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Avaliação perioperatória através do holter em pacientes idosos submetidos à prostatectomia

Resumos

FUNDAMENTO: Em pacientes do sexo masculino, com idade acima de 65 anos e sem história de cardiopatia, faz-se necessário, assim como exames de avaliação pré-operatória, hemograma, eletrocardiograma e raios X do tórax. OBJETIVO: Tivemos como objetivo verificar se, nesses pacientes, estariam presentes alterações isquêmicas e no ritmo cardíaco, bem como o impacto do procedimento anestésico. Visamos, também, a verificar a validade da monitorização ambulatorial contínua como exame de avaliação pré-operatória nessa população, o qual não foi recomendado pelas atuais diretrizes. MÉTODOS: Utilizamos, neste protocolo, a monitorização ambulatorial contínua (Sistema Holter) no período perioperatório de 30 pacientes com idade superior a 65 anos, os quais foram submetidos à ressecção transuretral de próstata sob raquianestesia. RESULTADOS: Encontramos nas avaliações pré-operatória e transoperatória frequentes arritmias ventriculares e supraventriculares complexas, bem como alterações isquêmicas. Na gravação transoperatória, os pacientes que apresentaram episódios isquêmicos foram os mesmos que, na gravação pré-operatória, mostraram carga isquêmica total maior do que 60 minutos. CONCLUSÃO: Aceitamos que a monitorização ambulatorial não seja um procedimento adequado para o screening da isquemia miocárdica, pelas próprias características e limitações técnicas que envolvem o método, principalmente quando são considerados grupos populacionais com baixa prevalência da doença coronariana. Concluímos que, neste estudo transverso e observacional, obtivemos informações complementares com o holter, as quais não puderam ser obtidas pelo eletrocardiograma convencional.

Assistência perioperatória; arritmias cardíacas; idoso; prostatectomia


FUNDAMENTO: En pacientes del sexo masculino, con edad superior a 65 años y sin historia de cardiopatía, se necesitan exámenes de evaluación preoperatoria, así como hemograma, electrocardiograma y rayos X de tórax. OBJETIVO: Tuvimos como objetivo verificar si en estos pacientes estarían presentes alteraciones isquémicas y en el ritmo cardiaco, así como el impacto del procedimiento anestésico. Buscamos asimismo verificar la validez del monitoreo ambulatorio continuo como examen de evaluación preoperatorio en esta población, el que no se recomendó por las actuales directrices. MÉTODOS: Utilizamos, en este protocolo, el monitoreo ambulatorio continuo (Sistema Holter) en el período perioperatorio de 30 pacientes con edad superior a 65 años, los que fueron sometidos a resección transuretral de próstata bajo raquianestesia. RESULTADOS: Encontramos en las evaluaciones preoperatoria y transoperatoria frecuentes arritmias ventriculares y supraventriculares complejas, así como alteraciones isquémicas. En la grabación transoperatoria, los pacientes que presentaron episodios isquémicos fueron los mismos que, en la grabación preoperatoria, evidenciaron carga isquémica total mayor que 60 minutos. CONCLUSIÓN: Aceptamos que el monitoreo ambulatorio no sea un procedimiento adecuado para el screening de la isquemia miocárdica, por las propias características y limitaciones técnicas que implican el método, principalmente cuando se tienen en cuenta grupos poblacionales con baja prevalencia de la enfermedad coronaria. Concluimos que, en este estudio transverso y observacional, obtuvimos informaciones complementarias con el holter, las que no se pudieran obtener mediante el electrocardiograma convencional.

