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Um Novo Modelo Animal Murino de Esteatohepatite Não-Alcoólica e Síndrome Metabólica

Palavras-chave
Obesidade; Resistência à Insulina; Doenças Metabólicas; Doença Hepática; Fígado Gorduroso; Síndrome Metabólica; Inflamação; Estresse Oxidativo; Ratos

A obesidade está nitidamente ligada ao risco aumentado de mortalidade por todas as causas e sua prevalência tem aumentado para níveis inaceitáveis nos países desenvolvidos.11 Flegal KM, Kit BK, Orpana H, Graubard BI.Association of all-cause mortality with overweight and obesity using standard body mass index categories: a systematic review and meta-analysis. JAMA. 2013;309(1):71-82.,22 Bray GA, Heisel WE, Afshin A, Jensen MD, Dietz WH, Long M,et al. The Science of Obesity Management: An Endocrine Society Scientific Statement. Endocr Rev. 2018;39(2):79-132. A obesidade e a resistência à insulina compõem o núcleo da maioria dos casos de síndrome metabólica (SM), que é um grupo de condições e características associadas a um risco aumentado de doença cardiovascular e diabetes (aproximadamente 2 e 5 vezes, respectivamente).33 Samson SL, Garber AJ. Metabolic syndrome. Endocrinol Metab Clin North Am. 2014;43(1):1-23. A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é a manifestação hepática da SM e tem ganho atenção não apenas por distúrbios relacionados à obesidade, mas também pela progressão para esteatohepatite não alcoólica (EHNA), cirrose hepática e carcinoma hepatocelular. Semelhante aos outros componentes metabólicos envolvidos na SM, o tratamento da DHGNA é baseado em mudanças de estilo de vida difíceis de serem alcançadas em ensaios clínicos, tornando os estudos pré-clínicos uma excelente opção para aumentar o conhecimento sobre a doença e testar as intervenções propostas

Entretanto, os modelos in vitro apresentam sérias limitações para avaliar os achados hepáticos e extra-hepáticos da EHNA em humanos, devido à sua etiologia multifatorial.44 Santhekadur PK, Kumar DP, Sanyal AJ. Preclinical models of non-alcoholic fatty liver disease. J Hepatol. 2018;68(2):230-7. Como resultado, os dados obtidos em animais são amplamente avaliados, com um interesse crescente no desenvolvimento de modelos de camundongos. Mesmo que muitos desses modelos não desenvolvam esteatohepatite como a definição exata aplicada ao tecido hepático humano, eles ainda são uma excelente fonte de conhecimento sobre DHGNA e EHNA.

Os modelos de roedores precisam mimetizar a DHGNA em relação ao seu desenvolvimento pela obesidade induzida pela dieta, que é considerado o fator de risco mais comum para a DHGNA em seres humanos.55 Lai M, Chandrasekera PC, Barnard ND. You are what you eat, or are you? The challenges of translating high-fat-fed rodents to human obesity and diabetes. Nutr Diabetes. 2014;4:e135. Acima de tudo, a dieta dada aos camundongos deve se parecer com as dietas humanas em relação à composição de macronutrientes, não dependendo de toxinas e levando à obesidade, resistência à insulina e inflamação sistêmica.66 Bakiri L, Wagner EF. Mouse models for liver cancer. Mol Oncol. 2013;7(2):206-23.

Alguns dos modelos de camundongos mais frequentemente utilizados para simular DHGNA são a dieta deficiente em metionina e colina e a dieta deficiente em colina e com composição de aminoácidos definida, mas ambas foram criticadas porque os animais sofrem perda de peso e não desenvolvem resistência à insulina.77 Matsumoto M, Hada N, Sakamaki Y, Uno A, Shiga T, Tanaka C, et al. An improved mouse model that rapidly develops fibrosis in non-alcoholic steatohepatitis. Int J Exp Pathol. 2013; 94(2):93-103. Além disso, a dieta rica em colesterol promove apenas ligeiros aumentos no peso hepático, nos níveis de triglicerídeos e nas enzimas hepáticas séricas, às custas de uma quantidade incomum de colesterol na dieta (1%) em comparação com as dietas humanas.88 Lau JK, Zhang X, Yu J. Animal models of non-alcoholic fatty liver disease: current perspectives and recent advances. J Pathol. 2017;241(1):36-44.

