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Revascularização miocárdica e restauração ventricular por meio da pacopexia

Resumos

OBJETIVO: Analisar o desempenho ventricular esquerdo após revascularização miocárdica associada à restauração da geometria ventricular pela "pacopexia", em pacientes portadores de miocardiopatia isquêmica com significativa disfunção ventricular, nos quais a restauração ventricular foi conseguida com técnica especial. MÉTODOS: Revascularização miocárdica associada à restauração da geometria ventricular através de técnica especial, sem utilização de próteses ou outros materiais sintéticos. RESULTADOS: Após o procedimento cirúrgico, foi observada melhora da classe funcional em 93,10% dos pacientes. Houve um aumento significante na comparação pré e pós operatórias da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e diminuição do diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo. Não houve alteração significante do diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo e do volume sistólico. O tempo de seguimento após a operação variou de 1 mês a 3 anos e 4 meses. CONCLUSÃO: A técnica de restauração ventricular através da pacopexia mostrou-se eficaz no tratamento da grave disfunção ventricular de origem isquêmica, com impacto sobretudo na melhora da classe funcional dos pacientes estudados.

Insuficiência cardíaca congestiva; revascularização miocárdica; função ventricular esquerda


OBJECTIVE: To analyze left ventricle performance after myocardial revascularization associated to ventricular geometrics restoration by "pacopexy" in schemic myocardiopathy patients with significant ventricular dysfunction in whom ventricular restoration was obtained through special technique. METHODS: Myocardial revascularization associated to ventricular geometrics restoration through special technique, with no use of prosthesis or other synthetic materials. RESULTS: Patients’ functional class was shown to have improved 93.10% after surgical procedure. Pre- and post-surgical comparison showed significant increase in left ventricle ejection fraction as well as decrease in left ventricle systolic diameter. No significant change was observed in left ventricle diastolic diameter or systolic volume. Post-surgical follow-up time length ranged from 1 month to 3 years and 4 months. CONCLUSION: Ventricular dysfunction restoration technique through pacopexy showed to be effective for the management of severe ventricular dysfunction from schemic causes. Major impact was observed in the functional class of patients under study.

Heart failure; congestive; myocardial revascularization; ventricular function; left


ARTIGO ORIGINAL

Revascularização miocárdica e restauração ventricular por meio da pacopexia

João Roberto Breda; Luciano Figueiredo Aguiar; João Nelson Rodrigues Branco; Roberto Catani; Ibraim Pinto; Edson Nakano; Enio Buffolo

Escola Paulista de Medicina – UNIFESP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: João Roberto Breda Rua Ricardo Cavatton, 287/14 Lapa de Baixo 05038-110 – São Paulo, SP E-mail: jbreda@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o desempenho ventricular esquerdo após revascularização miocárdica associada à restauração da geometria ventricular pela "pacopexia", em pacientes portadores de miocardiopatia isquêmica com significativa disfunção ventricular, nos quais a restauração ventricular foi conseguida com técnica especial.

MÉTODOS: Revascularização miocárdica associada à restauração da geometria ventricular através de técnica especial, sem utilização de próteses ou outros materiais sintéticos.

RESULTADOS: Após o procedimento cirúrgico, foi observada melhora da classe funcional em 93,10% dos pacientes. Houve um aumento significante na comparação pré e pós operatórias da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e diminuição do diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo. Não houve alteração significante do diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo e do volume sistólico. O tempo de seguimento após a operação variou de 1 mês a 3 anos e 4 meses.

CONCLUSÃO: A técnica de restauração ventricular através da pacopexia mostrou-se eficaz no tratamento da grave disfunção ventricular de origem isquêmica, com impacto sobretudo na melhora da classe funcional dos pacientes estudados.

Palavras-chave: Insuficiência cardíaca congestiva, revascularização miocárdica, função ventricular esquerda.

Introdução

As doenças cardiovasculares são responsáveis pelo maior número de mortes no Ocidente1. Entre elas, a insuficiência cardíaca congestiva (ICC) representa parcela considerável dessas mortes.

Aproximadamente 23 milhões de pessoas são portadoras de ICC, e dois milhões de novos casos são diagnosticados a cada ano no mundo2. O principal fator de risco para o desenvolvimento de ICC nos Estados Unidos é a doença isquêmica do coração3.

No Brasil, segundo dados do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde (Datasus), cerca de um terço dos pacientes internados tem como diagnóstico ICC4. Embora os dados epidemiológicos não sejam precisos, pode-se estimar que a doença isquêmica do coração também represente o principal fator etiológico em nosso meio, porém a doença de Chagas e a febre reumática permanecem ainda como desafios a serem vencidos5,6.

