EDITORIAL
O professor Jairo Ramos editor fundador
Evandro Tinoco Mesquita
Universidade Federal Fluminense - Rio de Janeiro, RJ
Correspondência Correspondência Evandro Tinoco Mesquita Rua 5 de Julho, 304/402 24220-210 Niterói, RJ E-mail: etmesquita@cardiol.br
Os Arquivos, além da sua missão de divulgar o conhecimento científico cardiovascular de qualidade produzido no nosso país e de auxiliar a sua incorporação na prática diária, têm o importante compromisso de preservar os marcos históricos da nossa cardiologia. A fundação dos Arquivos ocorreu na difícil época do Brasil pós-guerra, momento também de transição para a moderna cardiologia.
A SBC muito deve aos nossos predecessores que ajudaram a construir a cardiologia brasileira, dentre esses destacamos o importante papel do "progenitor" dos Arquivos, o Professor Jairo de Almeida Ramos, também um dos fundadores da SBC, posteriormente eleito presidente da nossa sociedade no período entre 1955-1956.
O Professor Dr. Jairo de Almeida Ramos foi o editor fundador dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, lançados no primeiro trimestre de 1948, na gestão do Dr. Octavio Magalhães. Um outro interessante fato histórico é que o nome "Arquivos" foi também sugestão do Dr. Jairo Ramos. O nosso primeiro número circulou com 600 exemplares, sendo constituído de sete artigos distribuídos em 112 páginas. O "trabalho artesanal" de editoria era compartilhado com três destacados redatores auxiliares: Luiz V. Decourt, Reinaldo Marcondes e Leovigildo de Mendonça de Barros. A importante atuação do Dr. Jairo como diretor dos arquivos ocorreu no período de janeiro de 1948 até dezembro de 1953.
Ao longo dos seus 56 anos, os Arquivos têm circulado sem interrupção, evoluindo de publicação trimestral, até 1960, para bimestral, até 1978, tornando-se mensal a partir de 1979.
O lançamento dos Arquivos foi assim traduzido pelo nosso editor fundador no primeiro editorial, que já antevia a consolidação da nossa revista e do futuro da SBC:
"Realizamos, hoje, com o primeiro número dos "Arquivos", uma das grandes aspirações da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Publicados sob os auspícios desta Associação, assinalam uma nova etapa percorrida e reafirmam os seus propósitos de incentivo aos estudos e às pesquisas cardiológicas no Brasil.
A Direção, através de seu Conselho de Redação, selecionará os artigos a serem publicados, para que um alto nível científico seja mantido. Nestas condições, os "Arquivos" não serão realmente um órgão oficial da Sociedade Brasileira de Cardiologia, não assumindo a Redação, o compromisso de publicar todos os trabalhos apresentados em suas reuniões anuais. Por isso, também, não exigirá que os autores das obras a serem publicadas façam parte do quadro social. Suas páginas estarão abertas a todos os que, realmente, contribuam para o progresso da cardiologia".
A VIDA ACADÊMICA
O Professor Emérito Jairo Ramos (1900-1972) teve um marcante papel de líder na educação, na vida associativa, como médico de sucesso e também como escritor médico. Sua formação como clínico geral, e também como um dos pioneiros da cardiologia em nosso meio, foi marcada pelo seu particular interesse no ensino da propedêutica e da terapêutica.
O Professor Jairo foi um dos fundadores (1933) da Escola Paulista de Medicina (EPM), ocupando a cátedra de Clínica Propedêutica. Sua ampla visão como médico e educador o conduziu a participar ativamente da mudança de paradigma da tradicional escola francesa fortemente embasada em valores humanísticos para o modelo focado na técnica e nos avanços científicos a emergente medicina americana, incorporando na sua atividade acadêmica aquilo que considerava relevante ambas as escolas na prática clínica. Sua visão de excelência e sua valorização da especialização médica foram a base para a consolidação de um núcleo de excelência de pós-graduação em nosso país.
