, presença de complicações no pré-operatório.

RESULTADOS: A mortalidade hospitalar global foi de 6,7%, variando de 12,5% nos pacientes portadores de complicações pré-operatórias a 1,4% naqueles sem complicações. Tiveram correlação estatisticamente significante com a mortalidade pós-operatória apenas história prévia de angioplastia (p=0,037) e choque cardiogênico (p=0,002). Em contrapartida, o uso de trombolítico na abordagem inicial do IAM apresentou correlação negativa com a mortalidade (p=0,035).

CONCLUSÃO: A RM na fase aguda do IAM é um procedimento que apresenta mortalidade cirúrgica distinta, na dependência da condição clínica pré-operatória do paciente. Dentre os fatores analisados, a presença de choque cardiogênico pré-operatório e história de angioplastia prévia determinaram pior prognóstico neste grupo de pacientes.

Palavras-chave: Mortalidade, cirurgia, infarto agudo do miocárdio.

Desde a década de 1970, têm sido realizados trabalhos buscando determinar o intervalo de tempo ideal para realização da cirurgia de revascularização miocárdica (RM) após o infarto agudo do miocárdio (IAM) com menor risco cirúrgico1-7. Entretanto, ainda não existe consenso na literatura sobre o momento mais apropriado para realização da RM após IAM6. Alguns grupos aguardam um período de até 30 dias após o IAM, para a realização da operação, buscando, desta forma, evitar as possíveis complicações que poderiam advir no período de recuperação do infarto6.

Inicialmente, a cirurgia era usada como forma de recanalização, sendo realizada o mais precoce após o IAM, com objetivo de redução da área infartada, porém com morbi-mortalidade cirúrgica elevada1-4. A partir da década de 1980, a RM como forma de recanalização após IAM, tem sido cada vez menos utilizada, já que dispomos de outras técnicas, como: fibrinolíticos e procedimentos percutâneos8,9. Assim, a cirurgia fica reservada, nesta fase, para os pacientes em cuja recanalização as técnicas acima falharam ou evoluíram com angina persistente ou instabilidade hemodinâmica10. Tem-se um outro grupo de pacientes em que a recanalização é obtida com sucesso; porém, o doente possui obstruções coronarianas residuais importantes, que necessitam de intervenção cirúrgica11. Em pacientes estáveis clinicamente, a mortalidade cirúrgica é de 2 a 4%, bastante semelhante à de pacientes revascularizados eletivamente10,11. Entretanto, nos pacientes com complicações clínicas ou mecânicas, a mortalidade sobe para níveis de 6 a 26%12-14.

O objetivo deste estudo é analisar os fatores pré-operatórios preditores de mortalidade, em pacientes submetidos à RM, nos primeiros 30 dias após IAM.

MÉTODOS

No período de 3/1998 a 7/2002, 753 pacientes foram admitidos na unidade coronariana, com diagnóstico de IAM, sendo incluídos consecutiva e prospectivamente em um banco de dados específico. Destes, 145 (19,3%) foram submetidos a RM cirúrgica, na fase aguda e subaguda do IAM.

A RM foi um procedimento isolado, em 135 (93,1%) pacientes, constituindo os pacientes analisados neste estudo. Excluíram-se desta análise 10 (6,9%) pacientes que foram submetidos a procedimentos associados à RM (como troca ou plástica valvar) ou, ainda, que apresentaram complicações mecânicas secundárias ao IAM, como ruptura do septo interventricular .

O grupo foi composto por pacientes que apresentavam lesões uni, bi ou triarteriais maiores que 70% do lúmen coronariano, com função ventricular preservada ou não. A idade dos pacientes, no momento da operação, variou de 29 a 94 anos, com média de 62,3 ± 11,2 anos, sendo 102 (75,6%) do sexo masculino. Quarenta (29,6%) pacientes apresentavam diabete melito tipo II, 32 (23,7%) tinham histórico de IAM prévio, 11(8,1%) já haviam sido submetidos à revascularização miocárdica anteriormente e 9 (6,7%) à angioplastia coronariana.

Quanto à localização do IAM, a parede anterior do coração foi acometida em 46% dos pacientes, a inferior em 43% e outras regiões em 11% dos casos. O IAM ocorreu com onda Q em 86 (63,7%) pacientes. Trinta e nove (28,9%) pacientes fizerem uso de fibrinolítico, principalmente estreptoquinase, previamente à operação.

