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Treinamento Muscular Inspiratório em Diferentes Intensidades na Insuficiência Cardíaca: Há Diferenças nas Alterações Hemodinâmicas Centrais?

Insuficiência Cardíaca; Pressões Respiratórias Máximas; Frequência Cardíaca; Volume Sistólico; Débito Cardíaco; Monitoração Hemodinâmica/métodos

A insuficiência cardíaca (IC) é uma entidade complexa e geralmente com prognóstico reservado, apontada como uma doença cardiovascular de extrema relevância devido à sua crescente incidência, prevalência e alta morbimortalidade associadas.11. Ziaeian B, Fonarow GC. Epidemiology and aetiology of heart failure. Nat Rev Cardiol. 2016;13(6):368-78. Estima-se que a sua prevalência esteja variando entre 1% a 2% nos países desenvolvidos, atingindo >10% nas pessoas acima de 70 anos de idade;22. Choi HM, Park MS, Youn JC. Update on heart failure management and future directions. Korean J Intern Med. 2019;34(1):11-43. ademais, é considerada a principal causa cardiovascular de internação em indivíduos acima de 60 anos.33. Rossignol P, Hernandez AF, Solomon SD, Zannad F. Heart failure drug treatment. Lancet. 2019;393(10175):1034-44.

Entre os principais sintomas característicos da IC, destacam-se dispneia e fadiga, os quais estão intimamente associados ao comprometimento da capacidade funcional e, consequentemente, da qualidade de vida desses indivíduos.44. Daher A, Matthes M, Keszei A, Brandenburg V, Müller T, Cornelissen C, et al. Characterization and Triggers of Dyspnea in Patients with Chronic Obstructive Pulmonary Disease or Chronic Heart Failure: Effects of Weather and Environment. Lung. 2019;197(1):21-8. O treinamento físico, por sua vez, ganhou um espaço de destaque nas últimas décadas, com o intuito de melhoria deste cenário, embasado por um crescente número de comprovações sólidas; sendo assim, ele tem a capacidade de impactar favoravelmente no ganho da capacidade funcional e qualidade de vida dos pacientes com IC.55. Alvarez P, Hannawi B, Guha A. Exercise And Heart Failure: Advancing Knowledge And Improving Care. Methodist Debakey Cardiovasc J. 2016;12(2):110-5. , 66. Cattadori G, Segurini C, Picozzi A, Padeletti L, Anzà C. Exercise and heart failure: an update. ESC Heart Fail. 2018;5(2):222-32. Dentre os diversos tipos de treinamento físico direcionados a esta população, o treinamento muscular inspiratório (TMI) é conhecido por sua fácil aplicabilidade e potenciais benefícios neste cenário.

