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Embolia múltipla simultânea das artérias coronárias direita e esquerda

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Embolia múltipla simultânea das artérias coronárias direita e esquerda

Moacir Fernandes Godoy; Thiago Augustus Portes; Paulo Leandro Alves Bernardo; Flávio Correa Pivatelli

São José do Rio Preto, SP

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - Famerp

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Thiago Augustus Portes R. José Picerni, 419/33 Cep 15091-200 - São José do Rio Preto - sp E-mail: thiportes@ig.com.br

Mulher de 39 anos, tabagista, portadora há 2anos, de prótese valvar mecânica em posição aórtica e mitral, e uso irregular de anticoagulante oral (INR=1.1), apresentando quadro clínico típico de infarto agudo do miocárdio. O eletrocardiograma mostrou supradesnivelamento do segmento-ST de 9 mm nas derivações II, III e aVF (fig. 1). A concentração sérica de CK atingiu 6.240 UI/L (normal<145 UI/L) e a de CKMB 236 UI/L (normal<10 UI/L) em 12 horas. Angioplastia primária foi indicada pela persistência dos achados clínicos e eletrocardiográficos, apesar do uso de agentes vasodilatadores, terapia antiplaquetária e medidas gerais.


A angiografia coronariana identificou imagens de múltiplas obstruções nos ramos distais das artérias coronárias esquerda e direita, com características angiográficas de trombo (fig. 2). O estudo ecocardiográfico transtorácico não mostrou trombo intracavitário atrial ou ventricular, vegetação que sugerisse endocardite infecciosa ou disfunção das próteses metálicas. A fração de ejeção foi 0.18. Uma angiografia de 2 anos antes havia evidenciado coronárias livres de doença obstrutiva. A paciente foi admitida em uma unidade de tratamento intensivo e submetida a terapia trombolítica com estreptoquinase (1.500.000 UI IV em 30 minutos), não alcançando critérios de reperfusão. Taquiarritmia, dor torácica e instabilidade hemodinâmica desapareceram somente após 10 dias de tratamento clínico intensivo com dobutamina, heparina, metoprolol, diurético, inibidor da ECA, opióides e ácido acetilsalicílico. O estudo cintilográfico evidenciou dilatação das câmaras cardíacas e disfunção contrátil septal, anterior e posterior das paredes do ventrículo esquerdo, com fração de ejeção de 0.17. A paciente recusou-se a fazer uma arteriografia coronariana de controle. Obtida anticoagulação adequada (INR=3.2), teve alta hospitalar retornando assintomática na primeira consulta de seguimento após 8 semanas.


Infarto agudo do miocárdio com artérias coronárias normais é uma síndrome rara cuja etiologia e fisiopatologia permanecem indefinidas na maioria dos casos. Espasmo coronariano e tromboembolismo estão envolvidos. Relata-se uma prevalência de 1-7% em estudos angiográficos, endossonográficos e histopatológicos das coronárias de pacientes infartados. A idade média de acometimento é de 40 anos, sendo que entre os pacientes infartados com menos de 30 anos pode representar 16-35% dos casos 1.

Embolia coronariana é relacionada à próteses valvares cardíacas, endocardite infecciosa, trombo intraventricular, estenose valvar cardíaca, fibrilação atrial, aneurisma de ventrículo esquerdo, cirurgia cardíaca, cardiomiopatia dilatada, tumores cardíacos e embolia paradoxal. Nos casos de embolia coronariana múltipla, pode-se encontrar doença valvar cardíaca combinada, fibrilação atrial crônica, trombo de ventrículo esquerdo, insuficiência cardíaca congestiva, uso irregular de anticoagulantes, tabagismo, uso de contraceptivos orais, variante protrombótica do fator II e forâmen oval patente2-4. Takenaka e cols. explicam esta rara afecção pela ruptura de um trombo que poderia ocorrer durante a passagem pelo tronco da coronária esquerda, ocluindo seus ramos distais. Tromboembolismo coronariano consecutivo acometendo diferentes ramos coronários durante um curto período de tempo seria um mecanismo menos provável5.

Fatores de risco para tromboembolismo observados na paciente incluem tabagismo, prótese cardíaca valvar metálica e uso inadequado de anticoagulantes. Não houve dor e cianose de extremidades, petéquias, dores musculares, parestesia de membros, palidez ou ausência de pulso, dor abdominal com sangramento gastrintestinal, dor em flancos e hematúria, ou qualquer outra evidência de embolismo sistêmico. A paciente não apresentou alterações neurológicas, déficits sensoriais ou motores, convulsões, disfasia ou anopsias. É provável que os êmbolos tenham atingido a circulação coronariana fragmentados de frágeis trombos possivelmente formados na prótese aórtica próximos ao óstio dos vasos coronários, ou mais dificilmente, na prótese mitral. Este é o quarto relato de padrão embólico múltiplo distal encontrado na angiografia coronariana, e o segundo acometendo simultaneamente os vasos coronários esquerdo e direito.

Referências

1. Tun A, Khan IA, Tampa FL, Omaha NE. Myocardial infarction with normal coronary arteries: The Pathologic and Clinical Perspectives. Angiology 2001; 52:299-304.

2. Lanza GM, Berman BJ, Taniuchi M. Multifocal coronary thromboembolism from a left ventricular thrombus. N Engl J Med 1999; 341: 1083-84.

3. Takenaka T, Horimoto M, Igarashi K et al. Multiple coronary thromboemboli complicating valvular heart disease and atrial fibrillation. Am Heart J 1996; 131: 194-6.

4. Miranda IA, Esplieguero RA, Ruiz JC et al. Embolismo coronario múltiple en una mujer con factores de riesgo para enfermedad tromboembólica. Rev Esp Cardiol 2003; 56:318-320.

5. Loire R, Tabib A. Les embolies coronaires: a propos de 61 cas anatomo-cliniques. Arch Mal Coeur Vaiss 1985; 78:821-7.

Enviado em 11/08/2004 - Aceito em 29/09/2004

  • Endereço para correspondência
    Dr. Thiago Augustus Portes
    R. José Picerni, 419/33
    Cep 15091-200 - São José do Rio Preto - sp
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005
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