Accessibility / Report Error

Desenvolvimento e validação da versão em português da Escala de Barreiras para Reabilitação Cardíaca

Resumos

FUNDAMENTO: As doenças cardiovasculares possuem alta incidência e prevalência no Brasil, porém a participação na Reabilitação Cardíaca (RC) é limitada e pouco investigada no país. A Escala de Barreiras para Reabilitação Cardíaca (CRBS) foi desenvolvida para avaliar as barreiras à participação e aderência à RC. OBJETIVO: Traduzir, adaptar culturalmente e validar psicometricamente a CRBS para a língua portuguesa do Brasil. MÉTODOS: Duas traduções iniciais independentes foram realizadas. Após a tradução reversa, ambas versões foram revisadas por um comitê. A versão gerada foi testada em 173 pacientes com doença arterial coronariana (48 mulheres, idade média = 63 anos). Desses, 139 (80,3%) participantes de RC. A consistência interna foi avaliada pelo alfa de Cronbach, a confiabilidade teste-reteste pelo coeficiente de correlação intraclasse (ICC) e a validade de construto por análise fatorial. Testes-T foram utilizados para avaliar a validade de critério entre participantes e não participantes de RC. Os resultados da aplicação em função das características dos pacientes (gênero, idade, estado de saúde e grau de escolaridade) foram avaliados. RESULTADOS: A versão em português da CRBS apresentou alfa de Cronbach de 0,88, ICC de 0,68 e revelou cinco fatores, cuja maioria apresentou-se internamente consistente e todos definidos pelos itens. O escore médio para pacientes em RC foi 1,29 (desvio padrão = 0,27) e para pacientes do ambulatório 2,36 (desvio padrão = 0,50) (p < 0,001). A validade de critério foi apoiada também por diferenças significativas nos escores totais por sexo, idade e nível educacional. CONCLUSÃO: A versão em português da CRBS apresenta validade e confiabilidade adequadas, apoiando sua utilização em estudos futuros.

Doenças cardiovasculares; cooperação do paciente; resultado de tratamento; participação do paciente; questionários


BACKGROUND: Cardiovascular diseases show high incidence and prevalence in Brazil; however, participation in Cardiac Rehabilitation (CR) is limited and has been poorly investigated in the country. The Cardiac Rehabilitation Barriers Scale (CRBS) was developed to assess the barriers to participation and adherence to CR. OBJECTIVE: To translate, cross-culturally adapt and psychometrically validate CRBS to Brazilian Portuguese. METHODS: Two independent initial translations were performed. After the reverse translation, both versions were reviewed by a committee. The new version was tested in 173 patients with coronary artery disease (48 women, mean age = 63 years). Of these, 139 (80.3%) participated in CR. Internal consistency was assessed by Cronbach's alpha, test-retest reliability by intraclass correlation coefficient (ICC) and construct validity by factor analysis. T-tests were used to assess criterion validity between participants and non-participants in CR. The applied test results were evaluated regarding patient characteristics (gender, age, health status and educational level). RESULTS: The Brazilian Portuguese version of the CRBS had Cronbach's alpha of 0.88, ICC of 0.68 and disclosed five factors, most of which showed to be internally consistent and all were defined by the items. The mean score for patients in CR was 1.29 (SD = 0.27) and 2.36 for ambulatory patients (SD = 0.50) (p <0.001). Criterion validity was also supported by significant differences in total scores by gender, age and educational level. CONCLUSION: The Brazilian Portuguese version of CRBS has shown adequate validity and reliability, which supports its use in future studies.

Cardiovascular diseases; patient compliance; treatment outcome; patient participation; questionnaires


Desenvolvimento e validação da versão em português da Escala de Barreiras para Reabilitação Cardíaca

Gabriela Lima de Melo GhisiI,II; Rafaella Zulianello dos SantosIV; Vanessa SchveitzerIV; Aline Lange BarrosIV; Thais Lunardi RecchiaIV, Paul OhII; Magnus BenettiIV; Sherry L. GraceII,III

IUniversity of Toronto - Faculty of Physical Education and Health - Department of Exercise Sciences

IIToronto Rehabilitation Institute - Cardiac Rehabilitation and Prevention Program

IIIYork University and University Health Network, Toronto, ON, Canada

IVUniversidade Estadual de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, Florianópolis, SC - Brasil

Correspondência Correspondência: Gabriela Lima de Melo Ghisi 35 Charles Street West Yorkville - M4Y 1R6 Toronto ON - Canada E-mail: gaby_melo@hotmail.com, gabriela.ghisi@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: As doenças cardiovasculares possuem alta incidência e prevalência no Brasil, porém a participação na Reabilitação Cardíaca (RC) é limitada e pouco investigada no país. A Escala de Barreiras para Reabilitação Cardíaca (CRBS) foi desenvolvida para avaliar as barreiras à participação e aderência à RC.