Treinamento muscular inspiratório na insuficiência cardíaca

Há evidências robustas sugerindo que a fraqueza dos músculos inspiratórios é um dos principais fatores que levam à baixa tolerância ao exercício nos pacientes com IC.77. McParland C, Resch EF, Krishnan B, Wang Y, Cujec B, Gallagher CG. Inspiratory muscle weakness in chronic heart failure: role of nutrition and electrolyte status and systemic myopathy. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(4):1101-7. , 88. Verissimo P, Casalaspo TJ, Gonçalves LH, Yang AS, Eid RC, Timenetsky KT. High prevalence of respiratory muscle weakness in hospitalized acute heart failure elderly patients. PLoS One. 2015;10(2):e0118218. De fato, ensaios clínicos randomizados comprovaram inúmeros benefícios do TMI em portadores desta síndrome, a citar: melhora significativa na eficiência na captação do oxigênio,99. Stein R, Chiappa GR, Güths H, Dall’Ago P, Ribeiro JP. Inspiratory muscle training improves oxygen uptake efficiency slope in patients with chronic heart failure. J Cardiopulm Rehabil Prev. 2009;29(6):392-5. capacidade funcional e escores de qualidade de vida.1010. Dall’Ago P, Chiappa GR, Guths H, Stein R, Ribeiro JP. Inspiratory muscle training in patients with heart failure and inspiratory muscle weakness: a randomized trial. J Am Coll Cardiol. 2006;47(4):757-63. Estes resultados foram confirmados por metanálises, como aquela conduzida por Smart et al.1111. Smart NA, Giallauria F, Dieberg G. Efficacy of inspiratory muscle training in chronic heart failure patients: a systematic review and meta-analysis. Int J Cardiol. 2013;167(4):1502-7. Quando comparados ao grupo controle, os pacientes submetidos a TMI alcançaram uma melhora importante no consumo máximo de oxigênio (VO2máx): 1,83 ml.kg-1.min-1 (IC95%, 1,33 para 2,32 ml.kg-1.min-1, p <0,00001), bem como no teste de caminhada de 6 minutos: 34,35 m (IC95%, 22,45 para 46,24 m, p <0,00001). Por sua vez, a força muscular inspiratória parece ter uma correlação significativa com o VO2máx, o qual é um preditor independente de sobrevida nos indivíduos com IC.1212. Cahalin LP, Arena R, Guazzi M, Myers J, Cipriano G, Chiappa G, et al. Inspiratory muscle training in heart disease and heart failure: a review of the literature with a focus on method of training and outcomes. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2013;11(2):161-77. O TMI, deve, portanto, ser parte integrante dos cuidados destes pacientes sempre que possível.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, um ensaio clínico randomizado, placebo e controlado1313. Marchese LD, Chermont S, Warol D, Oliveira LB, Pereira SB, Quintão M, et al.Controlled Study of Central Hemodynamic Changes in Inspiratory Exercise with Different Loads in Heart Failure. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):656-663. avaliou as implicações de uma sessão aguda de diferentes intensidades de TMI sobre a resposta hemodinâmica central (RHC) de indivíduos com IC, utilizando um método não invasivo de monitorização. Para tal, foram incluídos 20 pacientes com fração de ejeção reduzida (37,2% ± 6,3%), idade média de 65 anos, e na grande maioria em classe funcional II da New York Heart Association (NYHA). O protocolo do TMI se resumiu em 3 sessões durante 15 minutos cada. Todos os participantes realizaram o treinamento com intensidade em 30% e 60% da pressão inspiratória máxima (PImáx), além de intervenção sham (placebo), com washout de 1 hora entre elas. Foi observado que a RHC se comportou de forma heterogênea entre as intensidades. Por exemplo, houve um aumento da frequência cardíaca com as intensidades de 30% e 60% da PImáx (64 ± 15 para 69 ± 15 batimentos por minuto; e 67 ± 14 para 73 ± 14 batimentos por minuto, respectivamente). Em relação ao volume sistólico, houve tendência à redução com a carga de 30% da PImáx (73 ± 26 ml para 64 ± 20 ml). Já o débito cardíaco aumentou apenas no grupo de maior intensidade (4,6 ± 1,5 l/min para 5,3±1,7 l/min), comportamento que foi semelhante em relação à resposta da pressão arterial sistólica. De fato, o aumento do débito cardíaco observado na maior intensidade aplicada pode ser explicado, parcialmente, pelo aumento da frequência cardíaca neste grupo. Estes achados não devem ser ignorados, uma vez que os pacientes com IC tendem a apresentar fluxo sanguíneo prejudicado para os músculos em atividade, secundário às reduções do débito cardíaco e da capacidade vasodilatadora periférica. Estas alterações são prejudiciais, causando importante intolerância ao esforço, estando associadas à capacidade vasodilatadora reduzida e aumento da estimulação simpática comuns nesses indivíduos.1414. Piña IL, Apstein CS, Balady GJ, Belardinelli R, Chaitman BR, Duscha BD, et al. Exercise and heart failure: A statement from the American Heart Association Committee on exercise, rehabilitation, and prevention. Circulation. 2003;107(8):1210-25.

Recentemente, através de uma revisão sistemática com metanálise, nosso grupo mostrou que o TMI de alta intensidade (≥ 60% da PImáx) pode ser uma estratégia eficiente para melhorar a capacidade funcional e a força muscular inspiratória desta mesma classe de pacientes (leia-se: IC e fração de ejeção reduzida).1515. Gomes Neto M, Ferrari F, Helal L, Lopes AA, Carvalho VO, Stein R. The impact of high-intensity inspiratory muscle training on exercise capacity and inspiratory muscle strength in heart failure with reduced ejection fraction: a systematic review and meta-analysis. Clin Rehabil. 2018;32(11):1482-92. Por sua vez, acreditamos que o estudo em questão1313. Marchese LD, Chermont S, Warol D, Oliveira LB, Pereira SB, Quintão M, et al.Controlled Study of Central Hemodynamic Changes in Inspiratory Exercise with Different Loads in Heart Failure. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):656-663. adiciona importantes conhecimentos à literatura, mostrando diferenças nas repercussões hemodinâmicas observadas no TMI em diferentes intensidades, uma área pouco explorada até o momento. Estes achados podem abrir novos horizontes e perspectivas, influenciando a realização de maiores pesquisas explorando as respostas hemodinâmicas do TMI em pacientes com IC. A falta de uma estreita correlação entre a hemodinâmica central (como hiperativação do sistema nervoso simpático) e a tolerância ao exercício fortalecem a importância dos resultados deste estudo.