Dentre as opções cirúrgicas no tratamento da miocardiopatia de origem isquêmica destaca-se a revascularização isolada do miocárdio7,8. Entretanto, o desenvolvimento de ICC refratária nos portadores de doença arterial coronariana está relacionada à dilatação ventricular e à alteração da esfericidade ventricular, com desenvolvimento de regurgitação mitral8-14.

O conceito de coração helicoidal descrito originalmente por Torrent-Guasp, envolvendo a dinâmica ventricular esquerda de forma espiralada e em duplo hélice, ressalta a importância das estruturas do arcabouço cardíaco para um melhor desempenho hemodinâmico, e a perda da forma elíptica do coração produz alterações significativas na capacidade do ventrículo de se encher e/ou ejetar sangue. Os procedimentos cirúrgicos realizados com o propósito de restaurar a arquitetura cardíaca responsável por uma função normal são chamados de "pacopexia", em homenagem a Francisco Torrent-Guasp, que ofereceu as bases para técnicas cirúrgicas idealizadas com a finalidade de melhorar o desempenho ventricular15.

Embora os procedimentos de "pacopexia" sejam mais favoráveis em miocardiopatias dilatadas com insuficiência mitral secundária, sua utilização foi ampliada para exclusão de regiões fibróticas do ventrículo esquerdo, especialmente no tratamento do septo interventricular12,15.

O objetivo deste trabalho é analisar o desempenho ventricular esquerdo após revascularização miocárdica associada à restauração da geometria ventricular pela "pacopexia", em pacientes portadores de miocardiopatia isquêmica com significativa disfunção ventricular, nos quais a restauração ventricular foi conseguida com técnica especial. O desempenho ventricular esquerdo foi analisado por meio de dados clínicos e ecocardiográficos verificando-se a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), seus diâmetros cavitários e o volume sistólico.

Métodos

Entre fevereiro de 2000 e novembro de 2004, 34 pacientes portadores de miocardiopatia isquêmica foram submetidos a revascularização miocárdica associada a "pacopexia". O grupo foi constituído de 27 pacientes do sexo masculino e sete do sexo feminino, com idades variando de 43 a 73 anos (média de 60,50±8,86 anos).

Todos os pacientes apresentavam miocardiopatia isquêmica e quadro clínico compatível com ICC atual ou pregressa, e no pré-operatório imediato três (8,83%) encontravam-se em classe funcional (CF) II; 22 (64,70%) em CF III; nove (24,47%) em CF IV, pela classificação da New York Heart Association (NYHA), com sintomas congestivos associados, apesar de doses adequadas de medicamentos. O tempo de seguimento após a operação variou de um mês a três anos e quatro meses (média de 9,67±7,23 meses).

Como característica, apresentavam a dilatação da cavidade ventricular esquerda aferida nos períodos sistólico e diastólico pelo ecocardiograma transtorácico e déficit acentuado da contratilidade ventricular esquerda, verificado por meio do ecocardiograma transtorácico e/ou ventriculografia esquerda realizada durante a cinecoronariografia.

Todos os pacientes foram submetidos a revascularização miocárdica associada a restauração da geometria ventricular por meio de "pacopexia", e em dois pacientes foi feita associadamente a correção da regurgitação mitral pela plastia da válvula com aplicação de anel rígido de Carpentier-Edwards.

O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), e os pacientes concordaram em participar do estudo, assinando o termo de consentimento informado.

Técnica operatória - A operação iniciava-se com monitorização hemodinâmica pela medida da pressão arterial média, pressão venosa central e débito urinário, além de monitorização respiratória com oximetria de pulso.

A operação era realizada de maneira habitual; a via de acesso foi esternotomia mediana, com canulação aórtica e da veia cava inferior pelo átrio direito (ou bicaval quando foi necessária a abordagem da válvula mitral) após heparinização sistêmica (4 mg/kg), com hipotermia moderada a 32°C.

Como método de proteção miocárdica foi utilizada a cardioplegia sangüínea anterógrada hipotérmica (aproximadamente a 18°C), com acréscimo de potássio (15 mEq/l) na indução. Nas doses subseqüentes, em intervalos de 15 minutos, foi administrado o sangue do perfusato a 32°C, sem adição de nenhuma outra substância.

Após a confecção das anastomoses entre as artérias coronárias passíveis de revascularização e o enxerto escolhido (artéria torácica interna esquerda ou veia safena) realizava-se a "pacopexia" do ventrículo esquerdo.

