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Perfil eletrocardiográfico e conteúdo glicogênico muscular de ratos tratados com nandrolona

Resumos

FUNDAMENTO: Considerou-se o uso indiscriminado de esteroides tanto por atletas de elite quanto por praticantes de atividades físicas. OBJETIVO: Avaliar os efeitos do decanoato de nandrolona sobre o perfil eletrocardiográfico, conteúdo glicogênico e de proteínas totais dos músculos cardíacos e esqueléticos, bem como as concentrações plasmática de albumina. MÉTODOS: Os animais do grupo tratado receberam a droga na concentração 5 mg/kg pela via subcutânea, duas vezes por semana, durante três semanas. Uma vez por semana, os ratos foram anestesiados com Pentobarbital sódico (50 mg/kg, ip) e submetidos à avaliação por meio do eletrocardiograma (ECG). Após o período experimental, amostras dos músculos cardíaco (ventrículo esquerdo - VE), sóleo (S), gastrocnêmio branco (GB), gastrocnêmio vermelho (GV), peitoral (P), intercostal (IC) e diafragma (D) foram prontamente coletadas e analisadas. Os dados (média ± epm) foram avaliados de acordo com ANOVA, segundo teste de Tukey (p>0,05). RESULTADOS: Os ratos do grupo tratado apresentaram alterações nos seguintes parâmetros cardíacos: intervalo QRS, intervalo QTc e frequência cardíaca, caracterizados por um aumento desses, tendo o ápice no intervalo da semana de pré-tratamento para a primeira semana. As reservas de glicogênio no VE apresentaram aumento de 127%. Em relação à quantidade de proteínas totais, a diferença significativa foi constatada no S, GV e D. Quanto ao perfil bioquímico e ao hematócrito, foi observado um aumento na porcentagem de eritrócitos. CONCLUSÃO: O estudo mostra que importantes alterações cardíacas são deflagradas precocemente, sugerindo uma hierarquia na sequência de modificações que comprometem a homeostasia do organismo.

Decanoatos; nandrolona; esteroides; padrão de eletrocardiograma; ratos


BACKGROUND: We considered both the indiscriminate use of steroids by top athletes and by physically active individuals. OBJECTIVE: To evaluate the effects of nandrolone decanoate on the electrocardiographic profile, glycogen content and total-protein profile of skeletal and cardiac muscles, as well as the plasma albumin concentrations. METHODS: The drug was administered subcutaneously, at a concentration of 5 mg/kg, twice a week for three weeks, to animals in the treated group. Once a week, the rats were anesthetized with sodium pentobarbital (50 mg/kg, ip) and they underwent an electrocardiogram (ECG). After the trial period, samples of the cardiac muscle (left ventricle - LV), soleus muscle (S), white gastrocnemius muscle (WG), red gastrocnemius muscle (RG), pectoral muscle (P), intercostal muscle (IC) and diaphragm muscle (D) were promptly collected and analyzed. An analysis of variance (ANOVA) and then a Tukey test (p>0.05) were carried out to assess the data (mean ± sem). RESULTS: There were changes in the following parameters of rats in the treated group: QRS interval, QTc interval and heart rate, characterized by an increase in these parameters, with the peak being reached in the period between the pre-treatment week and the first week. There was an increase of 127% in glycogen reserves in the LV. In relation to the total-protein amount, the significant difference was found in S, RG and D. As for the hematocrit and biochemical profile, it was possible to notice an increase in the percentage of erythrocytes. CONCLUSION: The study shows that major cardiac changes are triggered at an early stage, which indicates a hierarchy in the sequence of changes that compromise the homeostasis of the body.

