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Marcapasso bi-atrial epicárdico subxifóide na obstrução da veia cava superior

Resumos

Um paciente portador de marcapasso definitivo bi-atrial-ventricular por fibrilação atrial paroxística e bradicardia sinusal, em uso crônico de anticoagulante oral, apresentou sinais clínicos da síndrome da veia cava superior. A venografia por subtração digital mostrou obstrução total do tronco braquiocefálico venoso direito e grande dificuldade de fluxo sangüíneo da veia inominada para a veia cava superior. A abordagem terapêutica constou da remoção completa do sistema transvenoso seguida de reimplante do sistema bi-atrial-ventricular por técnica epimiocárdica pela via subxifóide assistida por fluoroscopia.

Marcapasso artificial; marcapassso bi-atrial; síndrome da veia cava superior; fibrilação atrial


A patient with a bi-atrial-ventricular permanent pacemaker due to paroxystic atrial fibrillation associated to sinus bradycardia, in chronic use of oral anticoagulant, presented clinical signs of superior vena cava syndrome. Digital subtraction venography showed total obstruction of the right brachiocephalic venous trunk and severe stenosis of the connection of the left trunk to the superior vena cava. The therapeutic approach consisted of complete removal of transvenous system followed by re-implant of the bi-atrial-ventricular system using an epicardial subxiphoid access with fluoroscopic assistance

Pacemaker artificial; bi-atrial pacemaker; superior vena cava syndrome; atrial fibrillation


RELATO DE CASO

Marcapasso bi-atrial epicárdico subxifóide na obstrução da veia cava superior

Roberto Costa; Maria Inês de Paula Leão; Kátia Regina da Silva; Paulo Roberto Camargo; Regina Valéria Costa

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Roberto Costa R. Lisboa, 518/131 – Cerqueira César 05413-000 – São Paulo, SP E-mail: rcosta@cardiol.br

RESUMO

Um paciente portador de marcapasso definitivo bi-atrial-ventricular por fibrilação atrial paroxística e bradicardia sinusal, em uso crônico de anticoagulante oral, apresentou sinais clínicos da síndrome da veia cava superior. A venografia por subtração digital mostrou obstrução total do tronco braquiocefálico venoso direito e grande dificuldade de fluxo sangüíneo da veia inominada para a veia cava superior. A abordagem terapêutica constou da remoção completa do sistema transvenoso seguida de reimplante do sistema bi-atrial-ventricular por técnica epimiocárdica pela via subxifóide assistida por fluoroscopia.

Palavras-chave: Marcapasso artificial, marcapassso bi-atrial, síndrome da veia cava superior, fibrilação atrial.

A síndrome da veia cava superior pós-implante de marcapasso transvenoso é complicação rara. Sua abordagem terapêutica tem sido realizada pela anticoagulação associada ou não a trombólise, venoplastia percutânea ou abordagem cirúrgica a céu aberto1-5.

A estimulação multissítio atrial definitiva tem apresentado resultados consistentes na prevenção da fibrilação atrial em pacientes com doença do nó sinusal, diminuindo o número de recidivas e retardando a instalação da fibrilação atrial permanente6-9.

O objetivo do presente relato é descrever o caso de um paciente portador de doença do nó sinusal e fibrilação atrial persistente, que evoluiu com síndrome da veia cava superior cinco anos após o implante de marcapasso bi-atrial-ventricular, cujo tratamento implicou na extração completa do sistema transvenoso e seu reimplante pela via epimiocárdica subxifóide.

Relato do Caso

Homem de 66 anos, portador de fibrilação e flütter atriais refratários à terapia farmacológica, havia sido submetido a duas tentativas de ablação por cateter. Já havia apresentado acidente vascular cerebral isquêmico com distúrbios visuais transitórios e estava em uso crônico de varfarina e amiodarona.

Em março de 2001, apresentou síncope associada a bradicardia sinusal persistente, sendo submetido a implante de marcapasso bi-atrial-ventricular transvenoso permanente. Os cabos-eletrodos Medtronic 4068, para aurícula e ventrículo direitos, e 2188, para seio coronário distal, foram implantados por dissecção da veia cefálica e punção da veia subclávia direitas com alojamento do gerador de pulsos em região subpeitoral. O uso de varfarina foi mantido, sendo a amiodarona substituída por sotalol devido a hipotireoidismo. Manteve-se assintomático por cinco anos, em ritmo de marcapasso, com detecção eventual de episódios de fibrilação atrial nos contadores diagnósticos do gerador de pulsos.

