Resumos
OBJETIVO: Verificar a ação do hormônio de crescimento (GH) sobre a remodelação miocárdica em ratos infartados. MÉTODOS: Ratos Wistar foram submetidos ao infarto e tratados com GH (IAM-GH; n=8), ou com o veículo (IAM; n=8). Ratos controles foram submetidos ao infarto simulado (C; n=8). Após 30 dias, os animais foram submetidos ao estudo funcional por meio de ecocardiograma e as alterações da contratilidade miocárdica estudadas no músculo papilar isolado do ventrículo esquerdo (VE). RESULTADOS: O ecocardiograma identificou aumento nos diâmetros (mm) diastólico (C=7,32±0,49; IAM=8,50±0,73; IAM-GH= 9,34± 0,73; P<0,05) e sistólico (C=3,38±0,47, IAM= 5,16±1,24; IAM-GH=5,96±1,54; P<0,05) no VE dos animais com infarto. Os animais do grupo IAM-GH apresentaram menor fração (%) de ejeção (C=0,9±0,03; IAM=0,76±0,12; IAM-GH=0,72±0,14; P<0,05 para C vs IAM-GH) em relação aos controles. O estudo do músculo papilar isolado do ventrículo esquerdo mostrou que o grupo IAM-GH apresentou alterações (C=1,50±0,59; IAM= 1,28±0,38; IAM-GH=1,98±0,41; P<0,05 para C vs IAM-GH) somente na tensão de repouso (TR - g/mm²) e no delta do tempo para a tensão desenvolvida decrescer 50% (TR50, ms) após estimulação com cálcio (C=23,75±9,16; IAM=-16,56±14,82; IAM-GH=-4,69±8,39; P<0,05 para C vs IAM-GH) e no delta da tensão desenvolvida (TD, g/mm²) após estimulação com isoproterenol (C=0,99±0,17; IAM=0,54±0,62; IAM-GH= 0,08±0,75; P<0,05 para C vs IAM-GH), em relação aos animais controle. CONCLUSÃO: A administração precoce do GH no modelo de infarto experimental em ratos pode resultar em efeitos adversos no processo de remodelação ventricular.
hipertrofia; função ventricular; ecocardiograma; músculo papilar
OBJECTIVE: To assess the effect of growth hormone (GH) on myocardial remodeling in infarcted rats. METHODS: This study comprised 24 Wistar rats divided into 3 groups as follows: 1) AMI-GH group - comprising 8 rats that underwent infarction and were treated with GH; 2) AMI group - comprising 8 rats that underwent infarction and received only the diluent of the GH solution; and 3) control group (C group) - comprising 8 rats that underwent simulated infarction. After 30 days, the animals underwent functional study through echocardiography, and the changes in myocardial contractility of the isolated left ventricular (LV) papillary muscle were studied. RESULTS:The echocardiography identified an increase in the diastolic (C=7.32±0.49; AMI=8.50±0.73; AMI-GH=9.34±0.73; P<0.05) and systolic (C=3.38±0.47, AMI=5.16±1.24; AMI-GH=5.96±1.54; P<0.05) diameters (mm) in the LV of the infarcted animals. The AMI-GH group animals had a lower ejection fraction (%) (C=0.9±0.03; AMI=0.76±0.12; AMI-GH= 0.72± 0.14; P<0.05 for C vs AMI-GH) compared with those in controls. The study of the isolated left ventricular papillary muscle showed that the AMI-GH group had changes (C= 1.50±0.59; AMI= 1.28±0.38; AMI-GH=1.98±0.41; P<0.05 for C vs AMI-GH) only in the tension at rest (TR - g/mm²) and in the time delta for a 50% decrease in the tension developed (TR50, ms) after stimulation with calcium (C=23.75±9.16; AMI=-16.56±14.82; AMI-GH=-4.69±8.39; P<0.05 for C vs AMI-GH) and in the delta of tension developed (TD, g/mm²) after stimulation with isoproterenol (C=0.99±0.17; AMI=0.54±0.62; AMI-GH=0.08±0.75; P<0.05 for C vs AMI-GH) compared with those in control animals. CONCLUSION: The early administration of GH in the experimental infarction model in rats may result in adverse effects on the process of ventricular remodeling.