OBJETIVO: Traduzir, adaptar culturalmente e validar psicometricamente a CRBS para a língua portuguesa do Brasil.

MÉTODOS: Duas traduções iniciais independentes foram realizadas. Após a tradução reversa, ambas versões foram revisadas por um comitê. A versão gerada foi testada em 173 pacientes com doença arterial coronariana (48 mulheres, idade média = 63 anos). Desses, 139 (80,3%) participantes de RC. A consistência interna foi avaliada pelo alfa de Cronbach, a confiabilidade teste-reteste pelo coeficiente de correlação intraclasse (ICC) e a validade de construto por análise fatorial. Testes-T foram utilizados para avaliar a validade de critério entre participantes e não participantes de RC. Os resultados da aplicação em função das características dos pacientes (gênero, idade, estado de saúde e grau de escolaridade) foram avaliados.

RESULTADOS: A versão em português da CRBS apresentou alfa de Cronbach de 0,88, ICC de 0,68 e revelou cinco fatores, cuja maioria apresentou-se internamente consistente e todos definidos pelos itens. O escore médio para pacientes em RC foi 1,29 (desvio padrão = 0,27) e para pacientes do ambulatório 2,36 (desvio padrão = 0,50) (p < 0,001). A validade de critério foi apoiada também por diferenças significativas nos escores totais por sexo, idade e nível educacional.

CONCLUSÃO: A versão em português da CRBS apresenta validade e confiabilidade adequadas, apoiando sua utilização em estudos futuros.

Palavras-chave: Doenças cardiovasculares / reabilitação, cooperação do paciente, resultado de tratamento, participação do paciente, questionários.

Introdução

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, além de contribuir significantemente com altas taxas de morbidade1 e elevados custos governamentais com saúde2. A Reabilitação Cardíaca (RC) - programa multidisciplinar de tratamento com foco na prevenção secundária3 - diminui efetivamente o risco cardíaco, reduz significantemente a recorrência de eventos cardíacos, aumenta a qualidade de vida dos pacientes4 e reduz a mortalidade em 25%5. Apesar de esses benefícios serem conhecidos, a reabilitação cardíaca é pouco utilizada, com a participação de pacientes variando entre 7,5% e 29%6-7 e baixa aderência, com taxas de desistência variando entre 40% e 55%8-9.

Os motivos apontados para a baixa participação e aderência aos programas de RC são descritos na literatura como barreiras e podem ter caráter pessoal (paciente), profissional (equipe multidisciplinar) ou público (sistema)10,11. Entre eles, podemos citar: o processo de encaminhamento para os programas de RC11-14, fatores psicossociais e pessoais dos pacientes10,13,15, fatores logísticos16, percepção dos pacientes10,15, sexo10,16-18, idade10,16,19,20, status funcional e comorbidades associadas10,21, nível socioeconômico10,21 e fumo10,22.

O Brasil possui um peculiar sistema de saúde, cujos programas de reabilitação cardíaca podem ser públicos e privados. O fato de essa característica ser diferente dos países onde as barreiras à RC foram estudados, associado à falta de conhecimento na área, torna urgente a necessidade de instrumentos de avaliação das barreiras, o que possibilita melhor planejamento dos programas, aperfeiçoamento do treinamento clínico e aumento da participação e aderência dos pacientes.

Por meio de uma busca na literatura encontramos três escalas (validadas psicometricamente) que avaliam barreiras tanto na participação quanto na aderência à RC: uma inglesa (Crenças sobre a Reabilitação Cardíaca)23, uma australiana (CREO - Cardiac Rehabilitation Enrolment Obstacles)24 e uma canadense (CRBS - Cardiac Rehabilitation Barriers Scale)25. A escala que avalia as crenças23 incorpora apenas algumas barreiras apontadas pela literatura e é aplicada apenas à aderência, e não à participação na RC. A escala que avalia os obstáculos24, além de possuir baixa validade, foi testada com uma amostra de pacientes após intervenção coronariana percutânea e, portanto, seu uso em outros grupos de coronarianos não é testado e conhecido.

