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Caso 4/2015 Homem de 48 Anos com Coarctação da Aorta, Valva Aórtica Bivalvulada e Aorta Ascendente Normal

Coarctação da Aorta; Estenose Aórtica Bivalvulada; Tratamento Percutâneo Aórtico

Dados clínicos: relato de detecção de hipertensão arterial desde os 23 anos de idade, controlada com cinco medicamentos anti-hipertensivos. Há 1 mês verificado por ultrassom hipofluxo através aorta abdominal, que levantou suspeita de coarctação da aorta, confirmada por angiotomografia ulterior. Não havia queixas cardiovasculares, mas era sedentário.

Exame físico: eupnéico, acianótico, pulsos amplos nos membros superiores e ausentes nos membros inferiores. Peso: 77 kg; altura: 168 cm; Pressão Arterial - PA = membro superior direito = membro superior esquerdo = 125/75 mmHg; PA de membros inferiores = 75 mmHg, Frequência Cardíaca - FC: 86 bpm. Aorta nitidamente palpada na fúrcula. Sopro sistólico discreto na fúrcula, + de intensidade.

No precórdio, ictus cordis não palpado, ausência de impulsões sistólicas na BEE . Bulhas cardíacas normofonéticas; sopro sistólico, +/4, rude, na área aórtica, sem irradiações. Sem sopros no dorso. Fígado não palpado.

Exames complementares

Eletrocardiograma: ritmo sinusal, sem sobrecarga cavitária. Índice de Sokolov = 20 mm, discreta alteração da repolarização ventricular. Hemibloqueio anterior esquerdo e fibrose septal. AP: +60º; AQRS: -45º; AT: +100º (Figura 1).

Figura 1
Radiografia de tórax mostra área cardíaca normal. Stent 40 x 18 mm posicionado no início da aorta descendente correspondente ao arco médio. Nota-se hiperrefringência em alguns bordos inferiores das costelas e, no eletrocardiograma, há hemibloqueio anterior esquerdo, fibrose septal e isquemia lateral alta.

Radiografia de tórax: área cardíaca normal (índice cardiotorácico: 0,48). Trama vascular pulmonar normal e arco médio escavado. O arco aórtico posterior não era proeminente, com hiperrefringência em alguns bordos das costelas (Figura 1).

Ecocardiograma: valva aórtica bivalvulada com gradiente de pressão máximo de 14 e médio de 7 mmHg. A Aorta Ascendente (AoAsc) não era dilatada (35 mm), com arco aórtico (37 mm), estreitamento na região ístmica (3 mm) com gradiente de pressão de 51 mmHg. Cavidades cardíacas tinham dimensões normais. Não havia hipertrofia miocárdica com septo e parede posterior de 9 mm de espessura. Função ventricular esquerda era normal (69%).

Angiotomografia da aorta: AoAsc com 40 mm, croça e aorta descendente (AoDesc) com 32 mm; estreitamento ístmico com 3 mm e diâmetro na altura do diafragma de 25 mm. Havia circulação colateral acentuada, correspondente às intercostais, brônquicas e mamárias.

Cateterismo cardíaco: (Figura 2). As pressões eram: ventrículo esquerdo - VE = 160/12, AoAsc = 130/80 e AoDesc = 90/80 mmHg. Angiografia mostrou estreitamento nítido no istmo da aorta, cerca de 2,5 cm após artéria subclávia esquerda, sem dilatação da AoAsc e AoDesc, após a obstrução.

Figura 2
Angiografias superiores (A e B) demonstram a coarctação da aorta ístmica acentuada com aorta ascendente de tamanho normal, circulação colateral exuberante e as inferiores (C e D) com imagens da aorta descendente, após a colocação do stent 40 x 18 mm, com uniformidade dos diâmetros e sem dilatação pós-estenótica.

Diagnóstico clínico: coarctação da aorta acentuada na região ístmica e estenose valvar aórtica discreta em valva bivalvulada sem dilatação da AoAsc e sem hipertrofia, em evolução natural.

