Open-access Estatística Cardiovascular – Brasil 2021

Palavras-chave Doenças Cardiovasculares; Doença das Coronárias; Cardiomiopatias; Insuficiência Cardíaca; Doenças das Valvas Cardíacas; Fibrilação Atrial; Flutter Atrial; Estatística; Brasil

Sobre estas estatísticas

Abreviaturas usadas em “Sobre Estas Estatísticas” e Highlights

AVC Acidente Vascular Cerebral
AVCH Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico
AVCI Acidente Vascular Cerebral Isquêmico
CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
CRVM Cirurgia de Revascularização do Miocárdio
CV Cardiovascular
DAC Doença Arterial Coronariana
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Year )
DCR Doença Cardíaca Reumática
DCV Doença Cardiovascular
DVNR Doença Valvar do Coração Não Reumática
FA Fibrilação Atrial
GBD Global Burden of Doença
HR Hazard Ratio
HSA Hemorragia Subaracnóidea
IAM Infarto Agudo do Miocárdio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC Intervalo de Confiança
ICP Intervenção Coronária Percutânea
IHME Institute for Health Metrics and Evaluation
II Intervalo de Incerteza
Int$ Dólares internacionais
IPCA Índice de Preços ao Consumidor Amplo
IRR Razão da taxa de incidência (do inglês, Incidence Rate Ratio )
OR Odds Ratio
PIB Produto Interno Bruto
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
PPC Paridade do Poder de Compra
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SIH Sistema de Informações Hospitalares
SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade
SUS Sistema Único de Saúde
UF Unidade Federativa
US$ Dólares americanos
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos potenciais de vida perdidos (do inglês, Years of Life Lost )

Esta é a edição de 2021 da Estatística Cardiovascular – Brasil , um esforço multi-institucional para fornecer periodicamente informação atualizada sobre a epidemiologia das DCV e AVC no Brasil. Este relatório incorpora estatísticas oficiais fornecidas pelo Ministério da Saúde brasileiro e outros órgãos governamentais, pelo projeto GBD liderado pelo IHME da Universidade de Washington, além de dados gerados por outras fontes e estudos científicos, como coortes e registros, sobre as DCV e seus fatores de risco. Este documento é dirigido aos pesquisadores, médicos, pacientes, formuladores de políticas de saúde, profissionais da mídia, o público em geral e todos que buscam dados nacionais abrangentes sobre as DCV e o AVC.

A Estatística Cardiovascular – Brasil 2021 é uma versão atualizada e expandida da Estatística Cardiovascular – Brasil 2020 , 1 publicada no ano passado no ABC Cardiol. Inclui os dados mais recentes sobre DCV como um grupo de condições e as cinco DCV específicas abordadas no documento de 2020, além de novos capítulos sobre comportamentos e fatores de risco CV, em especial hipertensão, diabetes, dislipidemia, obesidade e tabagismo e uso de tabaco. O trabalho foi conduzido por pesquisadores voluntários de várias universidades brasileiras e instituições de pesquisa liderados por um steering committee de cinco membros (ALPR, CAP, DCM, GMMO e LCCB), com o suporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia e a colaboração da Rede GBD Brasil 2 e de um comitê internacional (GAR, PP e TAG). Este relatório seguiu a metodologia usada pela American Heart Association para produzir anualmente o documento Heart Disease & Stroke Statistics Update , 3 que enfatiza dados epidemiológicos e de saúde pública. A Estatística Cardiovascular – Brasil não fornece informação sobre mecanismos fisiopatológicos nem recomenda tratamentos. Diferentemente de diretrizes e ‘ position papers ’, pretende apresentar as melhores e mais recentes métricas relacionadas às estatísticas sobre DCV na população brasileira.

Os dados usados no presente documento são provenientes de quatro diferentes fontes: (a) os sistemas de informações sobre mortalidade e de informações hospitalares no Brasil, disponibilizados pelo governo; (b) as estimativas do GBD 2019; 4 (c) a revisão sistemática da literatura com ênfase nas publicações dos últimos dez anos; (d) os custos de utilização da atenção à saúde, com base nas tabelas de reembolso do Sistema Público de Saúde, ajustados para inflação e reportados nas duas unidades monetárias originais (Reais ou dólares americanos em um ano específico) e em dólares internacionais. Os dólares internacionais foram convertidos em PPC ajustados para US$ 2019 (Int$ 2019), usando-se o conversor de custo do Campbell and Cochrane Economics Methods Group e do Evidence for Policy and Practice Information and Coordinating Centre . 5 Além disso, uma melhor explicação de como as estimativas da taxa de mortalidade podem variar dependendo da fonte usada (sistema de informação sobre mortalidade ou conjunto de dados do GBD) pode ser encontrada em outras publicações. 6

Como esperado, métricas diferentes ou discordantes são por vezes apresentadas para uma mesma condição, considerando-se que os estudos podem ter metodologias distintas ou ser conduzidos em diferentes períodos de tempo, locais e grupos etários. Tais diferenças são inevitáveis e suas possíveis razões foram sempre discutidas neste documento. Como muitos estudos cobrem um longo período de tempo e a expectativa de vida no Brasil aumentou nas últimas décadas, decidimos usar taxas padronizadas por idade, i.e., uma média ponderada de taxas específicas para idade por 100 mil pessoas, onde os pesos são as proporções de pessoas nos grupos etários correspondentes de uma população padrão. A padronização por idade do GBD utiliza um padrão global de idade, embora outras fontes possam ter usado diferentes populações de referência. Para a maioria dos estudos, raça/cor da pele foi usada de acordo com a definição do IBGE, i.e., branca, preta, parda, amarela (oriental) ou indígena (nativa).

A DCV ainda é responsável por quase um terço das mortes no Brasil e afeta desproporcionalmente o estrato mais vulnerável da população, que tem grande dificuldade no acesso a cuidados de saúde de alta qualidade. 7 , 8 Possuir dados nacionais representativos, confiáveis e abrangentes sobre DCV, comportamentos e fatores de risco é uma etapa obrigatória para a superação dessas desigualdades e para a oferta do melhor cuidado CV possível para todos os brasileiros. Este estudo reúne essa informação, essencial para o cuidado individual e para o planejamento dos próximos passos da política de saúde no Brasil, 9 além de indicar as lacunas de conhecimento a serem preenchidas em estudos futuros. Desejamos que as pessoas vivam mais e melhor e a compreensão das estatísticas CV para uma melhor abordagem das DCV pode contribuir para isso.

Principais Fontes de Dados Brasileiros

Na presente versão da Estatística Cardiovascular – Brasil , as principais fontes de dados brasileiros são o sistema de informações sobre mortalidade, o sistema de informações hospitalares, as pesquisas de saúde periódicas, como a PNS, e as estimativas populacionais oficiais, especificados a seguir:

A. Sistema de Informações sobre Mortalidade: O SIM foi criado em 1975 pelo Ministério da Saúde brasileiro, sendo responsável por coletar, armazenar, gerenciar e divulgar dados nacionais de mortalidade. Esse sistema de informação em saúde representou um grande avanço na vigilância epidemiológica do país, pois sua principal atribuição é registrar todas as mortes ocorridas no território brasileiro. O Ministério da Saúde implementou um modelo de declaração de óbito padrão para coletar informação sobre morte, que utiliza a CID para codificar as causas de morte. Além disso, um fluxo para coletar, processar e distribuir a informação sobre morte foi implementado em todos os 5.570 municípios do país. 10 , 11 A qualidade da estatística sobre causas de morte no Brasil, baixa no início dos anos 2000, em especial em algumas partes do país, melhorou significativamente nas duas últimas décadas. 12 Por conhecer a heterogeneidade desses indicadores no Brasil, o relatório Estatística Cardiovascular – Brasil tratou os dados para ter uma estimativa mais próxima do real, realizando a correção para subnotificação e a redistribuição das causas de morte mal definidas. Mais detalhes podem ser obtidos no artigo de Malta et al . 6

B. Sistema de Informações Hospitalares: O objetivo da base de dados do SIH é registrar todas as hospitalizações financiadas pelo SUS. O SIH-SUS armazena dados sobre as hospitalizações em nível municipal através da Autorização de Internação Hospitalar, que contém informação sobre as doenças que levaram a hospitalização (usando a CID-10), o tempo de permanência, os procedimentos e os custos. 13 A informação do SIH-SUS permite o desenvolvimento de metodologias e a definição de indicadores para identificar disparidades geográficas relacionadas aos recursos hospitalares. 14

C. Pesquisa Nacional de Saúde: Quando da citação das estatísticas para fatores de risco CV, deu-se preferência à PNS, que é um inquérito epidemiológico de base domiciliar representativo do Brasil, de suas grandes regiões e UF, regiões metropolitanas, capitais e outros municípios em cada UF. A amostragem da PNS 2013 foi composta por 64.348 domicílios. A pesquisa foi conduzida pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde, tendo incluído a maioria dos tópicos de saúde, como doenças não transmissíveis, fatores de risco, idosos, mulheres, crianças, utilização dos serviços de saúde, desigualdades em saúde, características antropométricas, exames laboratoriais, além da aferição de pressão arterial. 15 Os dados da PNS são usados pelo GBD em suas estimativas para o Brasil.

D. Para as estimativas populacionais, utilizaram-se no denominador as estimativas populacionais mais atualizadas geradas pelo IBGE ( www.ibge.gov.br ). Para as hospitalizações e análises de custo, utilizou-se a população residente estimada para o Tribunal de Contas da União anualmente, de 2008 a 2019.

GBD 2019

O Estudo GBD ( http://www.healthdata.org/gbd ) é o mais abrangente estudo epidemiológico observacional de âmbito mundial até o momento. Descreve a mortalidade e a morbidade decorrentes das principais doenças, injúrias e fatores de risco em níveis global, nacional e regional. O exame das tendências a partir de 1990 até o presente, assim como as comparações entre populações, permite compreender os desafios em saúde enfrentados pelas pessoas em todo o mundo no século 21. O GBD 2019 é o último conjunto de dados disponibilizado publicamente. 4,16–19 A Rede GBD Brasil tem colaborado com o IHME, que lidera o projeto em âmbito mundial, para a identificação e a provisão de conjuntos de dados, a revisão de modelos e estimativas, bem como a validação e a publicação de resultados para o Brasil. 20 , 21 Detalhes de como as estimativas são calculadas podem ser obtidos nas publicações de base do Estudo GBD e no website do IHME ( http://www.healthdata.org/acting-data/what-we-measure-and-why ). As principais estimativas usadas neste documento estão resumidas abaixo:

A. Estimativas de mortes e de causas de morte. A principal fonte de informação é o SIM, uma base de dados do Ministério da Saúde, ajustada para outras fontes nacionais e internacionais. O IHME corrigiu a subnotificação de mortes e as mortes com “código garbage ” através da utilização de metodologia com algoritmos previamente publicada, 22 atualizada nas versões mais recentes do estudo ( http://www.healthdata.org/acting-data/determining-causes-death-how-we-reclassify-miscoded-deaths ).

B. Os YLLs são os anos perdidos em razão de mortalidade prematura, sendo calculados subtraindo-se a idade à época da morte da maior expectativa de vida possível para uma pessoa. Por exemplo, se a maior expectativa de vida para homens em certo país for de 75 anos e se um homem morre de câncer aos 65 nesse país, tem-se 10 anos potenciais de vida perdidos para o câncer.

C. Os YLDs também podem ser descritos como os anos vividos com saúde inferior à ideal. Estão aqui incluídas condições como influenza, que pode durar apenas uns poucos dias, ou epilepsia, que pode durar uma vida inteira. Os YLDs podem ser calculados ao se multiplicar a prevalência da condição pelo peso da incapacidade por ela gerada. Os pesos da incapacidade refletem a gravidade de diferentes condições e são desenvolvidos através de pesquisas com o público em geral.

D. Os DALYs são uma métrica universal que permite que pesquisadores e formuladores de políticas comparem populações e condições de saúde muito diferentes ao longo do tempo. Os DALYs correspondem à soma de YLLs e YLDs, sendo 1 DALY igual a 1 ano de vida saudável perdido. Esse índice permite que se estime o número total de anos perdidos devido a causas específicas e fatores de risco em níveis global, nacional e regional.

Revisão Sistemática da Literatura

Os descritores para a elaboração das estratégias de busca foram selecionados no MeSH e no DeCS, os vocabulários controlados da MEDLINE e da LILACS, respectivamente. O plano da Embase foi desenhado com descritores Emtree em associação com MeSH. Além disso, termos livres foram usados, i.e., palavras-chave significativas e seus sinônimos, variações ortográficas e acrônimos essenciais para a busca no domínio pesquisado, mas que não são descritores controlados (ou não estão na lista de sinônimo desses descritores). É importante lembrar que, para manter a uniformidade, os mesmos descritores foram usados em todas as estratégias de busca. Entretanto, as estratégias foram customizadas conforme as especificidades de cada base de dados. Vale ainda lembrar que o grupo de termos relacionados a “Brasil” foi em geral utilizado em todos os campos de pesquisa (assunto, autor, título, afiliação institucional, nome do periódico, etc.).

As bases selecionadas para busca foram a MEDLINE através da PubMed, Embase, LILACS, CINAHL, Cochrane Library Scopus e Web of Science . Os seguintes filtros e limites da pesquisa bibliográfica foram utilizados: período de publicação (2004-2020); línguas (português, inglês e espanhol); tipo de estudo/publicação (Revisão, Meta-Análise, Ensaio Clínico, Ensaio Randomizado Controlado, Estudo Comparativo, Diretriz de Prática, Diretriz, Revisão Sistemática, Estudo de Avaliação, Publicação Governamental e Estudo Multicêntrico). Todas as referências foram organizadas usando-se EndNote Web . A partir da busca, os artigos foram incluídos se os estudos fossem de base populacional ou comunitária. Deu-se preferência aos estudos de âmbito nacional ou estadual. Os estudos conduzidos em serviços de saúde ou hospitais foram incluídos caso fossem multicêntricos e possuíssem tamanho amostral adequado (> 200 participantes foi o ponto de corte sugerido). Além dos artigos identificados na busca sistemática, os autores puderam incluir outros encontrados nas referências dos artigos buscados ou outros de que tivessem conhecimento em suas áreas de especialidade, caso os estudos atendessem aos critérios acima mencionados. Por fim, a decisão de quais estudos incluir em cada capítulo coube principalmente aos especialistas designados para o tema em questão.

Utilização da Atenção à Saúde

Os estudos sobre o custo da atenção à saúde apresentam grande variabilidade metodológica e precisam ser interpretados com cautela. No presente documento, a maior parte dos dados sobre custo foi obtida das tabelas de reembolso do Sistema Público de Saúde de 2008 a 2019. Durante esse período, o reajuste pela inflação não foi realizado de maneira regular nem homogênea nos grupos e procedimentos de DCV, de modo que os valores brutos apresentados não foram ajustados para a verdadeira inflação.

Para minimizar o viés na notificação e na interpretação dos dados de custo, aplicou-se uma abordagem sistemática em todos os capítulos. Nas análises de custo geral, foram utilizadas as unidades monetárias originais [ Reais ou dólares americanos em um determinado ano] e dólares internacionais. Os dólares internacionais foram convertidos em PPC ajustados para US$ 2019 (Int$ 2019), usando-se o conversor de custo do Campbell and Cochrane Economics Methods Group e do Evidence for Policy and Practice Information and Coordinating Centre (https://eppi.ioe.ac.uk/costconversion/default.aspx). Nesse método, aplicou-se uma abordagem em duas etapas. Na primeira, ajustou-se a estimativa original de custo no preço-ano original para o preço-ano alvo, usando-se o índice de deflação do PIB (valores PIBD). Na segunda, houve conversão dessa estimativa ajustada da moeda original para a moeda alvo, usando-se as taxas de conversão baseadas em PPC para o PIB (valores PPC). 5 Para estudos econômicos originais, quando o ano-base da moeda não foi informado ou não pôde ser inferido a partir do manuscrito (p. e., coleta de dados do ano passado), recomendou-se adotar o ano anterior ao da publicação do manuscrito.

Highlights

Doença Cardiovascular Total

•De acordo com o Estudo GBD 2019 e a base de dados do SUS, as DCV são a causa número 1 de morte no Brasil. Entre as DCV, a DAC foi a principal causa de morte no país, seguida pelo AVC em 1990 e 2019.

•De acordo com o Estudo GBD 2019, a prevalência de DCV foi estimada em 6,1% da população e vem crescendo desde 1990 devido ao crescimento e envelhecimento populacional. No entanto, as taxas de prevalência e incidência de DCV padronizadas por idade no Brasil diminuíram no mesmo período.

•Observou-se redução na taxa de mortalidade ajustada por idade de 1990 a 2019 em todas as UF, embora menos significativa no Norte e Nordeste em comparação às outras regiões.

•As taxas de DALYs padronizadas por idade no Brasil caíram de 1990 a 2019, tendo havido correlação entre a redução percentual nas taxas de DALYs e o aumento no SDI: quanto maior o SDI, maior a redução nos DALYs por DCV.

•Dados do SUS mostraram um número significativo de procedimentos CV clínicos e cirúrgicos pagos, em especial para insuficiência cardíaca, doenças cerebrovasculares e síndrome coronariana aguda. Hospitalizações para ICP aumentaram significativamente nas últimas décadas, enquanto os procedimentos cirúrgicos permaneceram estáveis.

AVC

•De acordo com um estudo de base comunitária realizado na cidade de Matão em 2003-2004 e 2015-2016, a incidência de AVC ajustada por idade diminuiu em 39% (IRR 0,61; IC 95%, 0,46–0,79) e a mortalidade, em 50% (IRR 0,50; IC 95%, 0,31– 0,94). A idade média de pacientes com AVC aumentou em 9%, passando de 65,2 (IC 95%, 62,6–67,8) para 71,0 (IC 95%, 68,1–73,8) anos. A taxa de letalidade de 1 ano foi 26%. Aproximadamente 56% dos pacientes eram funcionalmente independentes, enquanto 7% tiveram um AVC recorrente.

•Com relação à distribuição dos subtipos de AVC, de acordo com o Registro Joinvasc realizado na cidade de Joinville, de 1995 a 2013, a proporção de AVCI aumentou 12%, enquanto a de AVCH diminuiu 16%. Entretanto, a proporção de HSA permaneceu relativamente estável, variando de 7,5% em 1995 a 6% em 2012-2013. Nos últimos 8 anos, as incidências de AVCI e de AVCH apresentaram reduções significativas de 15% (IC 95%, 1-28) e de 60% (IC 95%, 13-86), respectivamente.

•Segundo dados do Estudo GBD 2019, as taxas de mortalidade por AVC padronizadas por idade por 100 mil foram 137,8 (127,8 a 144) em 1990 e 58,1 (52,6 a 61,8) em 2019, representando variação percentual de -57,8 (-60,4 a -0,6). A maior variação percentual ocorreu em Goiás, -65,9 (-71,8 a -0,6), e a menor, no Maranhão, -22,7 (-37,2 a 0). Para os adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -61 (-63,6 a -0,6).

•Considerando a carga de AVC no Brasil, o Estudo GBD 2019 observou redução marcada nos YLL: as taxas de YLL por AVC padronizadas por idade por 100 mil foram 2.778,6 (2.659,5 a 2.879,2) em 1990 e 1.098,7 (1.025,8 a 1.153,7) em 2019, representando uma variação percentual de -60,5 (-62,7 a -0,6). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -61,7 (-64,3 a -0,6).

Doença Arterial Coronariana Aguda e Crônica

•De acordo com dados do estudo GBD 2019, no Brasil, o número de portadores de DAC (IAM, angina estável e insuficiência cardíaca isquêmica) aumentou de 1,48 milhão em 1990 para mais de 4 milhões em 2019, e a prevalência bruta de DAC passou de 0,99% para 1,85% no período, embora a taxa de prevalência padronizada por idade tenha permanecido estável.

•Em 2019, houve 171.246 mortes atribuídas a DAC no Brasil, correspondendo a 12% do total de mortes no país e a 43% de todas as mortes por DCV. A DAC foi a primeira causa de morte no Brasil e em quase todas as suas UF, exceto duas. De 1990 a 2019, observou-se redução na taxa de mortalidade ajustada por idade em todas as UF, embora menos significativa no Nordeste em comparação às demais regiões.

•De acordo com dados do SUS, o número de hospitalizações por IAM no sistema público aumentou 54% de 2008 a 2019, ajustado para a população. Os procedimentos de ICP não primária por habitante dobraram, enquanto os de ICP primária aumentaram 31%. Enquanto isso, o número total de CRVM permaneceu estável no período. A taxa de mortalidade hospitalar por IAM diminuiu de 15,9% em 2008 para 12,9% em 2019. Para a síndrome coronariana aguda, as taxas permaneceram estáveis no período, assim como as de ICP e CRVM.

Cardiomiopatia e Insuficiência Cardíaca

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, a prevalência padronizada por idade de cardiomiopatia e miocardite diminuiu no Brasil, passando de 76,6 (II 95%, 53,4-107,2) em 1990 para 73,0 (II 95%, 51,1-100,1) em 2019, uma redução de 4,7% (II 95%, - 9,5 a 0,8) no período. Em números absolutos, as estimativas de prevalência de cardiomiopatia e miocardite no Brasil passaram de menos de 60 mil em 1990 para mais de 160 mil em 2019, principalmente devido ao crescimento e envelhecimento da população. A prevalência de cardiomiopatia e miocardite foi maior nos homens (98,9; II 95%, 69,5-137,2) do que nas mulheres (54,1; II 95%, 38,4-73,8) em 2019.

•No estudo de coorte retrospectivo sobre Chagas dos National Institutes of Health , REDS-II, doadores de sangue inicialmente saudáveis com uma doação-índice soropositiva para T. cruzi pareados por idade, sexo e período com doadores soronegativos foram acompanhados por 20 anos.

A incidência diferencial de cardiomiopatia atribuível à infecção por T. cruzi foi 1,85 por 100 pessoas-ano nos 10 primeiros anos de seguimento e 0,9 por 100 pessoas-ano nos 10 anos seguintes. O nível de anticorpo anti- T. cruzi na segunda visita foi associado com o desenvolvimento de cardiomiopatia (OR ajustado, 1,4; IC 95%, 1,1-1,8) na última visita.

•De acordo com o Estudo GBD 2019, o número de mortes por doença de Chagas no Brasil diminuiu de 7.903 (II 95%, 2.438-10.073) em 1990 para 6.523 (II 95%, 3.350-11.226) em 2019. A taxa de mortalidade padronizada por idade apresentou redução mais marcante (variação de -67,5%), passando de 8,6 (II 95%, 2,8-10,9) mortes por 100 mil habitantes em 1990 para 2,8 (II 95%, 1,8-4,8) por 100 mil habitantes em 2019, correspondendo a 1,6% de todas as mortes CV no país.

•De acordo com dados do SUS, houve 3.085.359 hospitalizações por insuficiência cardíaca de 2008 a 2019. Esse número representa um terço do total de hospitalizações clínicas relacionadas às condições CV no período estudado. Nesse período, houve redução no número de hospitalizações clínicas por insuficiência cardíaca, que passaram de 298.474 (157 por 100 mil) em 2008 para 222.620 (105 por 100 mil) em 2019, sendo a redução uniforme ao longo dos anos. A despeito dessa redução no número de admissões, os gastos em saúde não ajustados estimados a partir do pagamento direto por assistência a pacientes com insuficiência cardíaca aumentaram de 2008 para 2019 em quase 32%, passando de R$ 272.280.662 (2019 Int$ 267.102.469) em 2008 para R$ 359.301.691 (2019 Int$ 173.659.589) em 2019. Insuficiência cardíaca foi responsável pela maioria dos custos relacionados às hospitalizações clínicas por DCV.

Doença Valvar do Coração

•De acordo com o Estudo GBD 2019, o padrão de doença valvar cardíaca tem mudado no Brasil: a prevalência de DCR padronizada por idade ficou estável de 1990 a 2019, mas houve um aumento significativo de mais de 50% na DVNR, especialmente para homens e grupos etários mais avançados. Entre as doenças valvares específicas, houve marcado aumento de 201,8% de doença valvar aórtica calcífica, reforçando o impacto do envelhecimento populacional.

•As taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis à DCR diminuíram significativamente em 59,4% de 1990 a 2019, enquanto as atribuíveis a DVNR apresentaram leve redução, 16,2% (II 95%, 10,3-22,5). Entretanto, a taxa bruta de mortalidade aumentou significativamente para as idades mais avançadas (>70 anos), em associação com doença valvar aórtica degenerativa, sugerindo uma carga crescente para os sistemas de saúde, requerendo ações específicas para minimizar os impactos.

•A carga atribuível à doença valvar cardíaca no Brasil permanece ligada a fatores socioeconômicos, com significativas correlações negativas entre o SDI e as variações nas taxas de mortalidade associada a DCR padronizadas por idade em 1990 e 2019, além de correlações positivas entre o SDI e a taxa de mortalidade por DVNR nos dois anos.

•Despesas com doença valvar cardíaca no sistema público de saúde brasileiro diminuíram proporcionalmente de 2008 a 2019 (-6,3% e -28% para admissões clínicas e intervencionais, respectivamente), devido a inflação e correção monetária. Essa redução demanda discussões de revisão orçamentária, evitando o adiamento ou restrição de procedimentos intervencionais e cirúrgicos e permitindo a incorporação de novas tecnologias e dispositivos.

•A despeito da melhoria nas últimas décadas, a DCR permanece importante causa de morbimortalidade no Brasil: dados do SUS mostram que, além de ser a etiologia de quase metade das cirurgias valvares no sistema público de saúde, associada com maior mortalidade hospitalar, a prevalência de doença subclínica entre escolares mostrou-se alta (4,5%), com a implementação de programas de rastreio em larga escala em 2014. Portanto, ações coordenadas para diagnóstico precoce e profilaxia são necessárias para evitar progressão da doença e sequelas tardias.

Fibrilação Atrial

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, as taxas de prevalência de FA e flutter atrial padronizadas por idade apresentaram um pequeno aumento no Brasil: de 519 (II 95%, 393-669) em 1990 para 537 (II 95%, 409-692) em 2019, por 100 mil habitantes, para ambos os sexos, com variação de 3,5% (II 95%, 1,8-5,1) no período.

•Em seguimento de 10 anos de 1.462 indivíduos com idade ≥ 60 anos (idade média, 69 anos; 61% mulheres) incluídos no estudo de coorte de Bambuí em 1997, FA ou flutter mostrou associação independente com um aumento na mortalidade por todas as causas (HR, 2,35; IC 95%, 1,53-3,62) entre pacientes com e sem doença de Chagas.

•Dados do sistema de telessaúde de Minas Gerais, que incluiu 1.558.421 indivíduos (idade média, 51±18 anos; 40,2% homens) com ECG realizado entre 2010 e 2017 revelaram, em modelos multivariados ajustados para idade e sexo, os seguintes fatores de risco e comorbidades autorrelatados relacionados à presença de FA: doença de Chagas (OR 3,08; IC 95%, 2,91-3,25), infarto do miocárdio prévio (OR 1,74; IC 95%, 1,56-1,93), doença pulmonar obstrutiva crônica (OR 1,48; IC 95%, 1,33-1,66), hipertensão (OR 1,31; IC 95%, 1,27-1,34) e dislipidemia (OR 1,09; IC 95%, 1,03-1,16). Tabagismo atual e diabetes não se associaram a FA prevalente.

•De todos os 429 casos de AVC (87,2% dos quais isquêmicos) que ocorreram na cidade de Joinville em 2015 e foram incluídos em um registro, FA foi detectada em 11,4% deles e em 58% daqueles com AVC cardioembólico. Da mesma forma, detectou-se FA em 58% dos 359 pacientes com AVC cardioembólico de uma amostra consecutiva proveniente de um único centro na cidade de Curitiba.

Hipertensão

•Análise dos dados da PNS 2013 mostraram que a prevalência de hipertensão aferida a partir dos 18 anos de idade foi 22,8% (IC 95%, 22,1 - 23,4%) em uma amostra de 59.402 indivíduos. Naqueles com mais de 75 anos, a prevalência estimada foi de 47,1%. No grupo etário de 18 a 74 anos, a prevalência foi maior entre os homens, tendo as mulheres apresentado leve predominância apenas a partir dos 75 anos de idade. A análise por região mostrou que o Sudeste (25%) e o Sul (25%) apresentaram as maiores prevalências em ambos os sexos.

•Dados da PNS 2013 mostraram que 36% da população brasileira incluída tinha diagnóstico prévio e/ou medida da pressão arterial igual ou superior a 140/90 mmHg. Desses, 89% haviam contatado o sistema de saúde nos 2 anos anteriores, mas apenas 65% estavam cientes de sua condição. Entre os conhecedores de sua condição de hipertensos, 62% procuravam assistência com regularidade, 92% dos quais tendo recebido prescrição de medicamentos. Daqueles que informaram receber medicamentos, apenas 56% relataram que a assistência à sua condição não apresentava problemas e incluía orientação sobre importantes fatores de risco e comportamento. De toda a população hipertensa, cerca de 33% apresentavam controle de sua pressão arterial.

•O Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) avaliou 73.399 estudantes com idade média de 14,7 ± 1,6 anos, sendo 55,4% do sexo feminino. A prevalência de hipertensão foi 9,6%, sendo mais baixa nas regiões Norte (8,4%) e Nordeste (8,4%) e mais alta na região Sul (12,5%). Adolescentes obesos apresentaram maior prevalência de hipertensão (28,4%) em comparação àqueles com sobrepeso (15,4%) ou eutróficos (6,3%). A proporção de hipertensão atribuída a obesidade foi estimada em 17,8%.

•De acordo com dados do estudo de coorte ELSA-Brasil, que incluiu 7.063 pacientes, com idade média de 58,9 anos na linha de base (2008-2010), hipertensão foi associada com maiores declínios de memória, fluência e escore cognitivo global. Além disso, pré-hipertensão foi preditor independente de maior declínio no teste de fluência verbal e no escore cognitivo global. Entre indivíduos tratados, o controle da pressão arterial na linha de base associou-se inversamente com o declínio no escore cognitivo global e no teste de memória.

Diabetes mellitus

•Segundo dados da Federação Internacional de Diabetes publicados em 2019, o Brasil ocupava o quinto lugar no mundo em quantidade de adultos com diabetes, totalizando 16,8 milhões (IC 95% 15,0 - 18,7) de indivíduos, 46% dos quais desconhecia ser portador da condição. A prevalência de pré-diabetes foi de 9,5% (15,1 milhões de pessoas).

•Segundo dados do Estudo GBD 2019, mortalidade por DCV atribuível ao diabetes para todas as idades no Brasil aumentou em termos absolutos, passando de 50.812 mortes (II 95%, 35.649 - 73.137) em 1990 para 80.754 (II 95%, 55.922 - 118.175) em 2019. No entanto, as taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100 mil habitantes diminuíram de 70,4 (II 95%, 47,4 - 106,1) em 1990 para 35,9 (II 95% 24,5 - 53,0) em 2019, uma redução de -49,0% (II 95%, -53,4 a -43,9).

•Quanto à carga de DCV atribuível ao diabetes, as taxas de DALYs padronizadas por idade por 100 mil habitantes diminuíram 47,4% (II 95%, -52,2 a -41,9) entre 1990 e 2019, apesar de ter ocorrido um aumento no número total de DALYs de 1.072.309 (II 95%, 784.276 -1.484.959) para 1.571.116 (II 95%, 1.140.912 - 2.203.188) no período. Houve redução heterogênea das taxas de DALYs padronizadas por idade por diabetes entre as diversas UF e regiões do Brasil.

Dislipidemia

•De acordo com a PNS 2014-2015, a prevalência de dislipidemia no Brasil ainda é alta: colesterol total ≥ 200 mg/dl em 32,7% (IC 95%, 31,5 – 34,1) da população geral; HDLc baixo em 31,8% (IC 95%, 30,5 – 33,1); e LDLc alto em 18,6% (IC 95%, 17,5 – 19,7). Nível educacional mais alto foi relacionado a menor prevalência de colesterol total elevado, de LDLc alto e de HDLc baixo.

•De acordo com o Estudo GBD 2019, ao analisar as tendências de 1990 a 2019, observa-se um aumento no número absoluto de mortes, YLLs e DALYs, com redução nas taxas padronizadas por idade dessas métricas em todos os estados e em âmbito nacional.

•O estudo ELSA-Brasil, uma coorte brasileira, avaliou hipercolesterolemia familiar e mostrou prevalência de 1 em 263 indivíduos, mas ainda faltam dados de carga de doença e impacto nos custos.

•Segundo o estudo ELSA-Brasil, a conscientização a respeito de dislipidemia é baixa (58,1% dos indivíduos com LDLc elevado), sendo que apenas 42,3% deles recebem tratamento medicamentoso. Além disso, só 58,3% dos indivíduos em uso de algum hipolipemiante atinge os níveis-alvo de lipídios séricos.

