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Prevalência e preditores antropométricos de pressão arterial elevada em escolares de João Pessoa - PB

Resumos

FUNDAMENTO: A hipertensão arterial pertence ao grupo de doenças cardiovasculares de maior mortalidade no mundo e pode se iniciar na infância. OBJETIVO: Avaliar a prevalência de níveis pressóricos elevados em crianças da rede pública de ensino e sua associação com indicadores antropométricos. MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, composto por uma amostra aleatória de 750 escolares, entre 6-9 anos de idade, da rede de ensino municipal de João Pessoa, Paraíba. Os dados foram coletados por uma equipe previamente treinada. A pressão foi aferida com técnica auscultatória com auxílio de estetoscópio e esfigmomanômetro aneroide. Os dados antropométricos coletados foram as medidas do peso, da estatura e da circunferência abdominal. Foram feitos testes de associação qui-quadrado e t de Student para comparações de médias, ambos com nível de significância de 5,0%. Foram construídos três modelos de regressão logística, relacionando nível pressórico elevado com as variáveis antropométricas para encontrar um melhor modelo de predição. RESULTADOS: A prevalência de níveis pressóricos elevados foi de 13,6%. A variável índice de massa corporal (IMC) apresentou associação significativa com o aumento da pressão arterial (p < 0,0001) e a maior razão de chances (OR = 1,17). A elevação dos níveis pressóricos também ocorreu com o aumento do peso (p < 0,0001) e da circunferência abdominal (p < 0,0001). CONCLUSÃO: A associação do excesso de peso com a elevação da pressão arterial identificada destaca a necessidade de intervenção e medidas de controle do estado nutricional, como educação alimentar, para prevenção e tratamento da obesidade como fator de risco das doenças cardiovasculares na faixa etária pediátrica e futura. (Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 629-634)

Antropometria; hipertensão; doenças cardiovasculares; índice de massa corporal; obesidade; criança


FUNDAMENTO: La hipertensión arterial pertenece al grupo de enfermedades cardiovasculares de mayor mortalidad en el mundo y puede iniciarse en la infancia. OBJETIVO: Evaluar la prevalencia de niveles presóricos elevados en niños de la red pública de enseñanza y su asociación con indicadores antropométricos. MÉTODOS: Se trata de un estudio transversal, compuesto por una muestra aleatoria de 750 escolares, entre 6-9 años de edad, de la red de enseñanza municipal de João Pessoa, Paraíba. Los datos fueron colectados por un equipo previamente entrenado. La presión fue medida con técnica auscultatoria con auxilio de estetoscopio y esfigmomanómetro aneroide. Los datos antropométricos colectados fueron las medidas de peso, estatura y la circunferencia abdominal. Fueron hechos tests de asociación qui-cuadrado y t de Student para comparaciones de medias, ambos con nivel de significancia de 5,0%. Fueron construidos tres modelos de regresión logística, relacionando nivel presórico elevado con las variables antropométricas para encontrar un mejor modelo de predicción. RESULTADOS: La prevalencia de niveles presóricos elevados fue de 13,6%. La variable índice de masa corporal (IMC) presentó asociación significativa con el aumento de la presión arterial (p < 0,0001) y la mayor razón de posibilidades (OR = 1,17). La elevación de los niveles presóricos también ocurrió con el aumento del peso (p < 0,0001) y de la circunferencia abdominal (p < 0,0001). CONCLUSIÓN: La asociación del exceso de peso con la elevación de la presión arterial identificada destaca la necesidad de intervención y medidas de control del estado nutricional, como educación alimentaria, para prevención y tratamiento de la obesidad como factor de riesgo de las enfermedades cardiovasculares en la franja etárea pediátrica y futura. (Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 629-634)

Antropometría; hipertensión; enfermedades cardiovasculares; índice de masa corporal; obesidad; niño