A restauração da geometria ventricular pela "pacopexia" incluiu ventriculotomia feita paralalelamente à artéria coronária interventricular anterior, seguida da inspeção da porção septal e da parede livre do ventrículo, com identificação e delimitação das áreas de fibrose. A parede livre do ventrículo era então suturada à porção septal, objetivando a exclusão das áreas de fibrose da parede anterior e do terço anterior do septo. Com o embricamento da parede livre à porção septal, finalizávamos o procedimento com a sutura da porção septal remanescente sobre a parede livre, mediante sutura contínua hemostática.

Nos dois pacientes que tinham importante refluxo mitral foi realizada a aplicação de um anel rígido completo de Carpentier-Edwards de tamanho 28 mm.

Ao término da operação, os pacientes em normotermia eram conduzidos à Unidade de Pós-Operatório, onde foram monitorizados continuamente.

Todos os pacientes foram acompanhados durante a evolução hospitalar e ambulatorial por um mesmo membro da equipe cirúrgica, com preenchimento de protocolo para comparação de dados pré e pós-operatórios.

Análise estatística - As análises estatísticas consistiram na comparação dos parâmetros estudados nos três períodos de observação, em que os dados foram colhidos para cada paciente. As observações foram efetuadas nos seguintes períodos:

1. Antes da operação – Observação pré-operatória.

2. Antes da alta hospitalar – Observação pós-operatória.

3. Após a alta hospitalar – Observação atual.

Os parâmetros observados foram:

• Fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

• Diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo.

• Diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo.

• Volume sistólico.

Com o objetivo de verificar a relevância estatística das diferenças dos parâmetros no tempo, foram realizados testes de hipóteses não-paramétricos, comparando duas a duas a evolução de cada parâmetro (pré-operatório versus pós-operatório, pré-operatório versus medida atual e pós-operatório versus medida atual). O teste apropriado para a comparação de duas amostras pareadas é o de Willcoxon (ordenação por postos).

Resultados

Classe funcional - Na análise dos pacientes quanto à evolução da classe funcional antes e após a operação, observa-se que, excetuando-se os óbitos ocorridos, 93,10% dos pacientes apresentaram melhora da classe funcional e apenas 6,90% (dois pacientes) não apresentaram melhora (gráfico 1).


Função ventricular – Fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE):

Não houve variação estatisticamente significativa quanto a FEVE na comparação entre pré (36±11,91) e pós-operatório imediato (32±9,80) (p = 0,1349), nem entre o pré-operatório e o nível atual (40±10,26) (p = 0,1854).

Em relação ao pós-operatório imediato, porém, houve um aumento significativo em comparação com os níveis atuais (p = 0,0002) (gráfico 2).


Volume sistólico:

Não há evidências estatísticas de variação do volume sistólico nas observações entre pré, pós-operatório imediato e nas observações atuais (gráfico 3).


Valores:

• Pré-operatório (118±62) – Pós-operatório (139,76±52,79) (p = 0,2191).

• Pré-operatório (118±62) – Atual (111±47,86) (p = 0,7854).

• Pós-operatório (139,76±52,79) – Atual (111±47,86) (p = 0,2049).

Diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE):

Não há evidências estatísticas de variação do diâmetro diastólico nas observações entre pré, pós-operatório imediato e nas observações atuais (gráfico 4).


Valores:

• Pré-operatório (65,50±10,82) – Pós-operatório (67±7,52) (p = 0,3380).

• Pré-operatório (65,50±10,82) – Atual (64±7,26) (p = 0,4689).

• Pós-operatório (67±7,52) – Atual (64±7,26) (p = 0,0513).

Diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo (DSVE):

Não houve variação significativa entre o diâmetro sistólico nas observações entre pré-operatório (53,85±10,83) e pós-operatório imediato (55,95±7,76) (p = 0,1931), nem nas observações pré-operatórias e nas atuais (50±7,92) (p = 0,5721).

Houve uma redução significativa entre as observações de pós-operatório imediato e os níveis atuais (p = 0,0172) (gráfico 5).


Análise de sobrevivência - No conjunto de dados, observamos a presença de cinco óbitos dentre os 34 pacientes, sendo quatro óbitos procedentes de causas relacionadas ao objeto de estudo (dois óbitos por choque cardiogênico e dois por arritimia ventricular), e um deles não relacionado. Os óbitos relacionados à operação ocorreram em até oito dias após o procedimento, não havendo mais nenhum óbito posterior a esse intervalo.