hypertrophy; ventricular function; echocardiography; papillary muscle
ARTIGO ORIGINAL
A administração precoce de hormônio de crescimento resulta em efeitos deletérios na remodelação ventricular após o infarto agudo do miocárdio
José G. Mill; Leonardo A. M. Zornoff; Marina P. Okoshi; Katashi Okoshi; Carlos R. Padovani; Mário Sugisaki; Cláudia M. Leite; Antônio C. Cicogna
São Paulo, SP
Universidade Federal de Vitória e Faculdade de Medicina de Botucatu
Endereço para correspondência Endereço para correspondência FM - Clinica Medica - s/nº Cep 18618-000 Botucatu - SP E-mail: lzornoff@cardiol.br / lzornoff@fmb.unesp.br
RESUMO
OBJETIVO: Verificar a ação do hormônio de crescimento (GH) sobre a remodelação miocárdica em ratos infartados.
MÉTODOS: Ratos Wistar foram submetidos ao infarto e tratados com GH (IAM-GH; n=8), ou com o veículo (IAM; n=8). Ratos controles foram submetidos ao infarto simulado (C; n=8). Após 30 dias, os animais foram submetidos ao estudo funcional por meio de ecocardiograma e as alterações da contratilidade miocárdica estudadas no músculo papilar isolado do ventrículo esquerdo (VE).
RESULTADOS: O ecocardiograma identificou aumento nos diâmetros (mm) diastólico (C=7,32±0,49; IAM=8,50±0,73; IAM-GH= 9,34± 0,73; P<0,05) e sistólico (C=3,38±0,47, IAM= 5,16±1,24; IAM-GH=5,96±1,54; P<0,05) no VE dos animais com infarto. Os animais do grupo IAM-GH apresentaram menor fração (%) de ejeção (C=0,9±0,03; IAM=0,76±0,12; IAM-GH=0,72±0,14; P<0,05 para C vs IAM-GH) em relação aos controles. O estudo do músculo papilar isolado do ventrículo esquerdo mostrou que o grupo IAM-GH apresentou alterações (C=1,50±0,59; IAM= 1,28±0,38; IAM-GH=1,98±0,41; P<0,05 para C vs IAM-GH) somente na tensão de repouso (TR - g/mm2) e no delta do tempo para a tensão desenvolvida decrescer 50% (TR50, ms) após estimulação com cálcio (C=23,75±9,16; IAM=-16,56±14,82; IAM-GH=-4,69±8,39; P<0,05 para C vs IAM-GH) e no delta da tensão desenvolvida (TD, g/mm2) após estimulação com isoproterenol (C=0,99±0,17; IAM=0,54±0,62; IAM-GH= 0,08±0,75; P<0,05 para C vs IAM-GH), em relação aos animais controle.
CONCLUSÃO: A administração precoce do GH no modelo de infarto experimental em ratos pode resultar em efeitos adversos no processo de remodelação ventricular.
Palavras-chave: hipertrofia, função ventricular, ecocardiograma, músculo papilar
O infarto agudo do miocárdio determina complexas alterações da arquitetura ventricular, envolvendo tanto a região infartada como a região não infartada. Seguindo-se à oclusão coronariana, podemos observar dilatação ventricular aguda, caracterizada por adelgaçamento e distensão da região comprometida. Essa alteração é denominada expansão do infarto e resulta do deslizamento de grupos musculares necróticos em conseqüência da desintegração do colágeno interfibrilar1. Na fase tardia do infarto agudo do miocárdio, podem ser observados diferentes graus de dilatação cavitária. Esse fenômeno é resultado do processo de hipertrofia cardíaca do tipo excêntrica, que parece se manifestar como resposta ao aumento do estresse parietal. Paralelamente, foi demonstrado que há acúmulo anormal de colágeno, fibrose, nas áreas viáveis do miocárdio, tanto no ventrículo infartado como no outro ventrículo. Esse conjunto de adaptações, em que ocorrem alterações na composição, massa, volume e geometria cardíaca é chamado de remodelação miocárdica2-4.
Uma das características mais marcantes da remodelação cardíaca é que esse processo resulta, invariavelmente, em queda progressiva da função ventricular. Inicialmente, em conseqüência do crescimento celular, a remodelação pode contribuir para manter ou restaurar a função cardíaca. Cronicamente, entretanto, ocorrem alterações bioquímicas, genéticas e estruturais que vão resultar em disfunção ventricular progressiva2-4.
