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Associação dos biomarcadores com aterosclerose e risco para doença coronariana em portadores de HIV

Resumos

FUNDAMENTO: O uso maciço da Terapia Antirretroviral (TARV) na população com vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) coincidiu com um aumento das doenças cardiovasculares, causa importante de morbimortalidade nesse grupo. OBJETIVO: Determinar a frequência de aterosclerose carotídea e avaliar a associação entre os níveis dos biomarcadores e o espessamento da camada médio-intimal carotídea em indivíduos HIV positivos, atendidos em serviços de referência para HIV em Pernambuco. MÉTODOS: Corte transversal com 122 pacientes HIV positivos. Considerou-se aterosclerose carotídea subclínica o aumento da espessura da camada média intimal da carótida comum > 0,8 milímetros ou placas no ultrassom de carótidas. Os biomarcadores inflamatórios analisados foram IL6, IL1-β, TNF-α, PCR-ultrassensível, sVCAM-1 e sICAM-1. RESULTADOS: Dos 122 pacientes analisados, a maioria era de homens (60,7%), com > 40 anos (57,4%), em uso de TARV (81,1%). A prevalência de aterosclerose foi de 42,6% (52 casos). Pacientes com idade acima de 40 anos e Framingham intermediário ou alto apresentaram maior chance de desenvolver aterosclerose na análise univariada. Idade acima de 40 anos (OR = 6,57 IC 2,66 -16,2; p = 0,000), sexo masculino (OR = 2,76 IC 1,12-6,79; p = 0,027) e a condição de síndrome metabólica (OR = 2,27 IC 0,94-5,50; p = 0,070) mostraram-se associados à aterosclerose na análise multivariada. Níveis elevados de citocinas inflamatórias e moléculas de adesão não mostraram associação com a presença de aterosclerose. CONCLUSÃO: Não houve associação entre os biomarcadores inflamatórios, moléculas de adesão e presença de aterosclerose carotídea. Entretanto, evidenciou-se em homens, pessoas com mais de 40 anos, portadores de escore de Framingham intermediário/alto ou síndrome metabólica maior chance de aterosclerose subclínica.

Aterosclerose; fatores de risco; doença das coronárias; HIV


BACKGROUND: The massive use of Highly-Active Antiretroviral Therapy (HAART) in individuals with human immunodeficiency virus (HIV) coincided with an increase in cardiovascular disease, a major cause of morbidity and mortality in this group. OBJECTIVE: To determine the frequency of carotid atherosclerosis and the association between biomarker levels and carotid intimal-medial thickening in HIV-positive individuals treated for HIV at referral centers in Pernambuco. METHODS: This was a cross-sectional study of 122 HIV-positive patients. Subclinical carotid atherosclerosis was considered with the presence of increased intimal-medial thickness of the common carotid artery > 0.8 mm or plaques in the carotid ultrasound. The following inflammatory biomarkers were analyzed: IL6, IL1-β, TNF-α, high-sensitivity CRP, sVCAM-1 and sICAM-1. RESULTS: Of the 122 patients analyzed, most were men (60.7%) aged > 40 years (57.4%) receiving HAART (81.1%). The prevalence of atherosclerosis was 42.6% (52 cases). Patients older than 40 years and intermediate or high Framingham score were more likely to develop atherosclerosis at the univariate analysis. Age older than 40 years (OR = 6.57, 95%CI: 2.66 to 16.2, p = 0.000), male gender (OR = 2.76, 95%CI: 1.12 to 6.79, p = 0.027) and presence of syndrome metabolic (OR = 2.27, 95%CI: 0.94 to 5.50, p = 0.070) were associated with atherosclerosis at the multivariate analysis. Elevated levels of inflammatory cytokines and adhesion molecules were not associated with the presence of atherosclerosis. CONCLUSION: There was no association between inflammatory biomarkers, adhesion molecules and presence of carotid atherosclerosis. However, a higher chance of subclinical atherosclerosis was observed in men, those older than 40 years, with intermediate / high Framingham score or metabolic syndrome.