A análise de sobrevivência pela curva de Kaplan-Meier resultou, ao final do período estudado, em uma probabilidade média de sobrevivência estimada de 88,24%, com intervalo de confiança ao nível de 5% variando entre 77,41% e 99,07% (gráfico 6).


Discussão

O tratamento clínico da ICC está fundamentado no conhecimento dos mecanismos hemodinâmicos e neuro-humorais dessa síndrome, porém essa modalidade terapêutica não é definitiva, proporcionando apenas uma melhora temporária da qualidade de vida16. Apesar da otimização do tratamento clínico, uma parcela considerável desses pacientes acaba evoluindo para os estágios mais avançados da doença, e o transplante cardíaco passa a ser o tratamento de eleição.

O aumento no número de pacientes que desenvolvem ICC se deve a uma maior sobrevida após infarto agudo do miocárdio, especialmente pela melhoria da terapêutica para tratamento da doença arterial coronária. Porém, essa maior sobrevida é freqüentemente acompanhada de algum grau de dano miocárdico causado pela remodelação ventricular, iniciando um ciclo vicioso que leva a falência cardíaca17.

A remodelação do ventrículo esquerdo pós-infarto é um fenômeno complexo que envolve fatores moleculares, neuro-hormonais e genéticos. Esses fatores são capazes de produzir dilatação das câmaras cardíacas, alteração da forma e disfunção ventricular18.

A doença isquêmica como causa de ICC é conseqüência da dilatação e remodelação ventricular após o infarto do miocárdio19. Embora a reperfusão precoce da artéria relacionada ao infarto, por meio de trombólise ou angioplastia, possa limitar a expansão da dilatação ventricular, cerca de 20% dos pacientes podem apresentar essa complicação apesar da terapêutica agressiva20. Em estudo recente, Bolognese e cols. observaram que 30% dos pacientes tratados por angioplastia primária com sucesso evoluem com dilatação ventricular esquerda (definida como aumento de 20% do volume diastólico final) em um período de seis meses após o procedimento21.

A revascularização isoladada do miocárdio representa uma opção terapêutica para esses pacientes. O Coronary Artery Surgery Study (CASS) mostrou grande benefício na sobrevida de pacientes revascularizados com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) abaixo de 35%22. Além desse trabalho, o estudo multicêntrico de administração dos veteranos (Veterans Administration Coronary Artery Bypass Surgery Cooperative Study Group) comprovou o aumento da sobrevida após revascularização miocárdica em pacientes com disfunção ventricular grave e angina23. Desse modo, a revascularização miocárdica é capaz de produzir uma elevação da FEVE, melhora dos parâmetros hemodinâmicos, aumento da sobrevida e redução dos sintomas congestivos.

O tratamento da lesão culpada pela isquemia miocárdica, clínico ou cirúrgico, não é, entretanto, garantia de cura para o paciente, sendo obrigatória a avaliação do tamanho e da função ventricular para determinação do prognóstico em termos do desenvolvimento de falência cardíaca, inclusive com grave impacto econômico e social17.

Assim, o desenvolvimento de miocardiopatia isquêmica está relacionado à dilatação ventricular e possível regurgitação mitral, com alteração da esfericidade ventricular e conseqüente deterioração da função sistólica. O tratamento cirúrgico da miocardiopatia isquêmica deve englobar a revascularização coronariana, a correção da regurgitação mitral e a restauração da geometria ventricular24.

A restauração da geometria ventricular com redução do volume ventricular está baseada na excisão de óbvias áreas de cicatriz na parede anterior do ventrículo esquerdo. A excisão e a sutura linear dessas áreas de cicatriz discinética têm sido utilizadas por muitos anos, embora essa técnica possa não tratar adequadamente áreas de fibrose do septo interventricular24. O reparo endoventricular com imbricação septal busca exatamente uma melhor abordagem para tratamento do septo interventricular, e essa estratégia de restauração ventricular cirúrgica tem sido aplicada para seguimentos discinéticos e também acinéticos do músculo cardíaco14.

O princípio de restauração da geometria ventricular foi bem descrito por Dor e cols. mediante plastia endoventricular com retalho circular e exclusão de todas as áreas cicatriciais, com aplicação tanto em áreas de discinesia quanto de acinesia13. Em um registro multicêntrico, com a utilização dessa técnica, observou-se uma baixa mortalidade e sobrevida aceitável após três anos de seguimento, além de menor taxa de reinternação por ICC quando comparada com a revascularização isolada do miocárdio24.Outra importante contribuição é dada pelo grupo RESTORE, formado por dez centros internacionais, realizando o procedimento de restauração ventricular desde 199814.

