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Considerações sobre o uso de enoxaparina genérica em síndrome coronariana aguda

CARTA AO EDITOR

Considerações sobre o uso de enoxaparina genérica em síndrome coronariana aguda

Marise Gomes; Eduardo Ramacciotti; Evangelos Litinas; Jawed Fareed

Vascular Surgery University of Michigan Medical School

Correspondência Correspondência: Eduardo Ramacciotti Vascular Surgery University of Michigan Medical School A570D, MSRB II, 1150 W Medical Center Dr, Ann Arbor, MI 48109 E-mail: eduardoramacciotti@gmail.com

Palavras-chave: Enoxaparina/efeitos adversos, medicamentos genéricos, síndrome coronariana aguda.

Caro Editor,

Várias marcas genéricas de heparina de baixo peso molecular (HBPM) tem sido recentemente utilizadas em diferentes partes do mundo. Na América do Sul, várias versões genéricas de enoxaparina estão disponíveis. Dados sobre a bioequivalência clínica desses agentes não estão disponíveis1. Entretanto, alguns dos estudos tem comparado esses agentes em relação à suas ações farmacocinéticas e farmacodinâmicas. Diferentes estudos também tem mostrado in vitro e em modelos animais que alguns desses agentes são diferentes2,3. Além do uso no manejo de trombose venosa profunda (TVP), esses medicamentos são também utilizados em síndromes coronarianas agudas (SCA).

O papel da enoxaparina nas SCA é bem estabelecido4,5. Doses de 1 mg/kg BID para infarto do miocárdio sem elevação de segmento ST (NSTEMI) por até 10 dias representa a dose mais alta que pode apresentar um maior potencial de acumulação do que a dose usual para outras indicações, tais como a profilaxia de TVP.

Para infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (STEMI), uma dose inicial de 30 mg IV seguida por 1mg/kg SQ também representa uma dose maior, onde os níveis circulantes podem atingir até 1 U/ml nos estágios iniciais6. Como esses pacientes são, em sua maioria, tratados com agentes antiplaquetários e outros medicamentos, as potenciais interações medicamentosas são amplificadas, o que pode resultar em sangramentos.

No caso de um paciente submetido à intervenção coronariana percutânea (ICP) e que já tenha sido tratado com enoxaparina, uma janela de 8 horas é estipulada para a heparinização. Independentemente disso, a heparina não-fracionada (HNF) e a enoxaparina apresentam interações medicamentosas significantes que podem resultar em piora do sangramento. Além disso, muitos desses pacientes são tratados com agentes trombolíticos e antiplaquetários, com dosagens variáveis. Dessa forma, esse procedimento também representa um regime de tratamento complicado, o qual apresenta uma baixa margem de segurança.

As versões genéricas de enoxaparina tem sido amplamente utilizadas na Índia e na América do Sul para o tratamento de SCA, sem quaisquer testes clínicos. Questões de segurança ainda não foram registradas. A revisão inicial das diferenças entre as marcas registradas e as versões genéricas dos agentes claramente mostra importantes questões de segurança7. Além disso, a imunogenicidade de diferentes marcas registradas e genéricas pode contribuir para o desfecho de segurança com esses agentes. Embora os pacientes sejam tratados por até 10 dias, os anticorpos podem persistir por até 6 a 8 semanas e podem alterar a eficácia anticoagulante desses compostos. Entretanto, tais dados não estão disponíveis.

Algumas das questões relativas à segurança do uso da enoxaparina genérica nas SCA são mostradas abaixo:

1. Uma dose completa de 1 mg/kg BID, resultando em altos níveis circulantes pode acarretar um alto risco de sangramento, devido à vários fatores complicantes.

2. Interações com agentes antiplaquetários, que podem variar com diferentes medicamentos e combinações de medicamentos.

3. Interação com agentes trombolíticos também pode variar, dependendo do tipo de agente utilizado e do tempo.

4. Interações potenciais desconhecidas com anticoagulantes mais novos, tais como dabigatran, rivaroxaban e apixaban

5. Hiperacumulação de medicamentos em pacientes com disfunção renal.

6. Conversão do tratamento clínico da SCA para ICP ou revascularização do miocárdio e as conseqüências de potenciais interações entre enoxaparina "on-board" e HNF IV enquanto o paciente está recebendo dosagem completa.