Atherosclerosis; risk factors; coronary disease; HIV


Associação dos biomarcadores com aterosclerose e risco para doença coronariana em portadores de HIV

Maria da Conceição Brandão de Arruda FalcãoI; Josefina Cláudia ZírpoliI; Valéria Maria de AlbuquerqueII; Brivaldo Markman FilhoI; Nelson Antônio Moura de AraújoI, II; Creso Abreu FalcãoII; Demócrito de Barros Miranda-FilhoII; Ricardo Alencar de Arraes XimenesI, II; Maria de Fátima Militão de AlbuquerqueIII; Heloísa Ramos LacerdaI, II

IUniversidade Federal de Pernambuco, Recife, PE - Brasil

IIUniversidade de Pernambuco, Recife, PE - Brasil

IIIInstituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, PE - Brasil

Correspondência Correspondência: Heloisa Ramos Lacerda Depto de Medicina Clínica Bloco A do Hospital das Clínicas da UFPE Av. Moraes Rego,1235 CEP 50670-901, Recife, PE - Brasil E-mail: helramos@terra.com.br, heloisa.ramos@pq.cnpq.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O uso maciço da Terapia Antirretroviral (TARV) na população com vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) coincidiu com um aumento das doenças cardiovasculares, causa importante de morbimortalidade nesse grupo.

OBJETIVO: Determinar a frequência de aterosclerose carotídea e avaliar a associação entre os níveis dos biomarcadores e o espessamento da camada médio-intimal carotídea em indivíduos HIV positivos, atendidos em serviços de referência para HIV em Pernambuco.

MÉTODOS: Corte transversal com 122 pacientes HIV positivos. Considerou-se aterosclerose carotídea subclínica o aumento da espessura da camada média intimal da carótida comum > 0,8 milímetros ou placas no ultrassom de carótidas. Os biomarcadores inflamatórios analisados foram IL6, IL1-β, TNF-α, PCR-ultrassensível, sVCAM-1 e sICAM-1.

RESULTADOS: Dos 122 pacientes analisados, a maioria era de homens (60,7%), com > 40 anos (57,4%), em uso de TARV (81,1%). A prevalência de aterosclerose foi de 42,6% (52 casos). Pacientes com idade acima de 40 anos e Framingham intermediário ou alto apresentaram maior chance de desenvolver aterosclerose na análise univariada. Idade acima de 40 anos (OR = 6,57 IC 2,66 -16,2; p = 0,000), sexo masculino (OR = 2,76 IC 1,12-6,79; p = 0,027) e a condição de síndrome metabólica (OR = 2,27 IC 0,94-5,50; p = 0,070) mostraram-se associados à aterosclerose na análise multivariada. Níveis elevados de citocinas inflamatórias e moléculas de adesão não mostraram associação com a presença de aterosclerose.

CONCLUSÃO: Não houve associação entre os biomarcadores inflamatórios, moléculas de adesão e presença de aterosclerose carotídea. Entretanto, evidenciou-se em homens, pessoas com mais de 40 anos, portadores de escore de Framingham intermediário/alto ou síndrome metabólica maior chance de aterosclerose subclínica.

Palavras-chave: Aterosclerose; fatores de risco; doença das coronárias; HIV.

Introdução

Apesar de intenso esforço mundial para conter a propagação da epidemia pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), os dados epidemiológicos continuam alarmantes. A última estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou que em 2009 havia cerca de 33,4 milhões de pessoas vivendo com o HIV em todo o mundo1. No Brasil, o número de casos diagnosticados e notificados de 1980 até junho de 2010 foi de 592.9142.

Com a introdução da Terapia Antirretroviral (TARV) de alta potência na condução dos pacientes, houve uma mudança no curso da história natural da infecção pelo HIV3-4. Enquanto os pacientes tratados experimentaram aumento na sobrevida em virtude do controle da viremia, a TARV coincidiu com mudanças no espectro das doenças desses pacientes e os efeitos adversos da terapia assumiram papel cada vez mais importante. Nesse contexto, evidenciou-se um aumento na frequência de doença cardiovascular de origem aterosclerótica nesse grupo5-7.

