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Aos pacientes com coronariopatia aguda, apenas a dosagem inicial de troponina é o melhor que temos a oferecer?

EDITORIAL

Aos pacientes com coronariopatia aguda, apenas a dosagem inicial de troponina é o melhor que temos a oferecer?

José Carlos Nicolau e Remo Holanda M. Furtado

Unidade de Coronariopatia Aguda do Instituto do Coração (InCor) - HC/FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: José Carlos Nicolau Rua Aureliano Coutinho, 355/1401 - Higienópolis 01224-020 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: nicolau@cardiol.br, corjnicolau@incor.usp.br

Palavras-chave: Infarto do miocárdio, doença das coronárias, troponina, marcadores biológicos/sangue.

Já há décadas, sabe-se que existe boa correlação entre os níveis de determinadas enzimas e o tamanho do infarto do miocárdio avaliado por necropsia.

Como seria de se esperar, diversas publicações encontraram correlações altamente significativas entre os níveis desses marcadores e incidência de eventos, fundamentalmente óbitos - quanto maior o valor, maior a mortalidade.

Por outro lado, com o surgimento de novos marcadores, basicamente troponinas e CKMB massa ("biomarcadores de necrose miocárdica"), novas evidências começaram a surgir. Por exemplo, muitos pacientes que seriam catalogados como portadores de angina instável passaram a receber o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio sem supradesnível do segmento ST, já que estes biomarcadores são mais sensíveis do que as enzimas previamente utilizadas. Por outro lado, também se demonstrou que aproximadamente 30% dos pacientes com aumento de troponina apresentam níveis de CKMB atividade normal, e que estes pacientes apresentam pior prognóstico em relação àqueles com troponina também normal.

O importante trabalho de Santos e cols.1 vem contribuir para um melhor entendimento sobre o tema, ao analisar o papel da troponina e da CKMB massa em uma população não selecionada de pacientes com quadro clínico compatível com coronariopatia aguda (de certa forma com surpreendentes 2/3 portadores de angina instável e apenas 1/3 com IAM sem supradesnível de ST).

Levando em consideração apenas dosagem realizada nas primeiras 24 horas de evolução, e tratando os marcadores de necrose miocárdica como variáveis dicotômicas, concluem (corretamente) que, dosando-se a troponina, a dosagem adicional de CKMB massa seria dispensável. Entretanto, alguns questionamentos permanecem sem resposta, o que poderia colocar em dúvida uma conclusão tão contundente:

1. Caso os biomarcadores analisados fossem tratados como variáveis contínuas, ao invés de categóricas, os resultados seriam os mesmos?

2. Aparentemente, as curvas ROC são similares quando se inclui troponina ou CKMB-massa isoladamente, o que poderia sugerir que a CKMB massa seria tão eficaz quanto a troponina como preditora de eventos clínicos.

3. Ao invés de uma dosagem inicial, se fossem construídas curvas de CKMB massa e se analisasse o valor prognóstico deste marcador, levando-se em conta o pico do mesmo (que geralmente ocorre após as primeiras 24 horas de evolução), ou mesmo a área sob a curva obtida, metodologia utilizada pela grande maioria dos estudos sobre o assunto, será que os resultados não seriam diferentes?

4. Em estudo de necropsia, demonstra-se que o pico de CKMB massa mostra melhor correlação com tamanho do IAM do que a troponina obtida nas primeiras horas de internação do paciente2. Na mesma direção, analisando a incidência de necrose pós-angioplastia por ressonância magnética, Lim e cols.3 concluem ser a CKMB superior à troponina no diagnóstico deste tipo de infarto.

Em conclusão, parece-nos algo precoce propor a erradicação da realização de curva de CKMB massa das nossas rotinas. Entretanto, se a opção for a de realizar apenas dosagens de biomarcadores nas primeiras 24 horas de evolução, certamente os resultados aqui demonstrados (e a consequente conclusão) devem ser levados em consideração quando da implementação de rotinas institucionais. Finalmente, é bom recordar que os novos biomarcadores ultrassensíveis, que começam a chegar aos mercados, talvez modifiquem substancialmente o entendimento que temos hoje sobre o assunto.

Artigo recebido em 11/04/11, revisado recebido em 15/04/11, aceito em 15/04/11.

  • 1. Santos ES, Baltar VT, Pereira MP, Menuzzo L, Timerman A, Avezum A. Comparison between cardiac-troponin I and CK-MB mass in acute coronary syndrome without ST elevation. Arq Bras Cardiol. 2011;96(3):179-87.
  • 2. Costa TN, Cassaro Strunz CM, Nicolau JC, Gutierrez PS. Comparison of MB fraction of creatine kinase mass and troponin I serum levels with necropsy findings in acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 2008;101(3):311-4.
  • 3. Lim CC, van Gaal WJ, Testa L, Cuculi F, Arnold JR, Karamitsos T, et al. With the "universal definition," measurement of creatine kinase-myocardial band rather than troponin allows more accurate diagnosis of periprocedural necrosis and infarction after coronary intervention. J Am Coll Cardiol. 2011;57(6):653-61.
  • Correspondência:

    José Carlos Nicolau
    Rua Aureliano Coutinho, 355/1401 - Higienópolis
    01224-020 - São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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