Obesidade e sobrepeso

•De acordo com dados do IBGE, no Brasil, o percentual de adultos (≥18 anos de idade) com excesso de peso e obesidade em 2019 foi de 57,5% (IC 95%, 54,8 - 60,2) e 21,8 % (IC 95%, 19,2 - 24,7) para os homens, e de 62,6% (IC 95%, 59,1 - 66,0) e 29,5% (IC 95%, 25,4 - 34,0) para as mulheres, respectivamente. Houve aumento progressivo de obesidade com a idade, variando de 10,7% (IC 95%, 7,7 - 14,7) [masculino: 7,9% (IC 95%, 4,8 - 12,8); feminino: 13,5% (IC 95%, 8,8 - 20,4)] no grupo etário de 18-24 anos a 34,4% (IC 95%, 29,7 - 39,4) [masculino: 30,2% (IC 95%, 24,8 - 36,3); feminino: 38,0% (IC 95%, 32,3 - 44,0)] no grupo etário de 40-59 anos. Nota-se maior prevalência de excesso de peso e obesidade no sexo feminino em todos os grupos etários.

•De 1990 a 2019, houve uma variação negativa nas taxas de mortalidade por DCV atribuível a índice de massa corporal elevado para as mulheres [-33,9 (-43,7;-16,7)] maior do que para os homens [-22,8 (-35,9;6,2)]. As maiores reduções no percentual de mortalidade ocorreram nas UF de maior renda no Brasil.

•A maioria das UF apresentou redução nas taxas padronizadas por idade de DALYs por DCV atribuível a índice de massa corporal elevado para mulheres no período. Comportamento similar foi observado para os homens, com redução percentual de obesidade de 1990 a 2019.

•A maioria das políticas públicas falhou em reduzir a obesidade em adultos e crianças, provavelmente por se tratar de condição multifatorial e envolver muitos aspectos socioeconômicos. A obesidade é pandêmica e tem impacto nos países tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, com consequências nos níveis individual, social, familiar e financeiro. Registros nacionais de obesidade devem ser elaborados para permitir o desenvolvimento de políticas públicas mais efetivas para controle da obesidade, que vem aumentando no Brasil nos dois sexos e nos diferentes grupos etários.

Tabagismo e Uso de Tabaco

•Dados da PNS 2019 indicam que 12,8% (IC 95%, 12,4 – 13,2%) dos adultos usam algum derivado do tabaco, sendo o uso maior entre homens (16,2%; IC 95%, 15,6 – 16,9%) do que entre mulheres (9,9%; IC 95%, 9,3 – 10,3%). Segundo a pesquisa domiciliar Vigitel, houve significativa redução na prevalência de tabagismo na população adulta, de 37,6% de 2006 a 2019. Entretanto, houve aumento de 0,5% na prevalência de 2019 em comparação à de 2018, sugerindo uma mudança na tendência.

•De acordo com o Estudo GBD 2019, houve uma redução de 58,8% (II 95%, 56,2 - 61,1) na taxa de mortalidade total atribuída ao tabagismo no Brasil de 1990 a 2019.

A tendência foi a mesma para homens e mulheres e em todas as UF brasileiras. Da mesma forma, a mortalidade CV atribuível ao tabagismo diminuiu em quase 70% no mesmo período.

•A carga de doença CV atribuída ao tabaco diminuiu de 1990 a 2019, com redução de 69% (95% UI, 56 - 61) nas taxas de DALYs padronizadas por idade. Houve redução heterogênea na taxa de DALYs padronizada por idade atribuída ao tabaco nas diferentes UF e regiões do Brasil, mais pronunciada no Sudeste, Sul e Centro-Oeste, com modesta redução nas UF do Norte e ainda mais discreta na maioria das UF do Nordeste.

•Em estudo utilizando modelo probabilístico de microssimulação econômica de Markov, o custo direto total do tabaco foi estimado em US$ 11,8 bilhões ao ano, 70% correspondendo ao custo direto associado com a assistência à saúde e o restante associado com o custo indireto por perda de produtividade por morte prematura e incapacidade.

O tabaco representou 22% dos custos diretos de DCV no Brasil e 17% dos custos diretos de AVC.

1. DOENÇA CARDIOVASCULAR TOTAL

CID-9 390 a 459; CID-10 I00 a I99

Ver Tabelas 1-1 até 1-13 e Figuras 1-1 até 1-16

Abreviaturas usadas no Capítulo 1

AHA American Heart Association
AVC Acidente Vascular Cerebral
CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
CRVM Cirurgia de Revascularização do Miocárdio
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Year )
DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis
DCV Doença Cardiovascular
DIC Doença Isquêmica do Coração
ELSA-Brasil Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto
GBD Global Burden of Disease
IAM Infarto Agudo do Miocárdio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC Intervalo de Confiança
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDHm Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
II Intervalo de Incerteza
OR Odds Ratio
PIB Produto Interno Bruto
PSF Programa Saúde da Família
RAP Risco Atribuível na População
RR Risco Relativo
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática
SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade
SNS Sistema Nacional de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
UF Unidade Federativa

Tabela 1-1
– Número de casos prevalentes e taxas de prevalência de doença cardiovascular padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, e variação percentual das taxas, por grupo etário e sexo, no Brasil, em 1990 e 2019.
Tabela 1-2
– Número de casos incidentes, taxas de incidência de doença cardiovascular padronizadas por idade (por 100 mil) e variação percentual das taxas no Brasil e unidades federativas, em 1990 e 2019.
Tabela 1-3
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade por doenças cardiovasculares (por 100 mil habitantes) e variação percentual das taxas no Brasil e suas unidades federativas, em 1990 e 2019.
Tabela 1-4
– Mortalidade proporcional por doenças cardiovasculares (DCV), doença isquêmica do coração (DIC) e acidente vascular cerebral (AVC) por região brasileira, unidade federativa e no Brasil, em 2019.
Tabela 1-5
– Número de DALYs e taxas de DALYs padronizadas por idade por doenças cardiovasculares (por 100 mil habitantes) e variação percentual das taxas no Brasil e suas unidades federativas, em 1990 e 2019.
Tabela 1-6
– Número de YLLs e taxas de YLLs padronizadas por idade por doenças cardiovasculares (por 100 mil habitantes) e variação percentual das taxas, de acordo com o grupo etário, no Brasil, em 1990 e 2019.
Tabela 1-7
– Número de YLDs e taxas de YLDs padronizadas por idade por doenças cardiovasculares (por 100 mil habitantes) e variação percentual das taxas, de acordo com o grupo etário, no Brasil, em 1990 e 2019.
Tabela 1-8
– Número total de hospitalizações para procedimentos clínicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, no Brasil, de 2008 a 2019.
Tabela 1-9
– Número total de hospitalizações para procedimentos cirúrgicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, no Brasil, de 2008 a 2019.
Tabela 1-10
– Valor total (em Reais) dos procedimentos clínicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, no Brasil, de 2008 a 2019.
Tabela 1-11
– Valor total (em Int$2019) dos procedimentos clínicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, no Brasil, de 2008 a 2019.
Tabela 1-12
– Valor total (em Reais) dos procedimentos cirúrgicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, no Brasil, de 2008 a 2019.

Tabela 1-13
– Valor total (em Int$2019) dos procedimentos cirúrgicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, no Brasil, de 2008 a 2019.

Figura 1-1
– Ranking das causas de morte no Brasil, 1990 e 2019, de acordo com as taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100 mil habitantes, ambos os sexos, 1990 e 2019, e variação percentual das taxas.

Figura 1-2
– Ranking das causas de morte cardiovascular no Brasil, 1990 e 2019, de acordo com as taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100 mil habitantes, ambos os sexos, 1990 e 2019, e variação percentual das taxas.

Figura 1-3
– Ranking das causas de morte cardiovascular por unidade federativa brasileira em 1990, de acordo com as taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100 mil habitantes, ambos os sexos.

Figura 1-4
– Ranking das causas de morte cardiovascular por unidade federativa brasileira em 2019, de acordo com as taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100 mil habitantes, ambos os sexos.

Figura 1-5
– Prevalência percentual de doença cardiovascular, por sexo, no Brasil, 1990-2019.

Figura 1-6
– Taxas de prevalência de doença cardiovascular padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, por sexo, Brasil, 1990-2019.

Figura 1-7
– Taxas de mortalidade por doença cardiovascular padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, por sexo, Brasil, 1990-2019.

Figura 1-8
– Mortalidade proporcional por doença cardiovascular, por sexo, Brasil, 1990-2019.

Figura 1-9
– Distribuição geográfica das taxas de mortalidade padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, nas unidades federativas do Brasil, de acordo com sexo, 2000 e 2019.

Figura 1-10
– Taxa de mortalidade por doença cardiovascular padronizada por idade, por 100 mil habitantes, por regiões brasileiras, para mulheres, 1990-2019.

Figura 1-11
– Taxa de mortalidade por doença cardiovascular padronizada por idade, por 100 mil habitantes, por regiões brasileiras, para homens, 1990-2019.

Figura 1-12
– Correlação entre a variação percentual das taxas de mortalidade padronizadas por idade 2019/1990 e o índice sociodemográfico 2019 (SDI 2019)

Figura 1-13
– Taxas de DALYs padronizadas por idade para doença cardiovascular, por 100 mil habitantes, 1990-2017, Brasil e suas regiões.

Figura 1-14
– Correlação entre a variação percentual das taxas de DALYs padronizadas por idade 2019/1990 e o índice sociodemográfico 2019 (SDI 2019).

Figura 1-15
– Total de hospitalizações para procedimentos clínicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, Brasil, 2008 a 2019.

Figura 1-16
– Total de hospitalizações para procedimentos cirúrgicos para doenças cardiovasculares por ano de competência, Brasil, 2008 a 2019.

Panorama

•As DCNT constituem o principal grupo de causa de morte em todo o mundo, sendo responsáveis por mortes prematuras, perda de qualidade de vida, além de impactos adversos econômicos e sociais. As DCNT são responsáveis por cerca de 70% das mortes globais, equivalendo a mais de 38 milhões de mortes por ano, excedendo significativamente as mortes por causas externas e por doenças infecciosas. 2326 Cerca de 45% de todas as mortes por DCNT no mundo, mais de 17 milhões, são causadas por DCV. Distribuição similar é observada no Brasil, onde 72% das mortes resultam de DCNT, sendo 30% devidas a DCV e 16% a neoplasias ( Figura 1-1 ). 21 , 27 , 28

•A definição de DCV pode variar de acordo com o estudo, desde a inclusão de todas as doenças listadas no Capítulo IX da CID-10 até o simples agrupamento das 3 principais causas (DIC, AVC e insuficiência cardíaca). Para o GBD, a definição de DCV total engloba 10 causas: cardiopatia reumática, DIC, doença cerebrovascular, cardiopatia hipertensiva, cardiomiopatia, miocardite, fibrilação e flutter atrial, aneurisma aórtico, doença vascular periférica e endocardite. 29

•As DCV são a principal causa de morte no Brasil. De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, entre as DCV, a DIC era a causa número 1 de morte no país, seguida por AVC, em 1990 e 2019 ( Figura 1-2 ). Na verdade, em 2019, a DIC foi a principal causa de morte em todas as UF brasileiras, exceto no Amazonas, na região Norte. Três estados nessa região, Acre, Amapá e Pará, não apresentaram diferença significativa quanto às taxas de mortalidade por DIC e AVC (Figuras 1-3 e 1-4 ).

Prevalência

•Gonçalves et al. publicaram em 2019 um estudo transversal que analisou informação da Pesquisa Nacional de Saúde conduzida em 2013 em uma amostra de 60.202 adultos com mais de 18 anos, estratificados por sexo e grupos etários, usando um modelo de regressão logística binário e hierárquico. O diagnóstico autorreferido de doença cardíaca no Brasil foi de 4,2% (IC 95%: 4,0-4,3 ) e associado com as seguintes características: sexo feminino (OR = 1,1; IC 95%: 1,1-1,1), indivíduos de 65 anos ou mais (OR = 4,7; IC 95%, 3,3-5), hipertensão (OR = 2,4; IC 95%: 2,2-2,7), colesterol elevado (OR = 1,6; IC 95%: 1,5-1,8), sobrepeso (OR = 1,5; IC 95%: 1,4-1,8) ou obesidade (OR = 2,0; IC 95%: 1,7-2,2), sedentarismo (OR = 1,5; IC 95%: 1,02-2,1) e tabagismo (OR = 1,2; IC 95%: 1,03-1,3). 30

•No estudo ELSA-Brasil, uma coorte que incluiu 15.105 funcionários públicos de 6 instituições acadêmicas (54% mulheres, 35-74 anos, com avaliação basal entre 2008 e 2010), a prevalência autorreferida foi a seguinte: DIC, 4,7% (homens=5,7%, mulheres=4,0%); insuficiência cardíaca, 1,5% (homens=1,9%, mulheres=1,5%); AVC, 1,3% para ambos os sexos; febre reumática, 2,9% (homens=2,2%, mulheres=3,4%); e doença de Chagas, 0,4% para ambos os sexos. 31

•A prevalência de DCV aumenta significativamente com a idade. Em um estudo longitudinal com idosos a partir dos 60 anos, do estado de São Paulo, em 2000, 2006 e 2010, a prevalência de DCV foi definida como resposta positiva à pergunta: “Algum médico ou enfermeiro já lhe disse que você teve um ataque cardíaco, doença isquêmica do coração, angina, doença congestiva ou outros problemas cardíacos?”. A prevalência de DCV foi de 17,9%, 22,2% e 22,9% em 2000, 2006 e 2010, respectivamente. A presença de DCV foi associada a idade mais avançada, história de tabagismo, presença de diabetes e hipertensão. 32

•De acordo com o Estudo GBD 2019, a prevalência de DCV foi 6,1% da população em 2019, tendo aumentado desde 1990 devido a crescimento e envelhecimento populacional. No entanto, a taxa de prevalência de DCV padronizada por idade no Brasil diminuiu no mesmo período, passando de 6.138 (II 95%, 5.762 – 6.519) para 5.454 (II 95%, 5.082 – 5.838) por 100 mil habitantes ( Tabela 1-1 ).

•Os homens apresentaram maior taxa de prevalência padronizada por idade do que as mulheres em 2019 (Figuras 1-5 e 1-6 ) e, de 1990 a 2019, uma redução da taxa de prevalência de -8,7 (-10,2 a -7,2), menor do que a das mulheres (-12,8, II 95%, -14,1 a -11,3) no mesmo período ( Figura 1-6 e Tabela 1-1 ). Considerando-se o número total em 2019, 12.946.932 (II 95%, 11.899.752 – 13.617.524) indivíduos apresentaram DCV prevalente no Brasil, 51% dos quais eram homens. A taxa de prevalência diminuiu entre os idosos e subiu entre homens e mulheres de 15-49 anos de idade ( Tabela 1-1 ).

Incidência

•De acordo com o Estudo GBD 2019, a taxa de incidência de DCV padronizada por idade no Brasil em 2019 foi de 475 (II 95%, 447-507) por 100 mil habitantes. De 1990 a 2019, essa taxa diminuiu -20% (-22 a -18) ( Tabela 1-2 ).

•A taxa de incidência de DCV padronizada por idade não diferiu significativamente entre as UF em 2019, variando de 441 no Piauí a 486 em Pernambuco. De 1990 a 2019, todas as UF apresentaram redução na taxa de incidência de DCV padronizada por idade, tendo o Rio de Janeiro apresentado a maior variação percentual (-25,5%; II 95%, -27,7 a -23,5) ( Tabela 1-2 ).

Mortalidade

•No Brasil, Mansur et al . relataram que a taxa de mortalidade por DCV padronizada por idade diminuiu significativamente nas últimas décadas. Um estudo de 2016 analisou as taxas de mortalidade por DCV a partir dos 30 anos de idade, por sexo, por 100 mil habitantes. As variações anuais na mortalidade cardiovascular nos períodos 1980-2006 e 2007-2012 foram, respectivamente: -1,5% e -0,8%, para ambos os sexos; -1,4% e -0,6%, para homens; -1,7% e -1,0%, para mulheres. 33

•Baptista et al . investigaram como a composição etária e as taxas de mortalidade específicas por idade se relacionam à diferença observada nas mortes por DCV na população adulta, por sexo, nas microrregiões brasileiras de 1996 a 2015. Aqueles autores sugeriram, após correção para subnotificação das mortes, que houvesse uma redução nas taxas de morte por DCV no período estudado. Entretanto, o principal motivo da mudança nas taxas de mortalidade foi heterogêneo nas microrregiões brasileiras. Em geral, nas áreas mais desenvolvidas socioeconomicamente, a estrutura etária relacionou-se de maneira mais importante às taxas de mortalidade, com as populações mais idosas morrendo por DCV. É interessante notar que os principais motivos de mudança nas taxas de mortalidade por DCV diferiram ainda dentro das regiões e das UF brasileiras. 34

•Dados do Estudo GBD 2019 revelam que, embora as taxas de mortalidade por DCV no Brasil tenham diminuído significativamente nos últimos anos, o número total de mortes por DCV aumentou, provavelmente como resultado do crescimento e envelhecimento da população. Houve 269.722,7 (II 95%, 257.743,7 - 277.272,1) e 397.993 (II 95%, 361.776,4 – 417.773,2) mortes por DCV no país em 1990 e 2019, respectivamente. A taxa de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes foi 355,4 (332,5 - 367,6) em 1990 e 175,7 (159 - 184,8) em 2019, diminuindo -50,6% (-52,7 a -0,5) no período ( Figura 1-7 ). Embora as taxas de mortalidade padronizadas por idade fossem maiores nos homens em todo o período, a redução percentual foi similar para ambos os sexos, 48% para homens e 52% para mulheres ( Figura 1-8 ).

•A Tabela 1-3 mostra o número de mortes por DCV, a taxa de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes e a variação percentual das taxas, por UF e no Brasil, em 1990-2019. Maranhão e Alagoas apresentaram o maior risco de mortalidade, acima da média do país. As maiores reduções percentuais no período foram observadas em Rondônia, Minas Gerais, Distrito Federal, Paraná, Santa Catarina e São Paulo, em ordem decrescente.

•A Figura 1-9 mostra a distribuição geográfica das taxas de mortalidade por 100 mil habitantes, padronizadas por idade nas UF brasileiras, de acordo com o sexo, em 2000 e 2019, conforme dados do SIM e utilizando a população do IBGE. Houve diminuição nas taxas de mortalidade padronizadas em ambos os sexos, exceto para os homens de Roraima, Piauí e Alagoas, a despeito da redistribuição de causas mal definidas e a correção para subnotificação de acordo com os coeficientes do GBD 2019. Malta et al. compararam uma série histórica de taxa de mortalidade por DCV no Brasil, usando a base de dados do SIM com e sem correção e as estimativas do GBD 2017 entre 2000 e 2017. Os autores indicaram que o aumento na taxa de mortalidade observado em 2017 em algumas UF do Norte e Nordeste deveu-se às melhorias nos registros de morte e na definição das causas básicas de morte nos últimos anos. 6

•Ao analisarem dados do GBD 2015, Brant et al. observaram uma redução na taxa de mortalidade por DCV padronizada por idade de 429,5 (1990) para 256,0 (2015) por 100 mil habitantes (-40,4%), com acentuadas diferenças entre as UF. Essa redução foi mais pronunciada nas UF do Sudeste e Sul e no Distrito Federal, regiões que concentram as maiores populações e renda, sendo mais modesta na maioria dos estados do Norte e Nordeste. 29

•Importante salientar ainda que a redução anual nas taxas de mortalidade por DCV no Brasil foi menor nos últimos anos ao se considerar o período de 1990-2019, para homens e mulheres.

•Quanto à tendência por grupo etário, as maiores reduções nas taxas de mortalidade por DCV por 100 mil, entre 1990 e 2017, foram observadas no grupo ‘abaixo de 5’ [-60,9 (-70,7 a -48,9)], seguido pelo grupo etário de 50-69 anos [-50,6 (-52,7 a -48,4)].

•A cobertura do PSF foi associada a redução nas hospitalizações e na mortalidade por DCV que foram incluídas na Lista de Condições Sensíveis à Atenção Primária no Brasil, tendo seu efeito aumentado de acordo com a duração da implementação do PSF no município. Rasella et al . relataram reduções nas mortalidades por doença cerebrovascular e doença cardíaca de 0,82 (IC 95%: 0,79-0,86) e 0,79 (IC 95%: 0,75-0,80), respectivamente, chegando a 0,69 (IC 95%: 0,66-0,73) e 0,64 (IC 95%: 0.59-0.68), respectivamente, quando a cobertura do PSF foi consolidada no total dos 8 anos estudados. 35

•De acordo com o banco de dados do SIM, em 2019, as DCV corresponderam a 27,0% do total de mortes, com a maior proporção na região Sudeste e a menor na região Norte. A DIC foi responsável por 32,3% do total de mortes por DCV no Brasil e o AVC, por 27,8%. A maior proporção de mortalidade por DIC ocorreu no Mato Grosso do Sul, Pernambuco e São Paulo, enquanto a maior proporção de mortes por AVC ocorreu no Amazonas, Amapá e Distrito Federal ( Tabela 1-4 ).

•A proporção de mortes por DCV diminuiu entre homens (de 30,1% para 27,6%) e mulheres (31,1% para 29,9%) de 2000-2002 a 2015-2017. Além disso, Lotufo notou um constante excesso de mortes prematuras por DCV entre os homens naquele período, com uma razão homem/mulher de 2:1. 36

•Há significativa correlação do SDI, uma estimativa do nível socioeconômico, com a carga de DCV. A Figura 1-12 mostra a correlação entre a maior redução na variação percentual das taxas de mortalidade por DCV padronizadas por idade, entre 1990 e 2019, e o maior SDI de 2019, sugerindo que a diminuição da mortalidade por DCV seguiu-se a uma melhora nas condições socioeconômicas locais, como observado em outros estudos. 5,37–39

•Lotufo et al. compararam 3 diferentes níveis de renda domiciliar (alto, médio e baixo) com taxas de mortalidade por DCV, na cidade de São Paulo, de 1996 a 2010. As variações percentuais anuais e os IC 95% para homens residentes em áreas de renda alta, média e baixa foram -4,1 (-4,5 a -3,8), -3,0 (-3,5 a -2,6) e -2,5 (-2,8 a -2,1), respectivamente. As tendências para as taxas de mulheres residentes em áreas de renda alta foram -4,4 (-4,8 a -3,9) em 1996-2005 e -2,6 (-3,8 a -1,4) em 2005-2010. A redução nas mortes por DCV foi mais significativa para homens e mulheres residentes em áreas mais abastadas, com um gradiente decrescente para risco de morte maior para os residentes de áreas mais abastadas em comparação àqueles de áreas mais carentes. 40

•Observou-se associação inversa do IDHm e da cobertura de saúde suplementar com a mortalidade por DCV, sugerindo uma relação entre fatores socioeconômicos e DCV. 37 O IDHm aumentou entre 2000 e 2010 em todas as UF, sendo 0,7 ou maior na metade das UF. A cobertura de saúde suplementar aumentou no país durante o período estudado e associou-se inversamente com mortalidade por DCV entre 2004 e 2013. 37

•Soares et al. observaram uma diminuição na mortalidade por DCV nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul que precedeu a melhoria no índice socioeconômico. A evolução do PIB per capita, o declínio da mortalidade infantil, o maior nível educacional (representado pela escolaridade, em anos, dos indivíduos com idade superior a 25 anos) e o IDHm mostraram uma grande correlação com a redução na taxa de mortalidade por DCV. A redução nas taxas de mortalidade por DCV, AVC e DIC no estado do Rio de Janeiro nas últimas décadas foi precedida por um aumento no IDH. Um acréscimo de 0,1 no IDH correlacionou-se com as seguintes reduções no número de mortes por 100 mil habitantes: 53,5 por DCV; 30,2 por AVC; e 10,0 por DIC. 38 , 39

•Baptista et al . investigaram a relação entre a taxa de mortalidade por DCV e o desenvolvimento econômico no tempo e no espaço, medido pelo PIB per capita, nas microrregiões brasileiras, de 2001 a 2015. Os autores, usando as bases de dados SIM-DATASUS e SIDRA do IBGE, observaram um rápido declínio na mortalidade por DCV nas regiões Sul e Sudeste, assim como um declínio mais lento na região Centro-Oeste. Por outro lado, as regiões Norte e Nordeste apresentaram um aumento nas taxas de mortalidade por DCV ao longo do tempo, talvez em decorrência do menor acesso aos cuidados em saúde e dos fatores socioeconômicos. 41

•Silveira et al. , estudando o efeito da temperatura ambiente na mortalidade cardiovascular em 27 cidades brasileiras, observaram maior número de mortes cardiovasculares associado com temperaturas baixas e altas na maioria das cidades brasileiras e nas regiões Centro-Oeste, Norte, Sul e Sudeste. O RR geral para o Brasil foi 1,26 (IC 95%, 1,17–1,35) para o percentil 1 de temperatura e 1,07 (IC 95%, 1,01–1,13) para o percentil 99 de temperatura em comparação ao percentil 79 (27,7 °C), cujo RR foi o menor. 42

Carga de Doença

•As taxas de DALYs padronizadas por idade no Brasil foram 6.907 (II 95%, 6.783-7.039) por 100 mil habitantes em 1990, caindo para 3.735 (II 95%, 3.621-3.849) por 100 mil habitantes em 2019. As taxas de DALYs caíram nas cinco regiões, com padrões diferentes, mais rapidamente no Sul e Sudeste e mais lentamente no Nordeste ( Figura 1-13 ). Houve uma correlação entre a redução percentual nas taxas de DALYs e o aumento no SDI: quanto maior o SDI, maior o declínio nos DALYs por DCV. Distrito Federal, Rio de Janeiro e Santa Catarina apresentaram o maior SDI e um grande declínio nas taxas de DALYs, enquanto Alagoas, Piauí e Ceará apresentaram um pequeno declínio nas taxas de DALYs e baixo SDI ( Figura 1-14 e Tabela 1-5 ).

•Com relação a YLLs, 8.130.233 anos de vida foram perdidos em 2019 devido a mortalidade por DCV. Esse número foi maior entre os indivíduos de 50-69 anos em comparação aos outros grupos etários. As taxas de YLLs caíram desde 1990 para todos os grupos etários ( Tabela 1-6 ). As taxas de YLLs padronizadas por idade diminuíram 51,5% (II 95%, -53,4 a -49,7) de 1990 a 2019 ( Tabela 1-6 ).

•A incapacidade causada por DCV não diminuiu como observado para mortalidade. As taxas de YLDs padronizadas por idade diminuíram 15% de 1990 a 2019 ( Tabela 1-7 ).

O grupo etário ‘50-69 anos’ apresentou o maior número de YLDs, sendo seguido de perto pelo grupo de ‘15-49 anos’. Todos os grupos etários apresentaram uma pequena redução nas taxas padronizadas por idade, tendo o grupo de ‘15-49 anos’ apresentado a menor (-0,7%) ( Tabela 1-7 ).

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

•No Brasil, de 2008 a 2019, os principais grupos de procedimentos cardiovasculares clínicos e cirúrgicos perfizeram 8.743.403 procedimentos pagos pelo SUS. Desses, 7.462.563 foram clínicos, devidos principalmente a insuficiência cardíaca, que representou 41,3% (3.085.359) das admissões, seguida pelas doenças cerebrovasculares, 30,2% (2.253.344), síndrome coronariana aguda, 11,5% (855.125) e IAM com abordagem clínica, 10,1% (757.081) (Tabelas 1-8 e 1-9 ).

•As hospitalizações por condições clínicas de DCV diminuíram em 13.289 de 2008 a 2019 ( Tabela 1-8 ), embora os números absolutos tenham permanecido estáveis ao longo dos anos. Em 2008, cada admissão clínica custou, em média, R$890 e, em 2019, R$1.488, um aumento de 67% ( Tabela 1-10 ).

•Dos 1.280.840 procedimentos cardiovasculares cirúrgicos realizados de 2008 a 2019, 755.411 (58,9%) foram angioplastias coronarianas, seguidas por 265.123 (20,1%) CRVM e 151.902 (11,9%) cirurgias valvares. A relação angioplastia/CRVM em 2008 foi 1,8, tendo aumentado em 2019 para 4,1.

•As hospitalizações para procedimentos cirúrgicos por DCV de 2008 a 2019 aumentaram 64% ( Tabela 1-9 ).

Em média, cada procedimento cirúrgico foi reembolsado em R$7.036 em 2008, mostrando um aumento não ajustado de 18% em 2019 em comparação a 2008, ao custo de R$8.319 por procedimento ( Tabela 1-12 ).

•Nos últimos 12 anos, no Brasil, houve significativa redução nas hospitalizações por insuficiência cardíaca e aumento nas hospitalizações anuais por IAM e doenças cerebrovasculares, enquanto os outros grupos de procedimentos clínicos tenderam à estabilidade ( Figura 1-15 ). Quanto às abordagens cirúrgicas nos mesmos anos, houve grande aumento no número anual de angioplastias coronarianas e tendência à estabilidade no número dos outros procedimentos cirúrgicos ( Figura 1-16 ).

•As Tabelas 1-10 e 1-11 mostram os valores em Reais e Dólares Internacionais de 2019 (Int$2019), respectivamente, pagos pelo sistema público de saúde para admissões clínicas cardiovasculares no Brasil de 2008 a 2019.

O total gasto nessas hospitalizações foi de R$ 9.378.278, correspondendo a Int$ 6.170.381 em 2019. Insuficiência cardíaca, doenças cerebrovasculares e síndromes coronarianas foram responsáveis pela maior parte desses valores.

•Os valores pagos por procedimentos cirúrgicos devidos a DCV são apresentados em Reais e em Int$2019 nas Tabelas 1-12 e 1-13 , respectivamente. Embora em menor número do que os procedimentos clínicos, são responsáveis pelas maiores despesas, com R$ 10.524.044 gastos, equivalendo a Int$2019 6.853.635. Os procedimentos usados para o tratamento de DIC, incluindo angioplastia coronariana e CRVM, representaram a maior parte dessas despesas.

Pesquisa Futura

•O SIM, implementado em 1975, é uma ferramenta essencial para monitorar as estatísticas de mortalidade no Brasil, pois o registro de todas as mortes é obrigatório nas UF, sendo que, em 2017, a cobertura do território nacional foi de 98%, menor na região Norte do que na Sul. A região Nordeste apresenta a menor cobertura, ainda inferior a 95%. 43 Embora o SIM tenha melhorado através de projetos específicos do Ministério da Saúde, 44 , 45 ainda persistem problemas, como as causas mal definidas (cerca de 6%), ‘códigos garbage ’ e subnotificação de mortes, que geram vieses que podem comprometer a métrica apresentada. Portanto, pesquisa adicional é necessária para promover ajustes metodológicos para cobertura e redistribuição de causas mal definidas, especialmente nos primeiros anos da série histórica. Por outro lado, as estimativas do Estudo GBD requerem mais pesquisa para a implementação de modelos com melhor distribuição de ‘códigos garbage ’ adaptados às realidades locais.

•Vale mencionar que, devido à falta de dados de incidência primária (coortes) no Brasil, há necessidade de pesquisa que permita compreender como enfrentar a DCV nos estados e nas populações com baixos índices socioeconômicos.

•Devido à redução da tendência de declínio da mortalidade por DCV padronizada por idade nos últimos 5 anos, novas estratégias de combate a essa mortalidade devem ser estudadas. É fundamental que se compreendam os motivos para tal redução para que se implementem políticas efetivas, em particular ante o envelhecimento da população, que vai aumentar o número de indivíduos com DCV no país.

2. ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL (DOENÇAS CEREBROVASCULARES)

CID-9 430 a 438; CID-10 I60 a I69

Ver Tabelas 2-1 a 2-12 e Figuras 2-1 a 2-3

Abreviaturas Usadas no Capítulo 2

AIT Ataque Isquêmico Transitório
AVC Acidente Vascular Cerebral
AVCH Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico
AVCI Acidente Vascular Cerebral Isquêmico
CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
CID-9 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 9 a Revisão
CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10 a Revisão
DAC Doença Arterial Coronariana
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Year )
GBD Global Burden of Disease
HIC Hemorragia Intracerebral
HSA Hemorragia Subaracnóidea
IC Intervalo de Confiança
IECA/BRA Inibidor da Enzima de Conversão da Angiotensina/ Bloqueador do Receptor de Angiotensina
II Intervalo de Incerteza
IMPACT-AF Estudo Improve Treatment with Anticoagulants in Patients with Atrial Fibrillation
INR Índice Internacional Normalizado (do inglês, International Normalized Ratio )
IRR Razão da taxa de incidência (do inglês, Incidence Rate Ratio )
MAPS Matão Preventing Stroke Study
MELAS Encefalomiopatia mitocondrial, acidose lática e episódios stroke-like
NOAC Anticoagulante Oral Não Antagonista da Vitamina K
OMS Organização Mundial da Saúde
OR Odds Ratio
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
PSF Programa Saúde da Família
PURE Estudo Prospective Urban Rural Epidemiological Study
RR Risco Relativo
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Inde x )
SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade
SSQOL Escala Específica de Qualidade de Vida no AVC (em inglês, Stroke Specific Quality of Life Scale )
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos potenciais de vida perdidos (do inglês, Years of Life Lost )

Tabela 2-1
– Número de casos, taxas de prevalência padronizadas por idade (por 100 mil) de AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas.
Tabela 2-2
– Número de casos e taxas de prevalência padronizadas por idade (por 100 mil) de AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil, de acordo com o grupo etário.
Tabela 2-3
– Número de casos e taxas de incidência padronizadas por idade (por 100 mil) de AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas.
Tabela 2-4
– Número de casos e taxas de incidência padronizadas por idade (por 100 mil) de AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil, de acordo com o grupo etário.
Tabela 2-5
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas.
Tabela 2-6
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil, de acordo com o grupo etário.
Tabela 2-7
– Número de YLLs e taxas de YLLs padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas.
Tabela 2-8
– Número de YLLs e taxas de YLLs padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil, de acordo com o grupo etário.
Tabela 2-9
– Número de YLDs e taxas de YLDs padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea ehemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas,
Tabela 2-10
– Número de YLDs e taxas de YLDs padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil, de acordo com o grup
Tabela 2-11
– Número de DALYs e taxas de DALYs padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas.
Tabela 2-12
– Número de DALYs e taxas de DALYs padronizadas por idade (por 100 mil) por AVC, AVC isquêmico, hemorragia subaracnóidea e hemorragia intracerebral em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil, de acordo com o grupo etário.