BACKGROUND: Arterial hypertension (AH) belongs to the group of cardiovascular diseases with the highest mortality in the world and its onset can occur in childhood. OBJECTIVE: To evaluate the prevalence of high blood pressure (BP) in schoolchildren from public schools and its association with anthropometric indicators. METHODS: The present was a cross-sectional study, consisting of a random sample of 750 schoolchildren aged 6 to 9 years from public schools of the city of Joao Pessoa, state of Paraiba, Brazil. The data were collected by a previously trained team. BP was measured by auscultation, using a stethoscope and an aneroid sphygmomanometer. The collected anthropometric data were weight, height and abdominal circumference. Chi-square and Student's t association tests were used to compare means, both with a level of significance of 5%. Three logistic regression models were constructed, correlating high BP with the anthropometric variables to find a better prediction model. RESULTS: The prevalence of high BP levels was 13.6%. The body mass index (BMI) variable presented a significant association with the increase in BP levels (p < 0.0001) and a higher odds ratio (OR = 1.17). The increase in the BP levels also occurred with the increase in weight (p < 0.0001) and abdominal circumference (p < 0.0001). CONCLUSION: The identified association between excess weight with high BP levels emphasizes the need for intervention and for nutritional status control measures, such as dietary education programs aimed at the prevention and treatment of obesity as a risk factor for cardiovascular diseases in the pediatric and older age ranges. (Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 629-634)

Anthropometry; hypertension; cardiovascular diseases; body mass index; obesity; child


ARTIGO ORIGINAL

EPIDEMIOLOGIA

Prevalência e preditores antropométricos de pressão arterial elevada em escolares de João Pessoa - PB

Veruska Moreira de Queiroz; Patrícia Vasconcelos Leitão Moreira; Tereza Helena Cavalcanti de Vasconcelos; Rodrigo Pinheiro de Toledo Vianna

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB - Brasil

Correspondência Correspondência: Veruska Moreira de Queiroz Av. Afonso Pena, 885 - Bessa 58035-030 - João Pessoa, PB - Brasil E-mail: veruskaqueiroz@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A hipertensão arterial pertence ao grupo de doenças cardiovasculares de maior mortalidade no mundo e pode se iniciar na infância.

OBJETIVO: Avaliar a prevalência de níveis pressóricos elevados em crianças da rede pública de ensino e sua associação com indicadores antropométricos.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, composto por uma amostra aleatória de 750 escolares, entre 6-9 anos de idade, da rede de ensino municipal de João Pessoa, Paraíba. Os dados foram coletados por uma equipe previamente treinada. A pressão foi aferida com técnica auscultatória com auxílio de estetoscópio e esfigmomanômetro aneroide. Os dados antropométricos coletados foram as medidas do peso, da estatura e da circunferência abdominal. Foram feitos testes de associação qui-quadrado e t de Student para comparações de médias, ambos com nível de significância de 5,0%. Foram construídos três modelos de regressão logística, relacionando nível pressórico elevado com as variáveis antropométricas para encontrar um melhor modelo de predição.

RESULTADOS: A prevalência de níveis pressóricos elevados foi de 13,6%. A variável índice de massa corporal (IMC) apresentou associação significativa com o aumento da pressão arterial (p < 0,0001) e a maior razão de chances (OR = 1,17). A elevação dos níveis pressóricos também ocorreu com o aumento do peso (p < 0,0001) e da circunferência abdominal (p < 0,0001).

CONCLUSÃO: A associação do excesso de peso com a elevação da pressão arterial identificada destaca a necessidade de intervenção e medidas de controle do estado nutricional, como educação alimentar, para prevenção e tratamento da obesidade como fator de risco das doenças cardiovasculares na faixa etária pediátrica e futura. (Arq Bras Cardiol 2010; 95(5): 629-634)

Palavras-chave: Antropometria, hipertensão, doenças cardiovasculares, índice de massa corporal, obesidade, criança.

Introdução

Nas últimas décadas, os processos de transição demográfica e epidemiológica, acompanhados pelo processo de transição nutricional, caracterizado pela redução contínua dos casos de desnutrição e prevalências crescentes de sobrepeso e obesidade, vêm modificando padrões de ocorrência de doenças na população mundial, contribuindo assim para o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). A obesidade, em particular a obesidade abdominal, inclusive na infância, estão associados ao aparecimento precoce da hipertensão arterial e à morte prematura por doenças crônicas1-3.

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a doença crônica que apresenta maior prevalência em todo o mundo4. No Brasil, estudos mostram prevalências que variam de 22,3%-43,9% em adultos4,5. A HAS e as doenças relacionadas à pressão arterial são os mais relevantes fatores de mortalidade cardiovascular e os principais fatores de risco para as complicações como acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Tais complicações são responsáveis por uma elevada frequência de internações, apresentando custos médicos e socioeconômicos elevados, pois são as doenças que mais demandam ações, procedimentos e serviços de saúde5,6.