Raciocínio clínico: os elementos clínicos da coarctação da aorta são nítidos e de fácil identificação, principalmente representados pelo contraste de pulsos e da PA entre os membros superiores e inferiores, como demonstrado neste caso, embora realizados tardiamente, sob meios indiretos pelo ultrassom abdominal. Torna-se de interesse notar que, mesmo em cardiopatia com sobrecarga de pressão e de longa data, não havia hipertrofia miocárdica ou sinais de sobrecarga elétrica e nem sintomas. Esses aspectos se devem ao fato de que, nessa anomalia obstrutiva, formam-se colaterais, que desviam o sangue, a fim de nutrir a circulação geral. Área cardíaca normal na radiografia de tórax expressa função ventricular normal, e estranha-se a ausência de dilatação da AoAsc, em presença de valva bivalvulada aórtica e com coarctação da aorta.

Diagnóstico diferencial: obstruções da aorta em adulto, em geral, decorrem de aortite prévia, como se sucede em doença de Takayasu, Kawasaki, em doenças do tecido conjuntivo e em doenças infecciosas.

Conduta: em face da repercussão sistólica de longa data, mesmo sem hipertrofia miocárdica e com pressões aumentadas no circuito da aorta proximal, torna-se imperiosa a indicação operatória, visando ao alívio da obstrução arterial, que suscita maior possibilidade para instalação de fibrose miocárdica, insuficiência cardíaca e arritmias, além de morte mais precoce. Preferiu-se a dilatação da região ístmica pelo cateterismo intervencionista, a partir da artéria femoral direita com stent 40 x 18 mm, com inserção logo após a emergência da artéria subclávia esquerda. Houve imediata diminuição da PA sistólica para 100 mmHg, mesmo sem drogas hipotensoras. Houve adequada dilatação da região (Figura 2) com equalização de pressão entre os membros. O sopro sistólico discreto da estenose valvar aórtica permaneceu inalterado.

Comentários: a compensação cardíaca com manutenção do fluxo anterógrado, na coarctação da aorta, é obtida pela hipertrofia miocárdica e/ou pelo desenvolvimento de circulação colateral, que alivia a obstrução aórtica e nutre satisfatoriamente a circulação. Nesse caso, a obstrução aórtica acentuada detectada na idade adulta e com manifestação por hipertensão arterial, era compensada por circulação colateral exuberante. Daí a evolução favorável até a quinta década da vida. Hemibloqueio anterior esquerdo e fibrose septal no eletrocardiograma se tornam de difícil entendimento na ausência de hipertrofia miocárdica. Essa anomalia obstrutiva, mesmo com compensação hemodinâmica, deve ser tratada precocemente, afim de se evitar evolução desfavorável em relação ao surgimento de fibrose miocárdica, arritmias e insuficiência cardíaca. A evolução da valva aórtica bivalvulada traz elementos desfavoráveis evolutivos, como a dilatação da AoAsc que, invariavelmente, devem ser oportunamente tratados cirúrgicamente. No entanto, não se observou, neste paciente, a esperada dilatação da aorta, o que torna possível boa evolução a ainda maior prazo. A dilatação da aorta parece se relacionar mais a fatores inerentes da parede arterial (constituição adequada de músculo parietal) do que a aspectos hemodinâmicos1Jackson V, Petrini J, Caidahl K, Eriksson MJ, Liska J, Eriksson P, et al. Bicuspid aortic valve leaflet morphology in relation to aortic root morphology: a study of 300 patients undergoing open-heart surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(3):e118-24. Erratum in: Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(2):471..

Reference

  • 1
    Jackson V, Petrini J, Caidahl K, Eriksson MJ, Liska J, Eriksson P, et al. Bicuspid aortic valve leaflet morphology in relation to aortic root morphology: a study of 300 patients undergoing open-heart surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(3):e118-24. Erratum in: Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(2):471.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2014
  • Revisado
    08 Ago 2014
  • Aceito
    08 Ago 2014
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