Assim, inúmeras estratégias vêm sendo utilizadas para prevenir ou atenuar o processo de remodelação ventricular após o infarto agudo do miocárdio2-4. Algumas evidências experimentais e clínicas sugerem que a administração de hormônio do crescimento (GH), na fase adulta da vida, pode resultar em alterações morfológicas e funcionais capazes de modular a remodelação cardíaca5,6. A administração de GH, iniciado semanas após o infarto em animais, resultou em melhora morfológica e funcional7-10.No entanto, os efeitos da administração precoce de hormônio de crescimento após o infarto ainda não foram estudados. Assim, o objetivo deste trabalho foi verificar a ação da administração precoce de hormônio de crescimento no processo de remodelação miocárdica, em corações de ratos submetidos ao infarto experimental por ligadura coronariana.
Métodos
O protocolo experimental deste estudo foi conduzido em conformidade com os Princípios Éticos na Experimentação Animal adotados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal.
Foram utilizados ratos Wistar machos, pesando entre 200 e 250gr. O infarto foi produzido de acordo com método previamente descrito11,12. Os ratos foram anestesiados com éter e submetidos à toracotomia lateral esquerda. Após exteriorização do coração, o átrio esquerdo foi afastado e a artéria coronária esquerda ligada com fio mono-nailon 6.0 entre a saída da artéria pulmonar e o átrio esquerdo. A seguir, o coração foi retornado ao tórax, os pulmões inflados com pressão positiva e o tórax fechado por suturas com algodão 1.0. O grupo controle foi submetido a uma cirurgia fictícia, sem oclusão coronariana.
Os animais foram mantidos em gaiolas para recuperação, alimentados com ração comercial padrão e livre acesso à água, com controle de luz (ciclos de 12h), temperatura de aproximadamente 25ºC.
Imediatamente após a cirurgia os animais sobreviventes foram divididos em 3 grupos: grupo controle (C, n=8), formado pelos animais com cirurgia fictícia e tratados com o diluente do hormônio de crescimento (com composição não revelada); grupo IAM-GH (n=8): constituído pelos animais infartados e tratados por via intramuscular com hormônio de crescimento (0,4 UI/dia) e grupo IAM (n=8), composto pelos animais infartados e também tratados com o diluente do hormônio de crescimento. Os tratamentos com hormônio de crescimento ou diluente foram iniciados entre 12-24h após a oclusão coronariana. Ampolas de hormônio de crescimento e do diluente foram gentilmente fornecidas pela NovoNordisk (São Paulo).
Após 30 dias de tratamento, os animais foram anestesiados com cloridrato de cetamina (50mg/kg) e cloridrato de xilidino (1mg/kg) por via intramuscular para o estudo ecocardiográfico. Após tricotomia da região anterior do tórax, os animais foram posicionados em decúbito lateral esquerdo para realização do ecocardiograma com ecocardiógrafo Hewlett-Packard (modelo Sonos 2000) equipado com transdutor eletrônico de 7,5 MHz. A avaliação dos fluxos foi realizada com o mesmo transdutor operando em 5,0 MHz. Para medir as estruturas cardíacas, utilizamos imagens em modo-M com o feixe de ultra-som orientado pela imagem bidimensional com o transdutor na posição para-esternal eixo menor. A imagem da cavidade ventricular esquerda foi obtida posicionando o cursor do modo-M logo abaixo do plano da valva mitral entre os músculos papilares. As imagens da aorta e do átrio esquerdo também foram obtidas na posição para-esternal eixo menor com o cursor do modo-M posicionado ao nível da valva aórtica. O registro da imagem monodimensional (velocidade: 100 mm/s) foi realizado por meio da impressora modelo UP-890MD da Sony Co. Posteriormente, as estruturas cardíacas foram medidas manualmente com o auxílio de um paquímetro de precisão, de acordo com as recomendações da American Society of Echocardiography13 e já validadas no modelo de ratos infartados14. As estruturas cardíacas foram medidas em, pelo menos, cinco ciclos cardíacos consecutivos. O diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) e a espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo (EDVE) foram medidos no momento correspondente ao diâmetro máximo da cavidade. O diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo (DSVE) foi medido no momento de máxima excursão sistólica da parede posterior da cavidade. A função sistólica do ventrículo esquerdo foi avaliada calculando-se a porcentagem de encurtamento sistólico {(DDVE-DSVE)/DDVE x 100} e a fração de ejeção {(DDVE3-DSVE3)/DDVE3 }. O fluxo diastólico transmitral (ondas E e A) foi obtido com o transdutor na posição apical quatro câmaras. As medidas referentes aos fluxos foram realizadas diretamente no monitor do ecocardiógrafo.