A dieta Colesterol e Colato (CC) também exige uma quantidade alta de colesterol (1,25%). Ela induz inflamação, balonização dos hepatócitos, esteatose e fibrose em um período de 6 a 24 semanas.44 Santhekadur PK, Kumar DP, Sanyal AJ. Preclinical models of non-alcoholic fatty liver disease. J Hepatol. 2018;68(2):230-7. Além disso, a adição de 60% de gordura pode encurtar o tempo de desenvolvimento de NASH para 12 semanas.99 Matsuzawa N, Takamura T, Kurita S, Misu H, Ota T, Ando H, et al. Lipid-induced oxidative stress causes steatohepatitis in mice fed an atherogenic diet. Hepatology. 2007;46(5):1392-403. O modelo também causa peroxidação lipídica, aumento de lípides séricos e estresse oxidativo. No entanto, camundongos submetidos a essa dieta perdem peso, apresentam baixos níveis plasmáticos de triglicérides e não desenvolvem resistência à insulina.1010 Takahashi Y, Soejima Y, Fukusato T. Animal models of nonalcoholic fatty liver disease/nonalcoholic steatohepatitis. World J Gastroenterol. 2012;18(19):2300-8.

A dieta rica em gordura (71% de gordura, 18% de proteínas e 11% de carboidratos) é outra opção interessante para simular DHGNA, levando à resistência à insulina e esteatose panlobular, mas é altamente dependente da estirpe animal e da composição da dieta.44 Santhekadur PK, Kumar DP, Sanyal AJ. Preclinical models of non-alcoholic fatty liver disease. J Hepatol. 2018;68(2):230-7.

A dieta rica em frutose promove a inflamação hepática e o estresse oxidativo, mas não induz os achados hepáticos da DHGNA quando administrada ad libitum. Portanto, seria de se esperar que uma dieta rica em gordura, frutose e colesterol fosse uma excelente opção para induzir DHGNA ao combinar todos os componentes principais de cada modelo mencionado acima. No entanto, alguns modelos de camundongos alimentados com esses componentes não desenvolvem fibrose hepática avançada.44 Santhekadur PK, Kumar DP, Sanyal AJ. Preclinical models of non-alcoholic fatty liver disease. J Hepatol. 2018;68(2):230-7. Outros modelos trazem algumas vantagens, mas são mais caros e envolvem mais problemas técnicos.

Uma opção adicional aos modelos animais murinos da DHGNA é agora apresentada por Muniz et al.,1111 Muniz LB, Alves-Santos AM, Camargo F, Martins DB, Celes MRN, Naves MMV. High-Lard and High-Cholesterol diet, but not High -Lard,Leads to metabolic disorders in a modified dyslipidemia model. Arq Bras Cardiol. 2019;113(5):896-902. em que os ratos foram alimentados com uma dieta rica em gordura composta por banha (20%), colesterol (1%) e colato (0,1%). O regime dado aos camundongos é semelhante à dieta CC, levando à dislipidemia e graves danos ao fígado, como observado na EHNA humana.1111 Muniz LB, Alves-Santos AM, Camargo F, Martins DB, Celes MRN, Naves MMV. High-Lard and High-Cholesterol diet, but not High -Lard,Leads to metabolic disorders in a modified dyslipidemia model. Arq Bras Cardiol. 2019;113(5):896-902. Os animais não apenas ganharam peso, mas também aumentaram acentuadamente o peso do fígado, que atingiu 5% do peso corporal total. Os autores postularam que o uso de colato pode ter acelerado os distúrbios metabólicos induzidos pela dieta. Vale destacar que o total de gordura constituía apenas 44% do conteúdo energético da dieta, semelhante à quantidade consumida por obesos (43-55%). Além disso, os autores obtiveram resultados significativos após 6 semanas, enquanto estudos semelhantes precisaram de 9 a 12 semanas para atingir seus objetivos.

A análise histológica apresentada no artigo mostrou esteatose acentuada e inflamação relevante. Novos estudos devem ser desenvolvidos para avaliar se esses achados levariam à fibrose hepática e outras consequências da EHNA humana. No momento, o modelo apresentado por Muniz et al.1111 Muniz LB, Alves-Santos AM, Camargo F, Martins DB, Celes MRN, Naves MMV. High-Lard and High-Cholesterol diet, but not High -Lard,Leads to metabolic disorders in a modified dyslipidemia model. Arq Bras Cardiol. 2019;113(5):896-902. é uma opção rápida e de baixo custo para induzir EHNA em camundongos, utilizando uma dieta semelhante à consumida por pessoas obesas.

Espera-se que esse modelo possa trazer novas informações sobre DHGNA, EHNA e SM, aumentando o conhecimento atual sobre sua fisiopatologia e permitindo avaliar novos tratamentos contra esses distúrbios metabólicos.

  • Minieditorial referente ao artigo: Dieta Rica em Banha e Colesterol, mas não Dieta Rica em Banha, Leva a Distúrbios Metabólicos em um Modelo Modificado de Dislipidemia

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov 2019
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