O aneurisma clássico de ventrículo é caracterizado por uma porção discinética ventricular demarcada por um colo que separa a área cicatricial daquela com músculo contrátil. Esse tipo de lesão pode ser corrigido mediante a técnica de Jatene, que preconiza a reconstrução geométrica ventricular com aplicação de sutura circunferencial no colo do aneurisma com exclusão da área de discinesia14. Atualmente, esse tipo de lesão não ocorre tão freqüentemente pelo advento das técnicas de reperfusão precoce da artéria coronária acometida pelo processo aterosclerótico.

No presente estudo, a restauração da geometria ventricular foi obtida por meio da "pacopexia" com técnica especial, que se mostrou satisfatória, especialmente para o tratamento de áreas cicatriciais do septo interventricular. Além disso, essa técnica não envolve a utilização de material sintético, como próteses ou barras de tecido, podendo contribuir para uma menor resposta inflamatória tecidual. Estudos anteriores mostraram que pericárdio bovino e compostos de teflon estão associados com infiltração inflamatória mononuclear no tecido adjacente e indução de resposta imunológica tipo enxerto-hospedeiro25.

O seguimento desses pacientes revelou uma melhora importante do tipo funcional, no qual 93,10% deles apresentaram melhora quando comparamos a CF antes e após a operação (gráfico 1), com provável benefício em termos de qualidade de vida.

Em relação à fração de ejeção do ventrículo esquerdo, pode-se dizer que não representa o parâmetro de maior acurácia na determinação do resultado em longo prazo, sendo fundamental a análise do volume ventricular24. Apesar disso, notamos uma diminuição da FEVE entre o pré e pós-operatório imediato (antes da alta hospitalar) com recuperação em relação aos níveis atuais.

O tamanho da cavidade ventricular esquerda após a restauração geométrica representa fator determinante na sobrevida desses pacientes, e neste estudo, com exceção do diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo (DSVE), os demais parâmetros de volume ventricular não mostraram diferenças estatisticamente significantes na comparação pré e pós-operatórias. A aparente ausência de melhora no desempenho ventricular esquerdo pode estar relacionada ao método de avaliação usado neste trabalho (ecocardiograma transtorácico), o que poderá ser modificado pelo uso de outros métodos (com destaque para a ressonância magnética).

Apesar da gravidade dos pacientes deste estudo, em virtude da disfunção ventricular presente no pré-operatório, a análise de sobrevivência após a operação se mostrou favorável, com probabilidade média de sobrevivência de 88,24%, no período de tempo considerado. A curva de sobrevivência foi influenciada por uma mortalidade operatória de 11%, relacionada principalmente ao avançado grau de disfunção ventricular apresentada pelos pacientes no momento da operação.

Desse modo, a forma de restauração ventricular utilizada neste trabalho difere das demais técnicas descritas na literatura pesquisada, principalmente pela ampla possibilidade de tratamento do septo interventricular e pela não-utilização de materiais sintéticos. A clássica sutura linear não corrige adequadamente o componente septal e as demais técnicas envolvem suturas circulares e muitas vezes o uso de materiais sintéticos.

O sucesso dos procedimentos de restauração ventricular estão baseados nos seguintes aspectos: revascularização completa do miocárdio, diminuição do volume ventricular e restauração da forma, que foram integralmente respeitados na técnica apresentada neste trabalho.

Assim, o entendimento da anatomia e da função do coração normal permitirá ao cirurgião a utilização de técnicas que possam restaurar a geometria ventricular o mais próximo do ideal em termos de forma e tamanho, com provável implicação em termos de melhoria da função ventricular.

Conclusão

1. Observou-se melhora do tipo funcional em 93,10% dos pacientes do grupo estudado, na comparação entre dados do pré e pós-operatórios.

2. Houve aumento estatisticamente significante da fração de ejeção do ventrículo esquerdo na comparação entre dados do pós-operatório imediato (antes da alta hospitalar) e dados de avaliação atuais.

3. Houve redução significante do diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo na comparação entre os valores de pós-operatório e atuais.

4. Estudos prospectivos adicionais serão necessários para avaliação em longo prazo dos resultados obtidos neste estudo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 28/12/05; revisado recebido em 15/05/06; aceito em 18/05/06.

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  • Correspondência:

    João Roberto Breda
    Rua Ricardo Cavatton, 287/14 Lapa de Baixo
    05038-110 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      18 Maio 2006
    • Revisado
      15 Maio 2006
    • Recebido
      28 Dez 2005
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