Asistencia perioperatoria; arritmias cardiacas; adulto mayor; prostatectomia


BACKGROUND: Male patients, aged over 65 years and with no history of heart disease, need the following tests as a preoperative evaluation: blood count, electrocardiogram and X-ray of the chest. OBJECTIVE: To verify the presence of ischemic and heart rate changes and the impact of the anesthetic procedure on these patients. Also to verify, in this population, the value of continuous ambulatory monitoring as a preoperative evaluation, a procedure that is not recommended by current guidelines. METHODS: In this protocol, we used continuous ambulatory monitoring (Holter System), in the perioperative period of 30 patients, aged over 65 years, who underwent transurethral resection of the prostate under spinal anesthesia. RESULTS: In the preoperative and transoperative evaluations, frequent complex ventricular and supraventricular arrhythmias were observed, and also ischemic changes. In the transoperative recording, the patients who had ischemic episodes were the same ones who showed total ischemic burden of more than 60 minutes in the preoperative recording. CONCLUSION: Ambulatory monitoring is not regarded as an appropriate procedure for the screening of myocardial ischemia, due to the characteristics and technical limitations of the method, especially in populations with a low prevalence of coronary disease. In this cross-sectional and observational study, we concluded that the Holter recordings provided additional information which could not be obtained by conventional electrocardiogram.

Perioperative care; arrhythmias, cardiac; aged; prostatectomy


ARTIGO ORIGINAL

HOLTER/LOOPER

Avaliação perioperatória através do holter em pacientes idosos submetidos à prostatectomia

Thais Orrico de Brito CançadoIII; Fernando Bueno Pereira LeitãoI; Marcelo Luis Abramides TorresI; Fábio Sândoli de BritoII

IHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

IICentral Brasileira de Holter, São Paulo, SP

IIISociedade Beneficiente Santa Casa de Campo Grande, Campo Grande, MS - Brasil

Correspondência Correspondência: Thais Orrico de Brito Cançado Rua Pedro Martins 101, casa 08, Carandá Bosque Campo Grande, MS - Brasil E-mail: thaiscancado@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Em pacientes do sexo masculino, com idade acima de 65 anos e sem história de cardiopatia, faz-se necessário, assim como exames de avaliação pré-operatória, hemograma, eletrocardiograma e raios X do tórax.

OBJETIVO: Tivemos como objetivo verificar se, nesses pacientes, estariam presentes alterações isquêmicas e no ritmo cardíaco, bem como o impacto do procedimento anestésico. Visamos, também, a verificar a validade da monitorização ambulatorial contínua como exame de avaliação pré-operatória nessa população, o qual não foi recomendado pelas atuais diretrizes.

MÉTODOS: Utilizamos, neste protocolo, a monitorização ambulatorial contínua (Sistema Holter) no período perioperatório de 30 pacientes com idade superior a 65 anos, os quais foram submetidos à ressecção transuretral de próstata sob raquianestesia.

RESULTADOS: Encontramos nas avaliações pré-operatória e transoperatória frequentes arritmias ventriculares e supraventriculares complexas, bem como alterações isquêmicas. Na gravação transoperatória, os pacientes que apresentaram episódios isquêmicos foram os mesmos que, na gravação pré-operatória, mostraram carga isquêmica total maior do que 60 minutos.

CONCLUSÃO: Aceitamos que a monitorização ambulatorial não seja um procedimento adequado para o screening da isquemia miocárdica, pelas próprias características e limitações técnicas que envolvem o método, principalmente quando são considerados grupos populacionais com baixa prevalência da doença coronariana. Concluímos que, neste estudo transverso e observacional, obtivemos informações complementares com o holter, as quais não puderam ser obtidas pelo eletrocardiograma convencional.

Palavras-chave: Assistência perioperatória, arritmias cardíacas, idoso, prostatectomia.

Introdução

O envelhecimento da população somado aos avanços das técnicas operatórias faz que pacientes mais idosos e com doenças associadas sejam submetidos a intervenções cirúrgicas antes contra-indicadas. Visando à redução da morbimortalidade, é fundamental a vigilância criteriosa no período perioperatório.

Existem classificações para a estratificação de risco com a finalidade não de suspender as cirurgias, mas para que o cirurgião decida, em conjunto com o paciente e a família, se a relação risco-benefício é favorável à intervenção.