Muitas crianças deixam de receber o diagnóstico de hipertensão arterial em decorrência da falta de exame rotineiro e pela crença de que a HAS é rara na infância4. Reconhecendo que o diagnóstico precoce da obesidade e da hipertensão arterial em crianças é um bom preditor de obesidade e doenças crônico-degenerativas em adultos, e que permite o emprego de ações de prevenção e tratamento precoces, contribuindo com as políticas públicas de saúde, direcionadas a população estudada, o presente estudo se propôs investigar a prevalência de níveis pressóricos elevados em crianças da rede pública de ensino de João Pessoa, sua associação com o estado nutricional e a construção de modelos preditivos que relacionem estas duas variáveis.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal para avaliar a prevalência de pressão arterial elevada em crianças com idade entre 6-9 anos, de ambos os sexos, do ensino fundamental de escolas públicas do município de João Pessoa, capital da Paraíba.

Para o cálculo da amostra, utilizou-se como parâmetro uma prevalência esperada de 20,0% para possibilitar a descrição do evento, caso a prevalência observada fosse maior do que a referência nacional, em torno de 10,0%7,8. Estudos piloto realizados com escolares deram pistas de que a prevalência em João Pessoa poderia ser maior do que a média nacional. Adotou-se um intervalo de confiança de 95,0% e uma precisão de três pontos percentuais. Dessa forma, obteve-se um número mínimo de 6549. Como a participação no estudo dependia da aceitação da criança e dos pais, foram incrementados 20,0% no tamanho amostral calculado para contornar o possível problema de perdas, obtendo-se o tamanho da amostra de 784 crianças.

Para viabilidade da pesquisa, foram sorteados aleatoriamente 10 dos 33 bairros do município, o qual possuía 91 escolas públicas municipais e 47.379 estudantes matriculados no ensino fundamental. Em seguida, sorteou-se aleatoriamente uma escola para cada um desses bairros. As 10 escolas somavam um total de 1.735 estudantes na faixa etária selecionada, matriculadas do 1º ao 5º ano, em 2008, de acordo com a Diretoria de Tecnologia da Informação e Comunicação (DTIC), que é o órgão competente por gerenciar informações da rede de ensino no município de João Pessoa.

Para a seleção das turmas em cada escola sorteada, foram incluídas aquelas que contemplassem a faixa etária eleita. Por serem escolas de pequeno porte, foram selecionados alunos de todas as turmas pela técnica de amostragem sistemática, a partir da lista de frequência escolar, adotando o critério de um a cada dois alunos, uma vez que o número total de crianças, nessa faixa etária nas 10 escolas, era um pouco maior que o dobro do tamanho amostral.

Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2008, por uma equipe formada por nutricionista, técnica em enfermagem e alunos do Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal da Paraíba, previamente treinados pela pesquisadora e pela técnica de enfermagem, com o intuito de minimizar erros na tomada das medidas.

Os dados foram coletados por meio de uma ficha clínica, contendo dados referentes à identificação do indivíduo (nome, sexo, série, idade), à antropometria (peso, altura, circunferência abdominal) e à pressão arterial sistólica e diastólica. A ficha clínica foi elaborada especificamente para esse fim. Foi feito um estudo piloto para testar e adequar a metodologia de coleta de dados.

Cada medida antropométrica foi realizada em duplicata, tomando-se para estudo a média das duas medidas, utilizando-se técnicas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS)10 para minimizar erros de medição. A mensuração do peso foi realizada com auxílio de uma balança digital, com capacidade de 150 kg e precisão de 100 g, a altura foi aferida por antropômetro vertical com haste metálica e capacidade de 2,04 m, sendo a menor unidade de 0,5 cm. A medição da circunferência abdominal (CA) foi avaliada com o indivíduo de pé, ao final da expiração, no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca anterossuperior, com fita inelástica, em posição horizontal, sem compressão dos tecidos11.

Para avaliar o estado nutricional das crianças, utilizou-se o IMC, definido como peso em quilogramas dividido pela altura em metros ao quadrado10, por idade e sexo, de acordo com as distribuições de percentis e pontos de corte propostos pela OMS12, que considera sobrepeso, IMC igual ou superior ao percentil 85 e inferior ao percentil 97 e obesidade, IMC igual ou superior ao percentil 97.