Foram avaliadas as seguintes variáveis pré-operatórias, como prognósticas para revascularização miocárdica na fase aguda do IAM: idade, sexo, história de diabete melito, infarto prévio, cirurgia de revascularização miocárdica ou angioplastia prévia (ambas anteriores ao IAM em estudo), IAM com ou sem onda Q, infarto de parede anterior, uso de fibrinolítico, intervalo entre o IAM e a RM, presença de complicações pré-operatórias [isquemia recorrente, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), choque cardiogênico (CC), reinfarto, taquicardia ventricular sustentada (TVS), fibrilação ventricular (FV)]. A incidência destas complicações encontra-se na tabela 1. Apesar de a fração de ejeção ventricular esquerda ser um fator prognóstico importante, em pacientes submetidos à cirurgia de RM, optou-se, na presente análise, por trabalhar especificamente com dados clínicos, facilmente obtidos em qualquer paciente, mesmo naqueles que realizam o procedimento de forma urgente ou emergencial. Assim, foram incluídos ICC e CC, que sabidamente apresentam excelente correlação com fração de ejeção.

A mediana do intervalo entre o IAM e a RM foi de 10,6 dias, com média de 11,6 dias (desvio padrão de 6,4 dias). Em média, foram empregados 3,0 enxertos/paciente, sendo 184 enxertos arteriais (1,4 enxerto arterial/paciente) e 219 enxertos venosos (1,6 enxerto venoso/paciente), evidenciando que a RM foi completa. A artéria torácica interna esquerda foi utilizada como enxerto, em 117 (63,6%) pacientes; a artéria torácica interna direita, em 32 (17,7%); a artéria radial esquerda, em 33 (17,9%); e outros enxertos arteriais, em 2 (1,1%) casos.

Em relação à região revascularizada, a parede anterior foi revascularizada com 204 (50,6%) enxertos, a lateral com 114 (28,3%) enxertos e a inferior com 85 (21,1%).

A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa Systat. Os dados foram submetidos inicialmente às análises univariadas com teste de Fisher e qui-quadrado para variáveis categóricas e teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas. Análise multivariada dos fatores prognósticos foi feita através de regressão logística stepwise. Foram considerados significativos os valores de p < 0,05.

RESULTADOS

Foram observados 9 (6,7%) óbitos, no período hospitalar. Entretanto, quando as complicações clínicas pré-operatórias foram agrupadas como uma variável única, observamos 8 (12,5%) óbitos, no grupo de pacientes em que elas estavam presentes. Em contrapartida, houve apenas 1 (1,4%) óbito dentre os pacientes que não apresentavam complicações clínicas no pré-operatório (odds ratio 10, p=0,013, fig. 1).


Na análise univariada, apenas as variáveis choque cardiogênico, fibrilação ventricular e história de angioplastia apresentaram correlação com mortalidade. As demais variáveis analisadas não apresentaram correlação estatisticamente significante com a mortalidade (tab. 2).

Dos 12 pacientes com choque cardiogênico, 5 (41,7%) foram a óbito após a cirurgia (OR= 21,2; p< 0,001). Foram observados 2 (40%) óbitos dentre os 5 pacientes que apresentavam fibrilação ventricular pré-operatória (OR= 11,7; p= 0,002) e 2 (22,2%) óbitos dentre os 9 pacientes com história de angioplastia prévia (OR=4,8; p=0,053).

No modelo final da análise multivariada, apenas história prévia de angioplastia (p=0,037) e choque cardiogênico (p=0,002) mantiveram significância estatística com a variável óbito. Em contrapartida, o uso de fibrinolítico na abordagem inicial do IAM apresentou correlação negativa com a mortalidade (p=0,035), ratificando a importância da recanalização na fase aguda do IAM.

DISCUSSÃO

A indicação de RM na fase aguda do IAM continua sendo tema controverso, sem que haja consenso na literatura sobre o momento ideal de sua indicação15-17. Teoricamente, haveria vantagens em esperar a cicatrização do IAM (4-6 semanas), quando haveria completa recuperação do miocárdio atordoado, sem risco de injúria miocárdica após reperfusão, que pode, inclusive, gerar infarto hemorrágico15,18. Entretanto, devem-se pesar os riscos desta espera, como o de isquemia recorrente, com chance de reinfarto, devido às lesões presentes; expansão da área do IAM, com remodelamento ventricular, podendo gerar aneurisma e aumento importante dos custos com internações prolongadas15,17,19.