Decanoates; nandrolone; steroids; electrocardiogram pattern; rats


FUNDAMENTO: Se consideró el uso indiscriminado de esteroides tanto por atletas de elite como por practicantes de actividades físicas. OBJETIVO: Evaluar los efectos del decanoato de nandrolona sobre el perfil electrocardiográfico, contenido glicogénico y de proteínas totales de los músculos cardíacos y esqueléticos, así como las concentraciones plasmática de albúmina. MÉTODOS: Los animales del grupo tratado recibieron la droga en la concentración 5mg/kg por vía subcutánea, dos veces por semana, durante tres semanas. Una vez por semana, los ratones fueron anestesiados con Pentobarbital sódico (50mg/Kg, ip) y sometidos a evaluación por medio de electrocardiograma (ECG). Después del período experimental, muestras de los músculos cardíaco (ventrículo izquierdo - VI), sóleo (S), gastrocnemio blanco (GB), gastrocnemio rojo (GV), pectoral (P), intercostal (IC) y diafragma (D) fueron colectadas y analizadas. Los datos (media±epm) fueron evaluados de acuerdo con ANOVA, segundo test de Tukey (p>0,05). RESULTADOS: Los ratones del grupo tratado presentaron alteraciones en los siguientes parámetros cardíacos: intervalo QRS, intervalo QTc y frecuencia cardíaca, caracterizados por un aumento de estos, teniendo el ápice en el intervalo de la semana de pretratamiento a la primera semana. Las reservas de glicógeno en el VI presentaron aumento de 127%. En relación a la cantidad de proteínas totales, una diferencia significativa fue constatada en el S, GV y D. En cuanto al perfil bioquímico y al hematocrito, fue observado un aumento en el porcentaje de eritrocitos. CONCLUSIÓN: El estudio muestra que importantes alteraciones cardíacas son provocadas precozmente, sugiriendo una jerarquía en la secuencia de modificaciones que comprometen la homeostasia del organismo.

Decanoatos; Nandrolona; esteroides; estándar de electrocardiograma; ratones


ARTIGO ORIGINAL

Perfil eletrocardiográfico e conteúdo glicogênico muscular de ratos tratados com nandrolona

Carlos Alberto da Silva; Adriano Cesar Rocco Pardi; Talita Moral Gonçalves; Sergio Henrique Borin

Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, Piracicaba, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Adriano Cesar Rocco Pardi Rua Haldumont Campos Ferraz, 118 - Castelinho 13403-052 - Piracicaba, SP - Brasil E-mail: adoparde@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Considerou-se o uso indiscriminado de esteroides tanto por atletas de elite quanto por praticantes de atividades físicas.

OBJETIVO: Avaliar os efeitos do decanoato de nandrolona sobre o perfil eletrocardiográfico, conteúdo glicogênico e de proteínas totais dos músculos cardíacos e esqueléticos, bem como as concentrações plasmática de albumina.

MÉTODOS: Os animais do grupo tratado receberam a droga na concentração 5 mg/kg pela via subcutânea, duas vezes por semana, durante três semanas. Uma vez por semana, os ratos foram anestesiados com Pentobarbital sódico (50 mg/kg, ip) e submetidos à avaliação por meio do eletrocardiograma (ECG). Após o período experimental, amostras dos músculos cardíaco (ventrículo esquerdo - VE), sóleo (S), gastrocnêmio branco (GB), gastrocnêmio vermelho (GV), peitoral (P), intercostal (IC) e diafragma (D) foram prontamente coletadas e analisadas. Os dados (média ± epm) foram avaliados de acordo com ANOVA, segundo teste de Tukey (p>0,05).

RESULTADOS: Os ratos do grupo tratado apresentaram alterações nos seguintes parâmetros cardíacos: intervalo QRS, intervalo QTc e frequência cardíaca, caracterizados por um aumento desses, tendo o ápice no intervalo da semana de pré-tratamento para a primeira semana. As reservas de glicogênio no VE apresentaram aumento de 127%. Em relação à quantidade de proteínas totais, a diferença significativa foi constatada no S, GV e D. Quanto ao perfil bioquímico e ao hematócrito, foi observado um aumento na porcentagem de eritrócitos.

CONCLUSÃO: O estudo mostra que importantes alterações cardíacas são deflagradas precocemente, sugerindo uma hierarquia na sequência de modificações que comprometem a homeostasia do organismo.

Palavras-chave: Decanoatos/efeitos adversos, nandrolona/efeitos adversos, esteroides/contra-indicações, padrão de eletrocardiograma, ratos.

Introdução

Atletas de alta performance procuram maximizar os resultados a todo custo e, para isso, muitas vezes associam ao treinamento físico a utilização de substâncias ilegais no mundo esportivo, como os esteroides anabólicos androgênicos (EAA). Essas substâncias são compostos naturais ou sintéticos, formados a partir da testosterona e seus derivados, sendo divididos em dois grupos, a saber: os derivados esterificados e os derivados alcalinizados. Os primeiros são representados pelo propionato de testosterona, enantato de testosterona e cipionato de testosterona e são utilizados preferencialmente pela via intramuscular, permanecendo ativos por dias e semanas. O segundo grupo, porém, é utilizado por via oral1.