Considerando a Doença Arterial Coronariana (DAC) aterosclerótica causa importante de morbimortalidade na população de portadores do HIV, seu aparecimento parece ser decorrente da infecção viral crônica e dos efeitos colaterais dos antirretrovirais, que somados resultam em distúrbios metabólicos (intolerância a glicose, diabete melito, dislipidemia, lipodistrofia) e dano endotelial5-10.

O mecanismo da disfunção endotelial relacionada ao HIV poderia incluir, além da influencia das proteínas virais, os efeitos inflamatórios vasculares7. O processo é mediado pelas citocinas (IL-1β, IL-6), pelo fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e pelas moléculas de adesão das células endoteliais intercelulares - ICAM-1 e vasculares - VCAM-111. Desregulação das citocinas, ativação dos macrófagos e das células da musculatura lisa promovem aumento da formação de ateromas12-14, fator agravante para a progressão de doenças cardiovasculares. Assim, reconhecer quais moléculas são biomarcadores para predição de risco de Doença Cardiovascular (DCV) em pacientes com HIV revela-se de grande importância.

O presente trabalho tem como objetivo determinar a associação entre os níveis de biomarcadores inflamatórios, fatores de risco para DAC e a presença de aterosclerose carotídea em pacientes com HIV positivos, com e sem utilização da TARV.

Material e Métodos

Trata-se de um estudo de corte transversal, observacional, alinhado a uma coorte para o estudo de doença cardiovascular e distúrbios metabólicos em indivíduos HIV positivo maiores de 18 anos. O estudo foi realizado no período de 2008 a 2010 e incluiu a análise basal dos 122 pacientes incluídos na coorte. Os indivíduos foram atendidos no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), da Universidade de Pernambuco, e Hospital Estadual Correia Picanço (HCP), da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, selecionados consecutivamente.

Todos os pacientes com HIV atendidos nos Ambulatórios do HUOC e HCP que aceitaram participar do estudo em questão assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, e posteriormente foram submetidos a: entrevista para aplicação de questionário padronizado; aferição de suas medidas antropométricas (peso, altura, cintura abdominal) e da pressão arterial; coleta de sangue para dosagens de colesterol total e frações, triglicerídeos, glicemia de jejum, proteína C ultrassensível, citocinas inflamatórias (IL-1β, IL-6, TNF-α), moléculas de adesão (ICAM-I e VCAM-I) e ultrassonografia com Doppler de carótidas. As informações sobre uso de TARV e contagem de linfócitos TCD4 e carga viral foram obtidas dos prontuários médicos.

Utilizaram-se amostras de plasma, congelado em tubos de coleta de sangue com EDTA do estudo de Coorte Doença Cardiovascular, em pacientes com HIV, em andamento no Recife. As amostras foram enviadas, congeladas, para a realização de ensaio conjunto multiplex (MBAA). Os testes foram realizados no Instituto Gênese, em São Paulo, estritamente de acordo com o protocolo do fabricante para amostras de plasma. Antes de adicionar as amostras numa placa de amostras para ensaio, as alíquotas foram gentilmente agitadas e depois centrifugadas a 13.200 rotações/min por 10 min a 48°C. Diluições das amostras de plasma e padrões foram preparadas de acordo com as instruções do fabricante. Utilizaram-se dois conjuntos de testes multiplex distintos: a) o Painel para Doença Cardiovascular Humana 3 Kit Imunoensaio LINCOplex - 3-plex, Linco / Millipore, Billerica, Massachusetts, EUA - (HCVD3-67CK), para a mensuração da IL-1ß, IL-6, TNF-α; e b) o Painel para Doença Cardiovascular Humana 1 Kit LINCOplex - 2-plex, Linco / Millipore - (HCVD1-67AK), para a mensuração do sVCAM-1 e sICAM-1. Utilizou-se um instrumento baseado em grânulos fluorescentes (Luminex-100; Luminex Corporation, Austin, Texas, EUA) para ler cada placa multiplex. Os dados das placas Luminex foram analisados, usando o software Milliplex Analista v3.4 (Millipore; VigeneTech Inc., Boston, Massachusetts, EUA) e cinco parâmetros de ajuste da curva logística. Justifica-se o uso do MBAA pelo fato de que dosagens de múltiplas citocinas poderiam ser analisadas em uma única amostra de soro. A PCR-us foi mensurada pelo método de nefelometria, com kits da marca Beckman Coulter Immage Immunochemestry. Pontos de corte para os marcadores foram adotados, conforme literatura: dosagem de IL-6 ≥0,11pg/mL15; dosagem de IL-1 β ≥ 0,08 pg/mL15; dosagem de TNF-α for ≥1,2 pg/mL16; dosagem de ICAM-I for ≥ 502 pg/mL17; dosagem de VCAM-I ≥ 710 pg/mL17; dosagem de PCR ≥ 3,0 mg/L18.

