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Análise das Estratégias de Revascularização em Doentes com Infarte Agudo do Miocárdio em Choque Cardiogênico – Resultados do Registro Português de Síndromes Coronárias Agudas

Palavras-chave
Infarto do Miocárdio; Revascularização Miocárdica; Choque Cardiogênico; Síndrome Coronariana Aguda

O Registro Português de Síndromes Coronárias Agudas foi elaborado em 2002 pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia a partir da constatação da necessidade de um conhecimento mais amplo sobre a abordagem nacional das síndromes coronárias agudas (SCA) e levou à fundação do Centro Nacional para Coleção de Dados em Cardiologia (CNCDC) para centralizar toda a informação e apoiar a sua análise, o que culminou com a criação dos seus primeiros registros: o Registo Nacional de Síndromes Coronárias Agudas (RNSCA), simultaneamente com o Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção. O RNSCA é um registo observacional prospetivo e contínuo. Foram convidados a participar voluntariamente todos os serviços e departamentos de Cardiologia dos hospitais portugueses. A inclusão de doentes teve início em 1 de janeiro de 2002 e mantém-se sem interrupções até o presente momento. Brevemente, foi solicitado a cada centro que incluísse de forma consecutiva doentes internados com o diagnóstico de SCA (inclusive infarto agudo do miocárdio com elevação de ST, sem elevação de ST e angina instável), com base na clínica, no eletrocardiograma e nos biomarcadores de necrose miocárdica. Os dados recolhidos incluem dados demográficos, características basais, evolução laboratorial, evolução clínica, terapêutica efetuada, dados da intervenção percutânea, dados da alta e do seguimento aos seis meses (na primeira fase do registo) ou ao primeiro ano (na segunda fase do registo). Inicialmente, os dados eram preenchidos em papel, posteriormente transferidos para uma base eletrônica e desde 2004 são submetidos diretamente por via eletrônica. Em consulta ao site do RNSCA em fevereiro de 2021, este contava com 63.029 registros.11. Timóteo AT, Mimoso J. Portuguese registry of acute coronary syndromes (ProACS): 15 years of a continuous and prospective registry. Rev Port Cardiol. 2018; 37(7):563-73.,22. Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Registro Nacional de Síndromes Coronarianas Agudas. [Cited in 2021 Feb 02]. Disponível em: https://registos.spc.pt/RegistoSCA/Public/Login.aspx?ReturnUrl=%2fRegistoSCA%2f#.
https://registos.spc.pt/RegistoSCA/Publi...

Uma pergunta está presente na abordagem da revascularização da síndrome coronariana aguda que evolui com choque cardiogênico: devemos abordar apenas o vaso culpado ou todas as lesões coronarianas significativas? O estudo das estratégias de revascularização em doentes com infarte agudo do miocárdio em choque cardiogênico, proveniente dos resultados do Registro Português de Síndromes Coronárias Agudas, traz esclarecimentos e ajuda na tomada de decisão.33. Alegria S, Marques A, Gomes AC, Pereira ARF, Sebaiti D, Morgado G, et al. Revascularization Strategies in Patients with Acute Myocardial Infarction and Cardiogenic Shock: Results from the Portuguese Registry on Acute Coronary Syndromes. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(5):867-876. Atualmente, as recomendações da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista são as seguintes: “A estratégia invasiva buscando a revascularização miocárdica do vaso culpado e, potencialmente, de vasos não culpados com doença coronária significativa, é recomendada nos casos de IAMCSST evoluindo com falência cardíaca e choque cardiogênico irrespectivamente do tempo de apresentação.”44. Feres F, Costa RA, Siqueira D, Costa Jr R, Chamie D, Stalco R, et al. Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista sobre intervenção coronária percutânea. Arq Bras Cardiol. 2017: 109 (1 Suppl 1): 1-81.

Um estudo multicêntrico brasileiro mostrou que a estratégia de revascularização completa esteve associada à redução significativa dos desfechos primários (óbito cardiovascular, reinfarto ou angina recorrente) e secundários (acidente vascular encefálico, parada cardiorrespiratória não fatal, maior sangramento ou necessidade de nova intervenção) no seguimento de um ano quando comparada à estratégia de revascularização incompleta.55. Cadore JC, Furtado MV, Tumelero R, Tognon AP, Krepsky AM, Rusehel D, et al. Revascularização completa versus tratamento da artéria culpada no infarto com supradesnivelamento do segmento ST: registro multicêntrico. Arq Bras. Cardiol. 2020; 115(2):229-37.