Figura 2-1
– Taxas de prevalência (por 100 mil habitantes) para todas as idades e padronizadas por idade de AVC (A), AVC isquêmico (B), hemorragia intracerebral (C) e hemorragia subaracnóidea (D), 1990-2019.

Figura 2-2
-Taxas de incidência (por 100 mil habitantes) para todas as idades e padronizadas por idade de AVC, (A), AVC isquêmico (B), hemorragia intracerebral (C) e hemorragia subaracnóidea (D), 1990-2019.

Figura 2-3
-Taxas de mortalidade (por 100 mil habitantes) para todas as idades e padronizadas por idade por AVC (A), AVC isquêmico (B), hemorragia intracerebral (C) e hemorragia subaracnóidea (D), 1990-2019.

Prevalência

•As estimativas de prevalência de AVC podem diferir levemente entre os estudos, pois cada um seleciona e recruta uma amostra de participantes para representar sua população-alvo (estado, região ou país).

•Em um estudo de base comunitária no Brasil, que aplicou um questionário para 4.496 indivíduos com idade superior a 35 anos, residentes de uma área carente da cidade de São Paulo em 2011, Abe et al . identificaram, em uma triagem inicial, 243 questionários positivos para AVC. A taxa de prevalência ajustada para idade para homens foi 4,6% (IC 95%, 3,5 - 5,7) e, para mulheres, 6,5% (IC 95%, 5,5 - 7,5). 47

•Usando uma ferramenta de rastreio, um questionário de sintomas de AVC, Fernees et al . estudaram a prevalência de AVC na cidade de Coari, na Bacia Amazônica Brasileira, e compararam essa prevalência entre ribeirinhos e a população urbana do mesmo município. Em 4.897 respondentes da área urbana e 1.028 da rural, os autores encontraram uma prevalência bruta de AVC de 6,3% na área rural e de 3,7% na urbana, com diferenças mantidas após ajuste para sexo e idade. 48

•Utilizando o Stepwise Approach to Stroke Surveillance da OMS, Goulart et al . realizaram um estudo para verificar as taxas de mortalidade e morbidade por AVC em uma área de São Paulo. O questionário para determinar a prevalência de AVC foi aplicado de porta em porta em uma vizinhança do PSF (etapa 3). Dos 3.577 indivíduos com mais de 35 anos avaliados em casa, foram identificados 244 (6,8%) sobreviventes de AVC através do questionário validado por um neurologista certificado. 49

•Benseñor et al ., analisando um inquérito epidemiológico de base domiciliar (PNS - 2013) com uma amostra representativa nacional, avaliaram o número absoluto de indivíduos com AVC e com incapacidade por AVC, com as respectivas prevalências. Foram estimados 2.231.000 indivíduos com AVC e 568.000 com incapacidade grave por AVC. As estimativas das prevalências pontuais de AVC foram 1,6% e 1,4% para homens e mulheres, respectivamente. 50

•De acordo com dados do Grupo GBD Brasil, as taxas de prevalência padronizadas por idade de AVCI por 100 mil foram 1.327,6 (1.151,2 a 1.516) em 1990 e 870,1 (761,1 a 992,8) em 2019, representando uma variação percentual de -34,5 (-36,7 a -0,3) (Tabela 2-1 e Figura 2 -1). A maior variação percentual ocorreu em Rondônia, -41,7 (-46,2 a -0,4), e a menor, no Amapá, -23,4 (-28,6 a -0,2) (Tabela 2-1). Para os adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -39,5 (-42,6 a -0,4) (Tabela 2-2).

•As taxas de prevalência padronizadas por idade de HIC por 100 mil foram 507,5 (438,9 a 584,1) em 1990 e 315,9 (275 a 361,4) em 2019, representando uma variação percentual de -37,7 (-40,5 a -0,3) (Tabela 2-1 e Figura 2 -1). Para os adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -44,8 (-47,4 a -0,4) (Tabela 2-2). 46

•As taxas de prevalência padronizadas por idade de HSA por 100 mil foram 158,6 (131,7 a 192,4) em 1990 e 124,8 (104,2 a 150,1) em 2019, representando uma variação percentual de -21,3 (-24,3 a -0,2) ( Figura 2 -1 e Tabela 2-1). Para os adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -21,1 (-24,4 a -0,2) Tabela 2-2). 46

Incidência

Subtipos de AVC

•Dados do estudo de base comunitária de Joinville mostraram que, ao comparar diferentes períodos (1995, 2005-2006, 2010-2011 e 2012-2013), a incidência de AVC diminuiu. Nos últimos 18 anos, a incidência de AVC geral (todos os tipos principais de AVC) em Joinville diminuiu em 37% (IC 95%, 32 - 42). 51

•A incidência de primeiro episódio de AVC ajustada para a população brasileira foi 86,6 por 100 mil (IC 95%, 80,5 - 93,0) em 2005-2006 e 113,46 por 100 mil (IC 95%, 101,5 - 126,8) em 1995. 52 A incidência geral ajustada por idade e para a população mundial por 100 mil pessoas-ano foi 143,7 (IC 95%, 128,4 - 160,3) em 1995, caindo para 105,4 (IC 95%, 98,0 - 113,2) em 2005-2006 e para 90,9 (IC 95%, 85,1 - 96,9) em 2012-2013. A incidência padronizada por idade de primeiro episódio de AVC estratificada por gênero e idade também caiu significativamente ao longo do tempo. A redução foi 11% maior nos homens (42%; IC 95%, 35 - 49) do que nas mulheres (31%; IC 95%, 23 - 39) e 16% maior nos jovens (≤ 44 anos: 54%; IC 95%, 41–66) do que nos mais idosos (>44 anos: 38%; IC 95%, 33–43). 51

•De 1995 a 2013, a proporção de AVCI aumentou 12%, enquanto a de AVCH diminuiu 16%. Entretanto, a proporção de HSA permaneceu relativamente estável, variando de 7,5% em 1995 a 6% em 2012-2013. O peso da diminuição na incidência de AVC ajustada por idade foi proporcionalmente maior para AVCH do que para AVCI, enquanto o de HSA permaneceu estável. Nos últimos 8 anos, as incidências de AVCI e de AVCH apresentaram reduções absolutas significativas de 15% (IC 95%, 1-28) e de 60% (IC 95%, 13-86), respectivamente. Entretanto, a incidência de HSA apresentou redução absoluta não significativa de 29% (IC 95%, 15-92). 46

•No segundo estudo do registro de AVC de Matão, todos os eventos de AVC incidente (81 casos) que ocorreram entre 1 de agosto de 2015 e 31 de julho de 2016 foram registrados. A idade média aumentou em 9%, passando de 65,2 (IC 95%, 62,6–67,8) para 71,0 (IC 95%, 68,1–73,8) anos. Entre os períodos 2003-2004 e 2015-2016, a incidência ajustada por idade diminuiu em 39% (IRR 0,61; IC 95%, 0,46–0,79) e a mortalidade, em 50% (IRR 0,50; IC 95%, 0,31– 0,94). A taxa de letalidade de 1 ano foi 26%. Aproximadamente 56% dos pacientes foram funcionalmente independentes, enquanto 7% tiveram um AVC recorrente. 53 Comparando com os resultados do estudo anterior do registro de AVC de Matão, 54 não houve diferença significativa entre os desfechos.

•Dados do Grupo GBD Brasil mostram que as taxas de incidência padronizadas por idade de AVC por 100 mil foram 224,6 (201,6 a 251,8) em 1990 e 127 (113,8 a 142,1) em 2019, representando uma variação percentual de -43,5 (-44,7 a -0,4) (Tabela 2-3 e Figura 2 -2). A maior variação percentual ocorreu no Distrito Federal, -47,7 (-49,7 a -0,5), e a menor, no Ceará, -30,6 (-33,2 a -0,3) (Tabela 2-3). A maior variação percentual foi observada no grupo etário de 15-49 anos, -38,1 (-40,9 a -0,4) (Tabela 2-4). 46

•As taxas de incidência padronizadas por idade de AVCI por 100 mil foram 136,6 (115,7 a 163,1) em 1990 e 78,2 (66,1 a 93) em 2019, representando uma variação percentual de -42,7 (-44,3 a -0,4) (Tabela 2-3 e Figura 2 -2). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -48 (-49,9 a -0,5) (Tabela 2-4). 46

•As taxas de incidência padronizadas por idade de HIC por 100 mil foram 66 (56,1 a 77,9) em 1990 e 31,6 (26,6 a 37,3) em 2019, representando uma variação percentual de -52,1 (-53,5 a -0,5) (Tabela 2-3 e Figura 2 -2). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -53,2 (-55,3 a -0,5) (Tabela 2-4). 46

•As taxas de incidência padronizadas por idade de HSA por 100 mil foram 22,1 (18,6 a 26,3) em 1990 e 17,2 (14,4 a 20,6) em 2019, representando uma variação percentual de -22,2 (-25,1 a -0,2) (Tabela 2-3 e Figura 2 -2). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 15-49 anos, -23,6 (-27,8 a -0,2) (Tabela 2-4). 46

Mortalidade

•No estudo de base populacional sobre AVC conduzido em Matão, conhecido como MAPS, entre 2003-2004 e 2015-2016, a mortalidade aumentou em 50% (IRR 0,50; IC 95%, 0,31–0,94). A taxa de letalidade de 1 ano foi 26%. Aproximadamente 56% dos pacientes foram funcionalmente independentes, enquanto 7% tiveram um AVC recorrente. 53 Comparando com os resultados do primeiro estudo do registro de AVC de Matão, 54 não houve diferença significativa entre essas taxas.

•Um estudo avaliou a associação entre mortalidade por doenças cerebrovasculares, o índice de desenvolvimento humano municipal e a extensão da cobertura da saúde suplementar nas unidades federativas brasileiras entre 2004 e 2013. Os resultados mostraram que a porcentagem de cobertura da saúde suplementar no Brasil aumentou naquele período e apresentou uma relação inversa com mortalidade. Além disso, o coeficiente de correlação entre o índice de desenvolvimento humano municipal e as taxas de mortalidade ponderadas por causas mal definidas e padronizadas por idade mostrou associação inversa. Portanto, tanto o índice de desenvolvimento humano municipal quanto a cobertura de saúde foram associados com redução de mortalidade. 37

•Dados do Grupo GBD Brasil mostraram taxas de mortalidade por AVC padronizadas por idade por 100 mil de 137,8 (127,8 a 144) em 1990 e 58,1 (52,6 a 61,8) em 2019, representando variação percentual de -57,8 (-60,4 a -0,6) (Tabela 2-5 e Figura 2 -3). A maior variação percentual ocorreu em Goiás, -65,9 (-71,8 a -0,6), e a menor, no Maranhão, -22,7 (-37,2 a 0) (Tabela 2-5). Para os adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -61 (-63,6 a -0,6) (Tabela 2-6). 46

•As taxas de mortalidade por AVCI padronizadas por idade por 100 mil foram 80 (72,5 a 84,3) em 1990 e 33,9 (29,7 a 36,6) em 2019, representando uma variação percentual de -57,6 (-60,9 a -0,5) (Tabela 2-5 e Figura 2 -3). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 15-49 anos, -66,1 (-70,5 a -0,6) (Tabela 2-6). 46

•As taxas de mortalidade por HIC padronizadas por idade por 100 mil foram 49,8 (47,1 a 52,2) em 1990 e 18,6 (17,3 a 19,8) em 2019, representando uma variação percentual de -62,6 (-65,3 a -0,6) (Tabela 2-5 e Figura 2 -3). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -63,1 (-65,7 a -0,6) (Tabela 2-6). 46

•As taxas de mortalidade por HSA padronizadas por idade por 100 mil foram 8 (7,3 a 8,4) em 1990 e 5,5 (5 a 5,9) em 2019, representando uma variação percentual de -30,3 (-36,2 a -0,2) (Tabela 2-6 e Figura 2 -3). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 15-49 anos, -40,8 (-46 a -0,3) (Tabela 2-6). 46

Tendências Temporais

•As estimativas do GBD 2015 usadas para analisar a magnitude e as tendências das taxas de mortalidade e DALYs por doença cerebrovascular (CID-10: I60-I69) nas 27 unidades federativas do Brasil entre 1990 e 2015 mostraram que, a despeito do aumento no número absoluto de mortes por doença cerebrovascular, a proporção de mortes antes dos 70 anos de idade foi reduzida à metade entre 1990 e 2015. Nesse período, o risco de morte atribuível a AVC decresceu tanto para homens (-2,41% por ano) quanto para mulheres (-2,51% por ano). No entanto, a redução anual nas taxas de mortalidade ajustadas para idade, para ambos os sexos, desacelerou entre 2005 e 2015 quando comparada à do período de 1990-2005. Estados com SDI no tercil inferior apresentaram reduções anuais menos significativas para homens e mulheres (-1,23% e -1,84%, respectivamente) quando comparados àqueles com SDI no tercil médio (-1,94 e -2,22%, respectivamente) e àqueles com SDI no tercil superior (-2,85 e -2,82%, respectivamente). Além disso, houve diminuição nos YLDs nos estados, mas de maneira menos expressiva. 55

•Um estudo sobre as tendências de mortalidade por AVC ajustados por idade em adultos (30-69 anos) de regiões brasileiras entre 1996 e 2011 avaliou a influência dos métodos usados para corrigir as taxas de mortalidade nas estimativas finais.

As correções foram implementadas pela realocação de mortes com sexo ou idade não registrados, redistribuição de códigos de lixo e redistribuição de causas mal definidas de mortes, e alterou as taxas de mortalidade por AVC ajustadas por idade observadas significativamente em 1996 e 2011, pré e pós correção, respectivamente: 1) para homens: em 1996, 82,9 e 113,6; e, em 2011, 49,6 e 60,9; e 2) para mulheres: em 1996, 58,2 e 84,4; e, em 2011, 34,7 e 42.3.12. 56

•Um estudo avaliando diferenças regionais na transição de mortalidade e utilizando dados do SIM de 1990 a 2012 mostrou uma variação de -48,05% no coeficiente de mortalidade por AVC. A maioria das regiões apresentou redução nas taxas de mortalidade padronizadas por idade: -62% no Sudeste; -55,5% no Sul; -26,91% no Centro-Oeste; e -20,8% no Norte. Apenas no Nordeste ocorreu aumento (13,77%). 57

•Na cidade de São Paulo, de 1996 a 2011, 77.848 óbitos por AVC foram confirmados, 51,4% dos quais entre indivíduos de 35-74 anos de idade. Naquele período, taxas de mortalidade ajustadas por idade por doenças cerebrovasculares diminuíram 46,6% nos homens e 47,8% nas mulheres. Para os homens nas áreas de maior renda, a tendência decrescente foi constante; na área de renda média, houve um declínio marcado de 1996 a 2000, seguido por um de menor velocidade entre 2000 e 2011. Nas áreas de renda mais baixa, a variação percentual anual foi maior entre 1996 e 2002, com discreto declínio entre 2002 e 2011. Para as mulheres nas áreas de alta renda, houve um declínio marcado de 1996 a 2003, que foi menor na segunda metade do período; nas áreas de renda baixa e média, o declínio foi constante em todos os períodos. Para o período total, ambos os sexos e grupo etário de 35-74 anos, a diminuição nas taxas ajustadas por idade foi mais pronunciada entre os residentes da área de maior renda em comparação àqueles da área de menor renda. Esse mesmo padrão, mas com diferente magnitude de declínio, foi observado nos indivíduos com idade ≥75 anos em todas as áreas ao se comparar aos outros grupos etários, para os dois sexos. Além disso, a evolução temporal das razões entre as taxas ajustadas por idade de indivíduos de 35-74 anos vivendo em áreas de renda baixa e alta foi: para homens, de 1996 a 1998, a razão das taxas foi 2,03 e, de 2009 a 2011, 2,34. Para as mulheres, de 1996 a 1998, a razão das taxas foi 2,09 e, de 2009 a 2011, 2,58. A tendência das razões entre as taxas ajustadas por idade dessas áreas mostrou um crescimento da variação percentual anual de 1,4 (0,5 - 2,4) para os homens e de 1,1 (0,1 - 2,0) para as mulheres. 58

Carga Global das Doenças Cerebrovasculares

YLL

•Dados do Grupo GBD Brasil mostraram que as taxas de YLL por AVC padronizadas por idade por 100 mil foram 2.778,6 (2.659,5 a 2.879,2) em 1990 e 1.098,7 (1.025,8 a 1.153,7) em 2019, representando uma variação percentual de -60,5 (-62,7 a -0,6) (Tabela 2-7). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -61,7 (-64,3 a -0,6) (Tabela 2-8). 46

•As taxas de YLL por AVCI padronizadas por idade por 100 mil foram 1.211,1 (1.133,8 a 1.268,9) em 1990 e 479,7 (435,1 a 510,8) em 2019, representando uma variação percentual de -60,4 (-63,5 a -0,6) (Tabelas 2-7 e 2-8). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 15-49 anos, -66,6 (-71,1 a -0,6) (Tabela 2-8). 46

•As taxas de YLL por HIC padronizadas por idade por 100 mil foram 1.283,5 (1.227,7 a 1.351) em 1990 e 449,2 (423,3 a 472,5) em 2019, representando uma variação percentual de -65 (-67,6 a -0,6) (Tabelas 2-7 e 2-8). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -63,9 (-66,5 a -0,6) (Tabela 2-8). 46

•As taxas de YLL por HSA padronizadas por idade por 100 mil foram 284 (253,8 a 297,2) em 1990 e 169,8 (158,3 a 180,8) em 2019, representando uma variação percentual de -40,2 (-44,9 a -0,3) (Tabela 2-7 e 2-8). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 15-49 anos, -42,8 (-47,7 a -0,3) (Tabela 2-8). 46

YLD

•Dados do Grupo GBD Brasil mostraram que as taxas de YLD por AVC padronizadas por idade por 100 mil foram 180,4 (133,2 a 228,8) em 1990 e 120,9 (88,7 a 152,6) em 2019, representando uma variação percentual de -33 (-34,8 a -0,3) (Tabelas 2-9 e 2-10). A maior variação percentual ocorreu em Rondônia, -39,5 (-43,8 a -0,4), e a menor, no Amapá, -23 (-27,3 a -0,2) (Tabela 2-9). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -38,7 (-40,9 a -0,4) (Tabela 2-10). 46

•As taxas de YLD por AVCI padronizadas por idade por 100 mil foram 122,2 (88 a 156,8) em 1990 e 81,2 (58,3 a 104) em 2019, representando uma variação percentual de -33,5 (-35,9 a -0,3) (Tabelas 2-9 e 2-10). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -39 (-42,1 a -0,4) (Tabela 2-10). 46

•As taxas de YLD por HIC padronizadas por idade por 100 mil foram 44,3 (32,3 a 56,6) em 1990 e 28,5 (20,7 a 36,9) em 2019, representando uma variação percentual de -35,7 (-38,8 a -0,3) (Tabelas 2-9 e 2-10). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -43,8 (-47,2 a -0,4) (Tabela 2-10). 46

•As taxas de YLD por HSA padronizadas por idade por 100 mil foram 13,9 (9,7 a 18,6) em 1990 e 11,2 (7,9 a 15) em 2019, representando uma variação percentual de -19,5 (-23,7 a -0,2) (Tabelas 2-9 e 2-10). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -19,9 (-26,1 a -0,1) (Tabela 2-10). 46

DALY

•Dados do Grupo GBD Brasil mostraram que as taxas de DALYs por AVC padronizadas por idade por 100 mil foram 2.959 (2.829,6 a 3.063) em 1990 e 1.219,6 (1.142 a 1.285,5) em 2019, representando uma variação percentual de -58,8 (-61 a -0,6) (Tabelas 2-11 e 2-12). A maior variação percentual ocorreu em Santa Catarina, -67,8 (-71,1 a -0,6), e a menor, no Maranhão, -31,7 (-45,2 a -0,1) (Tabela 2-11). Para os adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -60,3 (-62,8 a -0,6) (Tabela 2-12). 46

•As taxas de DALYs por AVCI padronizadas por idade por 100 mil foram 1.333,3 (1.244,5 a 1.403,6) em 1990 e 561 (510,4 a 599,8) em 2019, representando uma variação percentual de -57,9 (-61 a -0,6) (Tabelas 2-11 e 2-12). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -63,5 (-66,5 a -0,6) (Tabela 2-12). 46

•As taxas de DALYs por HIC padronizadas por idade por 100 mil foram 1.327,8 (1.274 a 1.397,3) em 1990 e 477,6 (450,9 a 503,8) em 2019, representando uma variação percentual de -64 (-66,6 a -0,6) (Tabelas 2-11 e 2-12). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 50-69 anos, -63,3 (-65,9 a -0,6) (Tabela 2-12). 46

•As taxas de DALYs por HSA padronizadas por idade por 100 mil foram 297,9 (267,5 a 312,7) em 1990 e 181 (169,4 a 192,8) em 2019, representando uma variação percentual de -39,2 (-43,8 a -0,3) (Tabelas 2-11 e 2-12). Para adultos, a maior variação percentual foi observada no grupo etário de 15-49 anos, -41,5 (-46,4 a -0,3) (Tabela 2-12). 46

Utilização da Atenção à Saúde

Admissões Hospitalares

•Em uma análise de série temporal, Katz et al . avaliaram a relação entre taxa de desemprego relacionada a AVC e internação hospitalar no Brasil em um período recente de 11 anos. Dados sobre hospitalizações mensais por AVC de março de 2002 a dezembro de 2013 foram extraídos da base de dados do Sistema Público de Saúde Brasileiro, revelando 1.581.675 internações por AVC no período. A taxa de desemprego diminuiu de 12,9% em 2002 para 4,3% em 2013, enquanto as internações por AVC aumentaram. Entretanto, o modelo ajustado não mostrou associação positiva entre taxa de desemprego e internação por AVC (coeficiente estimado = 2,40 ± 4,34; p=0,58). 59

•Utilizando dados do SIH, do SIM e do IBGE, Adami et al . analisaram taxas de mortalidade e incidência de hospitalizações relacionadas a AVC em brasileiros de 15-49 anos, por região e grupo etário, entre 2008 e 2012. Definiu-se AVC de acordo com a CID-10 (I60-I64). Mortalidade bruta e padronizada (OMS) e incidência de hospitalizações por 100 mil habitantes, estratificadas por região e grupo etário, foram estimadas. Os autores relataram 131.344 internações por AVC em brasileiros de 15-49 anos entre 2008 e 2012. No mesmo período, a taxa de hospitalizações estabilizou: 24,67 (IC 95%, 24,66 - 24,67) em 2008 e 25,11 (IC 95%, 25,10 - 25,11) em 2012 (β = 0,09, p = 0,692, r2 = 0,05). 60

•Dantas et al . realizaram um estudo para avaliar hospitalizações no sistema público brasileiro relacionadas a AVC de 2009 a 2016. Os autores selecionaram registros de hospitalização de acordo com os códigos de diagnóstico de AVC da CID-10. De 2009 a 2016, o número de internações subiu de 131.122 para 146.950, tendo o número absoluto de mortes hospitalares aumentado de 28.731 para 31.937. Idade mais jovem e sexo masculino mostraram associação significativa com a sobrevida do paciente. As taxas anuais de hospitalização e de mortalidade hospitalar ajustadas por idade caíram 11,8% e 12,6%, respectivamente, mas a taxa de letalidade aumentou para pacientes acima de 70 anos. 61

•Em estudo retrospectivo utilizando dados da base de dados do Sistema Público de Saúde Brasileiro e avaliando as seis principais causas de hospitalização de idosos de 2005 a 2015, AVC foi a terceira causa em 2015 para os dois gêneros e o grupo etário de 60-79 anos, com uma variação de -2,6. 62

Indicadores de Atenção à Saúde e de Qualidade

•Uma análise da tendência de expansão da cobertura do PSF e internação por condições sensíveis à atenção primária no Rio de Janeiro entre 1998 e 2015 mostrou uma queda de 7,6% nas hospitalizações por doenças cerebrovasculares. 63

•Um estudo avaliando fatores sociodemográficos relacionados à falta de assistência hospitalar nas mortes por doença cerebrovascular no estado de São Paulo nos períodos de 1996-1998 e 2013-2015 mostrou que, dos 127.319 indivíduos que morreram por AVC naqueles períodos, 19.362 (15,2%) não receberam assistência hospitalar. No segundo período, maior risco de morte sem assistência foi identificado em indivíduos de cor amarela (RR = 1,48; IC 95%, 1,25-1,77) e menor risco naqueles de cor preta (RR = 0,86; IC 95%, 0,76-0,95), casados (RR = 0,70; IC 95%, 0,64-0,75) e residentes na cidade de São Paulo (RR = 0,92; IC 95%, 0,86-0,98). 64

•Um estudo de base hospitalar, avaliando 2.407 pacientes consecutivos (idade média, 67,7 ± 14,4 anos; 51,8% mulheres) admitidos em 19 hospitais de Fortaleza, mostrou que AVCI foi o subtipo mais frequente (72,9%), sendo seguido por hemorragia intraparenquimatosa (15,2%), HSA (6,0%), AIT (3%) e AVC indeterminado (2,9%). O tempo médio entre o aparecimento dos sintomas e a internação foi de 12,9 (3,8 - 32,5) horas. Hipertensão foi o fator de risco mais comum. Apenas 1,1% dos pacientes com AVCI receberam trombólise. O tempo médio entre a internação e a obtenção de neuroimagem foi de 3,4 (1,2 - 26,5) horas. 65

•Um estudo analisou os fatores que influenciam as tendências temporais dos indicadores de qualidade para manejo de AVCI em hospital terciário, certificado pela Joint Commission International como centro primário para AVC. Para tal, 551 pacientes com AVCI, que receberam alta de janeiro de 2009 a dezembro de 2013, foram avaliados. A mediana da idade foi 77,0 anos (intervalo interquartil, 64,0-84,0), sendo 58,4% homens. Dez indicadores de desempenho predefinidos, selecionados do programa Get With the Guidelines-Stroke , foram avaliados. Os indicadores de qualidade que melhoraram com o tempo foram o uso de terapia hipolipemiante (P = 0,02) e a orientação sobre AVC (P = 0,04). A mediana do desfecho composto cuidado ideal não melhorou consistentemente no período (P = 0,13). Após ajuste multivariável, apenas tratamento trombolítico (OR 2,06; P < 0,01), dislipidemia (OR 2,03; P < 0,01) e alta em ano de visita da Joint Commission International (OR 1.8, P < 0.01) (OR 1,8; P < 0,01) permaneceram como preditores de um índice de cuidado ideal igual ou superior a 85%. Os indicadores de qualidade com pior desempenho (anticoagulação para fibrilação atrial e redução de colesterol) foram semelhantes nos hospitais comunitários terciários e secundários. A medida geral de cuidado ideal não melhorou e foi influenciada por: receber alta em ano de visita da Joint Commission International , ter dislipidemia e ter recebido tratamento trombolítico. 66

•Outro estudo avaliou indicadores-chave de desempenho do Ministério da Saúde para unidades de AVC de dois centros de Curitiba e Botucatu, incluindo a porcentagem de pacientes admitidos nessas unidades, profilaxia de tromboembolismo venoso nas primeiras 48 horas de internação, pneumonia e mortalidade hospitalar por AVC e alta hospitalar em uso de antitrombóticos para pacientes sem mecanismo cardioembólico. O estudo mostrou que os dois centros internaram mais de 80% dos pacientes em suas unidades para AVC. A incidência de profilaxia de tromboembolismo venoso foi superior a 85% e a de pneumonia hospitalar foi inferior a 13%. A taxa de mortalidade hospitalar por AVC foi inferior a 15% e a de alta hospitalar em uso de antitrombóticos foi superior a 70%. 67

•Um estudo avaliou as taxas de mortalidade antes e depois da implementação de uma unidade cardiovascular dedicada a AVC no setor de emergência de um hospital público terciário em Porto Alegre. No período anterior à implementação da unidade vascular (2002 a 2005), foram incluídos 4.164 pacientes e, no período posterior à implementação (2007 a 2010), foram incluídos 6.280 pacientes. A taxa de letalidade geral por condições vasculares agudas diminuiu de 9% para 7,3% com a implementação (p = 0,002). As taxas de mortalidade hospitalar por síndrome coronariana aguda e por embolia pulmonar aguda caíram de 6% para 3,8% (p = 0,003) e de 32,1% para 10,8% (p < 0,001), respectivamente. Entretanto, a taxa de letalidade por AVC não diminuiu a despeito das melhorias nos indicadores de qualidade do cuidado para AVC. 68

•Um ensaio clínico randomizado por cluster avaliou o efeito de uma intervenção multifacetada de melhoria da qualidade referente à adesão às terapias baseadas em evidência para o cuidado de pacientes com AVCI agudo e AIT (incluindo manejo de caso, lembretes, roadmap e checklist para o plano terapêutico, materiais educativos, auditorias periódicas e relatórios de feedback para cada cluster da intervenção).

O estudo avaliou 1.624 pacientes de 36 hospitais, cobrindo todas as regiões brasileiras. O desfecho primário foi um desfecho composto de adesão ao escore para AVCI agudo e às medidas de desempenho para AIT, e os desfechos secundários incluíram um desfecho composto ‘tudo-ou-nada’ de adesão às medidas de desempenho. A idade média geral dos pacientes arrolados no estudo foi 69,4 ± 13,5 anos, e 913 (56,2%) eram homens. As médias do desfecho composto de adesão ao escore e às 10 medidas de desempenho dos hospitais do grupo ‘intervenção’ e do grupo controle foram 85,3% ± 20,1% e 77,8% ± 18,4%, respectivamente, com diferença média de 4,2% (IC 95%, -3,8% a 12,2%). Como desfecho secundário, 402 de 817 pacientes (49,2%) dos hospitais do grupo ‘intervenção’ receberam todas as terapias para as quais eram elegíveis, enquanto, nos do grupo controle, 203 de 807 (25,2%) receberam aquelas terapias (OR, 2,59; IC 95%, 1,22 - 5,53; P = 0,01). A intervenção não resultou em significativo aumento de adesão às terapias baseadas em evidência em pacientes com AVCI agudo ou AIT. Entretanto, ao usar a abordagem ‘tudo-ou-nada’, a intervenção resultou em melhoria da adesão às terapias baseadas em evidência e melhores taxas de trombólise. 69

Genética/História Familiar

Incapacidade

•Benseñor et al . analisaram um inquérito epidemiológico de base domiciliar (PNS - 2013), com uma amostra representativa nacional, para avaliar o número absoluto e as taxas de prevalência de AVC e de incapacidade por AVC. Foram estimados 2.231.000 indivíduos com AVC e 568.000 com incapacidade grave por AVC. As estimativas de prevalências pontuais de AVC foram 1,6% e 1,4% para homens e mulheres, respectivamente. A prevalência de incapacidade por AVC foi 29,5% para homens e 21,5% para mulheres. As taxas de prevalência de AVC aumentaram com a idade, o baixo nível educacional e nos residentes de áreas urbanas, mas não apresentaram diferença de acordo com a cor da pele autodeclarada. O grau de incapacidade por AVC não diferiu estatisticamente de acordo com sexo, raça, nível educacional ou local de residência. 50

•Em estudo subsequente baseado na PNS - 2013, o acesso a reabilitação foi deficiente: apenas 0,27% dos indivíduos foram submetidos a fisioterapia para AVC e 0,12% realizaram algum tipo de tratamento de reabilitação, o que compromete o status funcional do usuário. 70

•Carvalho-Pinto et al ., conduzindo estudo observacional retrospectivo, coletaram dados dos prontuários médicos e de visitas domiciliares após AVC de pacientes seguidos em uma unidade de atenção primária em Belo Horizonte, entre maio de 2013 e maio de 2014. Os dados incluíram condição de saúde, assistência recebida após AVC, fatores pessoais e ambientais, funcionalidade e incapacidade organizados de acordo com a estrutura conceitual da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. A maioria dos participantes apresentou boa percepção da própria habilidade manual (2,39 ± 2,29 logits) e limitada habilidade para caminhar (88%), sendo capaz de melhorar a velocidade da marcha natural, apresentou mudança de equilíbrio (51,43%) e mobilidade funcional (54,16%) com risco de queda, e teve percepção negativa da própria qualidade de vida (escore médio de 164,21 ± 35,16 pontos na SSQOL-Brasil). 71

Custo

•Um estudo de custo-efetividade avaliando os trombolíticos no Brasil relatou que, para homens e em 1 ano, o custo do tratamento com rt-PA foi maior do que o custo do tratamento conservador. Esse resultado deve-se principalmente ao custo da medicação. Parte desse custo adicional é compensado pelo menor custo da reabilitação e menor perda de produtividade nos primeiros 2 anos, pois os pacientes tratados com rt-PA apresentaram menos sequelas do que aqueles que receberam tratamento conservador. Depois do segundo ano que se segue a um AVC, para os dois sexos, o tratamento com rt-PA (alteplase), considerando-se os custos diretos e indiretos, começou a ter menor custo em comparação ao conservador. Daí para a frente, o custo adicional da medicação começa a ser mais do que compensado pela menor perda de produtividade e menores custos com seguridade social e reabilitação do paciente. 72

Genética/História Familiar

•Distúrbios mitocondriais, como síndrome MELAS, podem ser responsáveis por até um terço dos AVC criptogênicos em pacientes jovens. Episódios stroke-like podem ocorrer em pacientes de qualquer idade com síndrome MELAS e em cerca de 50% daqueles com mutação A3243G do DNA mitocondrial. Essa mutação foi relatada em aproximadamente 80% dos casos de MELAS. Outras mutações do DNA mitocondrial, como T3271C, foram descritas. Em um estudo conduzido por Conforto et al. , as duas mutações foram avaliadas em três grupos de pacientes com idade inferior a 46 anos (grupo 1: 15 pacientes com AVC criptogênico; grupo 2: 3 pacientes com diagnóstico de síndrome MELAS, incluindo episódios stroke-like ; grupo 3: 20 indivíduos saudáveis).