Analisando-se os fatores que influenciam as taxas de morbimortalidade perioperatórias, observa-se que existem aquelas dependentes da condição clínica do paciente e outras relacionadas ao ato anestésico-cirúrgico propriamente dito: tipo da cirurgia, tipo de anestesia, caráter da cirurgia e tempo cirúrgico1. Os fatores dependentes da condição clínica dos pacientes deverão ser analisados por meio da história clínica detalhada e do exame físico minucioso. Os exames complementares visam à confirmação de eventuais anormalidades, porém a solicitação desses deve ser criteriosa, evitando-se dispêndio desnecessário de verbas.

Objetivo

O objetivo deste trabalho foi avaliar a incidência de isquemia miocárdica e arritmias complexas em pacientes idosos, do sexo masculino e sem história clínica de cardiopatia durante os períodos pré-, intra- e pós-operatório imediato (até liberação do paciente da sala de recuperação pós-anestésica), em cirurgias de ressecção transuretral de próstata sob raquianestesia, além de comparar o impacto do procedimento anestésico-cirúrgico no ritmo cardíaco desses pacientes.

Procurou-se, também, estabelecer a validade da monitorização ambulatorial contínua no pré-operatório de pacientes considerados de baixo risco para doenças coronarianas. Esse exame não foi recomendado pelas atuais diretrizes2.

Métodos

O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram estudados, prospectivamente, 30 pacientes do sexo masculino, com idade superior a 65 anos, do setor de urologia da Santa Casa de Campo Grande, os quais seriam submetidos à ressecção transuretral de próstata sob anestesia subaracnoídea e dos quais foi possível a monitorização eletrocardiográfica ambulatorial pré-operatória (holter pré-operatório).

Para a seleção, foram respeitados os seguintes critérios de inclusão: pacientes do sexo masculino com idade igual ou superior a 65 anos; ASA I e II (classificação de risco da Sociedade Americana de Anestesiologia); sem antecedentes de coronariopatia (história ou evidência eletrocardiográfica de infarto do miocárdio prévio); sintomas sugestivos de angina; revascularização do miocárdio por cirurgia ou angioplastia coronariana.

Foram excluídos do estudo todos os pacientes que apresentavam, no eletrocardiograma, condições que dificultassem ou mesmo impedissem a adequada análise do segmento ST, tais como bloqueios de ramo esquerdo, hipertrofia ventricular esquerda com alterações secundárias da repolarização ventricular (strain), zonas eletricamente inativas extensas ou ação de drogas como, por exemplo, os cardiotônicos digitálicos e os antiarrítmicos.

Os exames subsidiários de avaliação pré-operatória constaram de hemograma, dosagem do potássio sérico, radiografia de tórax, eletrocardiograma (ECG) convencional de 12 derivações e glicemia para os pacientes diabéticos.

Para a realização da monitorização eletrocardiográfica ambulatorial, seguimos as normas preconizadas nas diretrizes do American College of Cardiology e da American Heart Association3 e utilizamos os seguintes equipamentos:

1) Aparelho para gravação do holter - gravador marca Dynamis, modelo 2100, fabricado pela Cardio Sistemas Com. Ind. Ltda.

2) Analisador da gravação do holter - analisador DMI, modelo Hospital, fabricado pela Burdick Inc. com software ALT V5.08B.

Os pacientes, no dia anterior à cirurgia, foram monitorizados com o holter por um período de 24 horas. Esse primeiro exame foi chamado holter pré-operatório.

Uma hora antes do horário previsto para o início da cirurgia, o gravador do holter foi instalado novamente, com os eletrodos posicionados exatamente no mesmo local da gravação-controle pré-operatória (MC5 e MC2), garantindo-se, dessa forma, um padrão eletrocardiográfico idêntico nos dois exames. A gravação foi interrompida no momento da alta da sala de recuperação, portanto não teve duração de 24 horas. No entanto permitiu comparações entre o pré-operatório e o transoperatório.

Na sala cirúrgica, os pacientes foram monitorizados com cardioscópio na derivação DII e pressão arterial não invasiva.