Recentes estudos direcionados à avaliação do comportamento farmacológico desses agentes indicam uma prescrição voltada a processos catabólicos manifestados em doenças e situações específicas como infecções crônicas, cirurgias extensas, deficiência hormonal de testosterona, desnutrição, anemia aplástica, impotência sexual (por insuficiência testicular), puberdade masculina retardada, eunequismo (castração), climatério, em pessoas portadoras de SIDA (diminuição da degradação do músculo e manutenção da massa muscular), tratamento de angioedema hereditário, hipogonadismo e diminuição de dihidroepiandrosterona e DHEAS que comumente acomete os idosos, tratamento de pacientes para ganho de peso, após trauma grave ou infecção contínua, além de, em animais, ativar a regeneração de tecidos como o sanguíneo, córneo, entre outros2,3.

Na década de 70, houve um crescente interesse e desenvolvimento de estudos cujo eixo norteador estivesse contido na manutenção e no restabelecimento da força muscular em indivíduos jovens ou idosos4. Sequencialmente, um estudo de Ryan5 demonstrou que durante a Segunda Guerra Mundial, os EAA foram amplamente utilizados para restaurar o balanço positivo de nitrogênio em vítimas desnutridas e submetidas a jejum forçado.

Desenvolvido pelo laboratório Organon e introduzido no mercado em 1962, o decanoato de nandrolona ou Deca-Durabolin®, cuja substância ativa é a nandrolona, é um dos EAA mais utilizados no mundo6. Encontra-se disponível comercialmente como uma preparação anabólica injetável com ação prolongada de até três semanas, após administração intramuscular em humanos7. Comparativamente à testosterona, a nandrolona apresenta maior ação anabólica e menor atividade androgênica8.

Todos os esteroides ditos anabólicos são compostos derivados da testosterona, os quais, atuando sobre os receptores androgênicos, modulam de forma indissociável tanto os efeitos androgênicos como os anabólicos. Tais substâncias variam com relação à atividade anabólica androgênica, existindo uma hierarquia quanto à sua relação. Assim, a metandrostenolona é 2-5 vezes mais potente que a testosterona, e a oximetolona, oxandrolona, nandrolona e estanozol apresentam relações 9, 10, 10, 30 vezes maior, respectivamente. Por sua vez, nenhum fármaco atualmente disponível é capaz de desencadear somente efeitos anabólicos9.

Os EAA vêm despertando a atenção de pesquisadores na área da saúde, devido à utilização desse fármaco sem prescrição médica e em altas doses por atletas, com o objetivo de aumentar a massa muscular, para fins estéticos ou melhorar o desempenho físico10. Essa utilização apresenta vários efeitos colaterais, tais como atrofia do tecido testicular, tumores hepáticos e prostáticos11, alterações no metabolismo lipídico12, alterações emocionais13 e o surgimento de sintomas psicóticos14.

Além disso, existem trabalhos que relacionam o abuso dos EAA com alterações cardiovasculares, como predisposição a hipercoagulabilidade, aumento da agregação plaquetária, diminuição da fibrinólise15, aumento da espessura do septo interventricular, mas com preservação das funções sistólicas e diastólicas normais16, trombose ventricular, embolismo sistêmico17, cardiomiopatia dilatada, infarto agudo do miocárdio por oclusão da artéria descendente anterior e morte súbita por hipertrofia ventricular esquerda18.

Há algum tempo, o metabolismo energético, em especial no que se refere ao conteúdo muscular de glicogênio, tem sido o eixo norteador da investigação de inúmeros cientistas, sendo consenso que o tempo de sustentação de determinado exercício está relacionado com a quantidade de glicogênio muscular disponível.

Dessa forma, altos conteúdos referem-se à melhora na performance, e baixas reservas têm relação direta com a exaustão19. Com o prolongamento do exercício, as reservas musculares de glicogênio diminuem progressivamente, e parte da energia despendida no esforço passa a ser fornecida pelos triglicerídeos, por glicose e por ácidos graxos livres (AGL) circulantes no plasma20,21.

O presente estudo foi pautado na avaliação dos efeitos da nandrolona na dose de 5 mg/kg/semana, que equivale à dose indicada na literatura e é considerada abusiva, sendo geralmente administrada a atletas no início da prática esportiva6. Dentro da proposta em tela, a avaliação foi direcionada ao perfil eletrocardiográfico, conteúdo glicogênico e de proteínas totais dos músculos cardíacos e esqueléticos, bem como as concentrações plasmáticas de albumina.