A ultrassonografia modo B de carótidas foi realizada utilizando-se transdutor de alta resolução de 12 MHz (GE Vivid 7 2007; General Electric). Cada indivíduo foi examinado em posição supina, em sala semiescura, com o pescoço posicionado a 45º para avaliação da carótida esquerda e com rotação contrária para avaliação da artéria carótida direita. Imagens da parede posterior da porção distal das artérias carótidas comuns direita e esquerda (1 a 2 cm proximal ao bulbo) foram avaliadas pelo mesmo ecocardiografista, que não conhecia dados clínicos ou laboratoriais dos pacientes. Foi definida como aterosclerose subclínica a média de três medidas da parede posterior das carótidas direita e esquerda maior que 0,8 mm e/ou presença de placa.

A análise estatística dos dados foi realizada no software STATA 9.1. Para a análise das variáveis qualitativas foi aplicado o teste qui-quadrado de Pearson, ou Exato de Fisher, quando necessário. Para a comparação das variáveis quantitativas foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. As variáveis que apresentaram valores de p ≤ 0,25 foram incluídas em análise de regressão logística multivariada. O nível de significância assumido foi de 0,05.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar HUOC, Procape e UFPE, sob protocolo nº 16.2009.

Resultados

Os fatores de risco e as características relacionadas ao tratamento, biomarcadores e moléculas de adesão, bem como as características biológicas dos 122 pacientes incluídos no estudo são apresentados na Tabela 1. Os pacientes apresentavam-se em condições estáveis, sem infecções oportunistas concomitantes. Noventa e nove pacientes (81,1%) utilizavam TARV; desses, apenas 35 (35,3%) faziam tratamento com Inibidores da Protease (IP). O inibidor de protease mais frequentemente utilizado foi o lopinavir/ritonavir em 19 (53,6%) casos. Dos 122 pacientes incluídos no estudo, 57,4% pertenciam à faixa etária > 40 anos e 60,7% correspondiam ao gênero masculino. Oitenta e sete indivíduos (71,3%) apresentavam dislipidemia e 99 indivíduos (81,1%) faziam uso de TARV com mediana de 3,3 anos de terapia. A população de estudo apresentou prevalência de 18,8% hipertensos; 5,7% diabéticos; 40,2% com sobrepeso/obesidade; 27,9% tabagistas; e 19,3% com histórico familiar para DAC (Tabela 1).

A prevalência de aterosclerose pelos critérios de avaliação do espessamento médio-intimal da carótida e/ou presença de placa ateromatosa foi de 52 casos, correspondendo a 42,6% (IC95% - 33,7% a 51,9%) dos indivíduos; e entre os que usavam tratamento com antirretrovirais a prevalência foi de 42 casos do total de 99 pacientes em tratamento, perfazendo 42,4% (IC95% - 32,7% a 52%) (Tabela 2).

