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Caso 5/2015 Mulher de 23 Anos em Evolução Tardia após Correção de Grande Janela Aortopulmonar na Infância

Palavras-chave
Janela Aortopulmonar/cirurgia; Cardiopatias Congênitas/cirurgia; Lactente

Dados clínicos: após correção de grande janela aortopulmonar e de insuficiência valvar mitral secundária à sobrecarga de volume, causadoras de acentuada insuficiência cardíaca em lactente com 10 meses de idade, verificou-se boa evolução clínica posterior. Naquela ocasião, o quadro clínico preocupava, em razão da grave desnutrição (5.500 g), da insuficiência cardíaca congestiva (taquipneia com 60 rpm) com hepatomegalia (4 cm da reborda costal direita (RCD)), grande cardiomegalia e trama vascular pulmonar aumentada. A semiologia cardiovascular mostrava aumento do Ventrículo Esquerdo (VE), com frêmito e sopro sistólicos na área mitral, hiperfonese da segunda bulha, sobrecarga acentuada de VE no Eletrocardiograma (ECG), insuficiência mitral por falta de coaptação das válvulas e pressão sistólica pulmonar de 60 mmHg. Na operação, foi fechada a janela entre o tronco pulmonar e a aorta (Ao) ascendente de 2 cm de diâmetro, sendo feita plicatura do anel posterior da valva mitral. A resposta clínica foi imediata, com regularização do quadro hemodinâmico, desaparecimento do sopro e da insuficiência cardíaca, com ganho de peso normal subsequente. A medicação anticongestiva foi suspensa quando a paciente tinha 4 anos, ocasião da normalização da área cardíaca. Atualmente, tolera bem os exercícios rotineiros e não refere sintomas.

Exame físico: bom estado geral, eupneica, acianótica, pulsos normais. Peso: 53 kg. Altura: 165 cm, Pressão Arterial de Membro Superior Direito (PAMSD): 105/75 mmHg, Frequência Cardíaca (FC): 76 bpm. Ao não era palpada na fúrcula.

No precórdio, ictus cordis não era palpado e não havia impulsões sistólicas. As bulhas cardíacas eram normofonéticas e não era auscultado sopro cardíaco. O fígado não era palpado.

Exames complementares

ECGFigura 1) com 22 anos mostrava ritmo sinusal, sem sinais de sobrecargas e com repolarização ventricular normal. AP = +10º, AQRS = +50º, AT = +50º (traçado inferior). O ECG prévio à operação, com 10 meses de idade (traçado superior), salientava acentuada sobrecarga ventricular esquerda, com AQRS = +70º, AP = +20º e AT = +80º, com morfologia RS (amplitudes de 24 e 30 mm) de V1 a V3 e QRs (amplitudes de 10, 50 e 3 mm) de V4 a V6, com índice de Sokolov de 90 mm e sem alterações da repolarização ventricular.

Figura 1
Eletrocardiogramas nos dois períodos de evolução: prévio à operação com 10 meses (traçado superior) e em evolução pós-operatória tardia com 22 anos (traçado inferior). Tais eletrocardiogramas salientam a normalização da sobrecarga de ventrículo esquerdo, verificada inicialmente

Radiografia de tórax mostrava área cardíaca (Índice Cardiotorácico (ICT) = 0,46) e trama vascular pulmonar normais (Figura 2). A imagem prévia à operação mostrava grande aumento desses elementos, com índice cardiotorácico de 0,85 (Figura 2).

Figura 2
Radiografias de tórax em período pré-operatório e tardiamente com 23 anos, após correção operatória realizada com 10 meses, mostram área cardíaca acentuadamente aumentada e normal, respectivamente

Ecocardiograma mostrou cavidades cardíacas com dimensões normais (Ao = 34; Átrio Esquerdo − AE = 36, Ventrículo Direito − VD = 13, VE = 49; Fração de Ejeção − FE = 61%, septo = parede posterior = 8 mm) e sem insuficiência mitral. O exame prévio à operação mostrava aumento das cavidades esquerdas (AE = 37, Ao = 17 e VE = 42; VD = 10, septo = parede posterior = 5 mm; FE = 82%), com acentuada insuficiência mitral.