Material e métodos

Foram utilizados ratos Wistar com três meses de idade, adquiridos na empresa ANILAB®. Os animais foram alojados em gaiolas coletivas com, no máximo, quatro animais, foram mantidos em sala climatizada (23 ± 2ºC) com ciclo claro/escuro de 12/12h e receberam água e ração à vontade. Todos os procedimentos utilizados nesse experimento seguiram as normas do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e dos Guidelines of the Department Comparative Medicine at the University of Toronto22. Os animais foram aleatoriamente divididos em dois grupos experimentais, denominados Controle (n=10) e Tratado com Decanoato de Nandrolona (n=13) (Deca-Durabolin®; 5 mg/kg) com n=23. Os ratos foram anestesiados com Pentobarbital sódico (50 mg/kg, ip) e foram submetidos à avaliação da atividade elétrica cardíaca (ECG) na semana de pré-tratamento e nas três subsequentes, com o aparelho ECG 98 - HEART WARE®. O grupo tratado recebeu injeções subcutâneas de decanoato de nandrolona duas vezes por semana, durante três semanas, entre 10h e 10h30minh, já o grupo controle recebeu, nos mesmos dias e horários, injeções de PBS (phosphate buffer sollution). Após o período experimental, amostras dos músculos cardíaco (ventrículo esquerdo - VE), sóleo (S), gastrocnêmio branco (GB), gastrocnêmio vermelho (GV), peitoral (P), intercostal (IC) e diafragma (D) foram prontamente coletadas e submetidas à avaliação do conteúdo de glicogênio, segundo a proposta de Siu e cols.23, sendo os valores expressos em mg/100 mg de peso úmido. Alíquotas dos músculos também foram utilizadas para a avaliação da quantidade de proteínas totais (g/dl), bem como amostras do sangue foram direcionadas à avaliação da glicemia e à concentração de ácidos graxos livres24. Os dados (média ± epm) foram avaliados de acordo com ANOVA, seguido pelo teste de Tukey (p > 0,05).

Resultados

Inicialmente, direcionamos a avaliação para o comportamento dos seguintes parâmetros eletrocardiográficos: duração do QRS, intervalo QT, QTc e a frequência cardíaca de repouso (FC).

Ao avaliar o comportamento elétrico da musculatura cardíaca de ratos tratados com o esteroide nandrolona, verificou-se que o intervalo QRS apresentou aumento no intervalo da semana de pré-tratamento para a segunda semana, como pode ser observado na Tabela 1. Com relação ao intervalo QT, foi observado homogeneidade no comportamento desse intervalo, como demonstrado na mesma tabela. Por outro lado, o intervalo QTc alcançou a acrofase na primeira semana de tratamento, atingindo valores 19% maiores, e a partir dessa houve redução de 10% e 17%, respectivamente. Na análise da frequência cardíaca, foi verificado um aumento significativo de, aproximadamente, 10% na interface da semana de pré-tratamento para a primeira semana (p>0,05), havendo, a partir daí, um pequeno decréscimo de 2%, que foi mantido na última semana (Tabela 1).

Na sequência, foram avaliadas as reservas musculares de glicogênio, e foi verificado que o grupo controle apresentou um padrão de reservas glicogênicas similares às observadas na literatura, acompanhando recentes publicações25-27. Com relação ao grupo tratado com nandrolona, como pode ser observado na Figura 1, em face do tratamento, somente as reservas glicogênicas da câmara ventricular apresentaram modificações, exibindo reserva 127% maior que o grupo controle. Quanto aos demais músculos, não houve diferença estatística. Por sua vez, a avaliação do conteúdo de proteínas totais demonstrou aumento significativo nos músculos sóleo, gastrocnêmio porção vermelha e diafragma. Porém, nos músculos gastrocnêmio porção branca, peitoral e intercostal, não houve diferença significativa (Figura 2).



Por fim, foram avaliados o perfil bioquímico plasmático e o hematócrito. Com relação a alterações de cunho metabólico, não foi observada diferença nos valores glicêmicos e na concentração plasmática de ácidos graxos livres. No mesmo sentido, também não foi observada diferença no peso corporal ou nas seguintes estruturas: coração, gordura epididimal ou próstata. No entanto, ao avaliar-se o hematócrito, foi verificado que o grupo tratado apresentou uma porcentagem de eritrócitos 18% maiores do que o grupo controle. Porém, cabe salientar que outros parâmetros avaliados não foram estatisticamente significativos (Tabela 2).

Discussão

A indicação terapêutica clássica dos EAA visa suprir deficiências androgênicas ou estados patológicos que possam gerar deficiência no metabolismo proteico10. É sabido que, dentro e fora do meio esportivo, há uma ampla utilização do esteroide nandrolona aplicado em altas doses na busca de se obter mudanças estéticas e melhora da performance. Porém, concomitantemente a essa prática, a literatura mostra uma crescente taxa de mortalidade entre usuários dessa substância28. A avaliação eletrocardiográfica revelou mudanças no padrão elétrico no músculo cardíaco representado pela elevação no tempo de propagação do sinal na câmara ventricular, uma vez que o QRS ficou mais longo. Esse fato foi acompanhado por um evento similar observado no intervalo QTc, o qual também se apresentou elevado e indicou retardo nos processos inerentes à repolarização das câmaras ventriculares.

