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Para Quais Pacientes Infectados pelo HIV a Aspirina e as Estatinas São Boas?

Palavras-chave:
HIV; HIV/infecção; Anti Agentes HIV/uso terapêutico; Doenças Cardiovasculares/complicações; Mortalidade; Fatores de Risco; Aspirina; Estatinas; Aterosclerose; Endotélio

Embora os avanços no tratamento antirretroviral revolucionaram o prognóstico dos pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), as complicações cardiovasculares continuam a principal causa de morte nesses pacientes, principalmente devido a um aumento no risco cardiovascular em comparação à população geral.11. Salmazo PS, Bazan SGZ, Shiraishi FG, Bazan R, Okoshi K, Hueb JC. Frequency of Subclinical Atherosclerosis in Brazilian HIV-Infected Patients. Arq Bras Cardiol. 2018;110(5):402–10. Programas de prevenção a doenças cardiovasculares têm enfatizado a importância do controle de fatores de risco tradicionais nas estratégias de avaliação de risco. No entanto, indivíduos infectados pelo HIV têm um risco cardiovascular residual para eventos cardiovasculares que pode justificar um tratamento preventivo adicional. De fato, em comparação a indivíduos não infectados pelo HIV, os níveis de inflamação são mais altos em pacientes infectados pelo HIV, mesmo aqueles com controle viral, e essa inflamação é um fator importante na gênese da aterosclerose.22. Leite KME, Santos Júnior GG, Godoi ETAM, Vasconcelos AF, Lorena VMB, Araújo PSR, et al. Inflammatory Biomarkers and Carotid Thickness in HIV Infected Patients under Antiretroviral Therapy, Undetectable HIV-1 Viral Load, and Low Cardiovascular Risk. Arq Bras Cardiol. 2020;114(1):90–7. Assim, estratégias de prevenção a doenças cardiovasculares com foco em pacientes com infecção pelo HIV são necessárias.33. Kengne AP, Ntsekhe M. Challenges of Cardiovascular Disease Risk Evaluation in People Living With HIV Infection. Circulation. 2018;137(21):2215–7. No arsenal terapêutico da prevenção cardiovascular, a aspirina e as estatinas são os pilares do manejo de pacientes infectados por HIV. Ambos os medicamentos possuem efeitos pleiotrópicos, incluindo efeitos imunomodulatórios, antiplaquetários, e anti-inflamatórios que melhoram a função endotelial e previnem a progressão do espessamento da carótida desses pacientes.44. De Socio GV, Ricci E, Parruti G, Calza L, Maggi P, Celesia BM, et al. Statins and Aspirin use in HIV-infected people: gap between European AIDS Clinical Society guidelines and clinical practice: the results from HIV-HY study. Infection. 2016;44(5):589–97. Contudo, a prescrição de aspirina e estatinas entre pacientes infectados por HIV continua aquém do desejado, já que somente 50% dos pacientes são tratados adequadamente. Apesar de vários estudos terem investigado os efeitos de estatinas e da aspirina na redução da inflamação, os resultados desses estudos são contraditórios.55. Hürlimann D, Chenevard R, Ruschitzka F, Flepp M, Enseleit F, Béchir M, et al. Effects of statins on endothelial function and lipid profile in HIV infected persons receiving protease inhibitor-containing anti-retroviral combination therapy: a randomised double blind crossover trial. Heart Br Card Soc. 2006;92(1):110–2.,66. Longenecker CT, Sattar A, Gilkeson R, McComsey GA. Rosuvastatin slows progression of subclinical atherosclerosis in patients with treated HIV infection. AIDS Lond Engl. 2016;30(14):2195–203.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Santos Jr. et al.77.Santos Junior GG, Araújo PSR, Leite KME, Godoi ET, Vasconcelos AF, Lacerda HR. The Effect of Atorvastatin + Aspirin on the Endothelial Function Differs with Age in Patients with HIV: A Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(2):365-375. doi: https://doi.org/10.36660/abc.20190844
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relatam o efeito do uso de uma combinação de atorvastatina e aspirina por seis meses quanto à melhoria da função endotelial e ao espessamento da carótida em uma coorte de 38 pacientes com carga viral controlada. A melhora na função endotelial foi avaliada pelo método de dilatação mediada por fluxo. Os autores mostraram uma relação entre a resposta ao tratamento e idade; uma maior resposta foi observada em indivíduos com idade maior a 40 anos. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que, provavelmente, indivíduos mais velhos têm uma maior exposição à inflamação causada pelo HIV. Vários estudos já demonstraram que esses mesmos pacientes também possuem um risco cardiovascular mais elevado devido à inflamação crônica. Portanto, este estudo corrobora a prescrição de uma combinação de atorvastatina e aspirina para a prevenção primária de eventos cardiovasculares em pacientes infectados pelo HIV, particularmente para aqueles com idade maior que 40 anos de idade. Além disso, alguns dos achados desse estudo sugerem que as mulheres soropositivas para o HIV podem apresentar uma melhor resposta a essa combinação de medicamentos que os homens. Considerando que a terapia tripla atualmente utilizada tem um efeito significativo sobre a inflamação, um mecanismo intrinsicamente ligado à progressão da aterosclerose poderia explicar a maior reposta em mulheres que em homens.