Para avaliar a obesidade abdominal, utilizou-se a medida da circunferência abdominal (CA)11. Foram consideradas com obesidade abdominal, as crianças com valores da CA igual ou superior ao percentil 90 de acordo com sexo e idade13,14, conforme tabela proposta pelo NCHS (National Center for Health Statistics)15.

A medida da pressão arterial (PA) foi realizada no ambiente escolar, fora do consultório médico, com a explicação e demonstração dos procedimentos que iriam ser realizados e de acordo com as recomendações das V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial5. Foi utilizado método indireto, com técnica auscultatória, estetoscópio pediátrico e esfigmomanômetro aneroide, previamente calibrado, selecionando o manguito de acordo com o tamanho adequado do braço. O meio da parte compressiva do manguito foi centralizado sobre a artéria braquial e aferido o nível da pressão arterial sistólica (PAS) e o nível da pressão arterial diastólica (PAD). A operação foi repetida por mais duas vezes, com intervalos de dois minutos. Utilizando a média das três medidas, que foi comparada com os valores de referência do The Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation and treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents do National High Blood Pressure Education Program (NHBPEP)16.

Classificou-se com pressão arterial elevada, aquele que apresentasse a média das medidas da PAS e/ou PAD superior ou igual ao percentil 95, para sexo, idade e altura16. As curvas do percentil de altura por idade e sexo utilizadas seguiram a proposta do Centers of Disease Control and Prevention (CDC)17, como recomendado no 4º Relatório do NHBPEP16.

Foram realizadas a análise exploratória dos dados e a descrição dos resultados em tabelas de frequência. Para verificar associação foi feito o teste qui-quadrado. Calculou-se a razão de prevalência com as variáveis que apresentaram associação significativa com as categorias de nível de pressão arterial.

A comparação de médias de peso, IMC e CA entre grupos de pressão normal e pressão elevada foi feita com o teste t de Student. Utilizou-se o nível de significância de 5,0% para os testes estatísticos.

Foram construídos três modelos de regressão logística, utilizando como variável dependente o nível pressórico normal e elevado e variável independente peso, IMC e CA, respectivamente. Obteve-se a razão de chance (OR) e o intervalo de confiança para cada um desses modelos. Em todos, as variáveis idade e sexo foram incluídas para controle.

Os dados foram digitados na planilha Excel e o software estatístico utilizado para a obtenção dos cálculos estatísticos foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), na versão 15.0.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba. A autorização dos pais ou responsáveis foi obtida mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo o caráter voluntário da participação. Para a obtenção do número máximo de autorizações, realizaram-se visitas nas escolas e busca ativa nas residências. Antes da coleta de dados, a Secretaria de Educação, os diretores e professores foram esclarecidos sobre os procedimentos e objetivos da pesquisa.

Resultados

Dos 784 escolares selecionados para a pesquisa, foram avaliados 750, apresentando um percentual de perda de 4,3%, devido a não devolução do TCLE pelos pais ou responsáveis.

Dos 750 escolares avaliados, 53,6% (402) eram do sexo feminino e 46,4% (348) do sexo masculino, com média (± desvio-padrão) de idade de 7,73 ± 0,9 anos. Observou-se uma prevalência de 13,6% de crianças com níveis pressóricos elevados. Uma porcentagem menor de crianças (8,4%) foi considerada pré-hipertensa e, portanto, apresentam risco de desenvolver PA elevada no futuro (Tabela 1). Levando-se em consideração a medida da pressão arterial sistólica (PAS), apenas 3,3% das crianças apresentaram valores elevados. Um percentual maior de escolares, 11,6%, apresentou pressão arterial diastólica (PAD) elevada.

Não houve associações significativas entre as variáveis, faixa etária e sexo e a classificação da pressão arterial. Já a variável IMC apresentou associação significativa com a classificação da pressão arterial (p < 0,001). Com relação ao sobrepeso e obesidade, 22,8% e 26,3% dos indivíduos apresentavam PA elevada, respectivamente. Enquanto, apenas 10,9% dos eutróficos e 4,3% dos escolares com baixo peso apresentaram PA acima do recomendado para idade e altura (Tabela 1). A razão de prevalência da pressão arterial elevada entre obesos comparados com eutróficos foi de 2,6.