A Escala de Barreiras para Reabilitação Cardíaca (CRBS) foi desenvolvida no Canadá e validada em duas línguas (inglês25 e francês26), com o objetivo de avaliar as barreiras à participação e aderência aos programas de RC em relação a fatores do paciente, do profissional de saúde e do sistema. A escala CRBS pode ser utilizada para examinar os motivos que levam os pacientes com problemas cardiovasculares a não utilizarem a RC, mesmo quando esse tratamento é indicado por profissionais de saúde25.

O objetivo do presente estudo foi traduzir, adaptar culturalmente e validar a escala CRBS para o português do Brasil.

Métodos

Participantes

Participaram da pesquisa pacientes de ambos os sexos, portadores de alguma doença/comorbidade que necessitasse do tratamento de reabilitação cardíaca, participantes ou não desses programas, sendo os critérios de exclusão no estudo: 1) idade inferior a 18 anos; 2) indivíduos analfabetos; 3) qualquer condição visual, cognitiva ou psiquiátrica que impedisse o sujeito de responder o instrumento.

Os dados foram coletados entre março e junho de 2011, sendo selecionados pacientes em programas de reabilitação cardíaca e ambulatórios, públicos e privados, na região da Grande Florianópolis, no Estado de Santa Catarina. A aplicação foi feita por meio de autoadministração supervisionada. Os pesquisadores mantiveram uma postura neutra durante a administração, respondendo perguntas em relação à pesquisa e incentivando os participantes a responderem o total de perguntas.

Os participantes foram caracterizados de acordo com o gênero, a idade, o seu estado de saúde (diagnóstico, comorbidades associadas, eventos agudos e realização de procedimentos cirúrgicos), o grau de escolaridade e o tipo de tratamento (reabilitação cardíaca e ambulatório; público e privado). As características foram coletadas com o consentimento dos pacientes, por meio de seus prontuários.

A pesquisa foi conduzida dentro dos padrões exigidos pela Declaração de Helsinki e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina (número 020/2011), de acordo com a resolução CNS 196/96. Todos os indivíduos foram informados sobre os objetivos da pesquisa, confidencialidade dos dados, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Escala de Barreiras para Reabilitação Cardíaca (CRBS)

A CRBS avalia a percepção dos pacientes em relação às barreiras de nível pessoal (paciente), profissional (profissional de saúde) e institucional (sistema) que afetam a participação e a aderência aos programas de RC. Um exemplo do nível do paciente é o item: ¨Porque eu acho exercício cansativo ou doloroso¨; do nível profissional: ¨Porque o meu médico não achou que fosse necessário¨; e, do nível do sistema: ¨Porque eu acho que fui encaminhado, mas o programa de reabilitação não entrou em contato comigo¨. A escala pode ser aplicada em pacientes em consultas em ambulatório, internados ou participantes de programas de RC.

A escala é baseada em um estudo piloto que resultou em uma versão revisada de 21 itens, validados psicometricamente por Shanmugasegaram e cols.25 em inglês. Os itens estão divididos em quatro subescalas, cada uma relacionada a um grupo de barreiras: necessidades percebidas/fatores de cuidado à saúde (9 itens), fatores logísticos (5 itens), conflitos de trabalho/tempo (3 itens) e comorbidades/estado funcional (4 itens)25.

Participantes de estudos envolvendo a CRBS são solicitados a classificar seu grau de concordância com os itens, através de uma escala Likert de 5 pontos que varia de 1 = discordo plenamente a 5 = concordo plenamente. Escores elevados indicam grandes barreiras para a participação ou aderência aos programas de RC25.

Tradução e adaptação cultural

O processo inicial - tradução e adaptação cultural - foi realizado para disponibilizar a CRBS para a população brasileira, de forma equivalente às diferenças culturais. Essa etapa de tradução da escala do inglês para o português seguiu normas precisas, autorizadas pela autora, e foi realizada com base no protocolo proposto por Guillemin e cols.27: tradução inicial, tradução reversa e revisão por um comitê de especialistas na área.