Há um grupo de pacientes no qual a RM é uma urgência, sendo necessária a indicação, como nos casos de complicações mecânicas associadas ao IAM20, ou pacientes com choque cardiogênico e com lesão de tronco de artéria coronária esquerda ou triarteriais21,22. Entretanto, há dúvidas de quando operar os pacientes que, a despeito de boa evolução clínica pós-IAM, apresentam lesões multiarteriais ou mesmo lesões isoladas, de características particulares, que necessitam de RM23-25.

Referente aos aspectos cirúrgicos, há particularidades na RM após IAM. Braxton e cols. mostraram o uso de 2,4 enxertos/pacientes no grupo com IAM e 2,6 no grupo controle (sem IAM); porém, artéria torácica interna esquerda (ATIE) foi usada em 43% dos pacientes operados com <48hs, 72% nos operados entre 3-5 dias, 92% entre 6-42 dias e 82% nos controles5. Johanes e cols., apesar de descreverem como objetivo a RM completa e uso da ATIE em todos os pacientes, aplicaram ATIE em 87% dos pacientes com IAM, versus 97% dos eletivos (p=0,008)10. De forma semelhante, em nossos pacientes, a média de enxertos usados foi de 3,0, refletindo a importância da revascularização completa, no sentido de prevenir complicações como isquemia recorrente ou reinfarto no pós-operatório, que podem prejudicar a evolução dos pacientes. Além disso, buscamos sempre que possível empregar a ATIE (63,6%)26,27, considerando suas vantagens já bem estabelecidas na literatura

Em 1994, Sintek e cols. publicaram os resultados referentes a 530 pacientes com IAM que, após receberem tratamento com fibrinolítico e serem estratificados, tiveram indicação cirúrgica de RM. Destes, 23 pacientes foram operados dentro das primeiras 24 h, com mortalidade hospitalar de 4,4%; 30 entre 24 e 72 h, sem óbitos; 193 entre 3 e 7 dias apresentaram mortalidade de 2,1% e 284 entre 7 dias e 1 mês, com mortalidade de 1,4%. Comparativamente, 1.645 pacientes operados sem IAM prévio tiveram mortalidade cirúrgica de 1,9%. Foram empregados 2,9 enxertos por paciente. Houve necessidade de uso de balão intra-aórtico, em 6,7% dos pacientes com IAM e apenas 2,6% no grupo-controle17.

Lee e cols. avaliaram retrospectivamente 32.099 pacientes submetidos à RM após IAM transmural em 33 hospitais no estado de New York, EUA. Concluíram que a RM realizada no período de 3 dias após o IAM pode trazer risco adicional à mortalidade hospitalar, independente de outros fatores de risco cirúrgicos que foram incluídos em análise multivariada. A mortalidade cirúrgica foi variável em diferentes intervalos de tempo entre o IAM e a operação, sendo de 14,2%; 13,8%; 7,9%; 3,8%; 2,9% e 2,7% para cirurgias realizadas com menos de 6h, 6h a 1 dia, 1 a 3 dias, 4 a 7 dias, 7 a 14 dias e 15 dias ou mais, respectivamente. E, assim, recomendam que, se não houver indicação para cirurgia de emergência, deve-se aguardar um período de 3 dias para se realizar a RM pois, após este período, os índices de mortalidade são similares6. Os dados no nosso estudo corroboram esta recomendação, já que a mediana do intervalo entre o IAM e a RM foi de 10,6 dias. Podemos dividir nossa experiência em 3 fases, que nos permitiram observar uma tendência de realização mais precoce da cirurgia. Nos primeiros pacientes, o intervalo médio foi de 13,6 dias; no grupo intermediário, de 12,3 dias; e mais recentemente, os pacientes têm sido encaminhados para cirurgia, em 8,2 dias.

Inúmeros estudos tentam identificar qual grupo de pacientes teria maior risco cirúrgico no pós-IAM9,10,11,16,22,26. Dados do National Registry of Myocardial Infarction 2, que avaliou 71.774 pacientes com IAM submetidos à RM, apontam como fatores de risco para mortalidade cirúrgica as seguintes variáveis: sexo feminino, IAM com onda Q, idade >65 anos, história de ICC e diabete melito, cirurgia de RM prévia e classificação de Killip do IAM11.