7. O desfecho primário e a incidência de complicações peri-procedimento, tais como desfechos isquêmicos primários (IM), sangramento e trombose de cateter tem sido analisados em relação à enoxaparina de marca e a HNF. Entretanto, essas questões ainda não foram adequadamente estudadas em produtos de marca e versões genéricas e isso pode resultar em diferenças significantes entre esses produtos. Isso requer validação clínica em estudos com poder adequado.

Dessa forma, nesse momento, o uso de enoxaparina genérica para essa indicação crítica não é recomendado. Além disso, apenas a realização de estudos de bioequivalência e profilaxia limitada para TEV em voluntários saudáveis com doses relativamente baixas de 40 mg OD SQ não é adequada para justificar a uso de agentes genéricos em indicações cardiovasculares tão críticas quanto SCA.

Um estudo anterior comparou a eficácia e segurança de uma marca registrada de enoxaparina, Lovenox, com uma forma genérica desse agente8. Esse estudo somente comparou dois agentes em situações de TVP no Brasil. Estudos mais abrangentes foram solicitados para validação estatística. Gostaríamos de sugerir cautela, pois os resultados desses estudos não podem ser extrapolados para outras indicações, particularmente nas SCA. Qualquer declaração feita pela empresa ou outros sobre a equivalência clínica de um produto genérico deve ser validado por um estudo clínico adequado. Como autores do estudo não publicado, gostaríamos de declarar que as diferenças farmacodinâmicas nas dosagens podem contribuir para diferenças clínicas e devem ser levadas em consideração. Também gostaríamos de enfatizar que o uso de enoxaparina genérica em indicações tais como a SCA deve ser validado através de estudo clínico antes de sua aprovação. Dessa forma, é necessário que as autoridades regulatórias considerem essa proposta. Similarmente às HBPM, cada produto genérico deve ser comparado em relação à sua eficácia e segurança em diferentes indicações em estudos clínicos com desenho e poder adequados.

Artigo recebido em 30/07/10, revisado recebido em 30/07/10; aceito em 16/08/10.

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  • 3. Fareed J, Ma Q, Florian M, Maddineni J, Iqbal O, Hoppensteadt DA, et al. Differentiation of low-molecular-weight heparins: impact on the future of the management of thrombosis. Semin Thromb Hemost. 2004; 30 (Suppl 1): 89-104.
  • 4. White HD, Kleiman NS, Mahaffey KW, Lokhnygina Y, Pieper KS, Chiswell K, et al. Efficacy and safety of enoxaparin compared with unfractionated heparin in high-risk patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndrome undergoing percutaneous coronary intervention in the Superior Yield of the New Strategy of Enoxaparin, Revascularization and Glycoprotein IIb/IIIa Inhibitors (SYNERGY) trial. Am Heart J. 2006; 152 (6): 1042-50.
  • 5. Rosito GA, da Silva OB, Ribeiro JP. Evidências farmacológico-clínicas para o uso das heparinas de baixo peso molecular nas síndromes coronarianas agudas. Arq Bras Cardiol. 2001; 77 (2): 184-9.
  • 6. Nicolau JC, Cohen M, Montalescot G. Differences among low-molecular-weight heparins: evidence in patients with acute coronary syndromes. J Cardiovasc Pharmacol. 2009; 53 (6): 440-5.
  • 7. Fareed J, Leong W, Hoppensteadt DA, Jeske WP, Walenga J, Bick RL. Development of generic low molecular weight heparins: a perspective. Hematol Oncol Clin North Am. 2005; 19 (1): 53-68, v-vi.
  • 8. Gomes M. Análise comparativa da segurança e eficácia da enoxaparina genérica versus enoxaparina padrão, na profilaxia da doença tromboembólica venosa em pacientes submetidos a operação maior abdominal [Tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo; 2009.
  • Correspondência:

    Eduardo Ramacciotti
    Vascular Surgery University of Michigan Medical School
    A570D, MSRB II, 1150 W
    Medical Center Dr, Ann Arbor, MI 48109
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2010
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