Na análise univariada, a aterosclerose subclínica esteve associada com idade, em que os pacientes com mais de 40 anos apresentaram 6,3 vezes mais chance de desenvolver aterosclerose. Em relação ao sexo, apesar de a associação não ser significativa, porém limítrofe (p = 0,096), os homens tiveram um aumento na chance de 1,89 vez de apresentar aterosclerose. A condição de uso de TARV não se mostrou associada à aterosclerose, assim como o tempo de tratamento. No que se refere ao escore de Framingham, pacientes classificados com médio ou alto risco cardiovascular têm 3,1 vezes mais chance de apresentar aterosclerose (p = 0,02). A associação com síndrome metabólica teve uma tendência na significância (p = 0,103) com o risco 1,9 vez mais chance de apresentar aterosclerose. Não houve associação significativa da aterosclerose com as medidas de colesterol, triglicerídeos ou circunferência abdominal e IMC (Tabela 2).

O aumento dos biomarcadores foi encontrado em 69 pacientes (56,6%) para o VCAM-1, em 4 pacientes para o ICAM-1 (3,3%), em 84 (68,8%) para o TNF-α, em 90 (73,8%) para a IL-6 e em 13 (10,7%) para a IL-1β (Figura 1).


A análise da associação entre os níveis de biomarcadores e a presença de aterosclerose não mostrou associação estatisticamente significante (Tabelas 1 e 3 ).

Na análise multivariada, apenas a idade acima de 40 anos (OR=6,57 IC 2,66 - 16,2; p = 0,000), o sexo masculino (OR = 2,76 IC 1,12 - 6,79; p = 0,027) e a condição de síndrome metabólica (OR = 2,27 IC 0,94 - 5,50; p = 0,070) mostraram-se associados à aterosclerose (Tabela 4).

Discussão

O presente estudo é um dos primeiros a reunir os principais biomarcadores como as interleucinas, moléculas de adesão, PCR-us e aterosclerose subclínica avaliada pelo USG de carótida em pacientes HIV positivos. Foram estudados 122 pacientes infectados pelo HIV, a maioria deles com uso prévio de TARV por um período superior a um ano. A prevalência de aterosclerose foi de 42,6% (52 indivíduos). Em acordo com a literatura, verificou-se que, na população estudada, os pacientes do sexo masculino, com idade ≥40 anos, com síndrome metabólica, e escore de Framingham médio/alto apresentaram aumento da chance de desenvolver aterosclerose subclínica.

Os fatores de risco para DAC, uso de TARV e tempo de TARV e a dosagem de biomarcadores foram parâmetros utilizados para verificar predição do evento aterosclerótico. Apesar de vários estudos apontarem os biomarcadores como citocinas (IL-1β, IL-6 e TNFα) e PCR-us como fatores associados a progressão crônica da placa aterosclerótica14, o presente estudo não verificou associação estatisticamente significante entre eles. Esse achado discorda dos resultados encontrado por Ross e cols.19 que encontraram correlação positiva entre os níveis de sVCAM e de TNF-alfa e espessamento carotídeo em pacientes HIV positivos19; e os de Ford e cols. que também determinaram associação entre níveis elevados de sVCAM e D-dímero e o risco de infarto do miocárdio20. Entretanto, após compilação de resultados de vários estudos sobre a capacidade dos biomarcadores de predizer o risco de DCV na vigência da infecção pelo HIV, Worm e Hsue concluíram que níveis elevados de PCR e de IL-6 predizem maior mortalidade em indivíduos HIV positivos. Entretanto, os mesmos autores consideram que a utilidade dos biomarcadores em predizer DCV nessa população não estaria tão clara, visto que os trabalhos avaliam pequena casuística, outras infecções crônicas como a causada pelo vírus da hepatite C e outros fatores de risco como o tabagismo e os distúrbios metabólicos (também capazes de induzir inflamação crônica) estão presentes nessa população, introduzindo importantes fatores de confusão nessa avaliação21.

