Palavras-chave
Aneurisma da Artéria Coronária Esquerda; Doença de Kawasaki; Doença da Artéria Coronária
Dados clínicos: Há 3 meses dor discreta retroesternal, cansaço e taquicardia (170 bpm) por flutter atrial, revertida com amiodarona. Tomografia torácica evidenciou aneurisma gigante da artéria coronária esquerda. Comunicação interatrial corrigida com 3 anos de idade. Leva vida ativa com esporte moderado. Criptorquidia corrigida com 12 anos, com prejuízo da fertilidade.
Exame físico: bom estado geral, eupneico, acianótico, pulsos normais nos 4 membros. Peso: 88 Kgs, Alt.: 172 cm, PAMSD: 130/80 mm Hg, FC: 60 bpm. Aorta não palpada na fúrcula.
Precórdio: ictus cordis não palpado, sem impulsões sistólicas. Bulhas cardíacas hipofonéticas, sem sopros cardíacos. Fígado não palpado e pulmões limpos.
Exames complementares
Eletrocardiograma: ritmo sinusal, sem sobrecargas cavitárias, bloqueio completo do ramo direito e atrioventricular 1º grau. PR: 0,22, QRS: 0,109 com complexos rSr´ em V1 e RS em V6; AP = +0º, AQRS = +220º, AT = +66º.
Radiografia de tórax: área cardíaca normal (índice cardiotorácico = 0,50) e imagem vascular linear com densidade aumentada bordeando o arco ventricular (Figura 1A).
Radiografia de tórax em PA salienta área cardíaca e trama vascular pulmonar normais. Na borda ventricular à esquerda visibiliza-se uma imagem retilínea densa que corresponde ao aneurisma da artéria coronária esquerda (seta). Cinecoronariografia salienta o aneurisma do tronco da coronária esquerda e da circunflexa (B e D), a obstrução da descendente anterior (B e D) e da coronária direita (C). Observa-se enchimento desta artéria, com obstrução total, a partir da coronária esquerda e da parte distal da DA. Tomografia de tórax mostra dilatação da artéria pulmonar esquerda, e calibre normal da aorta ascendente e descendente (E).
Ecocardiograma: cavidades cardíacas normais exceto discreto aumento do átrio esquerdo, função biventricular normal. Dilatação da artéria coronária esquerda correspondendo à artéria circunflexa na junção atrioventricular na parede anterolateral do ventrículo esquerdo, medindo 40 mm. Aorta = 34 mm, AE = 46, VD = 25, VE = 47, septo = parede posterior = 10 mm, FEVE = 68%.
Holter: Ritmo sinusal, frequência cardíaca = 56 a 100, média= 72 bpm. Extrassistolia ventricular polimórfica, bigeminada, frequente, especialmente na madrugada e período matinal. Bloqueio atrioventricular 1º grau, PR = 0,26, alternando com condução AV normal. Ausência de alterações da repolarização ventricular e de sintomas.
Cinecoronariografia: coronária direita ocluída na origem, com circulação colateral intracoronária. Tronco da coronária esquerda com grande dilatação aneurismática e irregularidades parietais com fluxo turbilhonado. Artéria descendente anterior exibe oclusão na origem e opacificação distal por colaterais ipsilaterais. Artéria circunflexa exibe ectasia de grandes dimensões e irregularidades parietais. Emite circulação colateral ipsilateral para descendente anterior e coronária direita. Ventriculografia esquerda exibe volume diastólico preservado e hipocinesia anteromedial discreta, com valva mitral competente (Figura 1B, C e D).
Tomografia computadorizada do tórax mostra grande saculação alongada de origem vascular na região subaórtica, junto à topografia da artéria circunflexa, de 10,0 cm no maior eixo (Figura 1E).
Diagnóstico clínico: Extenso aneurisma gigante da artéria coronária esquerda desde o tronco até o terço médio da circunflexa com obstrução total da descendente anterior e da coronária direita.