A mutação A3243G estava ausente em todos os indivíduos dos grupos 1 e 3, mas presente em todos do grupo 2. Esses resultados, portanto, não corroboram o rastreio dessas mutações para o diagnóstico de formas oligossintomáticas de MELAS em casos de AVC criptogênico na ausência de outras características da síndrome. 73

Prevenção

•O Estudo PURE examinou as taxas e preditores do uso de medicação de prevenção secundária baseada em evidência (IECA/BRA, antiagregantes plaquetários, estatinas e betabloqueadores) em pacientes com doenças cardiovasculares, incluindo DAC e AVC, em países da América do Sul, entre os quais o Brasil. O estudo mostrou que um menor número de pacientes com AVC recebeu antiagregantes plaquetários (24,3%), IECA/BRA (37,6%) e estatinas (9,8%) em comparação àqueles com DAC (30,1%, 36,0% e 18,0%, respectivamente). Essa subutilização de terapias em pacientes com AVC variou substancialmente entre os países, tendo a Colômbia o menor uso (sem prescrição de estatinas). Quando pacientes com DAC e AVC foram combinados, a proporção de uso de antiagregantes plaquetários foi mais alta no Chile (38,1%) e mais baixa na Argentina (23,0%). O uso de IECA/BRA e estatinas foi maior no Brasil (46,4% e 26,4%, respectivamente) e menor na Colômbia (26,4% e 1,4%, respectivamente). Entre os participantes com DAC e AVC, o uso foi maior naqueles com maior nível educacional se comparados àqueles sem nenhuma educação, educação primária ou desconhecida [35,6% vs. 23,6%, respectivamente, para antiagregantes plaquetários (p = 0,002); 20,6% vs. 10,9%, respectivamente, para estatinas (p = 0,0007)]. Ex-fumantes com DAC ou AVC tiveram maior probabilidade de receber terapias comprovadas do que fumantes atuais ou aqueles que nunca fumaram [35,2% vs. 26,6% e 27,7%, respectivamente, para antiagregantes plaquetários (p = 0,039); 19,9% vs. 10,6% e 13,0%, respectivamente, para estatinas (p = 0,004)]. Apenas 4,1% dos pacientes receberam todas as 4 terapias (IECA/BRA, antiagregantes plaquetários, estatinas e betabloqueadores), sendo a maior taxa do Brasil (5,5%) e a menor, da Colômbia (0,5%) (p = 0,02). Além disso, observou-se que 30% dos brasileiros com AVC não usam qualquer medicação. 74

•O IMPACT-AF, um estudo randomizado com cluster para melhorar o tratamento com anticoagulantes em pacientes com fibrilação atrial, uma importante causa de AVC, conduzido na Argentina, no Brasil, na China, na Índia e na Romênia, mostrou que dois-terços dos pacientes estavam em uso de anticoagulação oral na linha de base, 83% usavam um antagonista da vitamina K e 15% usavam um NOAC. Pacientes do Brasil mais frequentemente usavam anticoagulação oral na linha de base (91%), enquanto apenas 38% dos pacientes da China o faziam. De todos os pacientes em uso de antagonistas da vitamina K no Brasil, 40,3% apresentavam INR entre 2 e 3 anteriormente à visita de base. 75

Conscientização, Tratamento e Controle

•Vários estudos mostraram alarmante falta de conhecimento sobre os fatores de risco para AVC, seu tratamento e reconhecimento dos seus sintomas como uma emergência médica. Em um estudo de base comunitária, Pontes-Neto et al . entrevistaram indivíduos em locais públicos de quatro importantes cidades no Brasil entre julho de 2004 e dezembro de 2005, usando um questionário estruturado aberto em português, baseado na apresentação de um caso típico de AVC agudo domiciliar. Os autores identificaram 28 termos diferentes em português para denominar AVC. Quanto aos entrevistados, 22% deles não reconheceram qualquer sinal de alarme de AVC. Apenas 34,6% dos entrevistados responderam corretamente quando perguntados sobre o número de telefone de emergência no Brasil (#192). Apenas 51,4% dos entrevistados relataram que chamariam uma ambulância para um familiar com sintomas de AVC. 76

•Falavigna et al . usaram um questionário fechado e autoadministrado para avaliar o conhecimento sobre AVC entre 952 residentes da cidade de Caxias do Sul. Baixa renda e baixo nível educacional foram preditores independentes da incapacidade de reconhecer que o AVC afeta o cérebro. Renda mais baixa e idade < 50 anos foram preditores independentes da falta de conhecimento sobre os fatores de risco para AVC. 77

•Em estudo transversal de base comunitária, Pitton Rissardo et al . aplicaram um inquérito de conhecimento sobre AVC em uma amostra de conveniência composta por 633 passantes de uma praça pública na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, de dezembro de 2015 a outubro de 2016. Dos respondentes, 33% informaram corretamente o significado do acrônimo ‘AVC’, o termo mais recomendado para designar ‘acidente vascular cerebral’ pela Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares. Cerca de 30% dos respondentes localizaram incorretamente o AVC no coração. Apenas 50% dos respondentes identificaram corretamente um sinal de alarme de AVC. Indivíduos de nível educacional mais alto apresentaram maior probabilidade de chamar uma ambulância para um familiar com sintomas de AVC. 78

•Recentemente, tem havido várias iniciativas para promover a conscientização do público sobre AVC no Brasil, em especial através de campanhas anuais por ocasião do Dia Mundial do AVC (29 de outubro), conduzidas pela Organização Mundial do AVC. A despeito desses esforços, apenas 30-40% dos pacientes com AVC são hospitalizados nas primeiras 4 horas após início dos sintomas. 79

Pesquisa Futura

•O portfólio de pesquisa brasileira em neurologia vascular evoluiu muito nos últimos anos, como ilustra a fundação da Rede Brasil AVC. No entanto, ainda há inúmeras oportunidades para melhoria. Os estudos comunitários mais expressivos sobre prevalência e incidência de AVC são provenientes principalmente de duas cidades. Embora representem uma importante realização para a epidemiologia do AVC, avaliação mais abrangente se faz necessária, compreendendo a representação de todas as regiões geográficas brasileiras, das diversas culturas, dos níveis de renda e das etnias.

•Além disso, há limitações para os estudos relacionadas à identificação do AVC usando os códigos da CID. Não é incomum que um código mais amplo seja utilizado na admissão e, por não ser ajustado durante a hospitalização, esse código não representa o verdadeiro subtipo de AVC (e.g., um AVCI pode ser codificado como AVC não específico ou até AIT). Com o advento das tecnologias big data (e.g., mineração de dados textuais), informação clínica adicional proveniente dos registros de admissão ou alta pode ser uma fonte confiável de contrarreferência, confirmando ou corrigindo um certo código.

3. DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA AGUDA E CRÔNICA

CID-9-CM 410 a 414; CID-10 I10 a I25

Ver Tabelas 3-1 até 3-3 e Figuras 3-1 até 3-20

Abreviaturas usadas no Capítulo 3

ACCEPT/SBC Registro Brasileiro da Prática Clínica nas Síndromes Coronarianas Agudas da Sociedade Brasileira de Cardiologia
AAS Ácido Acetilsalicílico
BRACE Registro Brasileiro de Síndromes Coronarianas Agudas (do inglês, Brazilian Registry in Acute Coronary Syndromes )
BRIDGE-ACS Brazilian Intervention to Increase Evidence Usage in Acute Coronary Syndromes
BYPASS Registro Brasileiro de Pacientes Adultos Submetidos a Cirurgia Cardiovascular
CENIC Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares
CRVM Cirurgia de Revascularização do Miocárdio
DAC Doença Arterial Coronariana
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Years )
DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
DCV Doença Cardiovascular
DIC Doença Isquêmica do Coração
ERICO Estudo de Registro de Insuficiência Coronariana
GBD Global Burden of Disease
IAM Infarto Agudo do Miocárdio
IAMCSST Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST
IAMSSST Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST
IC Intervalo de Confiança
ICP Intervenção Coronária Percutânea
II Intervalo de Incerteza
MASS Medicine, Angioplasty, or Surgery Study
OR Odds Ratio
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
RBSCA Registro Brasileiro de Síndrome Coronariana Aguda
REPLICCAR-I Registro Paulista de Cirurgia Cardiovascular
RESISST Registro Soteropolitano de Infarto Agudo do Miocárdio com Supra de ST
SCA Síndrome Coronariana Aguda
SCC Síndrome Coronariana Crônica
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SIH Sistema de Informações Hospitalares
SUS Sistema Único de Saúde
VICTIM Via Crucis para o Tratamento do Infarto do Miocárdio
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos potenciais de vida perdidos (do inglês, Years of Life Lost )

Tabela 3-1
– Número de casos, taxas de prevalência de doença arterial coronariana padronizadas por idade (por 100 mil) em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e nas unidades federativas.
Tabela 3-2
– Número de mortes, taxas de mortalidade por doença arterial coronariana padronizadas por idade (por 100 mil) em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e nas unidades federativas.
Tabela 3-3
– Número de DALYs, taxas de DALYs por doença arterial coronariana padronizadas por idade (por 100 mil) por doença arterial coronariana em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e nas unidades federativas.

Figura 3-1
-Taxas de prevalência bruta e padronizada por idade (por 100 mil) de doença arterial coronariana no Brasil, 1990-2019. As áreas sombreadas mostram os intervalos de incerteza 95%.

Figura 3-2
-Taxa de prevalência (por 100 mil) de doença arterial coronariana de acordo com sexo e idade no Brasil, 2019. As barras de erro representam intervalos de incerteza 95%.

Figura 3-3
-Taxa de incidência (por 100 mil) de doença arterial coronariana de acordo com sexo e idade no Brasil, 2019. As barras de erro representam intervalos de incerteza 95%.

Figura 3-4
-Taxa de mortalidade (por 100 mil) por doença arterial coronariana de acordo com sexo e idade no Brasil, 2019. As barras de erro representam intervalos de incerteza 95%.

Figura 3-5
-Taxas de mortalidade bruta e padronizada por idade (por 100 mil) por doença arterial coronariana no Brasil, 1990-2019. As áreas sombreadas mostram os intervalos de incerteza 95%.

Figura 3-6
-Taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) por doença arterial coronariana nas regiões brasileiras, 1990-2019.

Figura 3-7
-Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 e a variação percentual nas taxas de mortalidade padronizadas por idade por doença arterial coronariana de 1990 a 2019.

Figura 3-8
-Taxa de mortalidade hospitalar por síndrome coronariana aguda (SCA), infarto agudo do miocárdio (IAM), intervenção coronária percutânea (ICP) e cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Figura 3-9
-Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 e as taxas de mortalidade hospitalar por síndrome coronariana aguda (SCA) no sistema público de saúde do Brasil em 2019.

Figura 3-10
-Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 e as taxas de mortalidade hospitalar por infarto agudo do miocárdio (IAM) no sistema público de saúde do Brasil em 2019.

Figura 3-11
-Taxas de DALYs bruta e padronizada por idade (por 100 mil) por doença arterial coronariana no Brasil, 1990-2019. As áreas sombreadas mostram os intervalos de incerteza 95%.

Figura 3-12
-Taxas de DALYs padronizadas por idade (por 100 mil) por doença arterial coronariana nas regiões brasileiras, 1990-2019.

Figura 3-13
-Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 e a variação percentual de taxas de DALYs padronizadas por idade por doença arterial coronariana de 1990 a 2019.

Figura 3-14
-Número de admissões hospitalares por síndrome coronariana aguda (SCA), infarto agudo do miocárdio (IAM) e síndrome coronariana crônica (SCC) no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Figura 3-15
-Número de admissões hospitalares por intervenção coronária percutânea (ICP) primária, ICP não primária e cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Figura 3-16
-Porcentagens de intervenção coronária percutânea (ICP) e de cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) em relação ao total de procedimentos de revascularização miocárdica no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Figura 3-18
-Valores médios em dólares internacionais (Int$ 2019) reembolsados por admissões hospitalares devidas a síndrome coronariana aguda (SCA), infarto agudo do miocárdio (IAM) e síndrome coronariana crônica (SCC) no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Figura 3-17
-Valores totais em dólares internacionais (Int$ 2019) reembolsados por admissões hospitalares devidas a síndrome coronariana aguda (SCA), infarto agudo do miocárdio (IAM) e síndrome coronariana crônica (SCC) no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Figura 3-19
-Valores totais em dólares internacionais (Int$ 2019) reembolsados por admissões hospitalares devidas a intervenção coronária percutânea (ICP) primária, ICP não primária e cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Figura 3-20
-Valores médios em dólares internacionais (Int$ 2019) reembolsados por admissões hospitalares devidas a intervenção coronária percutânea (ICP) primária, ICP não primária e cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) no sistema público de saúde do Brasil, 2008-2019.

Panorama e Prevalência

•A DAC, também conhecida como DIC, compreende um espectro de condições clínicas sintomáticas e assintomáticas tipicamente relacionadas à redução do fluxo sanguíneo para o músculo cardíaco. A causa mais comum é a doença aterosclerótica das coronárias, uma condição crônica de apresentação variável, que progride desde uma longa fase assintomática até angina estável, IAM e angina instável. A DAC é uma causa comum de insuficiência cardíaca, com fração de ejeção ventricular esquerda reduzida ou preservada, arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca.

•A DAC foi a principal causa de morte no Brasil na última década, para homens e mulheres. Devido ao seu amplo espectro de apresentação clínica, a prevalência, a incidência e a mortalidade da DAC relatadas variam muito, dependendo da população e do contexto da atenção à saúde estudados.

Doença Arterial Coronariana

•De acordo com dados do estudo GBD, no Brasil, o número de portadores de DAC, definidos como indivíduos com IAM prévio, angina estável ou insuficiência cardíaca isquêmica, aumentou de 1,48 milhão em 1990 para mais de 4 milhões em 2019 ( Tabela 3-1 ), e a prevalência bruta de DAC passou de 0,99% para 1,85% no período ( Figura 3-1 ). Essas taxas subiram vertiginosamente com o envelhecimento, sendo de 0,4%, 4,4% e 14,0% entre indivíduos com 15-49 anos, 50-69 anos e a partir dos 70 anos, respectivamente, em 2019. Em todos os grupos etários, a DAC foi mais frequente nos homens do que nas mulheres ( Figura 3-2 ). 46

•A elevação contínua no número de casos de DAC pode ser explicada pelo crescimento e envelhecimento da população, pois a taxa de prevalência padronizada por idade permaneceu estável de 1990 a 2019 (variação percentual: -1%, Tabela 3-1 e Figura 3-1 ). Em 2019, a taxa de prevalência de DAC padronizada por idade foi de 1.709 (II 95%, 1.466-1.994) por 100 mil habitantes na população total ( Tabela 3-1 ), 1.046 (II 95%, 905-1.209) por 100 mil mulheres e 2.534 (II 95%, 2.170-2.975) por 100 mil homens. 46

•Houve uma diferença, entre as regiões brasileiras, na prevalência de DAC padronizada por idade, que foi maior nas regiões Sudeste e Sul (Minas Gerais: 1.878 por 100 mil habitantes; Paraná e Santa Catarina: ~1.750 por 100 mil) e menor na região Norte (Amapá: 1.496 por 100 mil, Tabela 3-1 ). 46

•Na avaliação basal da coorte ELSA-Brasil no período 2008-2010, a prevalência de DAC autorrelatada foi 2,7%. Essa coorte foi composta por mais de 15 mil servidores públicos com idade entre 35 e 74 anos de seis cidades (Salvador, Vitória, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). A prevalência foi mais alta entre os homens e indivíduos com nível socioeconômico mais baixo. 80

Infarto do Miocárdio

•A prevalência de IAM foi de 4,0% na pesquisa transversal May Measurement Month 2017 envolvendo 7.260 indivíduos de diferentes etnias e regiões do Brasil. Os participantes (56% mulheres; idade média, 51,6±16,1 anos) foram recrutados principalmente em hospitais e clínicas indexadas. 81

Tipos de Síndrome Coronariana Aguda

•O grande registro prospectivo ACCEPT, idealizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, arrolou 4.782 pacientes com SCA em 53 instituições (hospitais públicos, organizações de saúde e serviços privados) das cinco regiões brasileiras. Em sua maioria, os serviços eram terciários e disponibilizavam ICP e cirurgia cardíaca. Os participantes foram incluídos entre 2010 e 2014. As porcentagens de pacientes com angina instável, IAMSSST e IAMCSST foram 30%, 34% e 36%, respectivamente. 82

•O estudo BRACE, um registro epidemiológico observacional transversal de pacientes com SCA, utilizou a metodologia de amostra por conglomerados para selecionar serviços representativos de todos os hospitais com unidades de terapia intensiva ou cardiologia no Brasil. Dos 1.150 pacientes de 72 hospitais incluídos no estudo de 2007 a 2009, 54% apresentavam IAMCSST. Dos outros pacientes com SCA sem elevação do segmento ST, 67% apresentavam IAMSSST e 33%, angina instável. 83 , 84

•No estudo ERICO, uma coorte prospectiva de pacientes com SCA admitidos em hospital universitário na cidade de São Paulo, dos 964 participantes recrutados de 2009 a 2012, o diagnóstico inicial foi angina instável em 33%, IAMSSST em 39% e IAMCSST em 28% deles. 85

•No BRIDGE-ACS, um estudo randomizado por cluster envolvendo 1.150 pacientes com SCA recrutados em hospitais públicos gerais nas principais áreas urbanas brasileiras em 2011, as taxas de diagnóstico de angina instável, IAMSSST e IAMCSST foram 24%, 36% e 40%, respectivamente. 86

Angina Estável

•Inquéritos populacionais regionais conduzidos em 2007, aplicando o questionário de angina de Rose, mostraram prevalência de angina de 12,3% em brasileiros com idade ≥30 anos em Ribeirão Preto e de 8,2% naqueles ≥40 anos na cidade de Pelotas. 87 , 88

•De acordo com a PNS 2013, um inquérito epidemiológico de base domiciliar e com representatividade nacional, as taxas de prevalência geral de angina classe I e de angina classe II foram 7,6% (IC 95%, 7,2%-8,0%) e 4,2% (IC 95%, 3,9%-4,5%), respectivamente. 89

•A angina pectoris autorreferida foi mais prevalente em mulheres do que em homens em todos os estudos descritos.

•É importante ressaltar a ocorrência de maiores taxas de prevalência nos inquéritos prospectivos em comparação às estatísticas nacionais. Avaliações autorreferidas de angina são muito sensíveis, mas não específicas para DAC, pois não requerem exames confirmatórios nem relatórios de saúde. Além disso, considerando-se a natureza assintomática da DAC, a sua verdadeira epidemiologia pode estar sub-representada nas estatísticas nacionais.

Mortalidade

•De acordo com as estimativas do GBD, houve 171.246 mortes atribuídas a DAC no Brasil em 2019 ( Tabela 3-2 ), correspondendo a 12% (11%-13%) do total de mortes no país e a 43% de todas as mortes por DCV. 46

•A taxa de mortalidade bruta atribuída a DAC foi 79 (II 95%, 72-83) por 100 mil habitantes em 2019. As taxas aumentaram com o envelhecimento: 11 (II 95%, 11-12), 149 (II 95%, 142-156) e 751 (II 95%, 651-807) por 100 mil indivíduos de 15-49 anos, 50-69 anos e a partir dos 70 anos, respectivamente. Em todos os grupos etários, a taxa de mortalidade foi mais alta nos homens do que nas mulheres ( Figura 3-4 ). 46

•Em 2019, a taxa de mortalidade por DAC e padronizada por idade foi 75 (II 95%, 68-79) por 100 mil habitantes na população total ( Tabela 3-2 ), 58 (II 95%, 51-63) por 100 mil mulheres e 96 (II 95%, 88-101) por 100 mil homens. 46

•Em 2019, a DAC foi a primeira causa de morte no Brasil em todas as suas unidades federativas, exceto no Amazonas e Amapá, onde a DAC foi a segunda mais frequente causa de morte. Além disso, a DAC foi a principal causa de morte tanto em mulheres quanto homens acima de 50 anos e a terceira causa de fatalidade entre homens de 15-49 anos (atrás de violência interpessoal e acidentes nas estradas). 46

•De acordo com o estudo GBD, a taxa de mortalidade por DAC não ajustada aumentou discretamente de ~2005 a 2019, enquanto a taxa padronizada por idade diminuiu continuamente de 1990 a 2019 (variação percentual acumulada: -53%, Tabela 3-2 e Figura 3-5 ). 46

•A redução na taxa de mortalidade de 1990 a 2019 foi menos pronunciada nos indivíduos de 15-49 anos (-34,9%, II 95%, -38,5% a -31,1%) em comparação àqueles de 50-69 anos (-47,8%, II 95%, -50,6% a -45,0%) ou a partir dos 70 anos (-46,5%, II 95%, -50,1% a -43,7%). 46

•Diferenças regionais nas taxas de mortalidade ajustadas por idade e tendências ao longo do tempo foram notadas. Em 1990, as taxas foram mais altas nas regiões Sul e Sudeste e mais baixas nos estados do Norte e Nordeste. De 1990 a 2019, observou-se redução na taxa de mortalidade ajustada por idade em todos os estados, embora menos significativa no Nordeste, tendo a heterogeneidade entre as regiões sido progressivamente atenuada ( Figura 3-6 ). As variações mais discretas ocorreram no Ceará (-17%) e Maranhão (-21%), enquanto as reduções mais pronunciadas foram detectadas no Distrito Federal (-65%), Minas Gerais (-63%) e São Paulo (-62%, Tabela 3-2 ). Observou-se correlação negativa entre a variação na taxa de mortalidade por DAC padronizada por idade por DAC no período e o SDI 2019 ( r 2 0,61, p-valor < 0,01, Figura 3-7 ). 46 , 90 Em 2019, as mais baixas taxas de mortalidade foram observadas no Amazonas (56 por 100 mil) e Minas Gerais (59 por 100 mil), enquanto as mais altas foram registradas no Maranhão (104 por 100 mil) e em Pernambuco (102 por 100 mil, Tabela 3-2 ). 46

•Em análise temporal de dados do Ministério da Saúde do Brasil, o coeficiente de morte relacionada a DIC permaneceu estável para mulheres nas regiões Norte e Centro-Oeste entre 1981 e 2001, enquanto diminuiu no Sul e Sudeste e aumentou no Nordeste. Para os homens, houve tendência decrescente nos eventos nas regiões Sul e Sudeste. 91

•Análise conduzida a partir de dados do DATASUS, de 1990 a 2009, mostrou uma redução na taxa de mortalidade por DIC ajustada por idade no Brasil, que passou de 195 a 149 por 100 mil homens (variação: -23,4%) e de 120 a 84 por 100 mil mulheres (variação: -29,5%). 92

•A proporção de mortes causadas por DCV permaneceu estável nas últimas décadas, com relatos variando de 26% a 32%, de acordo com o ano. Um estudo ecológico realizado em Porto Alegre, incluindo indivíduos com 45-64 anos, mostrou que a DCV foi responsável por 28,5% de todos os óbitos em 2009. Desses, 40% estavam relacionados a DAC, cuja proporção foi maior entre indivíduos com nível socioeconômico mais baixo (42,7%) do que entre aqueles com nível socioeconômico mais alto (26,3%). 93

•Em um estudo ecológico nacional incluindo indivíduos com 35-64 anos, de 1999 a 2001, a taxa de morte relacionada a DAC foi 84 ± 30 por 100 mil habitantes. A incidência de eventos relacionou-se diretamente à taxa de pobreza e ao menor nível educacional. É importante notar que houve grande variação nos resultados entre as 98 cidades participantes, provavelmente em razão da qualidade dos dados. 94

Mortalidade Relacionada à Síndrome Coronariana Aguda

•De acordo com o SIH/SUS, a taxa de mortalidade hospitalar entre pacientes tratados para SCA no sistema público permaneceu estável de 2008 a 2019 [2,2% (1.404 mortes em 63.913 admissões) e 2,1% (1.449 em 70.013 admissões), respectivamente] ( Figura 3-8 ). Houve modesta correlação negativa entre a taxa de mortalidade hospitalar durante tratamento para SCA em 2019 e o SDI ( r 2 0,27, p-valor = 0,01), com detecção de taxas mais altas nos estados do Nordeste e do Norte ( Figura 3-9 ). 90 , 95

•Entre indivíduos admitidos com IAM, a taxa de mortalidade hospitalar diminuiu de 15,9% (7.627 mortes em 48.114 admissões) em 2008 para 12,9% (10.445 mortes em 80.944 admissões) em 2019, uma variação percentual de -19% ( Figura 3-8 ). Observou-se discreta correlação negativa entre a taxa de mortalidade hospitalar durante tratamento de IAM em 2019 e o SDI ( r 2 0,18, p-valor = 0,03, Figura 3-10 ). 90 , 95

•Vários registros brasileiros de SCA relataram os desfechos de indivíduos admitidos com SCA. Em geral, a taxa de mortalidade nos registros é mais baixa do que a relatada no SIH/SUS. Vários estudos salientaram as diferenças regionais no tratamento e na mortalidade, assim como os piores desfechos em pacientes tratados no sistema público em comparação aos tratados nos hospitais privados. 8284 , 96

•No registro ACCEPT, entre 2.485 pacientes com SCA recrutados em 47 hospitais brasileiros em 2010/2011, a mortalidade por todas as causas em 30 dias foi 1,8% para angina instável, 3,0% para IAMSSST e 3,4% para IAMCSST. 97

•Em relato subsequente do registro ACCEPT analisando um total de 4.782 pacientes recrutados até 2014, a taxa de eventos cardiovasculares maiores foi 13,6% após 1 ano de seguimento. Os eventos foram mais frequentes entre pacientes do SUS (16,6 por 100 pacientes/ano) do que entre aqueles do sistema privado ou com plano de saúde (9,1 por 100 pacientes/ano). Além disso, observou-se discrepância regional na taxa de mortalidade em 1 ano, que foi maior na região Norte (19,8%; IC 95%, 12,6%-27,0%) e menor na região Nordeste (5,6%; IC 95%, 3,7%-7,5%). 82

•No registro transversal BRACE, a mortalidade hospitalar geral foi 5,2% entre 1.150 pacientes com SCA recrutados de 2007 a 2009 em 72 hospitais representativos de todos os serviços com Cardiologia e unidade de terapia intensiva. 83 , 84

•Entre 2003 e 2008, o Registro RBSCA arrolou 2.693 pacientes, 45% dos quais com IAM. A taxa de mortalidade hospitalar para aqueles com angina instável foi 3,1%, enquanto para aqueles com IAM foi 7,7%, levando a uma mortalidade geral de 5,5%. 98

•Em estudo retrospectivo multicêntrico de 3.745 pacientes admitidos com SCA entre 2010 e 2015, a mortalidade hospitalar por todas as causas foi 3,3%, sendo que 454 (12,2%) pacientes experienciado pelo menos um evento adverso maior (reinfarto, choque, sangramento, acidente vascular cerebral ou morte). 99

•No estudo ERICO, a taxa de mortalidade foi 4,4% aos 30 dias e 12% em 1 ano entre 964 pacientes admitidos com SCA de 2009 a 2012. 85

•Em estudo observacional longitudinal realizado de 2011 a 2014 em hospital de alta complexidade em Belo Horizonte, a mortalidade hospitalar foi 9,1% entre 788 pacientes com IAMCSST e 7,6% entre 341 pacientes com IAMSSST. 100

•Em estudo do Projeto Minas Telecardio 2, conduzido em 2013 e 2014 em seis unidades de emergência da cidade de Montes Claros, Minas Gerais, entre 593 pacientes com SCA, a mortalidade hospitalar foi 9,4%, variando de 4,9% para angina instável a 17% para os casos de IAMCSST. 101

•No registro RESISST, 520 pacientes com IAMCSST foram admitidos em unidades públicas de saúde interconectadas através de uma rede regional de atendimento ao IAM, de janeiro de 2011 a junho de 2013. Apenas 41% dos pacientes receberam terapia de reperfusão e a taxa de mortalidade em 30 dias foi 15,3%. 102

•No registro VICTIM, dados de todo o estado de Sergipe coletados de 2014 a 2017 identificaram 707 casos de IAMCSST com mortalidade hospitalar de 10,9%. A taxa de mortalidade foi significativamente maior para aqueles admitidos em hospitais públicos em comparação aos admitidos nos privados (11,9% versus 5,9%, respectivamente). 96

•Entre 1.263 pacientes com IAMSSST admitidos em um hospital privado da cidade de São Paulo de 2014 a 2018, a taxa de mortalidade hospitalar foi 1,3%. 103

•Entre 1.852 pacientes com IAMCSST admitidos em unidades de pronto-atendimento municipal da cidade de São Paulo de 2010 a 2016 e submetidos a tratamento fármaco-invasivo, a mortalidade hospitalar foi 4,0% entre aqueles com idade inferior a 75 anos e 18,2% entre aqueles com idade ≥75 anos. 104

•As taxas de mortalidade foram relatadas em um registro de 542 pacientes consecutivos admitidos com IAMCSST e submetidos a ICP primária entre março de 2011 e fevereiro de 2017 em hospital universitário terciário de Porto Alegre. Observou-se morte hospitalar em 10,7% durante o período estudado, que permaneceu estável de 2011 a 2016.

A mortalidade de 1 ano foi 16,6%, com tendência decrescente de 2011 a 2016. 105

•Um estudo de série de 21 anos explorou as tendências da mortalidade relacionada a IAM de acordo com sexo, regiões do Brasil e tipo de cidade (capital versus não capital). Os dados de mortalidade foram obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde brasileiro e os autores utilizaram procedimentos para corrigir as taxas de mortalidade por causas mal definidas, uso de códigos ‘ garbage ’ e subnotificação. De 1996 a 2016, a taxa de mortalidade por IAM padronizada por idade diminuiu 44% no país, com substanciais diferenças regionais (variações percentuais: +5% no Norte, +11% no Nordeste, -35% no Centro-Oeste, -68% no Sudeste e -85% no Sul). Além disso, variações temporais foram mais pronunciadas nas mulheres do que nos homens, e nas capitais do que nas cidades não capitais. A taxa de mortalidade por IAM padronizada por idade corrigida diminuiu 49% e 23% entre as mulheres que viviam nas capitais e em outras municipalidades, respectivamente, de 1996 a 2016. Entre os homens, os respectivos declínios foram 43% e 17%. Importante notar a ocorrência de melhorias na qualidade dos dados (por exemplo, redução da subnotificação) ao longo dos anos; esse fenômeno é mais recente no Norte e Nordeste e nas cidades que não são capitais. 106

Mortalidade Relacionada a Intervenção Coronária Percutânea

•De acordo com o SIH/SUS, a taxa de mortalidade hospitalar entre pacientes submetidos a ICP em hospitais públicos permaneceu estável de 2008 a 2019 [2,4% (1.112 mortes em 46.683 admissões) e 2,7% (2.625 em 96.930), respectivamente], com variação percentual de 14% ( Figura 3-8 ). Em 2019, essas taxas variaram de 2,4% no Sudeste a 3,5% no Nordeste. Entre os pacientes submetidos a ICP primária, a mortalidade hospitalar foi 6,8% (765 mortes em 11.270 procedimentos), variando de 5,9% nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste a 7,3% na região Sudeste. 95

•Em um estudo de coorte realizado de 2009 a 2013 (Registro ICP-BR multicêntrico), avaliando 4.806 pacientes submetidos a ICP (69% com IAM recente) em 8 centros médicos terciários de referência, a taxa de mortalidade hospitalar foi 2,6%. 107

•Outro registro de ICP, que incluiu 1.249 pacientes consecutivos em 2009, encontrou taxa de mortalidade total de 2,3%, variando de 0,2% para angina estável a 6,1% para IAMCSST. 108

•Em outro estudo avaliando ICP em hospitais públicos, 166.514 procedimentos foram realizados em 180 hospitais de 2005 a 2008. A mortalidade hospitalar média foi 2,3%, variando de 0% a 11,4%. Essa taxa foi mais baixa na região Sudeste (2,0%) e mais alta na região Norte (3,6%). A taxa de mortalidade hospitalar foi 2,3% nos hospitais de alto volume, responsáveis por 101.218 (60,8%) ICP, tendo sido 2,3% nos hospitais de médio volume e 2,5% nos de baixo volume.