Um ponto a se considerar é que a presença de receptores estrogênicos já foi demonstrada em uma multiplicidade de tecidos, inclusive no sistema cardiovascular29. Em especial, no que tange ao tecido muscular, os receptores expressos são do tipo ERa, cuja expressão já foi caracterizada em camundongos, ratos, bovinos e humanos, e cuja ação está ligada à regulação do metabolismo energético celular em que pode atuar tanto pela via não genômica, citosólica, quanto pela via genômica30. Uma vez que esses receptores exercem ação sob o metabolismo, é sugestivo que a ação da nandrolona seja multifatorial e representada pela capacidade de modificar a expressão de receptores androgênicos, a afinidade e a atividade das vias pós-receptor. Além disso, há uma relação direta entre mudanças na sensibilidade adrenérgica do nódulo sino atrial e a presença de esteroides, podendo indicar que, na presença de dose suprafisiológica da nandrolona, haja modificações na sensibilidade do coração, as quais podem ser expressas pela elevação na população de receptores β adrenérgicos, super-sensibilizando o marca-passo cardíaco, como sugerido por Norton e cols.31. É importante salientar que a frequência cardíaca também elevou-se, indicando mudança na interface sensibilidade/atividade do nódulo sino atrial.

Considerando que a nandrolona pode elevar padrões metabólicos, outra hipótese em tela está direcionada a uma ação cardiotrópica de fundo bioquímico, uma vez que a nandrolona pode promover ativação das enzimas glicose-6-fosfato, 6-fosfogluconato desidrogenase e isocitrato desidrogenase presentes no músculo cardíaco32. Essa mudança no padrão bioquímico das fibras cardíacas promove, inicialmente, um aumento na geração de NADPH e, consequentemente, a modificação no tempo de condução do sinal elétrico, induzindo sobrecarga na função cardíaca e elevando o tempo de sístole da câmara ventricular.

Ao avaliarmos o conteúdo glicogênico da musculatura cardíaca, observamos que, na presença da nandrolona, houve elevação nas reservas. Esse aumento no conteúdo de glicogênio pode refletir a ação do esteroide, que tem habilidade de alterar a responsividade tecidual a outros hormônios, como, por exemplo, o IGF, que é o fator similar à insulina, expressando uma ação potente sobre a via glicogênica, favorecendo, com isso, a formação dessa reserva de substratos metabolizáveis. Assim, sugerimos que, paralelamente ao aumento da exigência funcional e da atividade metabólica do músculo cardíaco, ocorrem mudanças nas relações funcionais que podem ser caracterizadas pelo aumento na captação e metabolização de substratos, com consequente elevação no gasto energético, como sugeriu Falkenberg e cols.15. Ou seja, a nandrolona atua no músculo cardíaco e promove elevação da frequência cardíaca e da taxa metabólica, mas, em contrapartida, tem potencial de ampliar as reservas energéticas, fazendo com que o coração apresente maior aporte de substratos metabolizáveis e implantando um status metabólico que sustenta a maior exigência. Nesse sentido, um sinal que sugere elevação nas exigências energéticas pode ser a elevação no hematócrito, indicando que faz parte de uma responsividade precocemente ativada.

Há de se considerar que a ação anabólica, que é expressa por elevação no peso de alguns órgãos e inerente à nandrolona, não foi verificada e possivelmente se deva ao período de observação experimental, uma vez que se trata de ações ligadas a códigos nucleares expressos em longo prazo. Esse fato sugere que os efeitos inerentes à ação dos esteroides possam ter uma relação temporal.

Conclusão

O estudo mostra que importantes alterações cardíacas são deflagradas precocemente, sugerindo uma hierarquia na sequência de modificações que comprometem a homeostasia do organismo. Assim, recomendamos que novos trabalhos devam ser realizados para esclarecer a relação entre a nandrolona e a gênese dessas alterações que apontam para sobrecarga da musculatura cardíaca, podendo acarretar arritmias e morte súbita.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Adriano Cesar Rocco Pardi pela Universidade Metodista de Piracicaba.

Artigo recebido em 01/12/08; revisado recebido em 05/09/09; aceito em 09/10/09.

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  • Correspondência:
    Adriano Cesar Rocco Pardi
    Rua Haldumont Campos Ferraz, 118 - Castelinho
    13403-052 - Piracicaba, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Revisado
      05 Set 2009
    • Recebido
      01 Dez 2008
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