A tradução inicial da escala (em inglês) para a língua-alvo (português do Brasil) foi realizada por dois profissionais da saúde independentes, fluentes na língua inglesa, tendo como língua mãe o português. Os tradutores estavam cientes dos objetivos e conceitos subjacentes ao estudo e procuraram detectar as ambiguidades e os significados inesperados nos itens originais.

Com as duas traduções em mãos, os pesquisadores reuniram-se para gerar a versão 1 do instrumento. Na segunda fase, a versão 1 foi retraduzida ao inglês por um tradutor nativo, que desconhecia os objetivos iniciais do estudo e a versão original, gerando a versão 2. Após esse processo, um comitê de avaliação, formado por pesquisadores bilíngues especialistas na área, avaliou a versão 2 e o instrumento original, a fim de verificar a equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual. Por meio desse processo foi gerada a versão 3, submetida à fase seguinte de validação, sendo aplicada aos participantes do estudo.

Validação psicométrica

O programa estatístico SPSS - Statistical Package for the Social Sciences - versão 17.0 foi utilizado para armazenamento, triagem e análise dos dados. O nível de significância adotado para todos os testes foi de 0.05. Quando mais de 20% dos itens não foram preenchidos pelo participante, seus dados foram excluídos da análise.

Foram realizadas análises psicométricas com o objetivo de avaliar a validade (do constructo e de critério), a consistência interna e a confiabilidade da versão em português da CRBS.

A validade do constructo foi analisada por meio da análise fatorial exploratória. Os testes de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e de Esfericidade de Bartlett foram realizados para indicar o grau de suscetibilidade dos dados à análise fatorial. A extração dos fatores foi realizada pelo método de componentes principais, considerando apenas aqueles com eigenvalues superiores a 1.0. Selecionados os fatores, foi gerada uma matriz correlacional utilizando-se o método com rotação varimáx com normalização Kaiser, na qual foram observadas as relações entre os itens e fatores, por meio das cargas fatoriais, sendo consideradas aquelas maiores do que 0,328,29.

Para estimar a consistência interna do instrumento foi calculado o Alpha de Cronbach da escala e das subescalas. Nessa análise, valores de Alpha superiores a 0,60 foram considerados aceitáveis, refletindo a correlação dos itens entre si e com o escore total28,29.

A confiabilidade foi avaliada através do coeficiente de correlação intraclasse (ICC) usando um teste-reteste com intervalo de dois meses e meio entre as aplicações, em 17 participantes da pesquisa.

Para avaliar a validade de critério do CRBS, testes t verificaram diferenças entre as médias dos escores totais da escala e das subescalas, em participantes de reabilitação cardíaca e não participantes.

Para verificar os resultados da aplicação da escala em relação às características dos pacientes (gênero, idade, estado de saúde e grau de escolaridade) utilizaram-se análise de variância de 1 entrada e teste Qui-quadrado, após confirmar a distribuição normal dos dados (p > 0,1) através do teste de Kolmogorov-Smirnov28,29.

Resultados

Características dos participantes

A amostra foi composta por 173 pacientes, sendo 48 mulheres. Em relação ao tratamento, 139 eram participantes de programas de reabilitação cardíaca e 34, pacientes de ambulatório. A idade variou entre 38 e 85 anos (média = 63,01; desvio padrão = 9,5). Em relação ao estado de saúde, 50,9% apresentavam diagnóstico de doença arterial coronariana (DAC), 31,2% sofreram um Infarto Agudo do Miocárdio prévio (IAM) e 28,9% submeteram-se ao procedimento de angioplastia (ATC).

Em relação ao grau de escolaridade, foi observado que a maioria da amostra apresentou ensino superior completo (54,3%). Quando avaliado em razão dos tratamentos, 65,4% dos pacientes em reabilitação cardíaca possuem ensino superior completo e 58,8% dos pacientes em tratamento ambulatorial possuem ensino fundamental incompleto.

A aplicação do questionário levou entre 15 e 20 minutos.

As características dos participantes estão apresentadas na tabela 1.

Tradução e adaptação cultural

No processo de tradução e adaptação, verificou-se que todas as questões poderiam ser usadas na realidade brasileira, sendo a versão em português da CRBS composta também por 21 itens. A tabela 2 apresenta os itens da CRBS traduzidos para o português.