A taxa de mortalidade foi maior entre mulheres e nos pacientes acima de 65 anos. 109

•A maioria dos relatos é proveniente de instituições públicas, sendo os dados dos hospitais privados limitados. Uma análise de 440 procedimentos realizados entre 2013 e 2014 em um hospital público e outro privado na cidade do Rio de Janeiro mostrou baixa mortalidade (0,5%), com taxas semelhantes nas duas instituições. 110

•Diferenças na mortalidade hospitalar após ICP de acordo com o acesso femoral ou radial foram retrospectivamente analisadas em 158.363 pacientes arrolados no Registro CENIC entre 2006 e 2016 (52% com DAC estável). A utilização do acesso radial aumentou progressivamente de 12% em 2006 para 50% em 2016, tendo sido associada com mortalidade hospitalar mais baixa em comparação à utilização do acesso femoral em uma análise com correspondência por escore de propensão (0,4% versus 0,7%; OR, 0,59; IC 95%, 0,47-0,74; p < 0,001; n = 54.242 pacientes). 111

•Em 847 pacientes com idade superior a 90 anos, submetidos a ICP (68% com SCA) e incluídos no Registro CENIC entre 2006 e 2016, a taxa de mortalidade hospitalar foi 4,8%. 112

•Há escassez de dados sobre as taxas de sobrevida de longo prazo de pacientes submetidos a ICP. Em uma análise de procedimentos realizados no estado do Rio de Janeiro entre 1999 e 2000 em todos os hospitais públicos incluindo 19.263 indivíduos, a sobrevida de 1 ano foi 93% e a de 15 anos foi 57%. Nesse estudo, mulheres, em comparação a homens, apresentaram maior taxa de sobrevida em 15 anos após ICP. 113

Mortalidade Relacionada à Cirurgia de Revascularização do Miocárdio

•De acordo com o SIH/SUS, a taxa de mortalidade hospitalar entre pacientes submetidos a CRVM em instituições públicas foi 7,0% (1.566 mortes em 22.537 procedimentos) em 2008 e 6,1% (1.432 em 23.488 admissões) em 2019, uma variação percentual de -12% ( Figura 3-8 ). Em 2019, a taxa mais baixa foi observada na região Nordeste (4,4%), enquanto a mais alta foi registrada na região Centro-Oeste (10,0%). 95

•O registro BYPASS é um banco de dados em andamento estabelecido em 2015 pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, envolvendo 17 instituições representativas de todas as regiões brasileiras. Entre 2.292 pacientes arrolados até novembro de 2018 e submetidos a CRVM isolada ou combinada, a taxa de mortalidade hospitalar foi 2,8%, tendo 5,3% deles permanecido em ventilação mecânica por mais de 24 horas e 1,2% deles apresentado acidente vascular cerebral durante a hospitalização. 114 , 115

•O MASS II foi um ensaio clínico randomizado unicêntrico, desenhado para comparar os efeitos de longo prazo de terapia medicamentosa, angioplastia ou estratégias cirúrgicas para tratar DAC multivascular com angina estável e função ventricular preservada, conduzido antes de 2007. As taxas de mortalidade hospitalar para ICP e CRVM foram 2,4% e 2,5%, respectivamente. 116 As taxas de sobrevida de 10 anos não diferiram significativamente entre os grupos: 75% para CRVM, 75% para ICP e 69% para terapia medicamentosa (p=0,089). 117 Em outro ensaio do mesmo grupo, MASS III, taxas de sobrevida de 10 anos similares foram descritas. 118

•No registro REPLICCAR-I, 2.961 pacientes foram submetidos a CRVM isolada em dez hospitais entre 2013 e 2016. A taxa de mortalidade por todas as causas foi 3,4% em 30 dias e 5,3% em seguimento de 4 anos. 119

•Várias outras experiências unicêntricas, com análise tanto retrospectiva quanto prospectiva, descreveram mortalidade de curto prazo para pacientes submetidos a CRVM variando de 1,9% a 11,7%. 120–123

Carga de Doença

•O GBD 2019 estimou taxa de 1.563 (II 95%, 1.472-1.636) DALYs por DAC por 100 mil indivíduos ( Tabela 3-3 ). Essa taxa de DALYs correspondeu a 5,7% (II 95%, 5,1%-6,3%) de todos os DALYs, sendo a DAC a segunda causa mais comum de DALYs no Brasil entre mulheres (após distúrbios neonatais) e homens (após violência interpessoal) em 2019. 46

•De 1990 a 2019, o número total de DALYs atribuídos a DAC aumentou continuamente, a taxa bruta de DALYs por 100 mil permaneceu estável e a taxa de DALYs padronizada por idade por 100 mil diminuiu gradualmente 50% ( Tabela 3-3 , Figura 3-11 ). 46

•Ao se considerar as regiões brasileiras, a tendência das taxas de DALYs padronizadas por idade de 1990 a 2019 se assemelha à das taxas de mortalidade. Em 1990, as mais altas taxas foram observadas no Sul e Sudeste, enquanto as mais baixas, no Norte e Nordeste. Reduções na taxa de DALYs ajustada para idade de 1990 a 2019 foram observadas em todos os estados, com variações de menor magnitude nas regiões Norte e Nordeste, de modo que a heterogeneidade entre as regiões diminuiu ( Figura 3-12 ). Os estados com as menores quedas foram Ceará (-16%), Paraíba (-25%) e Alagoas (-26%, Tabela 3-3 ). Houve correlação negativa entre a variação na taxa de DALYs padronizada por idade por DAC no período e o SDI ( r 2 0,59, p-valor < 0,01, Figura 3-13 ). 46 , 90 Em 2019, a mais baixa taxa de DALYs foi relatada no Amazonas (1.106 por 100 mil), enquanto as mais altas foram observadas no Maranhão (2.157 por 100 mil) e em Pernambuco (2.163 por 100 mil, Tabela 3-3 ). 46

•A maioria dos DALYs associados com DAC foi devida a YLLs. A taxa de YLLs padronizada por idade foi 1.501 (II 95%, 1.408-1.574) por 100 mil, equivalendo a 9,1% (II 95%, 8,6%-9,6%) de todos os YLLs em 2019. Essa taxa caiu pela metade de 1990 a 2019, com variação percentual de -50,8% (II 95%, -53,1% a -48,5%). 46

•A taxa de YLDs ajustada por idade atribuída a DAC foi 63 (II 95%, 41-89) por 100 mil. De 1990 a 2019, essa taxa apresentou redução de 5% (II 95%, -7% a -3%). 46

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

•De acordo com os dados administrativos do SIH/SUS, o número absoluto de hospitalizações por SCA em instituições públicas permaneceu estável de 2008 a 2019 ( Figura 3-14 ). Em 2019, houve 70.204 (33,4 por 100 mil habitantes) hospitalizações por SCA no país. O número de hospitalizações por IAM aumentou de 47.358 em 2008 a 80.614 em 2019, uma variação percentual de 70%, ou de 25,0 a 38,4 por 100 mil habitantes, uma variação percentual de 54% ( Figura 3-14 ). As hospitalizações por SCC diminuíram de 12.393 (6,5 por 100 mil) em 2008 para 6.703 (3,2 por 100 mil) em 2019 ( Figura 3-14 ). 95

•As hospitalizações no serviço público para realização de ICP não primária mais do que dobraram de 2008 (n=38.635) a 2019 (n=85.518, Figura 3-15 ), enquanto a ICP primária para tratamento do IAM aumentou 45% (de 7.648 para 11.099). Considerando as taxas por 100 mil habitantes, os valores de ICP não primária foram 20,4 em 2008 e 40,7 em 2019 (variação percentual: 100%) e os de ICP primária foram 4,0 em 2008 e 5,3 em 2019 (variação percentual: 31%). Enquanto isso, o número total de CRVM permaneceu estável no período ( Figura 3-15 ), totalizando 21.018 procedimentos (10,0 por 100 mil habitantes) em 2019. Em consequência, a ICP em comparação à CRVM aumentou, passando de 69% de todos os procedimentos em 2008 para 82% em 2019 ( Figura 3-16 ). 95

•A maioria das ICP realizadas em hospitais públicos nos últimos anos foi categorizada como ICP não primária.

A porcentagem de ICP primária entre todas as ICP permaneceu estável de 2009 a 2019 (entre 9% e 13%). 95

•Em 2019, as médias de permanência das hospitalizações por SCA, IAM, ICP e CRVM em hospitais públicos foram 5,4, 8,7, 3,8 e 12,0 dias, respectivamente, permanecendo estáveis desde 2008. 95

•De acordo com o SIH/SUS, o custo anual não ajustado associado com todas as admissões por SCA em hospitais públicos aumentou de R$ 44.710.681 em 2008 para R$ 81.167.005 em 2019. No mesmo período, o custo anual relacionado a hospitalização por IAM aumentou de R$ 65.019.331 para R$ 151.123.021, enquanto o custo associado a SCC diminuiu de R$ 7.798.578 para R$ 6.475.644. Convertendo em Int$ 2019 ajustado para paridade do poder de compra, o valor associado ao tratamento para SCA diminuiu discretamente nos últimos anos, chegando a Int$ 39.230.065 em 2019; esse gasto permaneceu estável no contexto do IAM (Int$ 73.041.576 em 2019) e diminuiu para a SCC (Int$ 3.129.842 em 2019, Figura 3-17 ). 95

•Em dólares internacionais, o valor médio reembolsado por hospitalização por SCA, IAM ou SCC diminuiu de 2008 a 2019 ( Figura 3 -18). Em 2019, os gastos médios por admissão para SCA, IAM e SCC foram R$ 1.156 (Int$ 559), R$ 1.875 (Int$ 906) e R$ 966 (Int$ 467), respectivamente. 95

•O banco de dados administrativo do SUS mostrou que o total reembolsado por ICP não primária foi R$ 546.132.199 (Int$ 263.959.497) em 2019. O custo correspondente para ICP primária foi R$ 74.907.756 (Int$ 36.204.812). O gasto médio pago por paciente foi R$ 6.386 (Int$ 3.087) para ICP não primária e R$ 6.749 (Int$ 3.262) para ICP primária. Com relação à CRVM, o total reembolsado foi R$ 278.544.224 (Int$ 134.627.464), correspondendo a um valor médio de R$ 13.253 (Int$ 6.406) por procedimento cirúrgico. 95

•Em dólares internacionais, o custo anual total relacionado a ICP não primária aumentou nos últimos anos, enquanto o relacionado a ICP primária permaneceu estável e o gasto com CRVM caiu ( Figura 3-19 ). O valor médio reembolsado por hospitalização diminuiu tanto para ICP quanto para CRVM desde 2008 ( Figura 3-20 ). 95

•Em 2015, utilizou-se uma abordagem de modelagem global para avaliar o impacto econômico (sistema de saúde e produtividade) de quatro condições cardíacas no Brasil (hipertensão, insuficiência cardíaca, IAM e fibrilação atrial), com estimativas de custo anual para 2015. Estimou-se que as quatro condições cardíacas afetassem ~45,7 milhões de pessoas no Brasil, correspondendo a 32% da população adulta. O IAM representou o maior custo financeiro, com prevalência estimada de 0,2% (334.978 casos), sendo o custo para o sistema de saúde por caso de US$ 48.118 e o custo de produtividade de US$ 18.678. 124

•O custo anualizado para um indivíduo com DAC crônica foi estimado em R$ 2.733 ± 2.307 pelo SUS, sendo que o custo para o paciente ambulatorial representou 54% do total. Para os planos de saúde privados, o custo foi estimado em R$ 6.788 ± 7.842, dos quais, 69% estavam relacionados a pacientes internados. Quanto ao custo dos pacientes ambulatoriais, os medicamentos foram responsáveis por R$ 1.154, representando, para os pagadores públicos e privados, 77% e 55% dos custos com os pacientes ambulatoriais e 42% e 17% do custo total, respectivamente. 125

•Um relato de uma clínica de DAC de um hospital público mostrou um custo anual médio para manejo ambulatorial de US$ 1.521 por paciente (valores de 2015). O custo médio por hospitalização foi US$ 1.976 e os gastos foram maiores no primeiro e último ano de seguimento. Angina instável, procedimentos de revascularização, diabetes, hipertensão e obesidade foram preditores de maior custo de hospitalização. 126

•Dados de 2008 a 2014 estimaram que 4.653.884 procedimentos cardíacos diagnósticos foram realizados no Brasil, incluindo 3.015.993 eletrocardiogramas, 862.627 angiografias invasivas e 669.969 exames nucleares, levando a um custo geral de US$ 271 milhões. Nessa avaliação geoespacial nacional do acesso à saúde, mortalidade por SCA foi associada a menor renda, assim como à realização de menor número de exames nucleares e maior número de testes de esforço e de cateterismos cardíacos. 127

•Um estudo usando metodologia de microcusto avaliou os custos associados com ICP em 40 pacientes de dois hospitais públicos de ensino em 2017. O custo mediano de ICP foi R$ 4.579 em um hospital e R$ 3.156 em outro. A maior parte da despesa deveu-se ao custo da prótese (72% e 81% do custo total). 128

•Um estudo quantitativo, descritivo e transversal realizado em um hospital filantrópico da cidade de São Paulo, avaliando 1.913 pacientes consecutivos submetidos a CRVM em 2012, relatou um custo médio por paciente de US$ 7.993 (mediana, US$ 6.463). O valor pago pelo sistema de saúde público foi US$ 3.450 (mediana, US$ 3.159), resultando em déficit de 51% do custo total para os provedores. 129

•Uma análise retrospectiva das solicitações médicas de beneficiários de planos de saúde foi realizada considerando os custos de hospitalização para pacientes admitidos com SCA entre 2010 e 2012. O custo médio por paciente em terapia medicamentosa apenas foi de R$ 18.262, o custo médio por paciente submetido a ICP, de R$ 30.611, e o custo médio por paciente submetido a CRVM, de R$ 37.455. 130

•Uma análise de 240 pacientes submetidos a CRVM isolada em hospital de referência em 2013 mostrou um custo médio de hospitalização de R$ 22.647 ± 28.106 (R$ 35.400 ± 40.509 para aqueles com alguma complicação e de R$ 13.997 ± 5.801 para aqueles sem complicação). 131

•Uma análise de custo de 101 pacientes submetidos a ICP no SUS em 2014/2015 mostrou um custo mediano de R$ 6.705 ± 3.116 por paciente. Os custos foram menores para ICP eletiva (R$ 5.085 ± 16) do que para ICP por SCA (R$ 6.854 ± 3.396). 132

Qualidade da Atenção à Saúde

•Várias publicações avaliaram a qualidade do cuidado para SCA no Brasil. 82,83,85,86,96,100–102,133,134 Esses estudos salientam as oportunidades de melhoria no cuidado, além das diferenças regionais e heterogeneidade dos serviços público e privado que podem impactar os desfechos. Ademais, algumas publicações abordaram a implementação de estratégias para otimizar a qualidade do cuidado para SCA. 86 , 102 , 133 , 134

•No registro prospectivo ACCEPT, a taxa de adesão total a medicamentos recomendados pelas diretrizes (terapia antiplaquetária dupla, anticoagulantes parenterais, estatinas e betabloqueadores) foi 62% logo após admissão por SCA. Entre os pacientes com IAMCSST (n=1.714), 82% foram tratados com fibrinólise ou ICP primária. As taxas de reperfusão para IAM diferiram de acordo com a região do país: 87%, 85%, 73%, 67% e 66% no Sul, Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte, respectivamente. Prescrição de AAS foi observada em 95% dos casos por ocasião da alta e em 86% no seguimento de 12 meses. Inibidores do receptor P2Y 12 foram prescritos em 92% dos casos na admissão, 79% na alta e 47% após 12 meses. Estatinas foram recomendadas para 93% dos pacientes na alta e 83% após 12 meses. Terapia considerada incompleta e hospitalização em instituição pública, entre outros fatores, foram associadas com eventos cardiovasculares maiores. 82

•Na análise do registro transversal BRACE, a qualidade do cuidado na SCA foi medida por um escore de desempenho que incluiu prescrição de AAS na admissão hospitalar, prescrição de AAS/betabloqueador/estatina na alta e terapia de reperfusão para pacientes com IAMCSST em até 12 horas do início dos sintomas, entre outros fatores. Escores mais baixos foram independentemente associados com maior risco de desfechos duros e morte hospitalar.

O escore foi mais baixo nas regiões Norte e Nordeste do que no restante do país tanto nas primeiras 24 horas quanto na alta hospitalar. Escores mais altos foram observados em hospitais de ensino versus não de ensino. As instituições públicas e privadas não diferiram significativamente quanto aos escores, embora a terapia de reperfusão para IAMCSST tenha sido mais frequente nos hospitais privados (86% versus 75%), enquanto a prescrição de AAS/estatina na alta tenha sido mais comum nos públicos. No geral, as porcentagens de pacientes que receberam prescrição de AAS, estatina e betabloqueador na alta foram 86%, 82% e 69%, respectivamente. 83

•Entre participantes incluídos no estudo ERICO entre 2009 e 2012, terapia de reperfusão foi realizada em 72% dos casos de IAMCSST. As taxas de tratamento medicamentoso durante hospitalização foram: 98% para AAS, 96% para clopidogrel e heparina, 92% para estatinas e 84% para betabloqueadores. 85

•No estudo VICTIM, o tempo médio entre o início dos sintomas e a admissão hospitalar foi mais longo nos hospitais públicos em comparação aos privados (25 ± 37 versus 9 ± 21 horas; respectivamente, P <0,001). A taxa de ICP primária foi mais baixa nos hospitais públicos em comparação aos privados (45% versus 78%, respectivamente, P <0,001). 96

•Em um hospital universitário de Belo Horizonte, avaliou-se a adesão a 13 medidas de desempenho pré-especificadas em 1.129 pacientes com IAMCSST ou IAMSSST hospitalizados entre 2011 e 2014. A adesão mediana foi 83% e o tratamento de 67% dos pacientes cumpriu pelo menos 80% das medidas de qualidade. A taxa de terapia de reperfusão nos casos de IAMCSST foi 56%. 100

•Em um relato do Projeto Minas Telecardio 2 incluindo 593 pacientes com SCA de 2013 a 2014, entre os indivíduos com IAMCSST, 46% receberam terapia de reperfusão, principalmente ICP primária. O tempo porta-balão foi maior do que 90 minutos em 37,5% desses pacientes. No geral, as taxas de prescrição de AAS, inibidores da P2Y 12 e estatinas foram 97%, 86% e 81% em 24 horas e 93%, 69% e 86% na alta, respectivamente. 101

•Em outra publicação do Projeto Minas Telecardio 2, a qualidade do cuidado ao paciente com IAMCSST foi avaliada antes (n = 214) e após (n = 143) a implementação de um protocolo de tratamento coordenado entre 2014 e 2015. A taxa de terapia de reperfusão aumentou de 71% para 81% (P = 0,045), enquanto a porcentagem de pacientes recebendo prescrição de AAS e inibidores da P2Y 12 aumentou de 94% e 88%, respectivamente, para 100% nos dois casos. Além disso, uma redução não significativa na chance de morte hospitalar foi relatada (OR, 0,73; IC 95%, 0,34–1,60). 133

•Em um estudo observacional retrospectivo de hospitais públicos em Belo Horizonte, a taxa de mortalidade hospitalar caiu após implementação de um sistema para tratamento de IAM, que incluiu tele-eletrocardiografia (12% em 2009 e 7% em 2011, P < 0,001). 134

•O estudo RESISST relatou desfechos no IAMCSST antes e após a implementação de uma rede regional integrada com suporte de telemedicina na cidade de Salvador. Os autores relataram um aumento nas taxas de reperfusão primária (de 29% para 54%, P <0,001), uma redução na taxa de mortalidade de 30 dias (de 20% para 5%, P <0,001) e um aumento no uso de terapia antiplaquetária dupla e de estatinas. 102

•O BRIDGE-ACS, um estudo randomizado por conglomerado, avaliou um programa multifacetado de melhoria da qualidade do tratamento de pacientes com SCA. Em comparação à prática rotineira, a intervenção, que incluiu material educacional para clínicos, lembretes, algoritmos e treinamento de manejo de caso, aumentou a chance de receber medicamentos elegíveis. Além disso, as taxas de evento cardiovascular hospitalar foram 5,5% no grupo intervenção e 7,0% no grupo controle [OR populacional médio (ORPA), 0,72 (IC 95%, 0,36-1,43)], enquanto as taxas de mortalidade por todas as causas em 30 dias foram 7,0% e 8,4% nos grupos intervenção e controle, respectivamente [ORPA, 0,79 (IC 95%, 0,46-1,34)]. 86

Pesquisa Futura

•Dados adicionais são necessários para a melhor compreensão da distribuição epidemiológica da DAC no Brasil, em particular:

•Desenvolvimento de bases de dados nacionais para coletar informação precisa em tempo real sobre a epidemiologia das diferentes apresentações clínicas da DAC, incluindo medidas de prestação do cuidado, desempenho e desfecho;

•Revisões sistemáticas de taxas de prevalência e de mortalidade por SCA, angina estável, ICP e CRVM, incluindo amostras representativas de todas as áreas geográficas do país;

•Avaliação da efetividade de programas estruturados em âmbito nacional para medir a qualidade e o desempenho dos diferentes manejo (público, com e sem fins lucrativos) para entender a atual situação, além de desenhar estratégias visando à redução da morbimortalidade por DCV;

•Análises adicionais econômica e de custo-efetividade do impacto da DAC e de suas intervenções diagnóstica e terapêutica são necessárias, a partir de um nível macro e utilizando métodos de microcusteio para os sistemas de saúde público e privado;

•Desenvolvimento de programas estruturados para avaliar a prevalência, a incidência e o impacto clínico e econômico da DAC crônica no cenário ambulatorial.

Incidência

•O estudo GBD estimou uma incidência de 260.661 (II 95%, 230.100-293.617) eventos de DAC (principalmente infarto do miocárdio) no Brasil em 2019. Como esperado, a taxa de incidência mostrou-se fortemente associada ao envelhecimento: 29 (II 95%, 23-36), 323 (II 95%, 268-386) e 737 (II 95%, 625-868) por 100 mil indivíduos com idade de 15-49 anos, de 50-69 anos e a partir de 70 anos, respectivamente. Em todos os grupos etários, a DAC foi mais incidente nos homens do que nas mulheres ( Figura 3-3 ). 46

•Em 2019, a taxa de incidência de DAC padronizada por idade foi 110 (II 95%, 97-124) por 100 mil habitantes na população total, 78 (II 95%, 69-88) por 100 mil mulheres e 148 (II 95%, 130-166) por 100 mil homens. 46

•Enquanto a taxa bruta de incidência de DAC aumentou continuamente de 1990 a 2019, a taxa padronizada por idade diminuiu levemente (-15%) de 1990 a 2000, permanecendo estável desde então (variação percentual: 3% de 2000 a 2019). De 1990 a 2019, a variação percentual na taxa de incidência de DAC ajustada por idade foi -12% (II 95%, -15% a -10%) na população total e 7% (95% UI, 1% a 12%), 2% (95% UI, -1% a 6%) e -19% (II 95%, -22% a -16%) entre indivíduos de 15-49 anos, 50-69 anos e a partir dos 70 anos, respectivamente. 46

•Em revisão sistemática de dados de saúde pública em 2012, as taxas de incidência de IAM e SCA por 100 mil habitantes foram 29,8 e 38, respectivamente. 8

4. CARDIOMIOPATIA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

CID-10 I42; I50; B57.2.

Ver Tabelas 4-1 até 4-12 e Figuras 4-1 até 4-10

Abreviaturas usadas no Capítulo 4

BREATHE I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca
CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10 a Revisão
CMCh Cardiomiopatia Chagásica
CMH Cardiomiopatia Hipertrófica
CMNCh Cardiomiopatia Não Chagásica
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Years )
DCh Doença de Chagas
GBD Global Burden of Disease
HR Hazard Ratio
IC Intervalo de Confiança
II Intervalo de Incerteza
IIQ Intervalo Interquartil
OR Odds Ratio
RAP Risco Atribuível na População
REMADHE Estudo Educação Repetitiva e Monitoramento para Adesão para Insuficiência Cardíaca (do inglês, Repetitive Education at Six-Month Intervals and Monitoring for ADherence in Heart Failure Outpatients )
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade
SUS Sistema Único de Saúde
UF Unidade Federativa
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos de vida perdidos por morte prematura (do inglês, Years of Life Lost)

Tabela 4-1
– Número de casos prevalentes e taxas de prevalência (por 100 mil) padronizadas por idade de cardiomiopatia e miocardite, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.
Tabela 4-2
– Número de casos incidentes e taxas de incidência (por 100 mil) padronizadas por idade de cardiomiopatia e miocardite, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2017.
Tabela 4-3
– Taxas de incidência de cardiomiopatia e miocardite (por 100 mil) e variação percentual das taxas, por idade e sexo, Brasil, 1990 e 2019.
Tabela 4-4
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) por cardiomiopatia e miocardite, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.
Tabela 4-5
– Taxas de mortalidade por cardiomiopatia e miocardite (por 100 mil) e variação percentual das taxas, por idade e sexo, Brasil, 1990 e 2019.
Tabela 4-6
– Número de DALYs e taxas de DALYs padronizadas por idade (por 100 mil) por cardiomiopatia e miocardite, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.
Table 4-7
– Rates of DALYs due to cardiomyopathy and myocarditis (per 100 000) and percent change of rates, by age and sex, Brazil, 1990 and 2019.
Tabela 4-8
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) por doença de Chagas, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.
Tabela 4-9
– Número de casos prevalentes e taxas de prevalência (por 100 mil) padronizadas por idade de insuficiência cardíaca por todas as causas, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2017.
Tabela 4-10
– Taxas de prevalência de insuficiência cardíaca (por 100 mil) e variação percentual das taxas, por grupo etário e sexo, Brasil, 1990 e 2017.
Tabela 4-12
– Taxas de YLDs por insuficiência cardíaca (por 100 mil) e variação percentual das taxas, por grupo etário e sexo, Brasil, 1990 e 2017.

Figura 4-1
-Taxas de prevalência de cardiomiopatia e miocardite padronizadas por idade (A) e taxas de prevalência brutas de cardiomiopatia e miocardite (B), por 100 mil habitantes, Brasil, 1990-2019.

Figura 4-2
Taxas de mortalidade por cardiomiopatia e miocardite padronizadas por idade e para todas as idades, por 100 mil habitantes, Brasil, 1990-2019.

Figura 4-3
-Correlação entre taxa de mortalidade por cardiomiopatia e miocardite padronizada por idade, por 100 mil habitantes, e o índice sociodemográfico (SDI) de 1990 e 2019.

Figura 4-4
-Taxas de DALYs atribuídos a cardiomiopatia e miocardite padronizadas por idade e para todas as idades, por 100 mil habitantes, no Brasil de 1990 a 2017.

Figura 4-5
-Taxas de mortalidade por doença de Chagas padronizadas por idade e para todas as idades, por 100 mil habitantes, Brasil, 1990-2019.

Figura 4-6
-Correlação entre a variação percentual das taxas de mortalidade por doença de Chagas padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, de 1990 a 2019, e o índice sociodemográfico (SDI) em 1990 e em 2019.

Figura 4-7
-Distribuição espacial das taxas médias de mortalidade relacionada à doença de Chagas, por 100 mil habitantes, com base em múltiplas causas de morte, por municipalidade, Brasil, 1999–2007.

Figura 4-8
-Taxas padronizadas de mortalidade por doença de Chagas no Brasil de acordo com o grupo etário (em anos) e o ano de ocorrência, de 2000 a 2010.

Figura 4-9
-Taxas de DALYs por doença de Chagas padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, em 2016.

Figura 4-10
-Tendências da mortalidade por insuficiência cardíaca de 2007 a 2016 no Brasil (BR), no Rio Grande do Sul (RS) e em Porto Alegre (POA).

Cardiomiopatia e Miocardite

Prevalência e Incidência

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, a prevalência padronizada por idade de cardiomiopatia e miocardite diminuiu no Brasil, passando de 76,6 (II 95%, 53,4-107,2) em 1990 para 73,0 (II 95%, 51,1-100,1) em 2019, uma redução de 4,7% (II 95%, - 9,5 a 0,8) no período ( Figura 4-1 .A e Tabela 4-1). Em números absolutos, as estimativas de prevalência de cardiomiopatia e miocardite no Brasil passaram de menos de 60 mil em 1990 para mais de 160 mil em 2019, principalmente devido ao crescimento e envelhecimento da população ( Figura 4-1 .B). A prevalência de cardiomiopatia e miocardite foi maior nos homens (98,9; II 95%, 69,5-137,2) do que nas mulheres (54,1; II 95%, 38,4-73,8) em 2019, embora tenha havido uma diminuição da prevalência de 5% (II 95%, -11,6 - 0) para mulheres e de 2,9% (II 95%, -9,1 - 0) para homens no período. 46

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, a prevalência de cardiomiopatia e miocardite varia bastante entre as UF brasileiras, não tendo a variação percentual sido homogênea entre 1990 e 2019 (Tabela 4-1). Em 2019, as maiores taxas foram observadas nos estados de São Paulo, Paraíba e Roraima. De 1990 a 2019, houve aumento das taxas de prevalência padronizadas por idade em Goiás e no Maranhão, e diminuição nas demais UF. 46

•Segundo as estimativas do Estudo GBD 2019, as taxas de incidência padronizadas por idade por 100 mil por ano foram 15,8 (II 95%, 12,7-19,2) em 1990 e 15,8 (II 95%, 12,7-19,2) em 2019, com uma pequena variação de -0,2% (II 95%, -0,3 a -0,2) no período (Tabela 4-2). Os números absolutos de casos incidentes foram 18.583 (II 95%, 14.825-22.718) em 1990 e 35.863 (II 95%, 28.946-43.756) em 2019. Esse aumento acha-se relacionado ao crescimento e envelhecimento da população. A Tabela 4-3 mostra as taxas de incidência de cardiomiopatia e miocardite por 100 mil habitantes, por idade, para ambos os sexos, em 1990 e 2019, e a variação percentual das taxas. Em 1990 e 2019, as mais altas taxas foram observadas no grupo ‘70+ anos’. De 1990 a 2019, a incidência aumentou nos grupos etários de ‘15-49 anos’ e ‘70+ anos’ para mulheres e homens. 46

Mortalidade

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, as taxas de mortalidade por cardiomiopatia e miocardite pareceram aumentar na década de 1990, mas diminuíram nas duas décadas seguintes ( Figura 4-2 ). Como mostra a Tabela 4-4, as taxas de mortalidade foram 15,9 (II 95%, 12,4-17,1) em 1990 e 9,4 (II 95%, 8,3-11,1) em 2019 por 100 mil habitantes, uma redução de 40,8% (II 95%, -46,6 a -25,4). Apesar dessa diminuição nas taxas de mortalidade, o número de mortes por cardiomiopatia e miocardite aumentou naquele período devido ao crescimento e envelhecimento da população. Cardiomiopatia e miocardite foram responsáveis por 13.408 (II 95%, 8417-10.163) mortes em 1990, número que se elevou para 21.425 (II 95%, 17.885-21.745) mortes em 2019. As estimativas do Estudo GBD 2019 das taxas de mortalidade por cardiomiopatia referem-se a casos com cardiomiopatia listada como causa básica de morte. As mortes por insuficiência cardíaca que resulta de outras causas específicas são atribuídas à doença de base, i.e., mortes relacionadas a cardiomiopatia isquêmica são codificadas como devidas a doença isquêmica do coração. Além disso, para o projeto GBD, a insuficiência cardíaca não é considerada uma causa de morte primária e, portanto, todas as mortes codificadas como relacionadas a insuficiência cardíaca são recodificadas para a condição de base (ver adiante). 46

•A Tabela 4-4 também mostra o número total de mortes e as taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) por cardiomiopatia e miocardite, além da variação percentual das taxas, por UF e no Brasil, em 1990 e 2019. Todas as UF apresentaram diminuição das taxas de mortalidade, tendo as maiores reduções percentuais sido observadas entre 1990 e 2019 em Goiás e no Paraná. Em 2019, as UF com as mais baixas taxas de mortalidade (abaixo de 6,0) foram Amazonas, Rio Grande do Norte e Pará.