O estudo do músculo papilar isolado foi realizado de acordo com procedimentos anteriormente descritos15-16 três dias após a realização da ecocardiografia. O estudo da função mecânica foi realizado em músculos papilares anteriores do ventrículo esquerdo. Os músculos foram obtidos após injeção intraperitonial de pentobarbital sódico (50 mg/kg). O rato foi decapitado, o tórax aberto, o coração removido rapidamente e colocado em solução de KrebsHenseleit, à temperatura de 28ºC, previamente oxigenada (10min) com 95% de oxigênio (O2) e 5% de dióxido de carbono (CO2). Após dissecação do ventrículo direito e corte no septo interventricular, o ventrículo esquerdo foi dividido em duas partes, cada uma contendo o seu músculo papilar, que, em seguida, foram cuidadosamente dissecados numa câmara contendo solução de KrebsHenseleit, adequadamente oxigenada e aquecida a 28ºC. Os músculos papilares, após terem as suas extremidades presas a dois anéis de aço inoxidável, foram, rapidamente, transferidos para uma câmara de vidro contendo solução de KrebsHenseleit, constantemente oxigenada com 95% de O2 e 5% de CO2 e mantida à temperatura de 28ºC, graças ao uso de banho circulante. A composição da solução de KrebsHenseleit, em milimoles por litro, foi: 118,5 NaCl; 4,69 KCl; 1,25 CaCl2; 1,16 MgSO4; 1,18 KH2PO4; 5,50 glicose e 25,88 NaHCO3. A pressão parcial de oxigênio da solução foi mantida entre 550 a 600 mmHg. Os músculos papilares foram mantidos em posição vertical nas câmaras de vidro. O anel inferior foi ligado a fio de aço inoxidável de 0,031 cm de diâmetro, que encontra-se conectado ao transdutor de força (Kyowa 120T20B). O anel superior foi conectado a outro fio de aço, semelhante ao anterior, preso à extremidade do braço longo de uma alavanca isotônica. Sobre essa extremidade há micrômetro que, controlando a extensão dos movimentos da alavanca, permitia ajustar o comprimento do músculo na fase de relaxamento muscular. O estiramento inicial das fibras musculares foi realizado com carga de pequeno peso (précarga) suspensa na extremidade do braço curto da alavanca, construída em alumínio; sendo rígida e leve, com a razão entre os braços longo e curto é de 4:1.
Os músculos foram estimulados 12 vezes por minuto por meio de eletrodos de platina tipo agulha, acoplados a estimulador elétrico programado para liberar estímulos em onda quadrada de 5 ms. A voltagem do estímulo era ajustada para valor 10% maior que o mínimo necessário para provocar resposta mecânica máxima do músculo. Para avaliação funcional, as variáveis foram estudadas em condições basais e após três diferentes estímulos inotrópicos: pós-pausa compensatória, aumento na concentração de cálcio de 1,25 mM para 5,2 mM e estimulação beta-adrenérgica obtida pela adição de isoproterenol ao banho de perfusão (concentração final de 10-6 M de isoproterenol na solução nutriente).
Os parâmetros morfológicos usados para caracterizar os músculos papilares foram: comprimento (mm) e área seccional (mm2). O comprimento in vitro, em Lmax (estiramento no qual a força é máxima), foi obtido com catetômetro Gartner. A área seccional foi calculada a partir de medidas do diâmetro do segmento central, assumindo-se que o músculo tem forma geométrica cilíndrica e peso específico 1,0. A contratilidade foi avaliada a partir das medidas: tensão de repouso (TR); tensão desenvolvida (TD), definida como a diferença entre o pico de tensão e a TR; tempo para desenvolvimento de tensão ativa máxima (TPT) e, finalmente, o tempo para ocorrer 50% do relaxamento total (TR50). A velocidade do aumento e decréscimo da tensão em cada contração foi determinada a partir da derivada de tensão (+dT/dt e -dT/dt, respectivamente).
O peso úmido do ventrículo esquerdo e direito, normalizado para peso corpóreo final do rato (PC), foi utilizado como índice de hipertrofia ventricular.