Validação psicométrica

A validade de constructo foi avaliada por meio da análise fatorial exploratória. O valor de significância do teste de Esfericidade de Bartlett (menor que 0,0001) e KMO (0,845) mostrou-se adequado à utilização da análise fatorial para o tratamento dos dados. Através da rotação varimáx com normalização Kaiser foram obtidos cinco fatores, extraídos pelo método de componentes principais. Tais fatores, em seu conjunto, respondem por 63% da variância total dos dados, e o fator 1 é responsável por 36% da variância. Todos os fatores foram definidos pelos itens e três foram considerados consistentes internamente (Alpha de Cronbach superior a 0,6)28. O primeiro fator reflete itens relacionados a comorbidades e estado funcional (Alpha = 0,876). O segundo fator compreende itens relacionados a necessidades percebidas (Alpha = 0,812). O terceiro fator reflete problemas pessoais e familiares (Alpha = 0,625). O quarto fator refere-se aos itens que abordam viagem e conflitos de trabalho (Alpha = 0,554). O quinto e último fator corresponde aos itens relacionados a acesso (Alpha = 0,567).

Na tabela 3 são apresentadas as cargas fatoriais de cada questão nos cinco fatores levantados, considerando que cargas fatoriais abaixo de 0,3 são pouco significativas28.

O Alpha de Cronbach também foi usado para estimar a consistência interna do instrumento, sendo o valor encontrado 0,88.

O índice de correlação intraclasse (ICC) foi extraído para avaliar a confiabilidade do instrumento em português, através do teste-reteste com intervalo de dois meses e meio entre as aplicações, em 17 participantes da pesquisa. O ICC encontrado foi de 0,68.

A validade de critério foi avaliada através das diferenças entre as médias dos escores totais da escala e das subescalas, entre participantes de reabilitação cardíaca e não participantes. Em relação às médias dos escores totais, as barreiras à reabilitação cardíaca foram significantemente maiores entre os pacientes ambulatoriais do que entre os pacientes já em RC (p < 0,001), conforme esperado13,14,16,25. Além disso, os pacientes do ambulatório apresentaram médias de escores estatisticamente maiores (p < 0,001) em quatro dos cinco fatores da CRBS em português (comorbidades/estado funcional, necessidades percebidas, problemas pessoais/familiares, viagem/conflitos de trabalho), quando comparados com o grupo em RC. Esses resultados estão apresentados na tabela 4.

Quando analisadas as médias dos itens em razão dos grupos (pacientes em reabilitação cardíaca e tratamento ambulatorial), observaram-se diferenças significativas em todos os itens, e o grupo de pacientes em tratamento ambulatorial apresentou as maiores médias (ou, conforme descrito, maiores barreiras). A tabela 5 traz os resultados das médias dos escores de cada item, na amostra geral e nos grupos.

Em relação às características dos participantes em razão das médias dos escores totais, observaram-se diferenças significativas entre as categorias de idade (p = 0,01), grau de escolaridade (p < 0,001) e sexo (p < 0,001). Idosos apresentaram barreiras significantemente maiores do que indivíduos mais jovens. Pacientes com baixos graus de escolaridade também apresentaram maiores barreiras à participação na RC. Mulheres apresentaram barreiras significantemente menores do que os homens, o que pode estar relacionado à baixa percepção sobre seu estado de saúde apontada em estudos17,18.

Discussão

O processo de tradução e validação de um instrumento na área da saúde requer um esforço maior do que somente a análise idiomática e semântica. É necessário adaptar a linguagem sob os pontos de vista cultural e conceitual, buscando aproximá-la ao máximo da realidade da população-alvo30. No Brasil, particularmente, as diferenças regionais, sociais e culturais fazem dessa tarefa algo ainda mais difícil31. Esses aspectos foram levados em consideração na realização deste estudo.

Este estudo procurou validar a escala CRBS que avalia barreiras à participação e aderência aos programas de reabilitação cardíaca, em múltiplos níveis, podendo ser aplicada em sujeitos participantes desses programas ou não. A análise fatorial revelou cinco fatores, chamados comorbidades/estado funcional, necessidades percebidas, problemas pessoais/ familiares, viagem/conflitos de trabalho e acesso. Todos os fatores foram definidos pelos itens e três foram considerados consistentes internamente (Alpha de Cronbach superior a 0,6)28. Os escores da escala mostraram-se significantemente relacionados à participação ou não nos programas de RC, tal que a validade de critério foi estabelecida. Finalmente, a consistência interna do instrumento foi estabelecida (Alpha = 0,88) e a confiabilidade do instrumento checada por meio do teste-reteste.