•A Tabela 4-5 mostra as taxas de mortalidade por cardiomiopatia e miocardite de acordo com o sexo e os grupos etários, com base nas estimativas do Estudo GBD 2019. As mulheres apresentaram as mais baixas taxas de mortalidade padronizadas por idade, assim como uma redução mais pronunciada de 1990 a 2019. As taxas de mortalidade por cardiomiopatia e miocardite em mulheres foram 13,5 (II 95%, 9,9-14,7) em 1990 e 7,2 (II 95%, 6,2 - 9) em 2019, uma redução de 46,6% (II 95%, -54,8 a -0,2). As taxas nos homens foram 18,7 (II 95%, 13,2 - 20,4) em 1990 e 12,1 (II 95%, 10 - 15,1) em 2019, uma variação de -35,4% (II 95%, -43,3 a -0,1). Como esperado, as mais altas taxas de mortalidade foram observadas no grupo de 70+ anos, sendo, em 1990, 127,2 (II 95%, 96,5-138,3) e, em 2019, 84,6 (II 95%, 72,1-104) por 100 mil. Para o grupo de 50-69 anos, as taxas foram 29,2 (II 95%, 22 – 31,4) em 1990 e 17,2 (II 95%, 15,1 - 20) em 2019 por 100 mil. No geral, as taxas de mortalidade diminuíram de 1990 a 2019 em todos os grupos etários. 46

•O Estudo GBD 2019 usa o SDI como uma estimativa do nível socioeconômico de uma localidade. A Figura 4-3 mostra a correlação entre o SDI e a taxa de mortalidade padronizada por idade por cardiomiopatia e miocardite, por 100 mil habitantes, em 1990 e e 2019. Não houve correlação entre a taxa de mortalidade padronizada por idade e o SDI em 1990 (R = - 0,36, p=0,068). Entretanto, houve significativa correlação entre a taxa de mortalidade padronizada por idade e o SDI em 2019 (R = 0,4, p=0,041). 90

•Em estudo relatando dados da Fundação SEADE, do estado de São Paulo, as cardiomiopatias foram responsáveis por um total de 3.571 óbitos, correspondendo a 23,3% das mortes relacionadas a insuficiência cardíaca em 2006, a saber: cardiomiopatia dilatada, responsável por 17,2% das mortes; cardiomiopatia alcoólica, por 0,45%; e cardiomiopatias restritivas, por 0,37%. A CMCh e a cardiomiopatia alcoólica foram responsáveis por 7,8% e 0,45% das mortes relacionadas a insuficiência cardíaca, respectivamente. 135

•Dados sobre cardiomiopatias específicas são escassos. Em estudo de coorte de 214 pacientes com CMH, acompanhados por 7 anos em um hospital terciário de São Paulo, a idade média foi 37±16 anos, sendo 52% mulheres. Houve 22 mortes (10%), 15 diretamente relacionadas à CMH (11 mortes súbitas). As taxas de sobrevida acumulada foram 94,5% em 5 anos, 91% em 10 anos e 87,9% em 15 anos, com taxa de mortalidade anual de 1%, que é baixa, considerando que o estudo foi realizado em um centro de referência. 136

Carga de Doença

•De acordo com as estimativas do GBD 2019, as tendências das taxas de DALYs padronizadas por idade por cardiomiopatia e miocardite foram similares àquelas de mortalidade, com pequeno aumento na década de 1990 e diminuição nas décadas seguintes. Como mostra a Tabela 4-6, as taxas de DALYs padronizadas por idade foram 399,4 (II 95%, 319,6-426,4) em 1990 e 238,6 (II 95%, 213-272,3) em 2019, por 100 mil habitantes, uma diminuição de 40,3% (II 95%, -45,8 a -27,9). Tais mudanças são similares àquelas observadas nas taxas de mortalidade. A despeito dessa diminuição nas taxas de DALYs, cardiomiopatia e miocardite foram responsáveis por 431.381 (II 95%, 349.546-465.068) DALYs no Brasil em 1990 e por 545.772 (II 95%, 484.988-621.356) em 2019, o que representa 0,62% de todos os DALYs. 46

•A Tabela 4-7 mostra as taxas de DALYs por cardiomiopatia e miocardite de acordo com sexo e grupo etário, a partir das estimativas do Estudo GBD 2019. As taxas de DALYs padronizadas por idade foram menores nas mulheres, que também apresentaram a redução mais pronunciada de 1990 a 2017. As taxas de DALYs para mulheres foram 321,1 (II 95%, 237,7-346,2) em 1990 e 165,7 (II 95%, 147,3 - 198) em 2019, uma redução de 48,4% (II 95%, -55 a – 0,2). As taxas de DALYs para homens foram 484,8 (II 95%, 353,6 – 528,5) em 1990 e 320,4 (II 95%, 257,7 – 371,8) em 2019, uma redução de 33,9% (II 95%, -41,8 a -0,1). Como esperado, as mais altas taxas de DALYs foram observadas no grupo de 70+ anos, seguido pelo grupo de 50-69 anos. No geral, as taxas de DALYs diminuíram de 1990 a 2019 em todos os grupos etários (Tabela 4-4). 46

Doença de Chagas Crônica e Cardiomiopatia Chagásica

Prevalência e Incidência

•A prevalência de DCh no Brasil em 2010 foi estimada em 1.156.821 pela Organização Mundial da Saúde, 137 sendo essa a última estimativa oficial disponível, publicada em 2015. De acordo com tal estimativa, o número de indivíduos com CMCh no Brasil era 231.364. 137 Esses números revelam uma tendência significativa de diminuição de casos humanos de DCh no Brasil em relação a estimativas anteriores, sendo isso atribuído a vários fatores, mas principalmente à quase completa interrupção da transmissão vetorial e transfusional no Brasil.

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, a prevalência padronizada por idade de DCh diminuiu significativamente no Brasil, 37,7% (II 95%, -40,2 a -35,2) de 1990 a 2019, passando de 1.463 (II 95%, 1.240-1.711) em 1990 para 912 (II 95%, 788-1.048) em 2019 por 100 mil habitantes. A prevalência de DCh no Brasil em 2019 foi maior entre os homens [987 (II 95%, 856,4 – 1.141,3)] do que entre as mulheres [841 (II 95%, 723,2-962)]. 46

•Em uma revisão sistemática de estudos de base populacional sobre a prevalência de DCh no Brasil realizados de 1980 a setembro de 2012, 42 artigos com dados relevantes de prevalência foram identificados a partir de um total de 4.985 referências. 138 A estimativa combinada de prevalência de DCh a partir dos estudos para todo o período foi 4,2% (IC 95%, 3,1-5,7), variando de 4,4% (IC 95%, 2,3-8,3) na década de 1980 a 2,4% (IC 95%, 1,5-3,8) após 2000. A prevalência estimada de DCh para homens e mulheres foi similar (4,1% [IC 95%, 2,6-6,6], 4,2% [IC 95%, 2,6-6,8], respectivamente). A maior estimativa combinada de prevalência foi observada em indivíduos com idade >60 anos (17,7%; IC 95%, 11,4-26,5), nas regiões Nordeste (5,0%; IC 95%, 3,1-8,1) e Sudeste (5,0%; IC 95%, 2,4-9,9) e em áreas mistas (urbana/rural) (6,4%; IC 95%, 4,2-9,4). Estima-se que cerca de 4,6 milhões (IC 95%, 2,9-7,2 milhões) de pessoas tenham sido infectadas pelo T. cruzi em 2010. Essas estimativas são bem maiores do que as da Organização Mundial da Saúde para 2010. 137

Os autores observaram grande heterogeneidade na maioria das estimativas combinadas (I(2)>75%; p<0,001).

•No estudo de coorte retrospectivo sobre Chagas dos National Institutes of Health , REDS-II, doadores de sangue inicialmente saudáveis com uma doação-índice soropositiva para T. cruzi pareados por idade, sexo e período com doadores soronegativos foram acompanhados por 10 anos. 139

A incidência diferencial de cardiomiopatia atribuível à infecção por T. cruzi foi 1,85 por 100 pessoas-ano. 140

Mortalidade

•De acordo com o Estudo GBD 2019, o número de mortes por DCh no Brasil diminuiu nas últimas décadas ( Figura 4-5 ). Na década de 1990, a DCh foi responsável por 7903 (II 95%, 2438-10.073) mortes, que diminuíram para 6523 (II 95%, 3350-11.226) em 2019. A taxa de mortalidade padronizada por idade apresentou redução mais marcante (variação de -67,5%), passando de 8,6 (II 95%, 2,8-10,9) mortes por 100 mil habitantes em 1990 para 2,8 (II 95%, 1,8-4,8) por 100 mil habitantes em 2019, correspondendo a 1,6% de todas as mortes cardiovasculares no país. Em 2019, os homens apresentaram maiores taxas de mortalidade padronizadas por idade do que as mulheres (3,5, II 95%, 1,4-6,2; e 2,2, II 95%, 0,9-4,3, respectivamente). 46

•A Tabela 4-8 apresenta o número total de mortes por DCh, as taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil habitantes), para ambos os sexos, além da variação percentual das taxas, por UF e no Brasil, em 1990 e 2019. O número de mortes e as taxas de mortalidade variaram significativamente entre as UF nos dois anos. Em 1990, taxas de mortalidade mais altas (> 10 por 100 mil habitantes) foram observadas nas UF centrais brasileiras (Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais e Bahia), com pico em Goiás (52,3 por 100 mil, II 95%, 3,3-82,4). Todas as UF apresentaram redução nas taxas de mortalidade, que variaram de 39,9% (II 95%, 67,7 a 15,5) no Ceará a 79,6% (II 95%, -84,3 a -5,8) em Goiás.

•A mortalidade estimada em crianças com menos de 5 anos é praticamente zero. Para os outros grupos etários, a redução nas taxas de mortalidade foi mais acentuada (variação de 76,2%, UI -86,5 a 29,5) no grupo etário de 5-49 anos, passando de 2,6 (UI 0,6-3,5) a 0,6 (UI 0,4-1,3) por 100 mil habitantes. A maioria das mortes ocorreu em indivíduos com 70+ anos, que apresentaram a menor redução percentual (-54,7%, UI -65-6,3) no período de 1990-2019: de 53 (UI 19,2-66,3) a 24 (10,4-36,1) por 100 mil habitantes. A diminuição na taxa de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes correlaciona-se com o SDI das UF brasileiras em 1990 (R = -0,56, p=0,003) e em 2019 (R = -0,63, p<0,001) ( Figura 4-6 ).

•Vários estudos de base populacional mostraram uma redução na mortalidade por DCh no Brasil nas últimas décadas. Martins-Melo et al . 141 relataram uma redução gradual das taxas de mortalidade padronizadas em todo o país, de 3,78 (1999) para 2,78 (2007) mortes/ano por 100 mil habitantes (-26,4%). Nobrega et al . 142 mostraram que as taxas de mortalidade padronizadas diminuíram em todo o país em 32,4%, passando de 3,4% em 2000 para 2,3% em 2010. A taxa de mortalidade por envolvimento cardíaco diminuiu em todas as regiões do Brasil, exceto na região Norte, onde aumentou em 1,6%. A região Nordeste apresentou a menor redução, enquanto a região Centro-Oeste, a maior. Simões et al . 143 estudando a evolução da mortalidade por DCh no Brasil de 1980 a 2014, fizeram uma previsão para a mortalidade de 2015 a 2034. Esses autores estimaram um declínio progressivo na mortalidade por DCh, que seria maior entre os jovens.

A redução média esperada foi de 76,1% em comparação ao último período observado (2010-2014) e ao último período previsto (2030-2034). As regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul apresentaram uma redução na taxa de mortes por DCh entre 2000 e 2014. A taxa de mortalidade na região Nordeste não diferiu estatisticamente em nenhum período analisado, mas, na região Norte, apresentou tendência a aumento.

•Tendo por base o SIM, cuja abrangência é nacional, um estudo analisou todas as declarações de óbito emitidas entre 1999 e 2007 no Brasil 141 e concluiu que a DCh foi mencionada em 53.930 (0,6%) declarações de óbito: como causa básica em 44.537 (82,6%) declarações de óbito, e como uma causa de morte associada em 9.387 (17,4%) declarações de óbito. A DCh aguda foi responsável por 2,8% das mortes. A taxa de mortalidade padronizada média foi 3,36 por 100 mil habitantes/ano, que é 21% mais alta do que a taxa de mortalidade quando se considera apenas a causa básica de morte (2,78 mortes por 100 mil habitantes/ano).

A mortalidade proporcional, considerando-se múltiplas causas de morte foi 0,6%. Os indivíduos que morreram por DCh foram predominantemente do sexo masculino (57%), com idade superior a 60 anos (62,8%) e residentes do Sudeste (53,6%). O Centro-Oeste apresentou a maior mortalidade proporcional de todas as regiões (2,17%). 141

•Na mesma base de dados, calculando a taxa de mortalidade média para cada município de residência e usando Empirical Bayesian Smoothing , uma análise espacial identificou um grande cluster com alto risco de mortalidade por DCh, envolvendo nove estados na região central do Brasil ( Figura 4-7 ). 144

•Nobrega et al ., em estudo descritivo usando dados do SIM sobre todas as mortes por DCh no Brasil entre 2000 e 2010, observaram que, nesse período, a maioria (85,9%) ocorreu em homens com mais de 60 anos, tendo sido causadas por comprometimento cardíaco. No período estudado, a taxa de mortalidade diminuiu em todas as faixas etárias, exceto naquela a partir de 80 anos ( Figura 4-8 ). 142

•Um estudo de coorte retrospectivo utilizou ligação probabilística para identificar entre doadores de sangue de 1996 a 2000 (2.842 soropositivos e 5.684 soronegativos para DCh) aqueles que morreram até 2010. 145 Os autores identificaram 159 mortes entre os doadores soropositivos (5,6%) e 103 mortes entre os soronegativos (1,8%).

Os doadores soropositivos apresentaram um risco 2,3 vezes maior de morte por todas as causas (IC 95%, 1,8-3,0) em comparação aos soronegativos. Entre os doadores soropositivos, apenas 26 tiveram, como causa básica de morte, o código da CID-10 indicativo de DCh (B57.0/B57.5). 145 Os autores concluíram que a DCh é uma causa de morte subnotificada na base de dados brasileira de mortalidade.

•Ayub-Ferreira et al . compararam o mecanismo de morte na insuficiência cardíaca por CMCh com aquele de outras etiologias em um ensaio clínico prospectivo, o REMADHE, que incluiu pacientes a partir de 18 anos, com insuficiência cardíaca crônica irreversível por pelo menos 6 meses e fração de ejeção ventricular esquerda inferior a 50%. Dos 342 pacientes analisados, 185 (54,1%) morreram, sendo que desses, 56,4% eram portadores de DCh e 53,7% não. De todas as mortes no grupo com DCh, 48,4% foram relacionadas a piora da insuficiência cardíaca, 25,7% a morte súbita e 6,4% a acidente vascular cerebral. A incidência acumulada de mortalidade por todas as causas e mortalidade por insuficiência cardíaca foi significativamente maior em pacientes com DCh do que naqueles sem DCh. 146 Não houve diferença na incidência acumulada de mortalidade por morte súbita entre os dois grupos. Na cardiopatia chagásica grave, insuficiência cardíaca progressiva é o principal mecanismo de morte.

•Na Coorte de Idosos de Bambuí, um grande estudo de base populacional de idosos residentes em uma área endêmica para DCh, 1.479 indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos (38,1% com teste positivo para T. cruzi ) foram acompanhados de 1997 a 2007. Durante o acompanhamento médio de 8,72 anos, 567 participantes morreram. A infecção por T. cruzi foi um preditor de mortalidade entre os membros da coorte e essa associação permaneceu altamente significativa após ajustes para idade, sexo e fatores de risco cardiovascular convencionais (HR = 1,56; IC 95%, 1,32-1,85). No geral, o RAP de mortalidade por infecção por T . cruzi foi 13,2% (IC 95%, 9,8-16,4). 147

•Nadruz et al . estudaram as tendências temporais no RAP de CMCh para mortalidade em 2 anos entre pacientes com insuficiência cardíaca arrolados nos períodos 2002-2004 (era 1) e 2012-2014 (era 2) em um hospital universitário brasileiro. Foram estudados prospectivamente 362 (15% com CMCh) e 582 (18% com CMCh) pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção ≤ 50% nos períodos 1 e 2, respectivamente, tendo-se estimado o RAP de CMCh para mortalidade em 2 anos. Embora os números absolutos de morte tenham diminuído com o tempo nos grupos de CMCh e CMNCh, o RAP de CMCh para mortalidade aumentou entre os pacientes com insuficiência cardíaca [RAP (era 1) = 11,0 (IC 95%: 2,8-18,5%); RAP (era 2) = 21,9 (IC 95%: 16,5-26,9); p=0.023 vs. era 1], devido a aumento no HR associado com DCh. 148

•Em um estudo de coorte, 298 pacientes com DCh foram acompanhados de março de 1995 a setembro de 2019 no município de Virgem da Lapa, em Minas Gerais. No período de 24 anos estudado, 113 (37,9%) mortes foram registradas na coorte, 107 (35,9%) das quais foram atribuídas a doença do coração: apenas 10 (11,6%) ocorreram em 86 pacientes sem cardiomiopatia, 49 (31,4%) em 156 pacientes com cardiomiopatia e 48 (85,7%) em 56 pacientes com aneurisma de ventrículo esquerdo. O risco de morte foi significativamente maior (7,4 vezes) em pacientes com aneurisma de ventrículo esquerdo. 149

•Em um estudo de coorte que acompanhou por dois anos 1.637 pacientes com DCh vivendo em 21 municípios onde a DCh é endêmica, 205 (12,5%) deles apresentaram novos eventos cardiovasculares, 134 dos quais (8,2%) morreram, 28 (1,7%) desenvolveram fibrilação atrial e 43 (2,6%) necessitaram de implantação de marca-passo. Os residentes dos municípios com maior população rural apresentaram proteção contra eventos cardiovasculares (OR = 0,5; IC 95%, 0,4-0,7), enquanto os moradores dos municípios com menor número de médicos por 1.000 habitantes (OR = 1,6; IC 95%, 1,2-2,5) e aqueles residindo em municípios com menor cobertura da atenção primária à saúde (OR = 1,4; IC 95%, 1,1-2,1) apresentaram maiores chances de experienciar eventos cardiovasculares. 150

•Em um estudo de coorte incluindo 1.551 pacientes com CMCh em Minas Gerais, foi desenvolvido um escore preditivo de mortalidade em 2 anos. O escore incluiu variáveis simples, como idade, classe funcional da New York Heart Association , frequência cardíaca, duração do QRS e níveis anormais de NT-proBNP ajustado para idade. As taxas de mortalidade observadas nos grupos de risco baixo, médio e alto foram 0%, 3,6% e 32,7%, respectivamente, na coorte de derivação e 3,2%, 8,7% e 19,1%, respectivamente, na coorte de validação, com estatística C de 0,82 e 0,71, respectivamente. Esse parece ser um escore útil e simples para ser usado em áreas remotas com limitados recursos tecnológicos. 151

Carga de Doença

•De acordo com o Estudo GBD 2019, foram estimados 174.194 DALYs (II 95%, 109.039-302.974) devidos a DCh no Brasil, com uma redução relativa de 32,1% em comparação ao valor de 1990 (256.380 DALYs, II 95%, 81.697-328.720). As taxas de DALYs padronizadas por idade diminuíram em nível nacional (-70,5%) e em todas as UF brasileiras entre 1990 e 2019, mas com diferentes padrões regionais ( Figura 4-9 ). A diminuição nas taxas de DALYs foi primariamente devida a uma redução consistente nas taxas de YLLs, o principal componente do total de DALYs por DCh. A maior carga fatal e não fatal por DCh foi observada entre os homens e os idosos e nas UF brasileiras com importantes áreas endêmicas de transmissão vetorial no passado, como Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Bahia e Distrito Federal. 46

Insuficiência cardíaca

•Como a insuficiência cardíaca não é considerada uma causa básica de morte (i.e., código garbage ) no Estudo GBD, todas as mortes atribuídas a insuficiência cardíaca nas declarações de óbito são reclassificadas e/ou redistribuídas para outras causas, de acordo com o método do GBD. Assim, não há dados do GBD sobre mortalidade por insuficiência cardíaca. A insuficiência cardíaca é classificada pelo GBD como um “comprometimento”, portanto, os únicos indicadores do GBD para insuficiência cardíaca são prevalência e YLDs, que é o componente de morbidade do DALYs.

Prevalência e Incidência

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2017, a prevalência padronizada por idade de insuficiência cardíaca no Brasil passou de 818 (II 95%, 718-923) em 1990 para 772 (II 95%, 680-875) em 2017, uma diminuição de 5% (95 UI, -7,1 a -3) no período (Tabela 4-9). Em números absolutos, as estimativas de prevalência de insuficiência cardíaca no Brasil subiram de 0,67 milhão em 1990 para quase 1,7 milhão em 2017, principalmente devido a crescimento e envelhecimento da população. A prevalência de insuficiência cardíaca variou entre as UF brasileiras e a variação percentual não foi uniforme entre 1990 e 2017 (Tabela 4-9). Em 2017, as mais altas taxas foram observadas no Rio Grande do Norte e as mais baixas, no Acre. De 1990 a 2017, taxas de prevalência padronizadas por idade decrescentes foram observadas na maioria das UF, tendo aumento nas taxas ocorrido em 8 UF, principalmente na região Nordeste. 152

•A Tabela 4-10 mostra a prevalência de insuficiência cardíaca de acordo com sexo e grupo etário, a partir das estimativas do Estudo GBD 2017. A prevalência de insuficiência cardíaca foi maior em mulheres (795; II 95%, 694-901) do que em homens (751; II 95%, 656-845) em 2017, e a redução na prevalência de 1990 a 2017 foi mais pronunciada nos homens, sendo a porcentagem de diminuição 7,5 (II 95%, -10,2 a -4,8) para homens e 3,2 (II 95%, -6,5 a -0,1) para mulheres. Quanto aos grupos etários, as taxas de incidência aumentaram 10 vezes do grupo de 15-49 anos ao de 50-69 anos, e 6 vezes do último grupo ao de 70+ anos, tendo esses aumentos sido similares para mulheres e homens. De 1990 a 2017, a prevalência aumentou apenas no grupo de 15-49 anos, enquanto diminuiu nos demais, provavelmente em associação com a elevação de eventos isquêmicos naquele grupo etário. 152

•Uma revisão sistemática, avaliando a carga de insuficiência cardíaca na América Latina, incluiu 143 artigos publicados entre janeiro de 1994 e junho de 2014, com pelo menos 50 participantes com idade ≥ 18 anos; a maioria dos estudos incluídos (64%) foi do Brasil. 153 A idade média dos pacientes foi 60±9 anos, a fração de ejeção média, 36±9%, e a prevalência de insuficiência cardíaca, 1% (IC 95%, 0,1-2,7). Dos estudos incluídos, apenas um avaliou incidência, com 1.091 indivíduos identificados através de amostragem probabilística em múltiplas etapas na cidade de Porto Alegre. A idade média foi 42,8±16,9 anos e 55% eram mulheres. A incidência de insuficiência cardíaca em um estudo com apenas uma população fornecendo essa informação foi de 199 casos por 100 mil pessoas-ano. 154

•Em estudo de base populacional em atenção primária de uma cidade brasileira de tamanho médio, 633 indivíduos com idade ≥45 anos foram selecionados aleatoriamente e registrados em um programa de atenção primária.

A idade média foi 59,6±10,4 anos e 62% eram mulheres.

A prevalência de insuficiência cardíaca sintomática (estágio C) foi 9,3% e a de insuficiência cardíaca estágio B (anormalidades estruturais) foi 42,7%. Dos pacientes com insuficiência cardíaca, 59% apresentavam fração de ejeção preservada e 41% apresentavam fração de ejeção reduzida. 155

•Um estudo baseado na Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, com dados de 59.655 adultos (≥ 18 anos), encontrou prevalência autorrelatada de insuficiência cardíaca de 1,1%, representando cerca de 1,7 milhão de indivíduos. Naqueles acima de 60 anos, a prevalência foi de 3,3%. 156

•Outro estudo de base populacional com residentes da Zona da Mata, Minas Gerais, envolveu 7.113 idosos frágeis. A idade média foi 72,4 ± 8,0 anos, 67,6% eram mulheres e a prevalência de insuficiência cardíaca foi de 7,9%. 157

•Em estudo que incluiu 166 pacientes da área rural de Valença, Rio de Janeiro, a idade média foi 61± 14 anos e 51% eram homens. As principais etiologias foram hipertensiva e isquêmica, sendo 51% portadores de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, com características similares àquelas de coortes de centros terciários não rurais . 158

Mortalidade

•Em estudo avaliando dados do SIM de 2008 a 2012, insuficiência cardíaca foi um código garbage usado com frequência no Brasil. Foi listada como causa básica de morte em 123.268 (3,7%) daqueles registros e como causa múltipla de morte em 233.197 (7%). Utilizando 2 métodos de redistribuição para causas específicas de morte, apenas 38,7-44,8% puderam ser reclassificadas para uma causa definida de morte com o diagnóstico principal, dependendo do método de reclassificação. 159 A insuficiência cardíaca não deve ser considerada uma causa básica de morte, mas constar da cadeia de eventos que levam à morte. Portanto, qualquer análise de dados do SIM que use insuficiência cardíaca como causa básica de morte a partir de declarações de óbito deve ser interpretada com cautela, pois pode estar estimando de maneira errada a verdadeira carga de insuficiência cardíaca.

•Dados obtidos da Fundação SEADE para mortalidade no estado de São Paulo em 2006 avaliaram 242.832 mortes em estimativa de 41.654.020 habitantes. 135 Insuficiência cardíaca e etiologias a ela associadas (exceto doença valvar primária) foram responsáveis por 6,3% do total de mortes. Para esses dados, não houve distribuição nem reclassificação das causas básicas de morte, tendo todas as etiologias associadas com insuficiência cardíaca sido incluídas ao se considerar o impacto da insuficiência cardíaca na mortalidade total.

•Um estudo sobre mortalidade por insuficiência cardíaca nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul incluiu dados de 2.960.857 declarações de óbito de 1999 a 2005. As porcentagens de morte por insuficiência cardíaca foram 3,0% no formulário restrito (insuficiência cardíaca como causa básica de morte) e 9,0% no formulário abrangente (insuficiência cardíaca mencionada em qualquer linha da declaração de óbito) em 1999. As porcentagens diminuíram com o tempo, passando para 2,4% e 8,6%, respectivamente, em 2005. As taxas de mortalidade decresceram na maioria dos grupos etários, exceto naquele a partir de 80 anos. As taxas aumentaram com a idade e foram claramente mais elevadas entre homens até os 80 anos de idade. 160

•Um estudo de coorte brasileiro mostrou dados de 1.220 pacientes ambulatoriais de uma clínica especializada em insuficiência cardíaca, acompanhados por 26±26 meses, de 1991 a 2000. Os pacientes encontravam-se em classe funcional III e IV, tinham idade média de 45,5±11 anos e 78% deles eram homens. As principais etiologias foram cardiomiopatia dilatada (37%), DCh (20%) e cardiomiopatia isquêmica (17%). Durante o período de acompanhamento, 415 (34%) pacientes morreram e 71 (6%) foram submetidos a transplante cardíaco. A DCh foi preditor de mau prognóstico. 161

•Dados mais recentes de 700 pacientes consecutivos com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida de uma clínica ambulatorial de um centro de saúde terciário em São Paulo mostraram mortalidade de 1 ano de 6,8% (47 pacientes). O desfecho composto de morte e hospitalização foi observado em 123 pacientes (17,7%) e 7 pacientes (1%) foram submetidos a transplante cardíaco. A idade média dos pacientes foi 55,4±12,2 anos e 67% eram homens. As principais etiologias foram cardiomiopatia hipertensiva (26,0%), isquêmica (21,9%) e chagásica (17,0%). Níveis séricos elevados de ureia e de peptídeo natriurético cerebral, assim como pressão arterial sistólica baixa, foram preditores independentes de mortalidade geral em 1 ano na amostra. 162

•Em estudo relatando dados do Banco Nacional de Marcapasso Multissítio, incluindo 3.526 pacientes de 2002 a 2007 atendidos no SUS, a idade média dos pacientes foi 59,8±13,3 anos e 66% eram homens. A sobrevida geral dos pacientes submetidos à terapia de ressincronização cardíaca no Brasil foi 80,1% (IC 95%, 79,4-80,8) em 1 ano e 55,6% (IC 95%, 54,6-56,6) em 5 anos, enquanto a mediana da sobrevida geral foi 30,3 meses (IIQ, 16,1-50,9). Observou-se ainda melhora da sobrevida na coorte estudada de 2002 a 2007 (p=0,055). 163

Hospitalizações

•As hospitalizações são a principal consequência de insuficiência cardíaca descompensada, resultando em pior prognóstico e elevando os custos. O Estudo BREATHE avaliou uma amostra de pacientes admitidos por insuficiência cardíaca descompensada aguda. No total, 1.263 pacientes foram incluídos de 51 centros de diferentes regiões brasileiras em 2011 e 2012. A mortalidade hospitalar foi 12,6% e os indicadores de qualidade assistencial baseados nas recomendações de alta hospitalar foram alcançados em menos de 65% dos pacientes. 164

•Outros estudos sobre taxa de mortalidade, anteriores ao Estudo BREATHE, 165 , 166 mostraram taxas de mortalidade hospitalar similares, variando de 9% a 17%. 165

•Em uma comparação de pacientes com insuficiência cardíaca descompensada entre hospitais universitários terciários no Brasil e nos Estados Unidos, os pacientes dos Estados Unidos eram mais velhos (p < 0,01) e apresentaram maior prevalência da etiologia isquêmica (p < 0,01).

A permanência hospitalar foi significativamente mais curta (5 [IIQ, 3-9] vs. 11 [IIQ, 6-19] dias; p < 0,001) e a mortalidade hospitalar, menor (2,4% vs. 13%; p < 0,001) na coorte dos Estados Unidos, mas menos eventos clínicos nos 3 meses que se seguiram à alta foram observados nos pacientes brasileiros (42% vs. 54%; p = 0,02). Esse estudo ressalta a importância de se melhorar o conhecimento sobre insuficiência cardíaca em pacientes brasileiros para que se melhorem a assistência e os desfechos. 167

•Na revisão sistemática citada anteriormente, que avalia a carga de insuficiência cardíaca na América Latina, com 64% dos estudos incluídos provenientes do Brasil, 153 as taxas de hospitalização foram 33%, 28%, 31% e 35% em acompanhamentos de 3, 6, 12 e 24 a 60 meses, respectivamente. A mediana de permanência hospitalar foi 7,0 [IIQ, 5,20-11,00] dias. A mortalidade hospitalar foi 11,7% (IC 95%, 10,4%-13,0%), sendo as taxas maiores nos pacientes com fração de ejeção reduzida, doença isquêmica do coração ou DCh. A taxa de mortalidade em 1 ano foi 24,5% (IC 95%, 19,4-30,0).

•A partir de dados do SUS, foram descritos os números de hospitalizações e mortes por insuficiência cardíaca em São Paulo de 1992 a 2010. A taxa de mortalidade hospitalar por insuficiência cardíaca foi 15%. Ao se compararem os períodos de 1992-1993 e 2008-2009, houve diminuição de 32% no número de hospitalizações por insuficiência cardíaca (p = 0,002), aumento de 15% na mortalidade (p = 0,004) e aumento na permanência hospitalar por insuficiência cardíaca de 8,8 para 11,3 dias (p = 0,001). 168

•Outro estudo com dados do DATASUS avaliou as admissões por insuficiência cardíaca no Brasil no período de 2007 a 2016, comparando-as com as do Rio Grande do Sul e as de Porto Alegre, uma cidade com vários centros de referência. Como ilustra a Figura 4-10 , o estudo mostrou declínio nas taxas de mortalidade intra-hospitalar de 2007 a 2016 no Brasil (19% de redução) e no Rio Grande do Sul (25% de redução), e declínio ainda mais pronunciado em Porto Alegre (65%). 169

•Em 2020, um estudo mais recente com dados do DATASUS descreveu, no Brasil de 2008 a 2017, 51.172 hospitalizações por insuficiência cardíaca, que representou a principal causa de admissão por doença cardiovascular (29,4%). À semelhança do mencionado acima, esse estudo mostrou redução nas hospitalizações no período (34%; p = 0,004). Quando estratificados por idade, os indivíduos acima de 60 anos representaram 73% de todas as hospitalizações por insuficiência cardíaca no Brasil. A taxa de mortalidade por insuficiência cardíaca entre 2008 e 2015 foi 14,0 por 100 mil (± 0,53), com redução de 7,7% no período observado. 170

Carga de Doença

•De acordo com estimativas do GBD 2017 ( Tabela 4-11 ), as taxas de YLDs padronizadas por idade por insuficiência cardíaca foram 112 (II 95%, 83-141) em 1990 e 109 (II 95%, 81-134) em 2017 por 100 mil habitantes, correspondendo a diminuição de 3% (II 95%, -6,7 a 0,3). Tais variações são similares às observadas nas taxas de prevalência de insuficiência cardíaca. A despeito dessa diminuição nas taxas de YLDs, a insuficiência cardíaca resultou em 88.114 (II 95%, 64.078-112.624) DALYs no Brasil em 1990 e em 234.169 (II 95%, 174.338-291.188) DALYs em 2017, devido ao crescimento e envelhecimento da população. 152

Tabela 4-11
– Número de YLDs e taxas de YLDs padronizadas por idade (por 100 mil) por insuficiência cardíaca por todas as causas, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2017.