Quanto à pCR-us, os dados da literatura são conflitantes. Pearson e cols.22 mostraram que a PCR-us não tem sido um bom marcador para predizer a extensão da doença aterosclerótica, mostrando uma pobre correlação dos níveis desse marcador com a extensão da aterosclerose, mensurada tanto pelo método de ultrassonografia com Doppler das artérias carótidas como pela tomografia computadorizada para cálcio nas coronárias22. Alguns estudos, ao contrário, sugerem uma correlação positiva entre esse marcador e os exames de imagem que mensuram extensão da aterosclerose23, porém ainda são necessárias pesquisas para melhor definir a relação entre marcadores inflamatórios e massa aterosclerótica. Quanto aos infectados pelo HIV, Triant VA e cols.24 verificaram que o aumento dos níveis do PCR-us estava associado com o aumento do risco de infarto do miocárdio em pacientes infectados com HIV24.

Marcadores inflamatórios podem medir outras características além da massa aterosclerótica. Essas características podem incluir a atividade da população de linfócitos e macrófagos ou o grau de desestabilização da placa levando-a a ulceração e trombose25, bem como mortalidade em pacientes HIV positivos26. Todos esses fatores (ativação de linfócitos e de macrófagos) estão modificados na infecção crônica pelo HIV27, fato que pode responder pelos percentuais elevados dos níveis de citocinas aqui demonstrados e pela ausência de associação dos biomarcadores e aterosclerose carotídea nessa população.

Provavelmente, o uso combinado dos atuais biomarcadores como marcadores da doença aterosclerótica pode resultar em melhor estratificação de risco para DAC, visto que mediam diferentes momentos do processo aterosclerótico.

Ou, por outro lado, o conhecimento adiantado de moléculas e de células na fisiopatologia da lesão aterosclerótica pode possibilitar o desenvolvimento de novos marcadores moleculares que poderão ser medidos no plasma e utilizados para determinar o risco para DAC.

Conclusão

A análise da população estudada de pacientes HIV positivos com e sem TARV revelou que 42,6% dos pacientes apresentaram aterosclerose carotídea (espessamento e/ou placa), sendo mais prevalente nos pacientes com 40 anos ou mais, do gênero masculino e com escore de Framingham classificados com médio/alto risco cardiovascular e síndrome metabólica.

Os biomarcadores inflamatórios sVCAM-1, o TNF-alfa e o IL6 foram os que apresentaram maior frequência de alterações nos seus níveis normais. Nessa população não se observou associação entre os níveis de biomarcadores e a presença de aterosclerose carotídea.

A prevenção de DCV nos pacientes HIV positivos deveria iniciar com uma conscientização dessa população e dos médicos, controlando periodicamente a hipertensão, o tabagismo, o diabetes, a dislipidemia, o excesso de peso, os hábitos alimentares, visto que, alterados, resultam no aparecimento de escores de Framingham alterados e síndrome metabólica, relacionados com a aterosclerose.

A realização de USG com Doppler de carótidas é útil em pacientes com mais de 40 anos, síndrome metabólica e escore de Framingham apontando risco cardiovascular intermediário/alto, visto que pode demonstrar a presença de aterosclerose subclínica nesse grupo de maior risco para doença e orientar terapêutica preventiva para DAC.

Coortes prospectivas são necessárias para avaliar o valor preditivo dos biomarcadores, isoladamente ou em combinações, para prever eventos cardiovasculares e para a morte por doença cardiovascular no grupo de infectados pelo HIV.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado por Ministério da Saúde do Brasil/ UNESCO e CNPq.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de mestrado de Maria da Conceição Brandão de Arruda Falcão pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Artigo recebido em 22/11/11

Revisado em 16/12/11

Aceito em 30/05/12

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  • Correspondência:
    Heloisa Ramos Lacerda
    Depto de Medicina Clínica
    Bloco A do Hospital das Clínicas da UFPE
    Av. Moraes Rego,1235
    CEP 50670-901, Recife, PE - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Nov 2011
    • Aceito
      30 Maio 2012
    • Revisado
      16 Dez 2011
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