Além da língua portuguesa, a escala CRBS foi validada em inglês (validação original25) e traduzida para o francês e o punjabi. Porém, este foi o primeiro estudo no qual a escala foi aplicada fora do Canadá e, além de traduzida e validada psicometricamente, foi adaptada à cultura brasileira.

Resultados deste estudo são consistentes com os apresentados na validação original25, particularmente em relação ao número de itens (21 em cada versão) e à validade de critério (maiores barreiras apontadas por aqueles não participantes de RC). Ainda, a confiabilidade da CRBS em inglês foi demonstrada por um ICC de 0,64.

A validação original25 apresentou quatro fatores (necessidades percebidas/fatores de cuidado à saúde, fatores logísticos, conflitos de trabalho/horário e comorbidades/estado funcional). Em contrapartida em nosso estudo foram levantados cinco fatores, descritos anteriormente. As diferenças entre o número de fatores podem estar ligadas a diferentes realidades entre os países cuja validação original (Canadá) e a portuguesa (Brasil) foram realizadas. Segundo Daly e cols.10, o ambiente social, a tradições, as variáveis médias e sociodemográficas de cada região e seus sistemas de saúde podem modificar a identificação e a organização das barreiras à participação e aderência aos programas de RC. Neste estudo, apesar de dois fatores não serem considerados consistentes internamente, a solução de cinco fatores foi considerada adequada, pois apresentou maior consistência interna entre os itens.

Na validação da CRBS em português, o fator ¨comorbidades e estado funcional¨ apresentou um número maior de itens (n = 7) quando comparado ao instrumento original. Estudos revelam que pacientes com maior número de comorbidades e baixo estado funcional são menos prováveis a participarem da RC21,32, particularmente quando geram altos gastos para hospitais e sistemas de saúde33. O fator ¨acesso¨ foi criado para suprir alguns itens de fatores logísticos e que abrangiam as barreiras de caráter público (sistema). O fator "problemas pessoais e familiares" foi criado para abranger fatores voltados a responsabilidades familiares e questões pessoais, como o item "Porque eu posso controlar o meu problema de coração". O fator "necessidades percebidas" foi diferenciado do fator no instrumento original "necessidades percebidas/fatores de cuidado à saúde", sendo os itens de cuidado à saúde distribuídos no fator "comorbidades e estado funcional". Também foi diferenciado o fator "viagem e conflitos de trabalho", chamado no instrumento original de "conflitos de trabalho/horário".

Em relação às características dos participantes, observaram-se diferenças entre as médias dos escores em relação a sexo, idade e grau de escolaridade. Apesar de participarem menos dos programas de RC, em geral as mulheres possuem baixa percepção das barreiras para a participação aos programas de RC, quando comparadas aos homens17,18. Além disso, a natureza de suas barreiras difere, principalmente entre não participantes17. Em relação à idade, o fato de os pacientes idosos estarem menos cientes dos benefícios da RC e possuírem outras queixas e comorbidades faz com que possuam maiores barreiras à realização desse tratamento19,20. O grau de escolaridade - caracterizando o nível socioeconômico neste estudo - mostrou-se relacionado à participação nos programas de RC, conforme descrito em outros estudos. Indivíduos com elevados graus de escolaridade apresentaram escores médios menores e maior participação na RC10,34.

Uma das implicações da utilização do CRBS em pesquisas, embora sua construção e validação tenham fins de pesquisa, é seu uso para fins clínicos e políticos, conforme descrito na validação do instrumento original25. O uso dessa escala pode facilitar a identificação das barreiras entre diferentes regiões e diferentes organizações de saúde, além de servir como um ¨diário¨, descrevendo diferentes barreiras em diferentes estágios do processo de tratamento do paciente.

As limitações deste estudo apresentam relação principalmente as características da população pesquisada: maior número de pacientes em programas de reabilitação cardíaca e com elevado grau de escolaridade. Outro ponto é o fato de os pacientes estarem reportando as barreiras não somente de nível pessoal, mas no nível do profissional e do sistema, o que pode gerar erros. Ainda, quando são avaliados, é importante descrever em qual estágio do tratamento os pacientes estão, para a identificação do período no qual as barreiras são adquiridas. Assim como no instrumento original, este estudo foi conduzido em uma região específica (sul do Brasil) e estes resultados generalizam apenas pacientes dessa área, havendo a necessidade de estudos em outros locais do país.