Em março de 2005, três meses após a troca eletiva de gerador de pulsos, apresentou edema e rubor em face, pescoço e membro superior direito. A avaliação, pela ultra-sonografia e pela tomografia do tórax, sugeriu obstrução da veia cava superior. A venografia por subtração digital, com injeção bilateral de contraste, revelou trombose do tronco braquiocefálico venoso direito com circulação colateral e estenose grave da junção da veia inominada com a veia cava superior (fig. 1).


O tratamento estabelecido foi a remoção completa do sistema transvenoso e reimplante epicárdico. Sob anestesia geral, realizou-se: remoção do gerador de pulsos; extração dos cabos atrial direito e ventricular, por contra-tração, e retirada do cabo atrial esquerdo, por tração simples. O reimplante foi feito por incisão longitudinal de aproximadamente cinco centímetros sobre o apêndice xifóide com pericardiotomia em forma de "T" invertido. O cabo-eletrodo epimiocárdico Medtronic 4968 foi implantado na parede diafragmática do ventrículo direito. Pela mesma abertura, com o auxílio de fluoroscopia, o cabo-eletrodo Medtronic 5038 (A-V "single lead") foi conduzido, pelo espaço pericárdico, para a região póstero-lateral do ventrículo esquerdo até atingir, pelo seio transverso, o topo do átrio direito. A ponta do cabo-eletrodo foi implantada no epicárdio atrial, entre a veia cava superior e a aorta ascendente. Os pólos "flutuantes" do cabo-eletrodo 5038 ficaram localizados junto à aurícula esquerda e foram utilizados para estimulação atrial esquerda. As medidas, obtidas com Analisador Medtronic 2090, foram adequadas para estimulação e sensibilidade, não sendo observada estimulação frênica. O gerador de pulsos, Biotronik Stratos LA, foi reimplantado no hipocôndrio esquerdo em posição submuscular (fig. 2).


Houve regressão completa dos sinais de obstrução da veia cava no pós-operatório imediato, mantendo-se assim até a última avaliação. O paciente foi mantido em uso de varfarina e persiste em ritmo de marcapasso atrial com boa captura atrial e ventricular, dois meses após o procedimento.

Discussão

O tratamento da síndrome da veia cava superior pós-implante de cabos-eletrodos transvenosos, por sua raridade, ainda não está padronizado. Têm sido utilizadas a anticoagulação, a trombólise e a desobstrução mecânica, com ou sem a retirada do sistema de estimulação. No presente caso, em função do fluxo lento da veia inominada para a veia cava superior, optou-se pela remoção do sistema transvenoso. Os riscos inerentes ao uso de trombolíticos e os maus resultados em longo prazo da venoplastia pesaram nessa decisão1-5.

A estimulação multissítio atrial permitiu a manutenção do ritmo do paciente por cinco anos, com poucos episódios de fibrilação atrial paroxística autolimitados e por isso foi mantida no reimplante. A estimulação ventricular também foi indicada, caso no futuro houvesse necessidade de ablação da junção atrioventricular.

As opções para implante de marcapasso endocárdico na obstrução da veia cava superior têm sido a veia femoral e a toracotomia direita através da parede atrial1,4. Pela gravidade do quadro tromboembólico, mesmo na vigência de anticoagulação oral, optou-se por não utilizar a via endocárdica no reimplante. Com base na técnica de mapeamento e ablação epicárdica, descrita por Sosa e Scanavacca10, e com a finalidade de evitar a toracotomia transesternal para abordagem simultânea dos átrios direito e esquerdo, utilizamos o presente acesso. O uso do cateter, originalmente desenvolvido para estimulação atrioventricular com cabo único, guiado pela fluoroscopia, permitiu a estimulação atrial esquerda e direita com um só cabo. A passagem pelo seio transverso estabilizou a posição do cabo-eletrodo.

O seguimento de médio prazo mostrou a viabilidade desse tipo de abordagem para o implante bi-atrial. O baixo risco desse procedimento, associado à mínima invasão, pode torná-lo uma boa alternativa para a estimulação multissítio, caso a reprodutibilidade, segurança e eficácia dessa técnica sejam comprovadas.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 12/05/06

Aceito em 01/06/06

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  • Correspondência:

    Roberto Costa
    R. Lisboa, 518/131 – Cerqueira César
    05413-000 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      01 Jun 2006
    • Recebido
      12 Maio 2006
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