Acessibilidade / Reportar erro

Caso 3/2013: recém-nascido com estenose aórtica mimetizando hipoplasia do coração esquerdo

CORRELAÇÃO CLÍNICO-RADIOGRÁFICA

Caso 3/2013 - recém-nascido com estenose aórtica mimetizando hipoplasia do coração esquerdo

Edmar Atik

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Edmar Atik Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 CEP 05403-000, São Paulo, SP - Brasil E-mail: conatik@incor.usp.br

Palavras-chave: Cardiopatias Congênitas, Estenose da Valva Aórtica; Coração / anormalidades.

Dados clínicos: Imediatamente após parto cesário ocorreu apneia em neonato eutrófico e, após ventilação respiratória manual, surgiu enfisema intersticial difuso pulmonar, com insuficiência respiratória e necessidade de intubação endotraqueal, com conhecido diagnóstico prévio de estenose aórtica estabelecido no quinto mês de gestação. Transferido ao nosso serviço apresentava-se com saturação normal e insuficiência cardíaca acentuada.

Exame físico: Em respiração assistida, acianótico, extremidades frias, pulsos diminuídos nos quatro membros. Peso: 2.800 g. Altura: 48 cm. Pressão arterial do membro superior direito (PAMSD): 78/52-61 mmHg. Pressão arterial do membro superior esquerdo (PAMSE) = 73/40-51 mmHg. Pressão arterial do membro inferior direito (PAMID) = 56/25-35 mmHg. Frequência cardíaca (FC): 132 bpm. Frequência respiratória (FR): 30 rpm. Saturação O2 = 96%. A aorta não era palpada na fúrcula.

No precórdio, o ictus cordis não era palpado e havia impulsões sistólicas nítidas na borda esternal esquerda e epigástrio. As bulhas cardíacas eram hiperfonéticas e auscultava-se sopro sistólico discreto, de intensidade +/++, timbre rude, na área aórtica e borda esternal esquerda, sem frêmito. Sopro sistólico suave na área mitral irradiava-se para a axila, com intensidade ++. O fígado era palpado a 3 cm da reborda costal direita.

Exames complementares

Eletrocardiograma (Figura 1) mostrava ritmo juncional e sinais de sobrecarga de cavidades esquerdas. Complexos RS em V1 e rsR' em V6, com onda T positiva em V1 e onda P negativa nas precordiais. Eixo elétrico da onda P (AP): +200º. Eixo elétrico do complexo QRS (AQRS): +70º. Eixo elétrico da onda T (AT): +80º.


Radiografia de tórax mostra área cardíaca aumentada à custa do arco ventricular esquerdo e atrial direito com trama vascular pulmonar aumentada por congestão venocapilar pulmonar (Figura 1).

Ecocardiograma (Figura 2) mostrou estenose anulovalvar aórtica acentuada (3,7 mm), hipoplasia da aorta ascendente (3,6 mm), cavidades esquerdas muito dilatadas com fibroelastose endocárdica e disfunção acentuada do ventrículo esquerdo (FE = 25%), insuficiência mitral também acentuada com válvulas espessas, com prolapso da anterior. Grande canal arterial (6,4 mm) permitia passagem de sangue da direita para a esquerda em direção, principalmente, à aorta descendente, com discreto fluxo retrógrado para o arco aórtico. As medidas eram em ventrículo direito (VD) = 9, ventrículo esquerdo (VE) = 24, átrio esquerdo (AE) = 17, aorta (Ao) = 3,6, valva tricúspide (VT) = 9, valva mitral (VM) = 11,5, valva pulmonar (VP) = 9, valva aórtica (VAo) = 3,7, TP = 11, AP = 3,7 delta D = 16%. Os septos atrial e ventricular eram íntegros. O gradiente de pressão VE-Ao era de 18 mmHg, croça = 6, AoDesc = 9 mm.


Diagnóstico clínico: Estenose aórtica anulovalvar crítica, hipoplasia da aorta ascendente, insuficiência mitral acentuada com disfunção ventricular esquerda, fibroelastose endocárdica, canal arterial com fluxo reverso de sangue em comportamento hemodinâmico semelhante ao da hipoplasia do coração esquerdo.

Raciocínio clínico: Os elementos clínicos eram compatíveis com o diagnóstico de quadro congestivo similar ao encontrado na hipoplasia do coração esquerdo, com manutenção do débito cardíaco através de fluxo reverso pelo grande canal arterial, em face de hipertensão pulmonar decorrente de insuficiência valvar mitral. A estenose aórtica crítica era responsável pelo sopro cardíaco discreto na área aórtica. A sobrecarga ventricular esquerda no eletrocardiograma e a cardiomegalia completavam o quadro. Esses elementos diagnósticos foram confirmados pelas imagens demonstradas pelo ecocardiograma.

Diagnóstico diferencial: O quadro de descompensação clínica precoce é também encontrado em outras cardiopatias congênitas obstrutivas, como na estenose mitral, na interrupção do arco aórtico e na própria hipoplasia do coração esquerdo.

Conduta: Em face da repercussão da obstrução na valva aórtica e na aorta ascendente, com consequente disfunção do ventrículo esquerdo, acrescido de fibroelastose endocárdica, insuficiência mitral acentuada e sem comunicação intercavitária, considerou-se que o quadro clínico de insuficiência cardíaca exagerada pudesse se agravar mais ainda com qualquer tipo de intervenção cirúrgica ou percutânea, dada a instabilidade clínica exagerada. Preferimos por isso manter o paciente sob uso de droga vasoativa com prostaglandina E1, diurético e suporte respiratório até se poder executar transplante cardíaco. No entanto, a evolução clínica prolongada precipitou a realização da abertura do septo atrial e da bandagem pulmonar, com óbito imediato.

Comentários: A estenose aórtica acentuada na vida fetal pode evoluir tanto para agravamento maior ainda do quadro, com óbito fetal, como desencadear aspectos anatômicos habitualmente encontrados na hipoplasia do coração esquerdo ou, ainda, o baixo débito neonatal por obstrução aórtica. Em ambas as situações, o quadro dependente da hipertensão pulmonar para manter o débito cardíaco através do canal arterial se mostra acentuadamente suscetível a agravamento súbito. Conduta mais conservadora, como a colocação de stent no canal arterial com bandagem das artérias pulmonares, poderia nesse caso não ser efetiva em face da acentuada disfunção do ventrículo esquerdo, com insuficiência mitral e consequente perpetuação de quadro congestivo pulmonar. Outra conduta, como a abertura da comunicação interatrial, poderia causar diminuição da hipertensão pulmonar com consequente baixo débito cardíaco; daí a necessidade conjunta da feitura da bandagem pulmonar. A correção da insuficiência mitral não melhoraria a disfunção ventricular, e a abertura da valva aórtica não surtiria fluxo anterógrado adequado, em vista também da disfunção ventricular. Em face desse aspecto anatomofuncional preferiu-se a adoção de conduta radical, como o transplante cardíaco, não realizado pela dificuldade de obtenção de doador nessa idade.

  • Correspondência:

    Edmar Atik
    Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44
    CEP 05403-000, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br