A anestesia subaracnoídea foi realizada com 15 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica. Não houve sedação durante o intra-operatório. A hipotensão (redução superior a 20% dos valores imediatamente anteriores à raquianestesia) foi tratada com etilefrina. O oxigênio (2 l/min) foi administrado via cateter nasal durante todo o procedimento cirúrgico.

Para a análise estatística, foram empregados os testes não paramétricos: teste de Wilcoxon e teste de Kruskal Wallis. Consideramos resultados significativos em nível de 5%.

Resultados

A idade média dos pacientes que participaram do protocolo foi de 67,7 anos, com idade mínima de 65 anos e máxima de 86 anos.

Observamos a seguinte distribuição dos pacientes de acordo com os fatores de risco para doenças cardíacas: (a) dez pacientes (33%) hipertensos; (b) oito pacientes (26,6%) tabagistas; e (c) dois pacientes (6,6%) diabéticos. Quatro pacientes apresentavam dois dos fatores de risco. Os pacientes que mencionaram hipertensão arterial apresentavam níveis pressóricos normais (controlados com diuréticos e inibidores da enzima de conversão da angiotensina I); os que referiram ser diabéticos (n = 2) usavam hipoglicemiantes orais, e a glicemia de jejum de ambos era normal.

Na tabela 1, encontram-se as informações obtidas na anamnese e nos resultados dos exames laboratoriais pré-operatórios. Dois pacientes apresentavam hipopotassemia no período pré-operatório (K+ = 3,2 e 3,0 mEq/l). A reposição foi feita na véspera da cirurgia, quando obtivemos normalização dos valores. Em relação às taxas de hemoglobina e hematócritos, dois pacientes apresentavam valores abaixo do nível considerado satisfatório para a realização de cirurgia eletiva (Hb < 10 mg/dl). O ato anestésico-cirúrgico não foi suspenso, tomando-se como precaução a reserva de derivado sanguíneo, caso houvesse necessidade de transfusão. Nenhum paciente apresentou alteração radiológica compatível com cardiopatia. No eletrocardiograma, observou-se ritmo sinusal em todos os pacientes. Dois pacientes evidenciaram extra-sístoles supraventriculares, e um paciente, extra-sístoles ventriculares. Um paciente apresentava eletrocardiograma compatível com bloqueio de ramo direito.

Os resultados da monitorização pré-operatória encontram-se na tabela 2. As arritmias complexas do período pré-operatório estão evidenciadas na tabela 3.

Quatro pacientes (13,3%) apresentaram taquicardia ventricular. Dezesseis pacientes (53,3%) apresentaram taquicardia supraventricular. Extra-sístoles ventriculares e supraventriculares foram consideradas frequentes quando presentes em número médio em 24h, maior que 10/hora ou maior que 30 em um único período de 60 minutos. Onze pacientes (36,6%) apresentaram extra-sístoles ventriculares frequentes, e cinco pacientes (16,6%), extra-sístoles supraventriculares frequentes. Sete pacientes (23,3%) apresentaram extra-sístoles ventriculares pareadas.

Os episódios isquêmicos pré-operatórios estão apresentados na tabela 4, com suas características de amplitude (mm), duração (min), frequência cardíaca (bpm) e carga isquêmica total (min).

Seis pacientes (20%) apresentaram infradesnivelamento do segmento ST. Um paciente apresentou oito episódios isquêmicos durante gravação pré-operatória, porém não foi o mesmo que apresentou a maior carga isquêmica total (115,9 minutos). Na figura 1, observamos que 46% dos fenômenos isquêmicos pré-operatórios ocorreram com frequências cardíacas entre 50 e 80 batimentos por minuto.


Os resultados da monitorização transoperatória encontram-se na tabela 5. As arritmias complexas encontram-se detalhadas na tabelas 6.

Um paciente (3,3%) apresentou taquicardia ventricular. Cinco pacientes (16,6%) apresentaram taquicardia supraventricular. Nove pacientes (30%) apresentaram extra-sístoles ventriculares frequentes, e cinco pacientes (16,6%), extra-sístoles supraventriculares frequentes. Oito pacientes (26,6%) apresentaram extra-sístoles ventriculares pareadas.