O estudo baseado no RNSCA português envolve pacientes com marcadores prognósticos sabidamente ruins, anatomicamente multiarteriais66. Viana MS, Correia VCA, Ferreira FM, Lacerda Y, Bagano GO, Fonseca LL, et al. Competência prognóstica distinta entre modelo clínico e anatômico em síndromes coronarianas agudas: comparação por tipo de desfecho. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(2): 219-25. e hemodinamicamente em estado de choque cardiogênico,77. Souza TMB, Cerqueira Jr AMS, Suerdieck JG, As NC, Sodré GS, Correia VC, et al. Valor prognóstico do NT-proBNP versus classificação de Killip em pacientes com síndromes coronarianas agudas. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4): 666-72. o que justifica a alta mortalidade relatada no estudo. Os resultados não demonstraram diferença entre a revascularização completa no procedimento-índice versus um grupo composto pela revascularização completa diferida ou incompleta, quando relacionados ao desfecho primário composto por morte intra-hospitalar ou reinfarto.33. Alegria S, Marques A, Gomes AC, Pereira ARF, Sebaiti D, Morgado G, et al. Revascularization Strategies in Patients with Acute Myocardial Infarction and Cardiogenic Shock: Results from the Portuguese Registry on Acute Coronary Syndromes. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(5):867-876. Vale ressaltar que o tempo de seguimento foi mais curto quando comparado ao de estudos semelhantes88. Wald DS, Morris JK, Wald NJ, Chase AJ, Edwards RJ, Hughes LO, et al. Randomized trial of preventive angioplasty in myocardial infarction. N Engl J Med 2013; 369(12): 1.115-23.1010. Smits PC, Abdel-Wahab M, Neumann FJ, Boxma de Klerk B, Lunde K, Schotborgh CE, et al. Fractional flow reserve-guided multivessel angioplasty in myocardial infarction. N Engl J Med. 2017; 376(13):1234-44. para avaliar a estratégia de revascularização na síndrome coronariana aguda e que levavam em conta apenas a internação durante o evento-índice. Os resultados de estudos semelhantes mostraram que a revascularização completa é superior; no entanto, não envolviam apenas pacientes em choque cardiogênico.55. Cadore JC, Furtado MV, Tumelero R, Tognon AP, Krepsky AM, Rusehel D, et al. Revascularização completa versus tratamento da artéria culpada no infarto com supradesnivelamento do segmento ST: registro multicêntrico. Arq Bras. Cardiol. 2020; 115(2):229-37.,88. Wald DS, Morris JK, Wald NJ, Chase AJ, Edwards RJ, Hughes LO, et al. Randomized trial of preventive angioplasty in myocardial infarction. N Engl J Med 2013; 369(12): 1.115-23.1010. Smits PC, Abdel-Wahab M, Neumann FJ, Boxma de Klerk B, Lunde K, Schotborgh CE, et al. Fractional flow reserve-guided multivessel angioplasty in myocardial infarction. N Engl J Med. 2017; 376(13):1234-44.

Uma grande vantagem demonstrada no estudo3 é a disponibilidade de um registro nacional contínuo, de longa duração, com grande abrangência e múltiplas variáveis que possibilite a realização de diferentes estudos, seguimento temporal de eventos, recomendações ou intervenções e tendência nos números e desfechos das síndromes coronarianas agudas em Portugal. No Brasil, não dispomos de registro semelhante; ele não é impossível de ser feito, mas um país continental, com dois sistemas de saúde distintos, se torna, no mínimo, difícil.

  • Minieditorial referente ao artigo: Estratégias de Revascularização em Doentes com Infarte Agudo do Miocárdio em Choque Cardiogênico – Resultados do Registro Português de Síndromes Coronárias Agudas

Referências

  • 1
    Timóteo AT, Mimoso J. Portuguese registry of acute coronary syndromes (ProACS): 15 years of a continuous and prospective registry. Rev Port Cardiol. 2018; 37(7):563-73.
  • 2
    Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Registro Nacional de Síndromes Coronarianas Agudas. [Cited in 2021 Feb 02]. Disponível em: https://registos.spc.pt/RegistoSCA/Public/Login.aspx?ReturnUrl=%2fRegistoSCA%2f#
    » https://registos.spc.pt/RegistoSCA/Public/Login.aspx?ReturnUrl=%2fRegistoSCA%2f#
  • 3
    Alegria S, Marques A, Gomes AC, Pereira ARF, Sebaiti D, Morgado G, et al. Revascularization Strategies in Patients with Acute Myocardial Infarction and Cardiogenic Shock: Results from the Portuguese Registry on Acute Coronary Syndromes. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(5):867-876.
  • 4
    Feres F, Costa RA, Siqueira D, Costa Jr R, Chamie D, Stalco R, et al. Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista sobre intervenção coronária percutânea. Arq Bras Cardiol. 2017: 109 (1 Suppl 1): 1-81.
  • 5
    Cadore JC, Furtado MV, Tumelero R, Tognon AP, Krepsky AM, Rusehel D, et al. Revascularização completa versus tratamento da artéria culpada no infarto com supradesnivelamento do segmento ST: registro multicêntrico. Arq Bras. Cardiol. 2020; 115(2):229-37.
  • 6
    Viana MS, Correia VCA, Ferreira FM, Lacerda Y, Bagano GO, Fonseca LL, et al. Competência prognóstica distinta entre modelo clínico e anatômico em síndromes coronarianas agudas: comparação por tipo de desfecho. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(2): 219-25.
  • 7
    Souza TMB, Cerqueira Jr AMS, Suerdieck JG, As NC, Sodré GS, Correia VC, et al. Valor prognóstico do NT-proBNP versus classificação de Killip em pacientes com síndromes coronarianas agudas. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4): 666-72.
  • 8
    Wald DS, Morris JK, Wald NJ, Chase AJ, Edwards RJ, Hughes LO, et al. Randomized trial of preventive angioplasty in myocardial infarction. N Engl J Med 2013; 369(12): 1.115-23.
  • 9
    Gershlick AH, Banning AS, Parker E, Wang D, Budgeon CA, Kelly D, et al. Long-term follow-up of complete versus lesion-only revascularization in STEMI and multivessel disease: the CvLPRIT trial. J Am Coll Cardiol. 2019; 74(25):3083-94.
  • 10
    Smits PC, Abdel-Wahab M, Neumann FJ, Boxma de Klerk B, Lunde K, Schotborgh CE, et al. Fractional flow reserve-guided multivessel angioplasty in myocardial infarction. N Engl J Med. 2017; 376(13):1234-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Maio 2021
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