A criação do Departamento de Clínica Médica na EPM foi um marco na evolução do ensino médico no Brasil, impulsionando a qualificação dos seus colegas docentes e estimulando a formação especializada em centros internacionais. O auxílio que aquele Departamento recebeu das Fundações Rockefeller e Kellog permitiu a instalação de laboratório de pesquisa e facilitou o envio de jovens professores para estágios no exterior, garantindo melhor remuneração para os docentes seniores.
Os docentes passaram a manter consultório para atendimento dos pacientes particulares dentro do hospital universitário. Estagiaram no exterior muitos dos seus colaboradores. Destacamos na área cardiológica os seguintes colegas: Silvio Borges (1948-1950), Cantídio de Moura Campos Filho (1949-1952), Ítalo Domingos Lê Vocci (1947-1948), no Instituto Nacional de Cardiologia do México.
No Departamento de Clínica Médica da EPM desenvolveu os núcleos de pesquisa clínica e lançou as bases para a estruturação dos programas de Residência Médica (iniciados em 1957) e de pós-graduação stricto sensu (credenciados na década de 1970). No ano de 1965, recebeu o título de Professor da Escola Paulista de Medicina.
(...) "O estágio no estrangeiro, particularmente nas organizações americanas, oferece sempre grande aproveitamento, resultante de três condições: aprendizado de matérias que você aqui não encontraria tempo para fazer, disciplina para o estudo que permite posteriormente um autodidatismo de que precisamos a vida toda, e o conhecimento de novos ambientes e de outros homens, que nos tira o "servilismo" intelectual e assim nos permite aprender o que existe de bom nos nosso ambientes e nos homens que passamos a conhecer".
ATIVIDADES PROFISSIONAIS
O Dr. Jairo, ao lado da sua ativa participação na EPM, possuía uma intensa atividade na clínica privada, que ele transformando o consultório prolongamento das suas atividades acadêmicas com a constante presença de estudantes de Medicina para o convívio com seus pacientes. Sua efetiva participação na defesa profissional se fez presente ao participar da fundação da Associação Paulista de Medicina, unindo os colegas paulistas para defesa de melhoria das condições de trabalho.
Em 1951, em parceria com Alípio Correa Neto e Hilton Rocha, o Dr. Jairo participou da fundação da Associação Médica Brasileira. Paralelamente, auxiliou na criação do Conselho Regional de Medicina e foi sócio fundador de Associação Brasileira de Escolas Médicas.
"A vida do médico é integralmente social. Sua função é valorizar o homem e protegê-lo contra os agravos que afetam o soma e o psíquico. Nada afeta mais o psíquico do homem que as incompreensões da sociedade. Nada afeta mais o soma que os desequilíbrios sociais condicionados pela falta de assistência e de proteção ao homem comum".
PUBLICAÇÕES
Lançado em 1957, o seu importante livro Atualização terapêutica, de autoria do Professor Jairo Ramos, já se encontra na 198ª edição e continua sendo um dos livros médicos mais vendidos em nosso país. No prefácio, o autor oportunamente aponta para a importância da terapêutica na formação médica:
"Há quem diga que a terapêutica é que iguala os médicos. Frase maliciosa e não real. A terapêutica sintomática iguala todos os médicos; ao contrário, a terapêutica especifica distingue o bom do mau médico. Distingue os médicos que preferem um prévio e seguro diagnóstico a uma terapêutica apressada e meramente sintomática".
Hoje, com o objetivo de estimular os jovens médicos, sua família tem destinado o lucro da venda deste livro para o prêmio Jairo Ramos, concedido anualmente pela Associação Paulista de Medicina1.
Além de seu importante trabalho como editor dos Arquivos, o Dr. Jairo foi também fundador da Revista Brasileira de Medicina.
Portanto, mais que uma ação visando preservar o legado de Professor Jairo Ramos, os Arquivos têm orgulho de registrar aqui a história de um cardiologista pioneiro, que se dedicou à construção da nossa revista, veículo que tem sido fundamental para a divulgação científica e para a consolidação da cardiologia brasileira.
REFERÊNCIA
1. Disponível em: < www.apm.org.br>
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Fev 2006 -
Data do Fascículo
Jan 2006