Referências

  • 1
    Ziaeian B, Fonarow GC. Epidemiology and aetiology of heart failure. Nat Rev Cardiol. 2016;13(6):368-78.
  • 2
    Choi HM, Park MS, Youn JC. Update on heart failure management and future directions. Korean J Intern Med. 2019;34(1):11-43.
  • 3
    Rossignol P, Hernandez AF, Solomon SD, Zannad F. Heart failure drug treatment. Lancet. 2019;393(10175):1034-44.
  • 4
    Daher A, Matthes M, Keszei A, Brandenburg V, Müller T, Cornelissen C, et al. Characterization and Triggers of Dyspnea in Patients with Chronic Obstructive Pulmonary Disease or Chronic Heart Failure: Effects of Weather and Environment. Lung. 2019;197(1):21-8.
  • 5
    Alvarez P, Hannawi B, Guha A. Exercise And Heart Failure: Advancing Knowledge And Improving Care. Methodist Debakey Cardiovasc J. 2016;12(2):110-5.
  • 6
    Cattadori G, Segurini C, Picozzi A, Padeletti L, Anzà C. Exercise and heart failure: an update. ESC Heart Fail. 2018;5(2):222-32.
  • 7
    McParland C, Resch EF, Krishnan B, Wang Y, Cujec B, Gallagher CG. Inspiratory muscle weakness in chronic heart failure: role of nutrition and electrolyte status and systemic myopathy. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(4):1101-7.
  • 8
    Verissimo P, Casalaspo TJ, Gonçalves LH, Yang AS, Eid RC, Timenetsky KT. High prevalence of respiratory muscle weakness in hospitalized acute heart failure elderly patients. PLoS One. 2015;10(2):e0118218.
  • 9
    Stein R, Chiappa GR, Güths H, Dall’Ago P, Ribeiro JP. Inspiratory muscle training improves oxygen uptake efficiency slope in patients with chronic heart failure. J Cardiopulm Rehabil Prev. 2009;29(6):392-5.
  • 10
    Dall’Ago P, Chiappa GR, Guths H, Stein R, Ribeiro JP. Inspiratory muscle training in patients with heart failure and inspiratory muscle weakness: a randomized trial. J Am Coll Cardiol. 2006;47(4):757-63.
  • 11
    Smart NA, Giallauria F, Dieberg G. Efficacy of inspiratory muscle training in chronic heart failure patients: a systematic review and meta-analysis. Int J Cardiol. 2013;167(4):1502-7.
  • 12
    Cahalin LP, Arena R, Guazzi M, Myers J, Cipriano G, Chiappa G, et al. Inspiratory muscle training in heart disease and heart failure: a review of the literature with a focus on method of training and outcomes. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2013;11(2):161-77.
  • 13
    Marchese LD, Chermont S, Warol D, Oliveira LB, Pereira SB, Quintão M, et al.Controlled Study of Central Hemodynamic Changes in Inspiratory Exercise with Different Loads in Heart Failure. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):656-663.
  • 14
    Piña IL, Apstein CS, Balady GJ, Belardinelli R, Chaitman BR, Duscha BD, et al. Exercise and heart failure: A statement from the American Heart Association Committee on exercise, rehabilitation, and prevention. Circulation. 2003;107(8):1210-25.
  • 15
    Gomes Neto M, Ferrari F, Helal L, Lopes AA, Carvalho VO, Stein R. The impact of high-intensity inspiratory muscle training on exercise capacity and inspiratory muscle strength in heart failure with reduced ejection fraction: a systematic review and meta-analysis. Clin Rehabil. 2018;32(11):1482-92.
  • Minieditorial referente ao artigo: Estudo Controlado das Alterações Hemodinâmicas Centrais de uma Sessão de Exercício Inspiratório com Diferentes Cargas na Insuficiência Cardíaca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Abr 2020Abr 2020
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