Os episódios isquêmicos transoperatórios estão apresentados na tabela 7. Dois pacientes (6,6%) apresentaram infradesnivelamento do segmento ST. O paciente que apresentou maior número de episódios isquêmicos (oito episódios) foi também o que apresentou maior carga isquêmica total (215,2 minutos). Na figura 1, observamos que 90% dos fenômenos isquêmicos transoperatórios ocorreram com frequências cardíacas entre 50 e 80 batimentos por minuto.

Discussão

As alterações eletrocardiográficas mais frequentes encontradas em pacientes idosos são: bradicardia sinusal, pausas sinusais, síndrome braditaquicardia e alterações difusas da repolarização ventricular. Os distúrbios funcionais do nó sinusal são responsáveis por até 52% dos implantes de marcapasso nessa população4. As arritmias também são alterações prevalentes, destacando-se a fibrilação atrial e a extra-sistolia ventricular, que atingem taxas de 80% na faixa etária acima de 65 anos5-7. O grau de risco dessas arritmias está intimamente relacionado à presença de disfunção ventricular ou à isquemia miocárdica8.

A monitorização com o holter é utilizada para diversos fins, incluindo-se a detecção e a quantificação da isquemia miocárdica, o estudo da modulação autonômica do coração por meio da variabilidade da duração dos ciclos cardíacos (VRR), a predição de eventos cardíacos futuros, em especial a morte súbita cardíaca, e é método também empregado para a avaliação de procedimentos terapêuticos antiarrítmicos, anti-isquêmicos, de estimulação cardíaca artificial clássica e dos desfibriladores implantáveis.

A presença das extra-sístoles ventriculares documentadas durante a monitorização pré-operatória seguiu tendência concordante com o que se encontra descrito na literatura quanto à sua benignidade e ao seu baixo valor prognóstico em determinar complicações perioperatórias. Observamos, contudo, porcentagens mais elevadas (13,3%) de taquicardia ventricular não sustentada quando comparamos com os valores de literatura (de 0% a 4%)9. Os episódios de taquicardia ventricular não sustentada foram únicos nos quatro pacientes e constituíram-se de 3, 4, 6 e 19 complexos. O paciente que apresentou a maior taquicardia ventricular não sustentada na gravação pré-operatória também apresentou infradesnivelamento de ST com duração de 33,4 minutos. Evoluiu bem, sem intercorrências no período intra- e pós-operatórios. Nota-se que todos os dados da monitorização com o holter, tanto pré-operatórios quanto transoperatórios, foram obtidos posteriormente. Os pacientes de maior risco não foram identificados previamente ao ato cirúrgico, e nenhuma conduta profilática foi tomada visando à diminuição das intercorrências. Não temos a informação de como evoluíram em longo prazo.

No presente trabalho, durante a monitorização pré-operatória (tabela 3), observamos que cinco pacientes (16,6%) apresentaram extra-sístoles atriais isoladas frequentes; 16 pacientes (53,3%) apresentaram extra-sístoles atriais em salvas de mais de três batimentos; e oito pacientes (26,6%) apresentaram extra-sístoles atriais em salvas de mais de cinco batimentos (taquicardia supraventricular não sustentada - TSVNS). Esses dados revelam similaridades com as porcentagens que se encontram descritas na literatura (de 10% a 30%). O maior episódio de TSVNS constituiu-se de 16 batimentos e frequência cardíaca de 150 bpm. Ressalta-se que arritmias supraventriculares indicam instabilidade do átrio e propensão à fibrilação atrial. Essas intercorrências não foram observadas nos pacientes do nosso estudo.

Duas pausas sinusais com duração de 2,8 e 2,0 segundos foram identificadas durante a gravação transoperatória, correspondendo ao período em que o paciente se encontrava na sala de recuperação pós-anestésica.