•A Tabela 4-12 mostra as taxas de YLDs por insuficiência cardíaca de acordo com o sexo e os grupos etários, a partir de estimativas do Estudo GBD 2017. As taxas de YLDs padronizadas por idade foram similares para mulheres e homens em 1990, mas as de 2017 foram 105 (II 95%, 82-127) para homens e 111 (II 95%, 80-141) para mulheres, devido a redução de 6,8% (II 95%, -10,9 a -2,6) para homens e quase nenhuma redução para mulheres (-0,3%, IC 95%, -4,9 a 4,2). Como esperado, as mais altas taxas de YLDs foram observadas no grupo de 70+ anos, seguido pelo grupo de 50-69 anos.

À semelhança das variações observadas na prevalência, de 1990 a 2017, os maiores aumentos de YLDs foram verificados no grupo de 15-49 anos. 152

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

(Ver Tabelas 1-6 a 1-9 e Figuras 1-15 e 1-16 )

•De acordo com dados do SUS, houve 3.085.359 hospitalizações por insuficiência cardíaca de 2008 a 2019. Esse número representa um terço do total de hospitalizações clínicas relacionadas às condições cardiovasculares no período estudado. Os custos não ajustados foram R$ 3.957.126.308. Em dólares internacionais, valores convertidos para paridade do poder de compra e ajustados para US$ 2019, os custos foram Int$ 2.651.479.951. 95

•No período observado, houve redução no número de hospitalizações clínicas por insuficiência cardíaca, que passaram de 298.474 (157 por 100 mil) em 2008 para 222.620 (105 por 100 mil) em 2019, sendo a redução uniforme ao longo dos anos. A despeito dessa redução no número de admissões, os gastos em saúde não ajustados estimados a partir do pagamento direto por assistência a pacientes com insuficiência cardíaca aumentaram de 2008 para 2019 em quase 32%, passando de R$ 272.280.662 (2019 Int$ 267.102.469) em 2008 para R$ 359.301.691 (2019 Int$ 173.659.589) em 2019. O número decrescente de hospitalizações e o gasto crescente representam maiores custos por admissão no período observado (R$ 912 em 2008 para R$ 1.568 em 2018). Insuficiência cardíaca foi responsável pela maioria dos custos relacionados às hospitalizações clínicas por doenças cardiovasculares.

•A carga econômica de insuficiência cardíaca no Brasil foi avaliada usando-se o custo padrão da estrutura da doença para considerar os custos em 2015. Foram analisados a prevalência e os gastos associados ao tratamento, à perda de produtividade por redução do emprego, aos custos da provisão de cuidado formal e informal e à perda de bem-estar. O estudo relatou que a insuficiência cardíaca determina um custo financeiro de R$ 22,1 bilhões/US$ 6,8 bilhões, o segundo dentre as quatro principais condições cardíacas no Brasil: infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, hipertensão e fibrilação atrial. 124

•Em estudo utilizando dados do DATASUS sobre admissões por insuficiência cardíaca em 10 anos, Nicolao Nicolao et al . 169 mostraram um aumento de 97% no custo médio por paciente das hospitalizações relacionadas com insuficiência cardíaca de 2007 a 2016. Dados de Porto Alegre, uma cidade com vários hospitais de referência, mostraram um aumento ainda mais pronunciado (135%), como também uma diminuição mais pronunciada na mortalidade, em comparação aos dados do Brasil (ver acima).

Transplante Cardíaco Aberto e Implantação de Dispositivo de Assistência Ventricular

•O número de transplantes cardíacos realizados no Brasil aumentou de 149 em 2006 para 357 em 2016 e, embora esse aumento tenha sido significativo naquele período, representa cerca de um quinto da necessidade estimada da população. A sobrevida de 1 ano foi 73%. A sobrevida de 1 ano foi 73% (dados de sobrevida de 2010). 171

•Uma análise de custo de transplante cardíaco no Brasil, com todos os receptores consecutivos de transplante cardíaco em um único centro de julho de 2015 a junho de 2017, mostrou, para os 27 pacientes incluídos, uma média de custo total de US$ 74.341, que é mais baixa do que as relatadas para países desenvolvidos, mas excede em 60% o valor de reembolso por paciente. 172

•Em estudo descritivo de hospital público de referência em cardiologia localizado em Fortaleza, 16 pacientes foram submetidos a implantação de dispositivo de assistência ventricular de 2008 a 2015. A idade média foi 40,1±3,4 anos e 87,5% eram homens. Cardiopatia chagásica foi a principal etiologia (37,5%). Todos os pacientes apresentaram complicações durante o uso do dispositivo, sendo sangramento a mais frequente [11 (68,8%)]. Quanto ao desfecho clínico, 10 pacientes (62,5%) foram submetidos a transplante cardíaco e 5 (31,3%) morreram. 173

Pesquisa Futura

•Por ser a insuficiência cardíaca considerada um código garbage quando designada como causa básica de morte, são necessários estudos que investiguem o melhor método para reclassificar e redistribuir essa causa de modo a reduzir viés e propiciar melhor comparabilidade de dados para o aperfeiçoamento das políticas de saúde.

•Estudos brasileiros de coorte sobre cardiomiopatias são raros, tendo alguns estudos clínicos no Brasil informado dados de insuficiência cardíaca, havendo, no entanto, poucos estudos multicêntricos com dados da população brasileira. Vale ressaltar a importância de se poder contar com dados tanto de insuficiência cardíaca quanto de cardiomiopatia, assim como de pacientes ambulatoriais e hospitalizados, além de se compreender de maneira ampla a carga crescente da insuficiência cardíaca nas doenças cardiovasculares. São necessários mais estudos multicêntricos de larga escala para melhor descrever a carga, os desfechos e os custos da insuficiência cardíaca na população brasileira.

•Além disso, estudos que explorem a qualidade e os custos da assistência na insuficiência cardíaca auxiliariam no desenvolvimento de políticas de saúde para melhorar a conscientização, o acesso a intervenções que salvam vidas, a doação de órgãos, assim como o uso de recursos nesta doença tão complexa.

•As taxas de mortalidade por DCh diminuíram substancialmente nas últimas décadas e espera-se que continuem diminuindo nos próximos anos. Há, na verdade, evidência de que a DCh seja uma causa de morte subnotificada, assim como, provavelmente, de hospitalização. São necessários mais dados sobre taxas de hospitalização e desfechos de pacientes com CMCh.

5. DOENÇA VALVAR DO CORAÇÃO

CID-9 424; CID-10 I34 a I38

Ver Tabelas 5-1 a 5-5 e Figuras 5-1 a 5-11

Abreviaturas usadas no Capítulo 5

CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
CRVM Cirurgia de Revascularização do Miocárdio
DAC Doença Arterial Coronariana
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Years )
DCR Doença Cardíaca Reumática
DVNR Doença Valvar do Coração Não Reumática
ECG Eletrocardiograma
FA Fibrilação Atrial
FRA Febre Reumática Aguda
GBD Global Burden of Disease
IC Intervalo de Confiança
II Intervalo de Incerteza
IL Interleucina
SUS Sistema Único de Saúde
TAVI Implantação Percutânea de Valva Aórtica (do inglês, Transcatheter Aortic Valve Implantation )
UF Unidade Federativa

Tabela 5-1
– Taxas de prevalência padronizadas por idade de doença valvar do coração por 100 mil, em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas.
Tabela 5-2
– Taxas de mortalidade e de DALYs por 100 mil em 1990 e 2019 e variação percentual das taxas, por idade, sexo e causa de morte no Brasil.
Tabela 5-3
– Número de mortes, taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) em 1990 e 2019 e variação percentual das taxas, por grupo cardiovascular de causa de morte, no Brasil e suas unidades federativas.
Tabela 5-4
– Número de DALYs, taxas de DALYs padronizadas por idade (por 100 mil) em 1990 e 2019 e variação percentual das taxas, por grupo cardiovascular de causa de morte, no Brasil e suas unidades federativas.

Tabela 5-5
– Número total de admissões e custos associados em Reais (R$) e Dólares Internacionais 2019 (Int$) para procedimentos clínicos e cirúrgicos para tratar doença valvar do coração no Brasil, de 2008 a 2019.

Figura 5-1
-A: Taxa de prevalência bruta e padronizada por idade de doença cardíaca reumática no Brasil de 1990 a 2019. B: Total de casos prevalentes de doença cardíaca reumática no Brasil de 1990 a 2019.

Figura 5-2
-A: Taxa de prevalência bruta e padronizada por idade de doença valvar do coração não reumática no Brasil de 1990 a 2019. B: Número de casos prevalentes de doença valvar do coração não reumática no Brasil de 1990 a 2019.

Figura 5-3
-A: Taxa de mortalidade bruta e padronizada por idade de doença cardíaca reumática no Brasil de 1990 a 2019. B: Número total de mortes atribuíveis a doença cardíaca reumática no Brasil de 1990 a 2019.

Figura 5-4
-Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) e a variação percentual nas taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis a doença cardíaca reumática nas unidades federativas brasileiras em 1990 (A) e 2019 (B).

Figura 5-5
-A: Taxa de mortalidade bruta e padronizada por idade atribuível a doença valvar do coração não reumática no Brasil de 1990 a 2019. B: Número total de mortes atribuíveis a doença valvar do coração não reumática no Brasil de 1990 a 2019.

Figura 5-6
-Correlação entre as taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis a doença valvar aórtica calcífica e o Índice Sociodemográfico (SDI) nas unidades federativas brasileiras em 1990 (A) e 2019 (B).

Figura 5-7
-A: Taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis a doença cardíaca reumática no Brasil e em cada região de 1990 a 2019. B: Taxas de DALYs padronizadas por idade atribuíveis a doença cardíaca reumática no Brasil e em cada região de 1990 a 2019.

Figura 5-8
-Correlação entre a variação percentual nas taxas de DALYs atribuíveis a doença cardíaca reumática de 1990 a 2019 e o Índice Sociodemográfico (SDI) nas unidades federativas brasileiras em 1990 (A) e 2019 (B).

Figura 5-9
-A: Taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis a doença valvar do coração não reumática no Brasil e em cada região de 1990 a 2019. B: Taxas de DALYs padronizadas por idade atribuíveis a doença valvar do coração não reumática no Brasil e em cada região de 1990 a 2019.

Figura 5-10
-Correlação entre a variação percentual nas taxas de DALYs atribuíveis a doença valvar do coração não reumática de 1990 a 2019 e o Índice Sociodemográfico (SDI) nas unidades federativas brasileiras em 1990 (A) e 2019 (B).

Figura 5-11
-Despesas associadas ao tratamento cirúrgico de doenças cardiovasculares no Brasil, de acordo com o tipo no SUS, de 2008 a 2020 (Moeda: International Dollars). 95

Prevalência

Doença Cardíaca Reumática

•De acordo com o Global Atlas on Cardiovascular Disease Prevention and Control , atualizado pelo GBD 2019, estima-se que a DCR afete atualmente cerca de 40,5 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo responsável por 1% a 1,5% de todas as mortes cardiovasculares (306 mil mortes). 1 , 2 Até a metade do século 20, a DCR foi a principal causa de doença valvar cardíaca no mundo. Melhores condições de saúde, identificação precoce das infecções por Streptococcus pyogenes , além do uso de antibióticos, reduziram significativamente a prevalência de DCR em países de alta renda. Dados publicados em 2016 estimaram que a DCR fosse a causa primária de 2,5% das doenças valvares do coração nos Estados Unidos e no Canadá, chegando a 22% na Europa. 175 Taxas ainda mais altas foram relatadas no Brasil, sendo a DCR responsável por cerca de 50% das cirurgias valvares no SUS. 176–178

•Em países de renda baixa e média, a prevalência de DCR permanece em torno de 444 por 100 mil habitantes. 4 , 179 No Brasil, a DCR persiste como a principal etiologia das doenças valvares cardíacas, em especial em pacientes do SUS. Avaliações anteriores mostraram prevalência de 360 por 100 mil no Brasil. 180 Outras avaliações encontraram prevalência variando de 100 a 700 por 100 mil crianças em idade escolar. 181

•No Brasil, dos 174 pacientes com doença valvar cardíaca aguda que se apresentaram na emergência do Instituto do Coração de São Paulo, observou-se envolvimento reumático em 60%, seguindo-se doença valvar aórtica degenerativa (15%) e prolapso de valva mitral (13%). No total, 27,5% dos pacientes apresentavam regurgitação mitral isolada e 11% apresentavam estenose mitral, estando a doença valvar aórtica presente nos demais. 182

•Um estudo recente no Brasil mostrou que as taxas de resolução da doença valvar cardíaca, em especial em pacientes com FRA moderada/grave, podem ser menores do que anteriormente descrito. Apenas 22/69 pacientes (31,9%) apresentaram resolução total da regurgitação mitral após cardite reumática. A resolução total da regurgitação aórtica também foi menos frequente do que a relatada em estudos anteriores à ‘era da ecocardiografia’ (18%). A maioria dos casos persistiu com regurgitação mitral leve ou aórtica residual. 183 Em outro estudo envolvendo 258 crianças e adolescentes com FRA acompanhados por 2 a 15 anos, involução das lesões valvares ocorreu em 25% dos pacientes com cardite leve, em 2,5% daqueles com cardite moderada e em nenhum daqueles com cardite grave. 184

•Com relação à progressão da doença, um escore ecocardiográfico de risco para predição de desfecho em médio prazo de crianças com DCR detectada à ecocardiografia foi derivado de uma coorte brasileira, 185 com boa discriminação em uma segunda amostra de rastreamento no país 186 (estatística C=0,71, IC 95%, 0,63 - 0,80) e em um pool de coortes de três outros países (estatística C=0,70, IC 95%, 0,64 - 0,76). Sua aplicação pode ser útil para detectar indivíduos com maior risco de sequelas tardias. 187

•Além do escore ecocardiográfico de risco, outros marcadores de desfecho desfavorável de DCR latente e clínica (em especial, progressão para doença clínica e necessidade de intervenção valvar, respectivamente) foram avaliados no Brasil. Entre indivíduos com DCR latente, IL-4, IL-8 e IL-1RA parecem ser os melhores preditores de doença clínica. Ademais, a expressão corregulada de IL-6 e fator de necrose tumoral-α está associada a disfunção valvar grave, enquanto altos níveis de IL-10 e IL-4 foram, subsequentemente, preditores de desfecho adverso em indivíduos com doença estabelecida. 188

•Em outro estudo genético comparando amostras de indivíduos com DCR latente e clínica a controles, doença clínica associou-se a níveis mais elevados de todas as citocinas, sendo IL-4, CXCL8 e IL-1RA seus mais fortes preditores em comparação à DCR latente. Observou-se uma associação de DCR clínica com polimorfismo nos genes IL-2, IL-4, IL-6 e IL-10, sendo que polimorfismo genético e expressão fenotípica de IL-4 discriminam com precisão DCR latente versus DCR clínica, podendo orientar o manejo clínico no futuro. 189

•De acordo com o GBD 2019, de 1990 a 2019, a prevalência padronizada por idade de DCR apresentou discreto aumento de 2,1% (II 95%, 0,2 – 4,0), passando de 899,6 (II 95%, 699,8 – 1119,1) para 918,5 (II 95%, 716 – 1142,5) por 100 mil, permanecendo mais alta em mulheres do que em homens em todo o período (Tabela 5-1 e Figura 5 -1 .A). Ainda que pequeno em ambos os sexos, o aumento percentual foi numericamente mais pronunciado em mulheres (3,5%) do que em homens, que apresentaram tendência à estabilidade (0,1%, II 95%, -2,4 – 2,8). Os aumentos percentuais foram mais altos nos estados de Alagoas, Bahia e Sergipe, da região Nordeste, que apresenta a mais baixa renda. Embora as estimativas centrais tenham sido mais elevadas nesses estados, os II 95% foram amplos e se sobrepuseram àqueles de outras UF (Tabela 5-1). 190 Entretanto, pode-se levantar a hipótese de que o pequeno aumento na prevalência de DCR observado no período reflita o avanço ocorrido na coleta de dados epidemiológicos e nas estatísticas de saúde, assim como a inclusão sistemática de DCR definitiva subclínica. 4 , 18

•A prevalência bruta de DCR, entretanto, aumentou 6,8% (II 95%, 1,7 – 12,5%) de 1990 a 2019, passando de 908,8 (II 95%, 699,1 - 1139,4) para 970,2 (II 95%, 756,6 - 1202,9) por 100 mil, permanecendo também maior nas mulheres no período ( Figura 5 -1 .B). À semelhança da tendência das taxas de prevalência padronizadas por idade, o aumento na prevalência bruta foi mais pronunciado entre as mulheres do que entre os homens (8,4% vs. 4,2%). 4 , 18

•Mesmo com as tendências relativamente estáveis retratadas pela modelagem do GBD 2019, a DCR é a causa mais prevalente de doença valvar mitral no Brasil conforme dados publicados, quando tanto estenose mitral (> 90%) quanto regurgitação mitral (55-60%) são consideradas. 182

•A estenose mitral ocorre muito mais frequentemente em mulheres do que em homens, na razão de 3 para 2. Trata-se de sequela frequente da FRA, afetando mais de 85% dos casos mesmo em países de alta renda, como os europeus, 191 com padrão similar ao observado no Brasil. 178 , 182 Mais raramente, a estenose mitral está associada com outras doenças, como calcificação do anel mitral, mucopolissacaridose, artrite reumatoide e síndrome carcinoide congênita. 175 , 182

•Estudo mais recente de rastreamento em larga escala, avaliando DCR subclínica, mostrou prevalência de 42 por 1.000 crianças em idade escolar (idade média de 11 anos) em Minas Gerais: 37 por 1.000 para DCR borderline e 5 por 1.000 para DCR definitiva. Nesse estudo, observou-se maior prevalência em meninas (48 por 1.000 vs. 35 por 1.000) e em crianças acima dos 12 anos. 176 O mesmo projeto concluiu que os centros de atenção primária são o cenário ideal para rastreio de DCR, considerando-se as maiores taxas de participação e envolvimento da população. 192

•O rastreamento ecocardiográfico no cenário da atenção primária foi testada como ferramenta adicional, em adição às variáveis clínicas, para predizer alterações maiores no ecocardiograma convencional (incluindo doença valvar significativa e DCR) e priorizar o referenciamento no Brasil. O escore combinado – derivado de 603 pacientes na lista de espera por ecocardiografia e validado em uma amostra similar de 1.526 indivíduos – apresentou boa discriminação, com estatística C = 0,72, sensibilidade = 99% e valor preditivo negativo = 97%, emergindo como ferramenta promissora para o diagnóstico precoce de doença valvar/DCR, avaliação da carga de doença e a priorização de referenciamento. 193

•Uma ferramenta adicional para se estimar a prevalência de DCR subclínica é a inteligência artificial. O sistema de machine learning ( Convolutional Neural Network: Redes Neurais Convolucionais ), atualmente sendo desenvolvido no Brasil para estudos de rastreamento, mostrou boa acurácia (normal=72,8±10,2; DCR borderline =64,3±12,2; e DCR definitiva=85,8±11,3), podendo auxiliar a ampliar a disponibilidade do diagnóstico ecocardiográfico precoce no futuro. 194

Doença Valvar do Coração Não Reumática

•De acordo com o GBD 2019, a prevalência padronizada por idade de DVNR amentou de maneira significativa no Brasil de 1990 a 2019 (aumento de 54,3%), quando passou de 25,3 (II 95%, 22,4 - 27,8) para 39 (II 95%, 33,9 - 44,6), por 100 mil, respectivamente. A variação percentual foi consideravelmente maior para os homens do que para as mulheres (105,9% vs. 20,9%) ( Figura 5 -2 .A). A tendência de elevação foi devida principalmente à doença valvar aórtica calcífica (201,8%), que passou de 7,9 (II 95%, 6,3 - 9,6) por 100 mil em 1990 para 23,7 (II 95%, 19,1 - 29) por 100 mil em 2019, tanto para homens (218,8%) quanto para mulheres (182,2%). Entretanto, para a doença valvar mitral degenerativa, a prevalência padronizada por idade permaneceu estável, com uma discreta variação percentual: -2,3% (II 95%, -4 a -0,4) (Tabela 5-1). 4 , 18

•Alinhada às taxas padronizadas por idade, a prevalência bruta de DVNR mostrou aumento significativo de 149,3% (II 95%, 126,7 - 173,3) de 1990 a 2019, passando de 17,6 (II 95%, 15,7 - 19,4) a 44 (II 95%, 38,2 - 50,3) por 100 mil, respectivamente (Tabela 5-1 e Figura 5 -2 .B). Mais uma vez, o aumento foi mais pronunciado para os homens do que para as mulheres. A maior inclinação em comparação às taxas padronizadas por idade sugere que a prevalência esteja aumentando desproporcionalmente nas faixas de idade mais avançada ( Figura 5 -2 .B). 4 , 18

•De modo diferente da doença valvar mitral, a doença valvar aórtica é predominantemente degenerativa ou calcífica. Estudos observacionais mostraram que a estenose aórtica é observada em 4,5% da população com idade superior a 75 anos em países de alta renda, como os Estados Unidos. 195 De acordo com estudos observacionais 182 , 196 e dados do GBD 2019, 18 no Brasil, assim como no resto do mundo, tem-se observado uma tendência para aumento da doença valvar aórtica degenerativa em comparação a de outras etiologias, como DCR.

•Portanto, o aumento na prevalência de DVNR em todas as idades tem sido devido principalmente à doença valvar aórtica calcífica [396,6% (II 95%, 353,1 – 450,0)], em especial para os grupos mais idosos (>70 anos) (Tabela 5-2). Entretanto, tem-se observado também tendência a aumento significativo na doença valvar mitral degenerativa [54,1% (II 95%, 50,4 – 58,0)] e outras DVNR, sendo a qualidade de dados sobre DVNR limitada a despeito da melhora em suas fontes (Tabela 5-1). 4 , 18

•Contrário ao observado para a etiologia reumática, houve aumento do prolapso de valva mitral como causa de regurgitação mitral primária no Brasil: embora na população geral ele atinja taxas de 1% a 2,5% e tenha bom prognóstico na maioria dos casos, entre os pacientes admitidos com doença valvar cardíaca em uma emergência brasileira em 2009 (56±17 anos, 54% mulheres), 13% apresentavam prolapso de valva mitral como etiologia. 181 Inversamente, em um registro hospitalar de cirurgia cardíaca de uma das maiores capitais do país (Salvador), de 2002 a 2005, apenas uma pequena proporção de casos foi associada a prolapso mitral. 178 Esse resultado é semelhante ao de um estudo com 78.808 pacientes usando duas grandes bases de dados nacionais (o Sistema Brasileiro de Informações Hospitalares e o Sistema Brasileiro de Informações sobre Mortalidade) de 2001 a 2007, em que apenas 0,24% (187) dos casos informavam prolapso mitral como causa básica. 197 Entretanto, os dados podem apresentar viés em razão da ausência de atribuição de código para as etiologias de doença valvar cardíaca no sistema público e na maior parte do sistema privado de saúde.

Incidência

•De acordo com um estudo baseado em dados hospitalares no Nordeste do Brasil, de 2002 a 2005 (1.320 cirurgias), a incidência anual média de cirurgia valvar cardíaca foi 4,75 por 100 mil residentes e positivamente correlacionada com a idade. As incidências anuais médias de DCR e doença valvar degenerativa foram 2,86 e 0,73 por 100 mil de população, respectivamente. 178

Doença Cardíaca Reumática

•Para a DCR, a incidência específica por idade seguiu uma distribuição bimodal de acordo com a fonte do reembolso da cirurgia, aumentando quase que linearmente em 1 caso por 100 mil de população para cada década de vida até a idade de 40–49 anos, com pico em 4,85 casos por 100 mil de população. Após um declínio, um segundo pico ocorreu no grupo etário de 60-69 anos (6,54 casos por 100 mil de população). 178

•A incidência de DCR permaneceu estável no Brasil [aumento percentual: 0,5% (II 95%, -1,2 - 2,6)], variando de 53,9 (II 95%, 40,4 - 67,5) por 100 mil (95.299 casos) em 1990 a 54,2 (II 95%, 40,7 - 68,5) por 100 mil (108.204 casos) em 2019, de acordo com dados do GBD 2019. Essa tendência à estabilidade foi relativamente homogênea em todo o país, com superposição de II 95% mesmo nos estados mais pobres das regiões Norte e Nordeste. 4 , 18

•Em geral, observou-se significativa redução na incidência de DCR no grupo etário de 15-49 anos [-12,7% (II 95%, -17,2 a -6,8)], enquanto houve tendência à estabilidade nos demais grupos etários. Tal padrão pode estar associado à melhora no diagnóstico da doença e no controle nos grupos mais jovens (principalmente, 5-18 anos, em que ocorre o pico da incidência de FRA) nas últimas décadas, resultando em menor incidência nos adolescentes e adultos. Entretanto, a diminuição no grupo etário 5-14 anos não foi capturada pelo modelo, presumivelmente influenciado pela falta de dados sobre DCR subclínica antes de 2014. 4 , 18

Doença Valvar do Coração Não Reumática

•Em um padrão diferente daquele da DCR, as taxas de incidência de DVNR padronizadas por idade apresentaram aumento significativo de 11,1% (II 95%, 6,5 - 16,4), passando de 3,6 (II 95%, 3,3 – 4,0) por 100 mil em 1990 para 4,0 (II 95%, 3,6 - 4,5) por 100 mil em 2019, de acordo com estimativas do GBD 2019. Essa elevação deveu-se principalmente ao aumento de 20,1% (II 95%, 12,9 - 28,4) na doença valvar aórtica calcífica, em especial em indivíduos com idade de 50-69 anos [56,9% (II 95%, 39,8 - 75,6)]. 4 , 18

•Entretanto, a já mencionada crescente incidência da doença valvar aórtica calcífica em indivíduos de meia-idade [15-49 anos: 56,9% (II 95%, 39,8 - 75,6)] é atípica, considerando-se a epidemiologia da doença, devendo ser interpretada com cautela como uma possível limitação da modelagem do GBD, 18 , 46 pois dados primários para essa causa são escassos no Brasil. Ademais, um padrão estável não esperado em indivíduos >70 anos foi modelado. 4

Mortalidade

•Doença valvar do coração é uma das principais causas de morte cardiovascular no Brasil, em particular em regiões economicamente desfavorecidas, e a DCR – a etiologia com maior componente social – ocupou a 8 a /9 a posição entre as principais causas nas últimas décadas. 18 No cenário menos favorecido economicamente, a DCR tem desempenhado importante papel por décadas, com tendência decrescente – nem sempre adequadamente capturada pela modelagem estatística – seguindo-se à melhora socioeconômica. 174 , 179 , 197

•Apesar da escassez dos dados em âmbito nacional, a sub-análise de uma coorte multicêntrica com 920 pacientes submetidos a cirurgia valvar (substituição isolada da valva aórtica, 34%; substituição isolada da valva mitral, 25%; 81% cobertas pelo sistema público de saúde) mostrou uma taxa de mortalidade cirúrgica aceitável (7,3%) 198 quando comparada à de séries anteriores (11,9%). 178

Doença Cardíaca Reumática

•Contrastando com a tendência crescente de prevalência, as taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis à DCR diminuíram significativamente em 59,4% no Brasil, passando de 2,8 (II 95%, 2,7 – 3,0) para 1,2 (II 95%, 1,1 - 1,2) por 100 mil, de acordo com o estudo GBD 2019. A redução percentual foi similar para homens (62,0%) e mulheres (58,1%) (Tabela 5-3 e Figura 5 -3 .A). Observou-se tendência similar para as taxas brutas de mortalidade ( Figura 5 -3 .B). No período, o número total de mortes diminuiu de 3.088 (II 95%, 2.939 – 3.256) em 1990 para 2.715 (II 95%, 2.505 – 2.913) em 2019, apesar do crescimento da população (Tabela 5-3). Essas tendências podem refletir uma melhora das condições de saúde, além de melhor e mais precoce acesso à assistência em saúde. 4 , 18

•Em 1990, a DCR ocupou a 10 a posição entre as causas de morte no Brasil (9 a a 12 a em diferentes estados), tendo passado para a 12 a posição em 2019 (10 a a 13 a na maioria dos estados, e 14 a apenas no Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste). 4 , 18

•A redução mais significativa nas taxas de mortalidade foi observada nas idades menores, especialmente nos grupos etários de ‘5-14 anos’ e ‘15-49 anos’: -78,1% (II 95%, -81,9 a -73,6) e -64,6% (II 95%, -68,3 a -60,4) por 100 mil, respectivamente (Tabela 5-2). 4 , 18 Isso pode estar associado ao melhor tratamento de faringite, da FRA e das apresentações precoces da DCR, ainda que as sequelas crônicas persistam como um desafio. 199 , 200

•De acordo com dados do GBD 2019, houve significativa correlação negativa entre a variação percentual nas taxas de mortalidade padronizadas por idade e o SDI em 1990 ( Figura 5 -4 ) (r=-0,41, p=0,03) e em 2019 (r=-0,44, p=0,02). 4 , 18 Considerando-se a DCR como a etiologia com maior componente social entre as doenças valvares cardíacas, esse padrão difere das estimativas do GBD 2017, não tendo alcançado significância estatística em 2017. Isso pode sugerir que, a despeito das inegáveis melhorias socioeconômicas observadas em todas as regiões brasileiras desde 1990, que impactaram diferentes aspectos de prevenção de doença e atenção à saúde e reduziram significativamente o hiato sociodemográfico, a desigualdade ainda desempenha importante papel na mortalidade por DCR. 4 , 18

Doença Valvar do Coração Não Reumática

•De acordo com o estudo GBD 2019, as taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis a DVNR apresentaram uma redução de 16,2% (II 95%, 10,3 - 22,5) de 1990 a 2019 (Tabela 5-3 e Figura 5 -5 .A). Entretanto, para as taxas de mortalidade brutas, observou-se aumento significativo de 51,9% (II 95%, 39,8 - 62,7), com uma considerável contribuição das idades mais avançadas, em especial acima de 70 anos [17,2% (II 95%, 5,4 - 27,4)] (Tabela 5-3 e Figura 5 -5 .B). Os padrões foram similares para homens e mulheres. Tendências semelhantes foram observadas para as taxas de mortalidade por doença valvar aórtica calcífica, com acentuado aumento de 17% (II 95%, 2,0 - 38,5) nos idosos (≥70 anos), refletindo associação com envelhecimento populacional e prevalência de fatores de risco cardiovascular (Tabela 5-2). Para a doença valvar mitral degenerativa, as taxas de mortalidade padronizadas por idade diminuíram 19,0% (II 95%, 5,8 - 34,8), em oposição ao aumento de 36,2% na prevalência bruta (Tabelas 5-1 e 5-3), como resultado das taxas crescentes [16,5% (II 95%, -18,5 - 48,7)] nos septuagenários e mais idosos (Tabela 5-2), embora com II 95% mais amplos. 4 , 18 , 19

•As taxas crescentes de mortalidade por DVNR nas idades mais avançadas contrastam bastante com as tendências observadas para DCR, podendo refletir uma maior prevalência e, consequentemente, mortalidade nos grupos etários >70 anos, para DVNR tanto aórtica quanto mitral (Tabela 5-2). De 1990 a 2019, uma carga crescente de doença valvar aórtica calcífica, em homens e mulheres, associou-se com um aumento na mortalidade naquele grupo etário. Os II 95% são amplos em geral para as estimativas de mortalidade por DVNR, em especial para cada envolvimento valvar específico em separado. 4 , 18

•Em 1990, a DVNR ocupou a 10 a posição entre as causas de morte no Brasil (8 a a 11 a em diferentes estados), tendo aumentado proporcionalmente para a 9 a em 2019 (8 a a 10 a na maioria dos estados), tendência oposta à observada para a DCR ( Figura 5 -4 ). 18

•Os dados do GBD 2019 demonstraram correlações significativas entre as variações nas taxas de mortalidade padronizadas por idade por DVNR em geral e o SDI em 1990 (r= -0,55, p=0,003) e em 2019 (r= -0,58, p=0,001), assim como padrão similar para a doença valvar aórtica calcífica (1990: r= -0,51, p=0,007; 2019: r= -0,54, p=0,003). Fortes correlações positivas foram observadas entre a mortalidade padronizada por idade e o SDI tanto de 1990 (r=0,80, p<0,001) quanto de 2019 (r=0,70, p<0,001) ( Figura 5 -6 ). Como o desenvolvimento socioeconômico se correlaciona com transição epidemiológica e expectativa de vida, um maior SDI está associado a indivíduos mais idosos com risco para condições valvares degenerativas e menos propensos a etiologias infecciosas, como a DCR. Entretanto, no Brasil, as condições socioeconômicas – e possivelmente acesso ótimizado à atenção à saúde – ainda desempenharam um paper importante nas variações de mortalidade por DVNR ao longo do tempo. 18

•Correlações similares foram observadas para a doença valvar mitral degenerativa. Por outro lado, para as outras DVNR, não se observou correlação significativa entre o SDI e as taxas de mortalidade padronizadas por idade – e tampouco com suas variações percentuais ao longo do tempo. 18

Carga de Doença

Doença cardíaca reumática

•De acordo com dados do GBD 2019, a taxa de DALYs padronizada por idade atribuível a DCR diminuiu significativamente em 45,1% no Brasil, passando de 144,6 (II 95%, 126,8 - 167,3) por 100 mil em 1990 para 79,3 (II 95%, 61,6 - 102,6) por 100 mil em 2019 ( Figura 5 -7 .A). As taxas decrescentes observadas no período foram similares para homens e mulheres, -46,7% (II 95%, -54,4 a -39,3) e -44,2% (II 95%, -51,1 a -36,9), respectivamente (Tabela 5-4). 201

•As taxas de DALYs padronizadas por idade diminuíram em todos os estados brasileiros, com tendência mais significativa nas regiões com as mais altas taxas em 1990: Centro-Oeste e Sudeste (Tabela 5-2). As regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentaram as mais altas taxas de DALYs padronizadas por idade e DALYs proporcionais em 1990, enquanto quatro estados do Nordeste (Sergipe, Bahia, Alagoas e Pernambuco), um do Sul (Paraná) e um do Centro-Oeste (Goiás) ocuparam o topo da lista em 2019. 4 , 18

•Um padrão decrescente similar foi observado para as taxas de YLLs padronizadas por idade por DCR, que variaram de 102,1 (II 95%, 97,5 - 107,3) por 100 mil em 1990 a 35,8 (II 95%, 33,5 - 38,4) por 100 mil em 2019, uma redução de 64,9% (II 95%, 61,6 - 67,9). 4 , 18

•As estimativas do GBD 2019 não mostraram correlação entre as taxas de DALYs padronizadas por idade e o SDI em 1990 nem em 2019. Da mesma maneira, não houve correlação entre o SDI e a variação percentual nas taxas de DALYs padronizadas por idade em 1990 (r= -0,36, p=0,06), e apenas uma fraca correlação em 2019 (r= -0,41, p=0,03) ( Figura 5 -8 ), sugerindo que os efeitos do desenvolvimento socioeconômico foram menos pronunciados na morbidade em comparação à mortalidade.