Applebaum e cols.28, analisando 1.726 pacientes submetidos a RM, num período de 6 anos, sendo que 406 foram operados dentro dos primeiros 30 dias pós-IAM, observaram mortalidade hospitalar de 2,4%. No subgrupo de pacientes com história de IAM recente, esta mortalidade foi de 6,7%, enquanto que dentre aqueles sem história de IAM prévio esta foi de 1,1%. Na análise multivariada, 3 fatores mostraram-se significantemente associados a aumento da mortalidade hospitalar, sendo eles fração de ejeção inferior a 30% (p<0,0001), choque cardiogênico pré-operatório (p=0,0005) e idade maior que 70 anos (p=0,004). No seguimento realizado em 90% dos pacientes, num tempo médio de 35 ±21 meses, 88% estavam vivos ao final de 3 anos e 84% em 5 anos após cirurgia. Assim, concluiu-se neste trabalho que pacientes com menos de 70 anos, com fração de ejeção superior a 30% e que não estão em choque cardiogênico podem ser operados em qualquer momento após IAM, sem risco aumentado28. Quanto à fração de ejeção, não incluímos esta variável em nosso estudo; entretanto, há correlação nítida entre baixa fração de ejeção e evolução dos pacientes para choque cardiogênico. A idade não foi incluída em nosso modelo como uma variável categórica e sim como variável contínua, não apresentando associação com mortalidade. Em nossa análise, o choque cardiogênico também foi um importante fator preditor de mortalidade.

No estudo SHOCK, estudou-se a RM precoce em 302 pacientes com IAM complicado por choque cardiogênico; destes, 152 foram randomizados para revascularização de emergência e 150 para estabilização clínica. A revascularização foi feita, dentro das primeiras 6h da randomização, tanto por cirurgia cardíaca (57 pacientes) como por procedimento hemodinâmico (75 pacientes). A mortalidade global em 30 dias não diferiu significantemente (p=0,11) entre os grupos de tratamento clínico e de revascularização (56% e 46,7%, respectivamente). Entretanto, a mortalidade em 6 meses foi menor no grupo revascularizado que no clínico (50,3% versus 63,1%, p=0,027). Concluiu-se que a revascularização precoce deve ser fortemente considerada, para pacientes com IAM complicado por choque cardiogênico21.

Há também um outro aspecto a ser ressaltado: nossa mortalidade global foi de 6,7%, idêntica à observada pelo grupo de Applebaum28. Entretanto, num subgrupo de pacientes de nossa casuística, sem complicações clínicas pré-operatórias, a mortalidade foi de apenas 1,4%, comparável e até mesmo inferior à mortalidade em cirurgias eletivas.

Assim, apesar de décadas de experiência, encontramos trabalhos que mostram aumento da mortalidade dos pacientes operados precocemente após IAM5,6,15,16 e outros que relatam ser segura a RM em qualquer período após o IAM17,25,29,30. Em nosso estudo, não houve relação da mortalidade e o intervalo entre IAM e RM. Na análise multivariada o que determinou maior mortalidade cirúrgica foi a presença de choque cardiogênico e história previa de angioplastia. Realmente, há maior mortalidade nos pacientes em que a angioplastia é realizada na mesma internação em que ocorre a RM; entretanto, ainda não está bem definida a relação entre história prévia de angioplastia e mortalidade cirúrgica, necessitando assim outros estudos para melhor esclarecimento desta questão31. Pode haver variáveis associadas à história prévia de angioplastia, como coronariopatia mais difusa, pior função do ventrículo esquerdo, dentre outras, que não foram incluídas na nossa análise e que podem confundir esta conclusão.

Apesar do receio de aumento de sangramento durante o procedimento cirúrgico e no pós-operatório de pacientes que foram submetidos à fibrinólise farmacológica, alguns grupos têm mostrado que a RM pode ser realizada precocemente nestes pacientes, com baixa morbi-mortalidade32. Como visto em nossa casuística, o uso de fibrinolítico foi benéfico, sendo um fator protetor durante a cirurgia, já que a recanalização na fase aguda propicia maior estabilidade clínica a longo prazo.

Assim, concluímos que a RM na fase aguda do IAM é um procedimento que apresenta mortalidade cirúrgica aceitável. Dentre os fatores analisados, a presença de choque cardiogênico pré-operatório e história de angioplastia prévia determinaram pior prognóstico neste grupo de pacientes.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 17/11/04

Aceito em 12/08/05

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  • Correspondência:

    Renata Teixeira Ladeira
    Rua dos Caetés, 737/205
    São Paulo, SP – 05016-081
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      12 Ago 2005
    • Recebido
      17 Nov 2004
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