Na Tabela 2, são observadas as médias de peso, IMC e CA com seus respectivos intervalos de confiança, segundo a classificação da PA. Através do teste t de Student, constatou-se diferença significativa entre as médias do peso, IMC e CA, sendo maiores as médias das crianças com PA elevada, comparada com as de PA normal (peso: p < 0,0001, IMC: p < 0,0001 e CA: p < 0,0001).

Utilizando a técnica de regressão logística, foram construídos três modelos, controlados pelas variáveis, idade e sexo, incluindo as variáveis, peso, IMC e CA, respectivamente. Todas apresentaram associação com a pressão arterial elevada, demonstrando as seguintes razões de chance: peso, OR = 1,05, IC 95%: 1,03 - 1,08, IMC, OR = 1,17, IC 95%: 1,09 - 1,25 e circunferência abdominal, OR = 1,06, IC 95%: 1,03 - 1,09. Esses resultados demonstraram que o IMC foi o melhor preditor para risco de pressão arterial elevada em crianças.

Discussão

A prevalência de níveis pressóricos elevados encontrada, 13,6%, foi um pouco superior à encontrada em outros estudos sobre hipertensão arterial sistêmica na infância, nacionais e internacionais, que demonstraram uma prevalência que variou de 1,2%-13%8. Uma pesquisa realizada em Maceió diagnosticou 7,7% de hipertensos, na faixa etária de 7-17 anos18. Valor semelhante foi encontrado em estudo em crianças canadenses, em que a hipertensão foi detectada em 7,6% delas19. Um estudo realizado no Sul do país observou uma prevalência de 11,3% em crianças de escolas municipais com idade entre 7-13 anos20. No entanto, Oliveira e cols.21 identificaram uma prevalência de HAS bem inferior, de 3,6%, em escolares, de 5-9 anos de idade, em Feira de Santana, na Bahia. Essas variações na prevalência de hipertensão arterial nos estudos citados podem decorrer da aplicação de diferentes metodologias na aferição e diagnóstico da hipertensão arterial em crianças.

Devido ao desenvolvimento de uma ampla base de dados sobre os níveis de pressão arterial em toda a infância, a capacidade de identificar crianças com elevados níveis de PA tem melhorado. É agora evidente que a hipertensão primária é detectável nos jovens e ocorre comumente. A longo prazo, riscos à saúde para crianças e adolescentes hipertensos podem ser substanciais22. Cabe ressaltar que a faixa denominada pré-hipertensão deve ser valorizada e identificada com a finalidade de adoção de medidas preventivas rigorosas. Embora útil como um guia para a determinação da normalidade, a definição da hipertensão arterial em crianças com base em percentis não é utilizada na prática pediátrica, o que permite que quadros de leve a moderada hipertensão passem despercebidos2,22.

Conforme o 4º Relatório publicado pelo NHBPEP15, são consideradas hipertensas as crianças que apresentaram a média dos níveis da PAS e/ou PAD maior ou igual ao nível pressórico correspondente ao percentil 95, de acordo com o sexo, a idade e a altura de uma população de referência em pelo menos três ocasiões distintas. Como este estudo se restringiu a realização das três aferições da pressão arterial em apenas uma ocasião, como vários outros estudos relacionados ao tema, suas limitações são reconhecidas e opta-se pelo uso da expressão "níveis pressóricos elevados ou pressão arterial elevada".

Sugere-se estudo complementar para avaliar a persistência dos níveis elevados da pressão arterial nas crianças, como também a relação dos níveis pressóricos elevados com a existência de patologias e uso de medicações que influenciam na pressão arterial.

Também é importante ressaltar que a comparação dos resultados de prevalência das variáveis avaliadas com outros estudos também se torna complexa, em razão da diversidade de indicadores e pontos de corte utilizados nos diversos estudos relacionados à classificação do estado nutricional de crianças. Este estudo, por ser transversal, apresenta limitações sobre a relação temporal entre os eventos estudados.

Múltiplos fatores correlacionam-se à PA em crianças e adolescentes. Tais fatores podem ter determinismo genético ou ambiental22. Vários estudos relatam a relação do sobrepeso e obesidade na infância com o aparecimento precoce dos riscos cardiovasculares, como a hipertensão arterial. No presente estudo, a chance de uma criança ter PA elevada aumentou em 1,17 para cada uma unidade no IMC, os valores de peso isolado ou CA apresentaram menor razão de chances.