Raciocínio clínico: em paciente assintomático com correção prévia de defeito cardíaco simples (CIA com 3 anos de idade), os elementos clínicos recentes de fluter atrial, bloqueio completo do ramo direito não pressupunham existência de patologia coronária com exagerada dilatação das artérias coronárias, sem isquemia e/ou disfunção ventricular. Esse diagnóstico foi estabelecido por exames de imagens, particularmente pela angiotomografia de tórax e cinecoronariografia. A radiografia de tórax, se melhor analisada, poderia ter aberto a suspeição diagnóstica e o ecocardiograma salientou o diagnóstico.
Diagnóstico diferencial: a causa presuntiva do aneurisma inusitado das artérias coronárias, dada sua extensão e magnitude, foi orientada para processo de arterite prévio. Dada presença concomitante de obstruções nítidas, principalmente da artéria coronária direita, a suposição imediata foi a de síndrome de Kawasaki, a qual ocorre na idade infantil e progride para alterações significativas de risco ainda na criança como infarto do miocárdio, ruptura de aneurismas e morte súbita. A evolução para a idade adulta é rara, mas possível em face de que o aneurisma, mesmo acentuado, pode evoluir silenciosamente sem causar malefícios, como observado. Outras causas de arterites se referem a síndrome de Takayasu, a doenças do tecido conjuntivo (poliarterite nodosa, lupus, e esclerodermia), a aterosclerose e a infecções como sífilis.
Conduta: Houve indicação cirúrgica preventiva em face da magnitude das alterações coronárias. O aneurisma do tronco da coronária esquerda tinha 45 mm de diâmetro com trombo organizado no interior. Feita trombectomia e interposição de tubo de dacron 10 mm nos seus cotos proximal e distal. Ponte de safena da aorta para a descendente anterior, extraída da coxa esquerda (raro local de veia íntegra, pois as demais apresentavam tecido inflamatório sem perviabilidade, incluindo a mamária esquerda). Operação prolongada (5:40 hs de CEC e isquemia de 151 minutos) com exclusão de marginal esquerda que emergia do grande aneurisma, ocasionou choque cardiogênico com continuidade por ECMO por 11 dias, balão intra-aórtico por 22 dias e função ventricular deteriorada, mas com melhora progressiva de 34 a 58%, sem aumento de cavidades cardíacas, mas acinesia inferior e lateral. Estudo histológico de fragmento da artéria coronária revelou parede arterial espessa com fibrose, calcificação, granulomas epitelióides com células gigantes multinucleadas, características de vasculite de Kawasaki.
Comentários: A normalidade anatômica após correção dos aneurismas coronários trouxe alento apesar de processo isquêmico miocárdico pela interrupção de vasos emergentes dos mesmos. Na literatura, 28 casos de aneurismas coronários em adultos foram relatados em período de 49 anos,11 Keyser A, Hilker MK, Husser O, Diez C, Schmid C. Giant coronary aneurysms exceeding 5 cm in size. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2012;15(1):33-6. doi: 10.1093/icvts/ivs111.
https://doi.org/10.1093/icvts/ivs111...
sendo que a maioria foi operada (68%) por ligadura do aneurisma e bypass coronário, com boa evolução na maioria (95%). Há relatos de intervenção percutânea em aneurismas localizados22 Zeb M, McKenzie DB, Scott PA, Talwar S. Treatment of coronary aneurysms with covered stents: a review with illustrated case. J Invasive Cardiol. 2012;24(9):465-9. PMID: 22954568. menores de 10 mm, assim como casos em tratamento clínico com anticoagulantes, mas com evolução desfavorável (62,5%).
References
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1Keyser A, Hilker MK, Husser O, Diez C, Schmid C. Giant coronary aneurysms exceeding 5 cm in size. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2012;15(1):33-6. doi: 10.1093/icvts/ivs111.
» https://doi.org/10.1093/icvts/ivs111 -
2Zeb M, McKenzie DB, Scott PA, Talwar S. Treatment of coronary aneurysms with covered stents: a review with illustrated case. J Invasive Cardiol. 2012;24(9):465-9. PMID: 22954568.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov 2017