Diagnóstico clínico: janela aortopulmonar com insuficiência mitral secundária por sobrecarga de volume e acentuada insuficiência cardíaca, com resolução do quadro após correção cirúrgica e evolução tardia favorável até a idade adulta.

Raciocínio clínico: os elementos clínicos evolutivos eram compatíveis com a normalidade cardiovascular, ao contrário do período pré-operatório, no qual o quadro de insuficiência cardíaca franca sugeria diagnóstico de cardiopatia congênita, cuja exteriorização se fazia por sinais de insuficiência mitral. Nessa ocasião, a janela aortopulmonar foi diagnosticada durante o ato cirúrgico, e a insuficiência mitral foi secundária e decorrente do excesso de volume imposto pelo defeito. A sobrecarga do VE no ECG confirmou a magnitude dessa sobrecarga de volume, a qual predominava sobre a sobrecarga de pressão em VD.

Diagnóstico diferencial: outras patologias que se acompanham de desvio acentuado de sangue, em nível arterial, da esquerda para a direita, devem ser lembradas nesse contexto, como o canal arterial e as fístulas arteriovenosas.

Conduta: em face da repercussão acentuada do desvio de sangue em nível arterial, a operação realizada para fechamento do defeito interarterial, além do reparo da dilatação secundária do anel mitral, resultou em benefício curativo, superando o receio da hipertensão arterial pulmonar na época.

Comentários: a janela aortopulmonar, em geral, apresenta-se com grande repercussão já nos primeiros meses de vida, e a operação cardíaca repara todo o quadro da insuficiência cardíaca e dos defeitos associados, como da insuficiência mitral secundária, que foi verificada no caso relatado1Soares AM, Atik E, Cortêz TM, Albuquerque AM, Castro CP, Barbero-Marcial M, et al. Aortopulmonary window. Clinical and surgical assessment of 18 cases. Arq Bras Cardiol.1999;73(1):59-74.

Barnes ME, Mitchell ME, Tweddell JS Aortopulmonary window. Semin Thorac Cardiovasc Surg Pediatr Card Surg Annu. 2011;14(1):67-74.
- 3Atik E, Barbero-Marcial M, Andrade JL, Baucia JA, Iwahashi E, Aiello V, et al. [Clinical manifestation of aortopulmonary window as mitral regurgitation caused by secondary dilatation of the valvar anulus]. Arq Bras Cardiol. 1994;63 (6):493-5.. Geralmente, a hipertensão arterial pulmonar também regride, assim como a dilatação secundária das diferentes estruturas cardíacas correlatas. Essa verificação é alentadora, em face da grande repercussão desse defeito, que deve ser corrigido prontamente, após o diagnóstico. A normalização anatomofuncional, nesse caso, torna-se de grande valia, como exemplo evolutivo para casos que se comportem da mesma maneira, em período precoce da vida.

References

  • 1
    Soares AM, Atik E, Cortêz TM, Albuquerque AM, Castro CP, Barbero-Marcial M, et al. Aortopulmonary window. Clinical and surgical assessment of 18 cases. Arq Bras Cardiol.1999;73(1):59-74.
  • 2
    Barnes ME, Mitchell ME, Tweddell JS Aortopulmonary window. Semin Thorac Cardiovasc Surg Pediatr Card Surg Annu. 2011;14(1):67-74.
  • 3
    Atik E, Barbero-Marcial M, Andrade JL, Baucia JA, Iwahashi E, Aiello V, et al. [Clinical manifestation of aortopulmonary window as mitral regurgitation caused by secondary dilatation of the valvar anulus]. Arq Bras Cardiol. 1994;63 (6):493-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2014
  • Revisado
    06 Out 2014
  • Aceito
    06 Out 2014
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