No Canadá, a obesidade em crianças de 6-13 anos de idade esteve associada com a pré-hipertensão e com a hipertensão19. Estudo de Nogueira e cols.23, avaliando o papel da obesidade como fator de risco para a pressão arterial elevada, observou que a chance de crianças obesas apresentarem PA elevada foi quase 4 vezes superior do que a observada em não obesos. O sexo da criança e o tipo de escola que ela frequenta, privada ou pública, não foram considerados fatores de risco para a PA elevada.

Esses estudos confirmam o aumento no risco de pressão elevada em crianças obesas e, devido à tendência crescente da prevalência de obesidade infantil, relatada em vários estudos24,25, a prevalência de hipertensão arterial pode crescer entre crianças e adultos.

Nesta pesquisa, assim como em trabalho de Araujo e cols.26, as variáveis peso, índice de massa corporal e circunferência abdominal estiveram associadas positiva e significativamente com os valores da pressão arterial. O que reforça a importância da mensuração desses indicadores para detecção da hipertensão e futuros riscos cardiovasculares.

Conforme descrito na literatura, a circunferência abdominal é uma medida da obesidade central e é associada especificamente com os fatores de risco das doenças cardiovasculares, tanto nos adultos como em crianças27,28, o que a torna uma medida relevante para avaliar risco de doenças crônicas, como a hipertensão. Este estudo encontrou baixa prevalência de obesidade abdominal. Porém, é importante esclarecer que tais resultados, assim como grande parte dos estudos para avaliação da obesidade abdominal, utilizam referências estrangeiras para avaliar a circunferência abdominal, limitando, dessa forma, a obtenção de dados mais fidedignos que respeitariam o padrão nutricional local.

Como proposto pela OMS, o Brasil vem adotando várias estratégias e ações para reduzir a prevalência e os agravos das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) em sua população, como as medidas contra o tabagismo, as políticas de alimentação e nutrição e de promoção da saúde com ênfase na escola. Desenvolveu as ações de atenção à hipertensão e ao diabete com garantia de medicamentos básicos na rede pública e, aliado a isso, a adoção da Estratégia Saúde da Família, como uma estratégia prioritária de atenção básica, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, que compreendem condições mais favoráveis de acesso às medidas integrais para a abordagem das DCNT. Porém, as ações de diagnóstico e controle das DCNT são voltadas para a população adulta e idosa, depreciando a ocorrência destas doenças na faixa etária pediátrica6,29.

Segundo Lima30, a identificação de crianças com elevação da pressão arterial e sua associação com fatores de risco, como obesidade e hiperlipidemia, tem trazido uma nova dimensão às medidas preventivas adotadas na infância, sendo recomendada a sua incorporação à atenção pediátrica, junto com medidas já amplamente estabelecidas, como vacinação e outras.

São necessários estudos adicionais para investigar se modificações no estilo de vida, tais como melhorias na dieta e prática de atividade física regular, como preconizado pela OMS31, normalizaria a pressão arterial elevada observada nas crianças estudadas. É consenso que estas e outras medidas têm chance de sucesso se implementadas em um esforço conjunto da família, escola, comunidade, sociedade e do governo, adequando-se às diversidades de cada população.

A realização deste estudo nas escolas públicas do município de João Pessoa possibilitou o uso de índices antropométricos em uma faixa etária pouco estudada, permitiu a determinação da prevalência de níveis pressóricos elevados em crianças de 6-9 anos, que foi de 13,6%, e observou que as variáveis peso, IMC e CA estiveram relacionados com a elevação da PA, sendo o IMC o melhor modelo.

Este estudo concluiu que a avaliação do estado nutricional bem como a mensuração da PA na infância são medidas simples e recomendadas para programas de atenção à saúde. Com programas e políticas públicas específicas para complementar as ações desenvolvidas atualmente nos serviços de saúde, visando à utilização de abordagens para parcelas da população de maior risco e menos acesso à informação, evitar-se-iam a incidência de doenças crônicas na idade adulta e diminuiriam os gastos públicos com a saúde.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pela CAPES.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Veruska Moreira de Queiroz pela Universidade Federal da Paraíba.

Artigo recebido em 24/11/09; revisado recebido em 19/03/10; aceito em 25/05/10.

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  • Correspondência:

    Veruska Moreira de Queiroz
    Av. Afonso Pena, 885 - Bessa
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      24 Nov 2009
    • Aceito
      25 Maio 2010
    • Revisado
      19 Mar 2010
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