O conteúdo de água dos tecidos foi avaliado pela relação entre peso úmido e seco dos tecidos do fígado, pulmão e ventrículo esquerdo.
Os dados morfométricos e do estudo ecocardiográfico foram analisados por meio da análise de variância complementada com o teste de comparações múltiplas de Tukey. Os resultados do estudo funcional com o músculo papilar foram analisados por meio da análise de medidas repetidas dos perfis médios dos grupos complementada com os testes de comparações múltiplas. O nível de significância foi fixado em 5%.
Resultados
As variáveis estruturais dos animais encontram-se na tabela I. Podemos observar que o hormônio de crescimento não interferiu com o tamanho do infarto. O peso do ventrículo esquerdo ajustado para o peso corpóreo final (mg/g) dos ratos foi maior no grupo IAM-GH em relação ao grupo IAM (C=1,938±0,137; IAM=1,924±0,135; IAM-GH=2,076±0,114; P<0,05 para IAM vs IAM-GH). Não houve diferença estatística das outras variáveis quando da comparação entre os 3 grupos.
Na tabela II são apresentados os valores obtidos no estudo ecocardiográfico. O ecocardiograma identificou aumento nos DDVE (C=7,32±0,49; IAM=8,50±0,73; IAM-GH=9,34±0,73 mm; P<0,05) e DSVE (C=3,38±0,47, IAM=5,16±1,24; IAM-GH=5,96±1,54 mm; P<0,05) nos animais com infarto, sendo que somente os animais IAM-GH apresentaram maiores DDVE/PC (C=21,16±1,60; IAM=25,41±4,74; IAM-GH=25,78±3,02 mm/kg; P<0,05 para C vs IAM-GH) em relação aos controles. Os animais do grupo IAM-GH apresentaram menor fração de ejeção (C=0,90±0,03;IAM=0.76±0,12;IAM-GH=0,72±0,14; P<0,05 para C vs IAM-GH) e de encurtamento (C=53,10±7,05; IAM=40,80±15,65;IAM-GH=35,80±22,20; P<0,05 para C vs IAM-GH) que os animais do grupo controle.
Os resultados do estudo funcional com músculo papilar isolado e estimulação inotrópica com pausa na contração encontram-se na tabela III. Os animais do grupo IAM-GH apresentaram maiores valores da tensão de repouso que os animais dos outros grupos em condições basais (C=1,39±0,35; IAM=1,22±0,35; IAM-GH=1,83±0,58 g/mm2; P<0,05). Após a pausa, podemos observar o mesmo comportamento que na situação controle (C=1,39±0,32; IAM=1,25±0,37; IAM-GH=1,85±0,56 g/mm2; P<0,05). Para as outras variáveis, não foram encontradas diferenças entre os grupos.
Os resultados da resposta inotrópica após aumento da concentração de cálcio no meio de perfusão de 1,25 mM para 5,2 mM acham-se na tabela IV. O grupo IAM-GH apresentou aumento na TR nas condições basais (C=1,50±0,59; IAM=1,28±0,38; IAM-GH=1,98±0,41; P<0,05 para C vs IAM-GH) e diminuição no delta da TR50 após estimulação com cálcio (C=23,75±9,16; IAM=16,56±14,82; IAM-GH=4,69±8,39 ms; P<0,05 para C vs IAM-GH). Para as outras variáveis, não foram encontradas diferenças entre os 3 grupos.
Os resultados da estimulação inotrópica com isoproterenol estão na tabela V. O grupo IAM-GH apresentou alterações no delta da TD (C=0,99±0,17; IAM=0,54±0,62; IAM-GH= 0,08±0,75; P<0,05 para C vs IAM-GH) após o isoproterenol. Para as outras variáveis, não foram encontradas diferenças entre os 3 grupos.
Discussão
O objetivo do nosso estudo foi analisar os efeitos da administração precoce do hormônio de crescimento nas alterações morfológicas e funcionais que ocorrem após o infarto agudo do miocárdio produzido experimentalmente em ratos. Para tanto, os animais foram estudados por meio do ecocardiograma e da preparação com músculo papilar isolado. Nestes, foram analisados os comportamentos funcionais dos músculos em condições basais e após três tipos de intervenções que cursam com inotropismo positivo: a contração pós-pausa, o aumento da concentração de cálcio e adição de isoproterenol ao banho de perfusão. Essas manobras permitem identificar anormalidades funcionais não detectadas em condições basais, além de identificar os mecanismos envolvidos nas disfunções da contração do músculo cardíaco secundárias a diversos tipos de injúria.