Encontra-se descrito na literatura que, em pacientes normais, por meio da monitorização com holter, podem ser observadas alterações do segmento ST (isquemia silenciosa) em até 39% dos pacientes10-15. Encontramos, neste estudo, seis pacientes (20%) com isquemia miocárdica silenciosa na monitorização pré-operatória (tabela 4) e dois pacientes (6,6%) durante a gravação transoperatória (tabela 7).

Considerando-se pacientes como os do nosso estudo, sadios e sem suspeita de doença cardiovascular aventada por meio de história, exame clínico, raios X do tórax e ECG padrão, encontramos na monitorização pré-operatória um número significativo de pacientes com alterações do segmento ST. Não observamos intercorrências durante nosso trabalho, talvez porque os pacientes eram aparentemente livres de cardiopatia e foram submetidos à cirurgia de pequeno porte e risco, sob bloqueio anestésico subaracnoídeo. Além disso, eles foram seguidos por um período de tempo muito curto, e, portanto, não tivemos informações de como evoluíram nos meses seguintes, para podermos dizer que os achados de isquemia silenciosa nesses casos tiveram valor prognóstico.

Ao contrário de outros métodos de investigação, o Sistema Holter não emprega o exercício físico ou o estresse farmacológico para provocar a isquemia miocárdica, de tal forma que detecta e quantifica uma condição isquêmica espontânea, a qual acontece no dia-a-dia do paciente16.

No presente estudo, os episódios isquêmicos espontâneos observados no holter iniciaram e mantiveram-se com níveis de frequência cardíaca iguais àqueles dos períodos não isquêmicos ou mostraram discretas elevações, entre 5% e 15%, em relação às frequências no seu início. Observamos, no período pré-operatório, sete episódios isquêmicos (36,9%) com frequência cardíaca variando de 70 a 80 bpm e cinco (31,5%) entre 80 e 90 bpm. Durante a gravação transoperatória, 90% dos episódios de isquemia silenciosa ocorreram com frequências abaixo de 80 bpm (figura 1).

Em pacientes que apresentam isquemia miocárdica silenciosa, geralmente são observados múltiplos episódios em um mesmo dia e, frequentemente, com duração prolongada (de 10 a 25 minutos)16.

As tabelas 4 e 7 resumem as características dos episódios isquêmicos encontrados nas gravações pré-operatória e no dia da cirurgia. Durante a gravação pré-operatória, 11 episódios tiveram duração inferior a dez minutos, e oito episódios foram mais prolongados. Durante a gravação transoperatória, um episódio teve duração inferior a dez minutos, e todos os outros nove episódios tiveram duração mais prolongada.

Kennedy & Wiens17 consideram o achado pré-operatório de carga isquêmica total maior do que 60 minutos indicativo de paciente de alto risco para eventos coronarianos.

Os pacientes que apresentaram, durante a gravação pré-operatória, carga isquêmica total maior do que 60 minutos repetiram episódios de isquemia durante a gravação no dia da cirurgia. Vale ressaltar que as gravações transoperatórias tiveram duração aproximada de seis horas, e, portanto, a carga isquêmica total nesse exame corresponde à somatória de episódios isquêmicos em um período de tempo inferior à gravação pré-operatória, período de tempo inferior ao preconizado na definição de carga isquêmica.

Os episódios isquêmicos intra-operatórios não foram identificados pelo anestesiologista, talvez por inadequação do sistema de monitorização para análise do segmento ST ou devido aos artefatos causados pelo bisturi elétrico durante a ressecção prostática. Ambos os pacientes evoluíram bem, sem intercorrências. Se esses episódios tivessem sido identificados, poderiam ter sido tomadas medidas para melhorar o fluxo sanguíneo coronariano e o aporte de oxigênio para o miocárdio.

São considerados complicações perioperatórias o infarto do miocárdio, as arritmias de difícil controle, o edema pulmonar, a insuficiência cardíaca, a angina e a morte relacionada a qualquer evento cardiológico. O tipo de cirurgia está claramente relacionado à incidência de complicações cardiovasculares. Procedimentos abdominais e intratorácicos acarretam maior risco do que operações periféricas. Entre todas as operações, a aneurismectomia aórtica intra-abdominal é a que determina a maior morbidade. As complicações não parecem estar relacionadas ao tempo de cirurgia e à anestesia, mas, principalmente, à ocorrência de hipotensão prolongada, à translocação de fluidos que comprometem a oxigenação pulmonar e ao transporte de oxigênio no pós-operatório18.