O estudo de Santos Jr. et al.,77.Santos Junior GG, Araújo PSR, Leite KME, Godoi ET, Vasconcelos AF, Lacerda HR. The Effect of Atorvastatin + Aspirin on the Endothelial Function Differs with Age in Patients with HIV: A Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(2):365-375. doi: https://doi.org/10.36660/abc.20190844
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serve como base para entender os fatores que influenciam na melhoria da função endotelial em pacientes infectados pelo HIV recebendo atorvastatina e aspirina. Desses fatores, a idade mais avançada parece ser um dos mais importantes. Os resultados são motivadores, ao sugerirem que a combinação de aspirina e estatinas reduz efetivamente ou mesmo reverte alguns dos efeitos deletérios induzidos pelo HIV. Estudos similares envolvendo um grande número de indivíduos são necessários para confirmar a hipótese dos autores e corroborar o uso precoce da combinação de atorvastatina com aspirina em pacientes infectados pelo HIV acima de 40 anos de idade, mesmo naqueles em baixo risco cardiovascular, para a prevenção de doença cardiovascular. Este estudo fornece contribuição para a evidência clínica dos efeitos positivos de aspirina e estatinas, usadas em combinação com terapia antiretroviral em paciente com HIV, após devida consideração das possíveis interações medicamentosas. Os resultados apresentados por Santos Jr et al.,77.Santos Junior GG, Araújo PSR, Leite KME, Godoi ET, Vasconcelos AF, Lacerda HR. The Effect of Atorvastatin + Aspirin on the Endothelial Function Differs with Age in Patients with HIV: A Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(2):365-375. doi: https://doi.org/10.36660/abc.20190844
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apresentam uma base fascinante para essas considerações; no entanto, é necessário destacar algumas limitações importantes do estudo. Primeiramente, o estudo não foi um ensaio clínico randomizado, e a exposição a estatinas foi relativamente curta em comparação a outros estudos. Além disso, o estudo incluiu uma coorte de pacientes com HIV com um perfil de baixo risco cardiovascula, e baixo grau de inflamação, confirmado pelos baixos níveis de marcadores inflamatórios. Assim, é importante considerar que o impacto de aspirina e estatinas sobre a remodelação vascular de pacientes infectados pelo HIV com esse perfil clínico pode não ser relevante.

  • Minieditorial referente ao artigo: O Efeito da Atorvastatina + Aspirina na Função Endotelial Difere com a Idade em Pacientes com HIV: Um Estudo de Caso-Controle

Referências

  • 1
    Salmazo PS, Bazan SGZ, Shiraishi FG, Bazan R, Okoshi K, Hueb JC. Frequency of Subclinical Atherosclerosis in Brazilian HIV-Infected Patients. Arq Bras Cardiol. 2018;110(5):402–10.
  • 2
    Leite KME, Santos Júnior GG, Godoi ETAM, Vasconcelos AF, Lorena VMB, Araújo PSR, et al. Inflammatory Biomarkers and Carotid Thickness in HIV Infected Patients under Antiretroviral Therapy, Undetectable HIV-1 Viral Load, and Low Cardiovascular Risk. Arq Bras Cardiol. 2020;114(1):90–7.
  • 3
    Kengne AP, Ntsekhe M. Challenges of Cardiovascular Disease Risk Evaluation in People Living With HIV Infection. Circulation. 2018;137(21):2215–7.
  • 4
    De Socio GV, Ricci E, Parruti G, Calza L, Maggi P, Celesia BM, et al. Statins and Aspirin use in HIV-infected people: gap between European AIDS Clinical Society guidelines and clinical practice: the results from HIV-HY study. Infection. 2016;44(5):589–97.
  • 5
    Hürlimann D, Chenevard R, Ruschitzka F, Flepp M, Enseleit F, Béchir M, et al. Effects of statins on endothelial function and lipid profile in HIV infected persons receiving protease inhibitor-containing anti-retroviral combination therapy: a randomised double blind crossover trial. Heart Br Card Soc. 2006;92(1):110–2.
  • 6
    Longenecker CT, Sattar A, Gilkeson R, McComsey GA. Rosuvastatin slows progression of subclinical atherosclerosis in patients with treated HIV infection. AIDS Lond Engl. 2016;30(14):2195–203.
  • 7
    Santos Junior GG, Araújo PSR, Leite KME, Godoi ET, Vasconcelos AF, Lacerda HR. The Effect of Atorvastatin + Aspirin on the Endothelial Function Differs with Age in Patients with HIV: A Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(2):365-375. doi: https://doi.org/10.36660/abc.20190844
    » https://doi.org/10.36660/abc.20190844

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Ago 2021
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