O nosso estudo indica que a administração precoce de hormônio de crescimento foi acompanhada de aumento da massa e das dimensões da cavidade ventricular esquerda em ratos com infarto do miocárdio. Essas alterações foram acompanhadas por piora de algumas variáveis funcionais cardíacas, como a queda na fração de encurtamento e na fração de ejeção. Assim, o conjunto de nossos resultados sugere que o uso precoce de hormônio de crescimento pode resultar em efeitos adversos no processo de remodelação ventricular após o infarto agudo do miocárdio. Devemos destacar que a piora da remodelação no grupo hormônio de crescimento ocorreu sem que o hormônio tivesse tido influência no tamanho do infarto.
Um dos aspectos principais de nosso trabalho refere-se ao fato de que o infarto resultou em aumento da massa do ventrículo esquerdo. A administração de hormônio de crescimento foi acompa nhada por aumento adicional da massa do ventrículo esquerdo, identificado pelo ecocardiograma e pela análise morfológica. Observamos também que essa hipertrofia foi acompanhada por aumento da cavidade ventricular esquerda que, a exemplo do aumento da massa, foi maior no grupo tratado com hormônio de crescimento. Em adição, no grupo hormônio de crescimento houve diminuição da relação entre a espessura da parede e o diâmetro da cavidade. O conjunto desses dados indica que o hormônio de crescimento intensificou a hipertrofia ventricular de padrão excêntrico.
Outro aspecto relevante de nosso estudo foi que no grupo infartado e tratado com hormônio de crescimento, a hipertrofia cardíaca foi acompanhada de acentuação da disfunção ventricular produzida pelo infarto. O estudo funcional in vivo pelo ecocardiograma identificou menor fração de ejeção e de encurtamento nos animais tratados com hormônio de crescimento. De outro modo, o estudo in vitro no músculo papilar isolado evidenciou alterações em algumas variáveis. Em condições basais, foram identificadas alterações na tensão de repouso nos animais infartados tratados com hormônio de crescimento. Do mesmo modo, a estimulação inotrópica também evidenciou algumas alterações, já que o aumento do cálcio causou menor variação (delta) na TR50, enquanto que o isoproterenol resultou em menor delta na tensão de repouso nos ratos do grupo hormônio de crescimento.
Outros autores analisaram os efeitos da administração do hormônio de crescimento na fase adulta na ausência de doença cardiovascular. Em ratos normais, o hormônio de crescimento resultou em hipertrofia cardíaca sem aumento de fibrose. Essa resposta foi acompanhada por aumento da contratilidade, alterações na gênese dos potenciais de ação cardíacos e vasodilatação periférica. Em humanos em fases precoces da acromegalia, observou-se aumento do débito e da frequência cardíaca, sinais compatíveis com síndrome hipercinética5.
Em situações patológicas, considerando estudos experimentais, Yang e cols. analisaram os efeitos do hormônio de crescimento (2 mg/kg/dia), iniciado 4 semanas após a indução de grandes infartos em ratos. Após 13 dias de tratamento, os animais do grupo tratado apresentaram aumento do débito cardíaco, do volume sistólico e da primeira derivada de pressão, acompanhados de diminuição da pressão distólica final do ventrículo esquerdo, em comparação aos animais não tratados7. No mesmo modelo de infartos grandes em ratos, a administração de hormônio de crescimento resultou em atenuação do processo de remodelação após 3 semanas de tratamento8. Recentemente, observou-se que o hormônio de crescimento resultou em aumento no RNA mensageiro para a bomba de cálcio do retículo sarcoplasmático (SERCA-2), diminuição da apoptose e do acúmulo de colágeno em ratos infartados. Essas alterações foram acompanhadas por melhora funcional e prolongação da sobrevida9,10. Devemos considerar, entretanto, que os benefícios do GH não foram consistentes em todos os estudos. Em outro estudo também realizado no modelo de infarto em ratos, a administração do hormônio de crescimento (2 mg/kg/d) resultou em melhora discreta da função cardíaca, mas sem efeitos em variáveis da remodelação ventricular17.