A compreensão de alterações provocadas pela anestesia e pela cirurgia é importante para se entender a grande demanda imposta ao coração e as medidas necessárias para minimizar as possíveis complicações. Na indução da anestesia geral, dependendo dos fármacos utilizados e das condições clínicas do paciente, pode haver hipotensão arterial causada por vasodilatação e depressão miocárdica. Durante a laringoscopia e a entubação, observa-se a reação adrenérgica que culmina com taquicardia e hipertensão, podendo chegar a valores muito elevados nos pacientes hipertensos. Nesse aspecto, a anestesia regional é bastante vantajosa, pois não determina o aparecimento de reações adrenérgicas indesejáveis19. Por outro lado, dependendo da extensão do bloqueio simpático, podem ocorrer hipotensão arterial, bradicardia e diminuição do débito cardíaco, as quais podem desencadear complicações, tais como isquemia miocárdica e cerebral20. Entre a escolha de anestesia geral ou regional, muitos fatores que entram em jogo incluem a experiência do anestesiologista, o local e a extensão da intervenção e a condição clínica do paciente. A principal meta da anestesia é manter as condições hemodinâmicas dentro da maior estabilidade possível.

O emprego de anestesia subaracnoídea para prostatectomias e ressecções transuretrais de próstata, como técnica anestésica preferencial, deve-se a diversos fatores: técnica de mais fácil realização, virtual ausência de efeitos sistêmicos dos anestésicos locais empregados, menor volume de sangramento operatório e menor incidência de fenômenos tromboembólicos pós-operatórios. A manutenção da consciência durante o ato anestésico também é vantajosa em pacientes submetidos a essas cirurgias, uma vez que facilita a identificação de episódios de isquemia cerebral ou miocárdica e, no caso específico de ressecções transuretrais de próstata, o diagnóstico de complicações cirúrgicas graves, tais como a intoxicação hídrica e as perfurações da cápsula prostática ou da bexiga.

Dos seis pacientes que apresentaram isquemia silenciosa no período pré-operatório, somente dois repetiram os episódios durante a gravação no dia da cirurgia. Observamos que um deles havia apresentado 115,9 minutos de isquemia em 24 horas e que, durante a gravação no dia da cirurgia, repetiu a isquemia em um total de 81,9 minutos (entretanto em um período inferior a 24 horas). Outro paciente apresentou 83,2 e 215,2 minutos, respectivamente. Não podemos atribuir a piora da carga isquêmica total nesses dois pacientes ao ato anestésico-cirúrgico, pois os episódios isquêmicos já estavam presentes mesmo antes da chegada do paciente à sala de cirurgia.

A equipe anestésico-cirúrgica deve estar sempre atenta e ter acesso a todos os recursos necessários para o tratamento de eventuais intercorrências, mesmo em população considerada de baixo risco e em cirurgia de pequeno porte.

Conclusão

Pelo emprego do holter neste protocolo realizado em pacientes do sexo masculino e com idade acima de 65 anos, assintomáticos do ponto de vista cardiovascular e com eletrocardiograma normal, puderam ser observados diversos tipos de arritmias cardíacas, desde raras até frequentes, bem como episódios de isquemia silenciosa.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Mestrado de Thais Orrico de Brito Cançado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Artigo recebido em 06/07/2008; revisado recebido em 25/09/2008; aceito em 30/09/2008.

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  • Correspondência:

    Thais Orrico de Brito Cançado
    Rua Pedro Martins 101, casa 08, Carandá Bosque
    Campo Grande, MS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2009

    Histórico

    • Aceito
      30 Set 2008
    • Recebido
      06 Jul 2008
    • Revisado
      25 Set 2008
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