Apesar de o objetivo deste estudo ser a validação do instrumento para o português do Brasil, futuras pesquisas são sugeridas no sentido de comparar as barreiras à participação e aderência aos programas RC com diferentes níveis socioeconômicos e estágios de tratamento.

Conclusões

Apesar de existirem outras escalas avaliando as barreiras para participação e aderência aos programas de RC, a CRBS é a primeira que avalia essas barreiras em níveis múltiplos (pessoal, profissional e público), para participantes ou não desses programas. Os resultados apresentados neste artigo indicam que a CRBS em português apresenta índices de confiabilidade e validade adequados. Seu uso permite a identificação de barreiras que podem ser utilizadas no estabelecimento de estratégias para aumentar a participação e aderência aos programas de RC, centradas nas necessidades reais dos pacientes.

Para acessar o instrumento e obter maiores informações visite o endereço eletrônico: http://www.yorku.ca/sgrace/crbarriersscale.html.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 22/07/11; revisado recebido em 22/07/11; aceito em 01/12/11.

  • 1. World Health Organization. Cardiovascular diseases. 2010; Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs317/en/index.html>
  • 2
    Cardiac Care Network. The Ontario cardiac rehabilitation pilot project: Report and recommendations. 2002.
  • 3. Cohen JD. ABCs of secondary prevention of CHD: easier said than one. Lancet. 2001;357(9261):972-3.
  • 4. McAlister FA, Lawson FM, Teo KK, Armstrong PW. Randomised trials of secondary prevention programmes in CHD: systematic review. BMJ. 2001;323(7319):957-62.
  • 5. Taylor RS, Brown A, Ebrahim S, Jolliffe J, Noorani H, Rees K, et al. Exercise-based rehabilitation for patients with coronary heart disease: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Am J Med. 2004;116(10):682-92.
  • 6. King KM, Teo KK. Cardiac rehabilitation referral and attendance: not one and the same. Rehabil Nurs. 1998;23(5):246-51.
  • 7. Bunker SJ, Goble AJ. Cardiac rehabilitation: under-referral and underutilisation. Med J Aust. 2003;179(7):332-3.
  • 8. Oldridge NB, Streiner DL. The health belief model: predicting compliance and dropout in cardiac rehabilitation. Med Sci Sports Exerc. 1990; 22(5):678-83.
  • 9. Suaya JA, Shepard DS, Normand SL, Ades PA, Prottas J, Stason WB. Use of cardiac rehabilitation by Medicare beneficiaries after myocardial infarction or coronary bypass surgery. Circulation. 2007;116(15):1653-62.
  • 10. Daly J, Sindone AP, Thompson DR, Hancock K, Chang E, Davidson P. Barriers to participation in and adherence to cardiac rehabilitation programs: a critical literature review. Prog Cardiovasc Nurs. 2002;17(1):8-17.
  • 11. Grace SL, Krepostman S, Brooks D, Jaglal S, Abramson BL, Scholey P, et al. Referral to and discharge from cardiac rehabilitation: key informant views on continuity of care. J Eval Clin Pract. 2006;12(2):155-63.
  • 12. Grace SL, Evindar A, Abramson BL, Stewart DE. Physician management preferences for cardiac patients: factors affecting referral to cardiac rehabilitation. Can J Cardiol. 2004;20(11):1101-7.
  • 13. Jackson L, Leclerc J, Erskine Y, Linden W. Getting the most out of cardiac rehabilitation: a review of referral and adherence predictors. Heart. 2005;91(1):10-4.
  • 14. Grace SL, Scholey P, Suskin N, Arthur HM, Brooks D, Jaglal S, et al. A prospective comparison of cardiac rehabilitation enrolment following automatic versus usual referral. J Rehabil Med. 2007;39(3):239-45.
  • 15. Robertson D, Keller C. Relationships among health beliefs, self-efficacy, and exercise adherence in patients with coronary artery disease. Heart Lung. 1992;21(1):56-63.