Em relação aos estudos clínicos que avaliaram o papel do hormônio de crescimento em situações patológicas, já foi documentado que pacientes com infarto gudo do miocárdio apresentam elevação significativa nos níveis de hormônio de crescimento nas primeiras 24h após o infarto18. Considerando que os níveis de hormônio de crescimento relacionaram-se com o tamanho do infarto e com a mortalidade, especulou-se que o hormônio de crescimento poderia participar dos eventos fisiopatológicos do processo de remodelação pós-infarto em humanos19, 20.
Um aspecto relevante é que os estudos clínicos em pacientes com insuficiência cardíaca também apresentaram resultados conflitantes com a suplementação de hormônio de crescimento. Em estudo com 7 pacientes com cardiomiopatia dilatada, a adminstração de hormônio de crescimento por 3 meses resultou em aumento do débito cardíaco, com queda do estresse sistólico final do ventrículo esquerdo18. Entretanto, esses achados preliminares sobre os efeitos benéficos do hormônio de crescimento em casos de disfunção ventricular não foram comprovados em estudos randômicos21,22. Portanto, os efeitos do hormônio de crescimento em casos de disfunção ventricular e/ou infarto agudo do miocárdio ainda não estão completamente esclarecidos.
Algumas teorias foram levantadas para explicar os dados conflitantes apresentados na literatura. Vários fatores são considera dos importantes em relação aos efeitos da administração do hormônio de crescimento em modelos de disfunção cardíaca. Assim, o uso de hormônio de crescimento humano em animais de experimentação, diferenças na dose administrada, o tempo do tratamento, bem como a etiologia da disfunção ventricular, poderiam justificar as diferenças observadas nos estudos clínicos e experimentais.
O nosso estudo apresenta duas características que o diferencia de outros trabalhos experimentais que estudaram os efeitos do hormônio de crescimento após o infarto agudo do miocárdio. Em primeiro lugar, os estudos citados usaram animais com grandes infartos, maiores que 35% do total da circunferência do ventrículo esquerdo. Em conseqüência, os animais apresentavam sinais de disfunção cardíaca importante. Nosso estudo utilizou animais com infartos pequenos (variando de 16,7 a 30,6%) e, portanto, com alterações discretas da função ventricular. Assim, nossos dados, em conjunto com os resultados observados na literatura, sugerem que o grau da disfunção ventricular pode ser fator determinante dos efeitos do hormônio de crescimento após o infarto agudo do miocárdio. Outra peculiaridade do nosso trabalho é que, enquanto outros estudos introduziram o hormônio de crescimento após semanas da indução do infarto, os nossos animais começaram a receber o hormônio de crescimento imediatamente após o infarto. Esse fato sugere que o hormônio de crescimento possa interferir de maneira deletéria com os fenômenos fisiopatológicos que ocorrem na fase precoce pós-infarto agudo do miocárdio, particularmente o processo de cicatrização e a expansão do infarto.
Em relação aos mecanismos envolvidos na gênese da disfunção ventricular induzida pelo hormônio de crescimento, podemos observar que, em nosso estudo, não houve mudança no comportamento funcional após a manobra de pausa da contração. Considerando que essa manobra analisa a integridade do retículo sarcoplasmático23, podemos concluir que esse sistema não foi afetado pelo hormônio de crescimento. Por outro lado, sua administração resultou em menor delta de algumas variáveis funcionais com o aumento da concentração de cálcio, bem como após o isoproterenol. Assim, nossos dados indicam que podem ter ocorrido depressão na responsividade ao cálcio e da via beta-adrenérgica. Devemos observar, entretanto, que essas alterações do músculo papilar foram apenas em algumas variáveis isoladas, o que poderia indicar função miocárdica preservada. Deste modo, apesar da função do músculo não estar seriamente comprometida, o hormônio de crescimento resultou em função da câmara ventricular esquerda deprimida. Os nossos resultados estão de acordo com o conceito de que a geometria desempenha papel relevante na fisiopatologia da disfunção ventricular no coração remodelado, provavelmente pelo aumento do estresse parietal24.
Em conclusão, nossos resultados sugerem que, no modelo de infarto experimental em ratos, a administração precoce do hormônio de crescimento pode resultar em efeitos adversos no processo de remodelação ventricular.
Enviado em 08/01/2004
Aceito em 01/07/2004
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Mar 2005 -
Data do Fascículo
Fev 2005
Histórico
-
Recebido
08 Jan 2004 -
Aceito
01 Jul 2004