  • 16. Cooper AF, Jackson G, Weinman J, Horne R. Factors associated with cardiac rehabilitation attendance: a systematic review of the literature. Clin Rehabil. 2002;16(5):541-52.
  • 17. Grace SL, Gravely-Witte S, Kayaniyil S, Brual J, Suskin N, Stewart DE. A multi-site examination of sex differences in cardiac rehabilitation barriers by participation status. J Womens Health. 2009;18(2):209-16.
  • 18. Heid HG, Schmelzer M. Influences on women's participation in cardiac rehabilitation. Rehabil Nurs. 2004;29(4):116-21.
  • 19. Grace SL, Shanmugasegaram S, Gravely-Witte S, Brual J, Suskin N, Stewart DE. Barriers to cardiac rehabilitation: does age make a difference? J Cardiopulm Rehabil Prev. 2009;23(3):183-7.
  • 20. Pasquali SK, Alexander KP, Peterson ED. Cardiac rehabilitation in the elderly. Am Heart J. 2001;142(5):748-55.
  • 21. Harlan W, Sandler S, Lee K, Lam LC, Mark DB. Importance of baseline functional and socioeconomic factors for participation in cardiac rehabilitation. Am J Cardiol. 1995;76(1):36-9.
  • 22. Conn A, Taylor S, Casey B. Cardiac rehabilitation participation and outcomes after myocardial infarction. Rehabil Nurs. 1992;17(2):58-62.
  • 23. Cooper AF, Weinman J, Hankins M, Jackson G, Horne R. Assessing patients' beliefs about cardiac rehabilitation as a basis for predicting attendance after acute myocardial infarction. Heart. 2007;93(1):53-8.
  • 24. Fernandez RS, Salamonson Y, Juergens C, Griffiths R, Davidson P. Development and preliminary testing of the Cardiac Rehabilitation Enrolment Obstacle (CREO) scale: implications for service development. Eur J Cardiovasc Nurs. 2008;7(2):96-102.
  • 25. Shanmugasegaram S, Gagliese L, Oh P, Stewart DE, Brister SJ, Chan V, et al. Psychometric validation of the Cardiac Rehabilitation Barriers Scale. Clin Rehabil. 2011 Nov 16. [Epub ahead of print]
  • 26. Shanmugasegaram S, Stewart DE, Anand S, Chessex C, Reid R, Grace SL, et al. Development of the French version of the Cardiac Rehabilitation Barriers Scale. Canadian Association of Cardiac Rehabilitation. In: 20th Annual Meeting and Scientific Abstracts: October 22-24, 2010, Montreal. J Cardiopulm Rehabil Prev. 2010;30(5):354.
  • 27. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.
  • 28. Dancey CP, Reidy J. Statistics without maths for Psychology: using SPSS for Windows. 3rd ed. London: Prentice Hall; 2005.
  • 29. Hair JF, Anderson RE. Multivariate data analysis. 5th ed. New Jersey: Prentice Hall; 1998.
  • 30. Ghisi GLM, Leite CM, Durieux A, Schenkel IC, Assumpção MS, Barros MM, et al. Validação para o português do MargerI CaRdiac preventiOn-Questionnaire (MICRO-Q). Arq Bras Cardiol. 2010;94(3):372-8.
  • 31. Santos RD, Sposito AC, dos Santos JE, Fonseca FH, Moriguchi EH, Martinez TL, et al. Programa de avaliação nacional do conhecimento sobre a prevenção da aterosclerose (PANDORA). Arq Bras Cardiol. 2000;75(4):289-302.
  • 32. Burns K, Camaione DN, Froman RD, Clark BA. Predictors of referral to cardiac rehabilitation and cardiac exercise self-efficacy. Clin Nurs Res. 1998;7(2):147-63.
  • 33. Carlson JJ, Johnson JA, Franklin BA, VanderLaan RL. Program participation, exercise adherence, cardiovascular outcomes, and program cost of traditional versus modified cardiac rehabilitation. Am J Cardiol. 2000;86(1):17-23.
  • 34. Cooper A, Lloyd G, Weinman J, Jackson G. Why patients do not attend cardiac rehabilitation: role of intentions and illness beliefs. Heart. 1999;82(2):234-6.
  • Correspondência:
    Gabriela Lima de Melo Ghisi
    35 Charles Street West
    Yorkville - M4Y 1R6
    Toronto
    ON - Canada
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Jul 2011
    • Aceito
      01 Dez 2011
    • Revisado
      22 Jul 2011
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br