Doença Valvar do Coração Não Reumática

•De acordo com o GBD 2019, as taxas de DALYs padronizadas por idade atribuíveis a DVNR diminuíram (30%) no Brasil, passando de 62,8 (II 95%, 60,3 – 65,2) por 100 mil em 1990 para 44 (II 95%, 40,7 - 47) por 100 mil em 2019 (Tabela 5-4 e Figura 5 -9 .B). O padrão de redução observado no período foi similar para homens (-31%) e mulheres (-28%). Com relação às doenças específicas, as taxas diminuíram igualmente para a doença valvar mitral degenerativa [-30,7% (II 95%, -41,6 a -22,6)] em comparação à doença valvar aórtica calcífica [-30,3% (II 95%, -36,3 a -21,3)]. Para outras DVNR, as taxas padronizadas por idade tenderam ao aumento [19,1% (II 95%, -21,1 – 68,5)], embora os II fossem consideravelmente amplos, incluindo 0. As tendências observadas para os YLLs foram similares. 4 , 18

•A tendência decrescente foi relativamente homogênea em todos os estados brasileiros e as taxas de DALYs padronizadas por idade permaneceram mais altas nas regiões Sul e Sudeste em todo o período, assim como em Pernambuco, estado da região Nordeste (5 o lugar em 2019) ( Figura 5 -9 .B. A redução mais significativa foi observada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (Distrito Federal e estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro), assim como em Rondônia, na região Norte, que não tem dados primários para a maioria das estimativas. 4 , 18

•À semelhança do observado para mortalidade, as taxas decrescentes de DALYs padronizadas por idade devidas a DVNR contrastam com o discreto aumento nas taxas brutas [7,3% (II 95%, 0 - 15,1)] no período (1990 – 2019), influenciadas pelo grupo etário >70 anos (+5%), e mais uma vez sugerindo que a morbidade associada com DVNR esteja se deslocando para os idosos, possivelmente em resposta às mudanças na composição etária da população. 4 , 18

•As taxas de DALYs proporcionais no Brasil aumentaram e, de 1990 a 2019, as regiões Sul e Sudeste foram responsáveis pelas maiores proporções de DALYs no período, de acordo com as estimativas do GBD. 201 , 202

•Ainda segundo dados do GBD 2019, houve significativas correlações positivas entre as taxas de DALYs padronizadas por idade por DVNR em geral e o SDI em 1990 (r=0,80, p<0,001) e em 2019 (r=0,55, p<0,001) ( Figura 5 -10 ). As variações percentuais nas taxas de DALYs padronizadas por idade (1990 – 2019) também se correlacionaram com o SDI em 1990 (r= -0,72, p<0,001) e em 2019 (r= -0,72, p<0,001). Para a doença valvar aórtica calcífica, foram observadas correlações significativas entre DALYs e SDI em 1990 (r2=0,80, p<0,001) e em 2019 (r2=0,62, p<0,001), assim como entre as variações percentuais nas taxas de DALYs e o SDI nos dois anos, sugerindo que o desenvolvimento socioeconômico também seja um determinante de DVNR degenerativa, ligado ao envelhecimento e aos fatores de risco.

•Para a doença valvar mitral degenerativa, observou-se correlação positiva entre as taxas de DALYs padronizadas por idade e o SDI em 1990, mas não em 2019, enquanto as variações percentuais nas taxas de DALYs correlacionaram-se negativamente com o SDI em 1990 e em 2019, sugerindo algum impacto dos marcadores socioeconômicos também sobre esta condição.

Complicações e Doenças Associadas

Arritmias Associadas com Doença Valvar

•Para pacientes com doença cardíaca valvar, a FA é um fator complicador, ocorrendo, em geral, naqueles com a história natural da doença mais avançada. Acha-se mais comumente associada à doença valvar mitral, em especial estenose mitral. A FA foi observada em 34% de uma coorte de 427 pacientes (idade média, 50±16 anos; 84% mulheres) com estenose mitral grave, tendo sido mais frequente naqueles que morreram durante o acompanhamento (27 de 41; 66%) em comparação aos que sobreviveram (114 de 378; 30%), reforçando seu papel de marcador de prognóstico na doença valvar cardíaca. 203

•Além disso, a FA pode se desenvolver na doença valvar aórtica grave, especialmente em pacientes mais idosos e no pós-operatório. Em uma coorte retrospectiva de 348 pacientes (idade média, 76,8±4,6 anos), FA pós-operatória foi observada em 114 (32,8%), mas as taxas foram mais altas a partir de 80 anos em comparação ao grupo etário de 70-79 anos (42,9% vs. 28,8%, p=0,017). 204

•Em outra avaliação retrospectiva conduzida em Pernambuco (Nordeste do Brasil), envolvendo 491 pacientes consecutivos após cirurgia por doença valvar do coração, a incidência de FA foi 31,2% e associada com idade >70 anos (OR=6,82; IC 95%, 3,34 - 14,10, p <0,001), doença valvar mitral (OR=3,18; IC 95%, 1,83 - 5,20, p<0,001) e a não utilização de betabloqueadores no período pós-operatório, entre outros fatores. 205

•Doença valvar do coração (17,5%) e arritmias (FA e flutter atrial – 50,7%) foram as principais fontes cardioembólicas para acidente vascular cerebral em estudo que envolveu 256 pacientes (60,2 ± 6,9 anos, 132 homens) na região Sul do Brasil. 206

•No registro BYPASS, uma coorte multicêntrica de pacientes submetidos a cirurgia valvar cardíaca, as complicações pós-operatórias mais frequentes foram arritmias (22,6%), infecções (5,7%) e síndrome de baixo débito (5,1%). 198

Associação entre Doença Valvar do Coração e Doença Arterial Coronariana

•Devido ao elevado risco cirúrgico da combinação de procedimentos valvares e revascularização coronária, é essencial que se reconheça a prevalência de DAC obstrutiva em associação com doença valvar do coração. Estudos mostraram menor prevalência de DAC em pacientes com DCR em comparação àqueles com DVNR, possivelmente como reflexo da menor mediana de idade dos pacientes com DCR e da maior prevalência de fatores de risco coronariano na DVNR. 207

•Em estudo no Rio de Janeiro incluindo 1.412 candidatos a cirurgia cardíaca por qualquer indicação, 294 portadores de doença cardíaca valvar primária de etiologia reumática e não reumática foram selecionados. Todos os 294 pacientes tinham idade ≥40 anos e foram submetidos a angiografia coronária. As prevalências de DAC em pacientes com DCR e DVNR foram 4% e 33,6% (p <0,0001), respectivamente. Características e fatores de risco, como idade, dor precordial típica, hipertensão, diabetes mellitus e dislipidemia, foram significativamente associados com DAC obstrutiva. 208

•Em outro estudo no Brasil que avaliou 712 pacientes com doença valvar do coração e idade média de 58±13 anos, a incidência de DAC obstrutiva foi 20%. Entretanto, nos mais jovens (<50 anos), a prevalência foi mais baixa (3,3%). 209 Esses dados são similares aos observados em outro estudo que incluiu 3.736 pacientes (idade média de 43,7 anos), nos quais a prevalência de DAC obstrutiva combinada com doença valvar do coração foi 3,42%. 207

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

•De acordo com a base de dados administrativos do SUS, o total de despesas brutas (reembolso) com hospitalização para tratamento clínico de doença valvar do coração no Brasil aumentou significativamente em 90%, passando de R$ 1.051.959 em 2008 para R$ 1.999.540 em 2019, em um padrão quase linear. Ajustando e convertendo esses valores para dólares internacionais de 2019, o total de custos no sistema público de saúde para hospitalização por condições valvares foi de $ 1.031. 953, em 2008, e $ 966.428, em 2019, uma redução de 6,3%. 210

•Da mesma forma, os custos não ajustados associados com procedimentos cirúrgicos/intervencionistas valvares (códigos relacionados com cirurgia valvar, comissurotomia mitral percutânea e outros tipos de valvuloplastia) também aumentaram de 2008 a 2019, passando de R$ 130.588.598 (2019 Int$ 128.105.083) para R$ 190.771.771 (2019 Int$ 92.204.819), embora com menor magnitude em comparação àqueles de internações clínicas (46% vs. 90%). Após ajuste para Int$, observou-se uma significativa redução de 28,0%. O total de despesas com procedimentos cirúrgicos para o SUS nessa série temporal (2008 – 2019) foi R$ 10.524.044.511 (Int$ 6.853.635.725) (Tabela 5-5 e Figura 5 -11 ). 210

•O número de internações para cirurgias/intervenções relacionadas às doenças valvares não cresceu muito no Brasil de 2008 a 2019, variando de 12.679 em 2008 a 14.294 em 2019. Isso está provavelmente associado com a complexidade e os custos crescentes das intervenções (em especial, custos hospitalares, dispositivos e próteses) e denota a carga econômica imposta pela incorporação de novos procedimentos e tecnologias, além do efeito marcante da inflação sobre os custos da atenção à saúde – considerando-se os valores mais baixos em 2019 quando ajustados para Int$. Nesse cenário, a futura incorporação de terapias bem estabelecidas ainda não reembolsadas pelo SUS, como a TAVI, contribuirá para aumentar a carga econômica, embora as despesas com demandas judiciais possam facilmente exceder os custos ordinários. 211

•O número total de internações por doença valvar (clínica e cirúrgica) nesse período foi de 196.922, tendo a maioria ocorrido na região Sudeste (41,2%), seguida pelas regiões Nordeste (25,7%), Sul (20,2%), Centro-Oeste (7,5%) e Norte (5,4%) (Tabela 5-5). 210

•Observou-se queda dramática em alguns tipos de procedimentos, a despeito de suas crescentes indicações, como a comissurotomia mitral percutânea. Especificamente para esse procedimento, os números decrescentes podem estar associados com o atraso nas tabelas de reembolso do SUS, limitando o número de hospitais que realizam essa intervenção. O número absoluto de cirurgias valvares abertas permaneceu estável no período, variando de 12.201 em 2008 a 12.771 em 2019, a despeito do crescente número de casos de doença valvar do coração – em especial DVNR – e da crescente carga para os idosos, à medida que a população envelhece. 190 , 211

•Em nenhum dos períodos, o aumento no número de internações esteve em paralelo com as despesas crescentes, sugerindo uma progressiva complexidade – e, consequentemente, custo – dos procedimentos para o tratamento da doença valvar cardíaca, além da inflação dos dispositivos médicos e dos custos hospitalares associados (considerando os valores em Int$) (Tabela 5-5 e Figura 11 ). 210

•A partir da base de dados administrativos do SUS, os procedimentos valvares associados com sequelas de DCR não puderam ser diferenciados daqueles associados com outras etiologias, devido à ausência de código específico disponível, além da imprecisão da notificação dos códigos da CID. 210

•É interessante notar que estudos observacionais enfatizaram que a DCR permanece sendo a principal etiologia associada com cirurgia cardíaca em jovens no Brasil, atingindo até 60% em um estudo realizado em Salvador, Bahia. 178 No Instituto do Coração de São Paulo, o número de cirurgias cardíacas valvares associadas com DCR aumentou substancialmente nos últimos 10 anos, de cerca de 400 cirurgias/ano em 1990 para mais de 600 após 2000. 121 Entre 2008 e 2015, houve 26.054 hospitalizações por sequelas de FRA, 45% das quais por doença cardíaca, levando a um custo total possivelmente subestimado de US$ 3,5 milhões ao ano. 177 , 210

•Ainda de acordo com estudos observacionais e registros de base hospitalar, as doenças valvares de origem reumática, em geral, são responsáveis por cerca de 90% das cirurgias cardíacas em crianças e por mais de 30% das cirurgias cardíacas em adultos, a maioria jovem. 135 Entretanto, poucos estudos epidemiológicos estimaram a carga da doença valvar por causa específica no Brasil.

•O rastreamento ecocardiográfico para DCR latente mostrou-se custo-efetiva em um estudo conduzido no Brasil. Uma estratégia baseada em divisão de tarefas, com aquisição de imagem por não médicos, utilizando dispositivos portáteis, e telemedicina para interpretação remota por especialistas, resultou em uma razão de custo-efetividade incremental de $10.148,38 por DALY evitado, abaixo do limiar estimado de 3 vezes o produto interno bruto per capita, sugerido pela Organização Mundial da Saúde. 212

•Informação obtida na base de dados do SUS (DATASUS) mostrou que, de 2008 a 2017, houve 42.720 e 78.966 hospitalizações por FRA e DCR crônica, respectivamente, representando 0,4% e 0,7% das hospitalizações cardiovasculares no país, respectivamente. Essa análise, no entanto, não tem dados específicos para DVNR. 213

Doença Valvar Mitral

•Com base em dados administrativos do SUS de 2001 a 2007 e referentes a cirurgia de valva mitral, em uma série retrospectiva de 78.808 pacientes cirúrgicos consecutivos, a idade média foi de 50,0 anos (35,9 – 62,5) e 40.106 eram mulheres (50,9%). Novamente, a DCR foi a principal etiologia, responsável por 53,7% do total de pacientes submetidos a cirurgia e a mais de 94% daqueles submetidos a procedimentos para estenose mitral, que representou a maior indicação cirúrgica única, correspondendo a 38,9% do total. No geral, a substituição valvar foi realizada em 69,1% das cirurgias. A mortalidade hospitalar foi 7,6%. 197

•A mortalidade cirúrgica foi discretamente maior em mulheres do que em homens (7,8% vs. 7,3%; p <0,001) e consideravelmente mais alta nos indivíduos com idade ≥80 anos. Por outro lado, a mais baixa mortalidade foi observada naqueles entre 20 e 39,9 anos (p <0,001). Os pacientes com cirurgias aórtica e mitral combinadas (refletindo etiologia reumática) foram os mais jovens (mediana, 43,3 anos). A cirurgia para estenose aórtica foi mais comum em indivíduos mais idosos (mediana, 58,0 anos) (p <0,001). Reparo valvar apresentou menor mortalidade (3,5%) em comparação a substituição valvar (6,9%), reparo/substituição valvar múltipla (8,2%) e CRVM concomitante (14,6%) (p<0,001). Associação com CRVM ocorreu em 7.147 pacientes (9,1% da amostra). 197

•Quanto à comissurotomia percutânea, estudos no Brasil mostraram uma proporção muito maior de mulheres (85%) – coincidente com a epidemiologia da DCR e principalmente da estenose mitral – e de jovens (<40 anos). 214 , 215 À medida que se desenvolve expertise local nesse procedimento, investigam-se aspectos técnicos, como a utilização rotineira de sedação consciente (baixa dose de midazolam e fentanil), resultando em ansiólise e analgesia, sem efeitos hemodinâmicos. 216 Além disso, há esforços contínuos para definir preditores de desfechos clínicos de longo prazo, como alterações na complacência atrioventricular invasiva e não invasiva. 217

•Em um estudo retrospectivo visando avaliar o reparo da valva mitral em 54 crianças brasileiras (<16 anos) com DCR crônica precoce, não houve relato de morte peroperatória. Os desfechos tardios mais frequentes (>7 dias) foram lesão mitral residual (n=11) e necessidade de reoperação (n=3). Portanto, o reparo da valva mitral permanece sendo uma estratégia razoável para DCR em idades mais jovens. 218

Doença Valvar Aórtica

•Uma coorte de 724 pacientes consecutivos, submetidos a cirurgia cardíaca no Instituto do Coração de São Paulo, evidenciou, à semelhança de outros estudos, maior taxa de mulheres (55%) e predominância de DCR (60%). Nessa série, entretanto, houve maior proporção de doença valvar aórtica (396 casos) do que de doença valvar mitral (306 casos) em comparação a outras séries. Nos pacientes com doença valvar mitral, observaram-se estenose em 39,9%, regurgitação em 38,4% e disfunção de prótese mitral em 21,7%. Naqueles submetidos a intervenção valvar aórtica, observaram-se estenose em 51,6%, regurgitação em 29,3% e disfunção de prótese em 19,1%. O estudo sugere um aumento de doença valvar aórtica em comparação à doença valvar mitral em um hospital terciário na região Sudeste do Brasil. 219

•Outro estudo retrospectivo de coorte foi conduzido em Porto Alegre (Sul do Brasil), com 1.065 pacientes (idade média, 61,4 ± 11,8 anos; 38% mulheres). Substituição de valva aórtica foi realizada em 18,8% e de valva mitral, em 13,4%. Revascularização coronária concomitante foi realizada em 60,3% da amostra e cirurgias valvares, em 32,7%.

A mortalidade hospitalar geral foi 7,8%, sendo menor para CRVM isolada (5,9%), intermediária para cirurgia valvar (aórtica e/ou mitral e/ou tricúspide = 8,6%) e maior para a combinação de procedimentos valvares e CRVM (20,0%). 220

Implante Percutâneo de Valva Aórtica no Brasil

•Como em outros países, a TAVI ganhou importância no Brasil nos últimos 20 anos. Estima-se que mais de 100 mil TAVI já foram realizadas no mundo. 196 , 211 A primeira TAVI no Brasil ocorreu em 2008. O registro brasileiro de TAVI informa a realização de 418 TAVI em 18 centros até 2014, tendo esse número crescido exponencialmente desde então. O acesso femoral foi escolhido em 96,2% dos procedimentos e as próteses usadas foram CoreValve ® (86,1%) e Sapien XT ® (13,9%). Nessa experiência inicial, as mortalidades por todas as causas em 30 dias e 1 ano foram 9,1% e 21,5%, respectivamente. 221

•Dados do registro de TAVI atualizados em 2017 revelaram um total de 819 pacientes em acompanhamento clínico, demonstrando que o procedimento tem baixa incidência de complicações – em especial desfechos clínicos duros precoces – e ressaltando taxas de disfunção renal pós-procedimento em torno de 18%. 222 , 223

•Em outra avaliação realizada na cidade do Rio de Janeiro com 136 pacientes submetidos a TAVI [mediana de idade, 83 (80-87) anos; 51% homens], a mortalidade peroperatória foi 1,5%, a mortalidade de 30 dias, 5,9%, a mortalidade hospitalar, 8,1% e a mortalidade de 1 ano, 15,5%. 224

•De 819 valvas aórticas implantadas por via percutânea até 2017, 135 pacientes (20,1%) precisaram de marca-passo permanente. Esses pacientes eram mais velhos (82,5 vs. 81,1 anos; p=0,047), predominantemente homens (59,3% vs 45%; p=0,003) e tinham bloqueio de ramo direito prévio (OR=6,19; IC 95%, 3,56 – 10,75, p≤0,001). O uso da prótese CoreValve ® (OR=3,16; IC 95%, 1,74 – 5,72, p≤0,001) e gradiente transaórtico basal >50 mmHg (OR=1,86; IC 95%, 1,08 – 3,20, p=0,025) foram preditores independentes de implantação de marca-passo permanente. 223

Pesquisa Futura

•Apesar da notável melhora nas últimas décadas, ainda há escassez de dados primários sobre a epidemiologia da doença valvar do coração no Brasil e muito espaço para pesquisa futura.

•Deve-se incluir a coleta de dados administrativos, com o desenvolvimento de codificação específica que permita a discriminação de variáveis, como a valva envolvida, o tipo de disfunção valvar, o tipo de prótese e, principalmente, a etiologia e a associação com doenças sistêmicas. Isso é de especial importância no SUS.

•Além disso, o desenvolvimento em âmbito nacional de registros sobre doença valvar e procedimentos é necessário. O refinamento do sistema de codificação e a implementação mandatória de relatórios clínicos e cirúrgicos – como feito anteriormente para as intervenções coronárias percutâneas – podem ser um passo inicial para melhorar a acurácia na aquisição de dados.

•Como o país tem algumas coortes significativas de pacientes com doença valvar do coração, o acompanhamento de médio e longo prazo dessas amostras deve ser garantido. Importante notar que há iniciativas de pesquisa que requerem incentivos e financiamento para sua continuação, como os estudos em andamento sobre prognóstico de longo prazo de DCR subclínica em crianças e adolescentes, 176 , 192 determinantes genéticos e imunológicos da resposta às infecções estreptocócicas que leva a DCR, 225 preditores clínicos e relacionados ao procedimento de eventos a curto e longo prazo após comissurotomia mitral percutânea, 203 , 226 além de um registro nacional de TAVI. 221

•Como um estudo sugere que o rastreamento ecocardiográfico para DCR seja custo-efetivo no Brasil, 212 sua aplicação fora do contexto de pesquisa e sua integração no sistema de saúde deveriam ser investigadas em programas de larga escala.

•Além disso, esforços continuados foram direcionados para o desenvolvimento de vacinas contra infecções estreptocócicas, 225 devendo-se garantir estudos colaborativos sobre sua eficácia e aplicação clínica para reduzir a carga de DCR.

•Como o reembolso para TAVI acaba de ser aprovado no sistema privado de saúde brasileiro, sua incorporação no SUS parece próxima, 211 sendo que a avaliação do seu verdadeiro impacto clínico, orçamentário e social nos desfechos da atenção à saúde pública requer extensa pesquisa e financiamento.

•Finalmente, outras estratégias promissoras para prover diagnóstico precoce e priorizar referenciamentos em áreas com poucos recursos devem ser investigadas no Brasil. Como exemplo, a disponibilidade de modalidades de exames de imagem para o manejo da doença valvar do coração – em especial ecocardiografia – é limitada e distribuída de maneira desigual no país. Nesse cenário, avaliou-se a implementação de tele-ecocardiografia, com a divisão de tarefas e aquisição de imagem por não médicos (ainda não permitida fora do contexto de pesquisa pela regulamentação da atenção à saúde no Brasil) e sua leitura remota. 227 Apesar do seu bom desempenho para diagnóstico e discriminação de pacientes com alto risco cardiovascular, 227 o impacto sobre os desfechos clínicos e a custo-efetividade da estratégia ainda necessitam avaliação.

•Há espaço para aprimorar o diagnóstico cardíaco remoto no Brasil, através da expansão do tele-ECG, do rastreio de FA, 228 das consultas remotas – incluindo aquelas para condições infecciosas, como a COVID-19 229 – e da incorporação das inovações em técnicas de imagem para melhorar o acesso ao cuidado cardiovascular. São necessárias extensas discussões baseadas em robustas evidências científicas.

Incidência

•De acordo com um estudo baseado em dados hospitalares no Nordeste do Brasil, de 2002 a 2005 (1.320 cirurgias), a incidência anual média de cirurgia valvar cardíaca foi 4,75 por 100 mil residentes e positivamente correlacionada com a idade. As incidências anuais médias de DCR e doença valvar degenerativa foram 2,86 e 0,73 por 100 mil de população, respectivamente. 178

Doença Cardíaca Reumática

•Para a DCR, a incidência específica por idade seguiu uma distribuição bimodal de acordo com a fonte do reembolso da cirurgia, aumentando quase que linearmente em 1 caso por 100 mil de população para cada década de vida até a idade de 40–49 anos, com pico em 4,85 casos por 100 mil de população. Após um declínio, um segundo pico ocorreu no grupo etário de 60-69 anos (6,54 casos por 100 mil de população). 178

•A incidência de DCR permaneceu estável no Brasil [aumento percentual: 0,5% (II 95%, -1,2 - 2,6)], variando de 53,9 (II 95%, 40,4 - 67,5) por 100 mil (95.299 casos) em 1990 a 54,2 (II 95%, 40,7 - 68,5) por 100 mil (108.204 casos) em 2019, de acordo com dados do GBD 2019. Essa tendência à estabilidade foi relativamente homogênea em todo o país, com superposição de II 95% mesmo nos estados mais pobres das regiões Norte e Nordeste. 4 , 18

•Em geral, observou-se significativa redução na incidência de DCR no grupo etário de 15-49 anos [-12,7% (II 95%, -17,2 a -6,8)], enquanto houve tendência à estabilidade nos demais grupos etários. Tal padrão pode estar associado à melhora no diagnóstico da doença e no controle nos grupos mais jovens (principalmente, 5-18 anos, em que ocorre o pico da incidência de FRA) nas últimas décadas, resultando em menor incidência nos adolescentes e adultos. Entretanto, a diminuição no grupo etário 5-14 anos não foi capturada pelo modelo, presumivelmente influenciado pela falta de dados sobre DCR subclínica antes de 2014. 4 , 18

Doença Valvar do Coração Não Reumática

•Em um padrão diferente daquele da DCR, as taxas de incidência de DVNR padronizadas por idade apresentaram aumento significativo de 11,1% (II 95%, 6,5 - 16,4), passando de 3,6 (II 95%, 3,3 – 4,0) por 100 mil em 1990 para 4,0 (II 95%, 3,6 - 4,5) por 100 mil em 2019, de acordo com estimativas do GBD 2019. Essa elevação deveu-se principalmente ao aumento de 20,1% (II 95%, 12,9 - 28,4) na doença valvar aórtica calcífica, em especial em indivíduos com idade de 50-69 anos [56,9% (II 95%, 39,8 - 75,6)]. 4 , 18

•Entretanto, a já mencionada crescente incidência da doença valvar aórtica calcífica em indivíduos de meia-idade [15-49 anos: 56,9% (II 95%, 39,8 - 75,6)] é atípica, considerando-se a epidemiologia da doença, devendo ser interpretada com cautela como uma possível limitação da modelagem do GBD, 18 , 46 pois dados primários para essa causa são escassos no Brasil. Ademais, um padrão estável não esperado em indivíduos >70 anos foi modelado. 4

Mortalidade

•Doença valvar do coração é uma das principais causas de morte cardiovascular no Brasil, em particular em regiões economicamente desfavorecidas, e a DCR – a etiologia com maior componente social – ocupou a 8 a /9 a posição entre as principais causas nas últimas décadas. 18 No cenário menos favorecido economicamente, a DCR tem desempenhado importante papel por décadas, com tendência decrescente – nem sempre adequadamente capturada pela modelagem estatística – seguindo-se à melhora socioeconômica. 174 , 179 , 197

•Apesar da escassez dos dados em âmbito nacional, a sub-análise de uma coorte multicêntrica com 920 pacientes submetidos a cirurgia valvar (substituição isolada da valva aórtica, 34%; substituição isolada da valva mitral, 25%; 81% cobertas pelo sistema público de saúde) mostrou uma taxa de mortalidade cirúrgica aceitável (7,3%) 198 quando comparada à de séries anteriores (11,9%). 178

Doença Cardíaca Reumática

•Contrastando com a tendência crescente de prevalência, as taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis à DCR diminuíram significativamente em 59,4% no Brasil, passando de 2,8 (II 95%, 2,7 – 3,0) para 1,2 (II 95%, 1,1 - 1,2) por 100 mil, de acordo com o estudo GBD 2019. A redução percentual foi similar para homens (62,0%) e mulheres (58,1%) (Tabela 5-3 e Figura 5 -3 .A). Observou-se tendência similar para as taxas brutas de mortalidade ( Figura 5 -3 .B). No período, o número total de mortes diminuiu de 3.088 (II 95%, 2.939 – 3.256) em 1990 para 2.715 (II 95%, 2.505 – 2.913) em 2019, apesar do crescimento da população (Tabela 5-3). Essas tendências podem refletir uma melhora das condições de saúde, além de melhor e mais precoce acesso à assistência em saúde. 4 , 18

•Em 1990, a DCR ocupou a 10 a posição entre as causas de morte no Brasil (9 a a 12 a em diferentes estados), tendo passado para a 12 a posição em 2019 (10 a a 13 a na maioria dos estados, e 14 a apenas no Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste). 4 , 18

•A redução mais significativa nas taxas de mortalidade foi observada nas idades menores, especialmente nos grupos etários de ‘5-14 anos’ e ‘15-49 anos’: -78,1% (II 95%, -81,9 a -73,6) e -64,6% (II 95%, -68,3 a -60,4) por 100 mil, respectivamente (Tabela 5-2). 4 , 18 Isso pode estar associado ao melhor tratamento de faringite, da FRA e das apresentações precoces da DCR, ainda que as sequelas crônicas persistam como um desafio. 199 , 200

•De acordo com dados do GBD 2019, houve significativa correlação negativa entre a variação percentual nas taxas de mortalidade padronizadas por idade e o SDI em 1990 ( Figura 5 -4 ) (r=-0,41, p=0,03) e em 2019 (r=-0,44, p=0,02). 4 , 18 Considerando-se a DCR como a etiologia com maior componente social entre as doenças valvares cardíacas, esse padrão difere das estimativas do GBD 2017, não tendo alcançado significância estatística em 2017. Isso pode sugerir que, a despeito das inegáveis melhorias socioeconômicas observadas em todas as regiões brasileiras desde 1990, que impactaram diferentes aspectos de prevenção de doença e atenção à saúde e reduziram significativamente o hiato sociodemográfico, a desigualdade ainda desempenha importante papel na mortalidade por DCR. 4 , 18

Doença Valvar do Coração Não Reumática

•De acordo com o estudo GBD 2019, as taxas de mortalidade padronizadas por idade atribuíveis a DVNR apresentaram uma redução de 16,2% (II 95%, 10,3 - 22,5) de 1990 a 2019 (Tabela 5-3 e Figura 5 -5 .A). Entretanto, para as taxas de mortalidade brutas, observou-se aumento significativo de 51,9% (II 95%, 39,8 - 62,7), com uma considerável contribuição das idades mais avançadas, em especial acima de 70 anos [17,2% (II 95%, 5,4 - 27,4)] (Tabela 5-3 e Figura 5 -5 .B). Os padrões foram similares para homens e mulheres. Tendências semelhantes foram observadas para as taxas de mortalidade por doença valvar aórtica calcífica, com acentuado aumento de 17% (II 95%, 2,0 - 38,5) nos idosos (≥70 anos), refletindo associação com envelhecimento populacional e prevalência de fatores de risco cardiovascular (Tabela 5-2). Para a doença valvar mitral degenerativa, as taxas de mortalidade padronizadas por idade diminuíram 19,0% (II 95%, 5,8 - 34,8), em oposição ao aumento de 36,2% na prevalência bruta (Tabelas 5-1 e 5-3), como resultado das taxas crescentes [16,5% (II 95%, -18,5 - 48,7)] nos septuagenários e mais idosos (Tabela 5-2), embora com II 95% mais amplos. 4 , 18 , 19

•As taxas crescentes de mortalidade por DVNR nas idades mais avançadas contrastam bastante com as tendências observadas para DCR, podendo refletir uma maior prevalência e, consequentemente, mortalidade nos grupos etários >70 anos, para DVNR tanto aórtica quanto mitral (Tabela 5-2). De 1990 a 2019, uma carga crescente de doença valvar aórtica calcífica, em homens e mulheres, associou-se com um aumento na mortalidade naquele grupo etário. Os II 95% são amplos em geral para as estimativas de mortalidade por DVNR, em especial para cada envolvimento valvar específico em separado. 4 , 18

•Em 1990, a DVNR ocupou a 10 a posição entre as causas de morte no Brasil (8 a a 11 a em diferentes estados), tendo aumentado proporcionalmente para a 9 a em 2019 (8 a a 10 a na maioria dos estados), tendência oposta à observada para a DCR ( Figura 5 -4 ). 18

•Os dados do GBD 2019 demonstraram correlações significativas entre as variações nas taxas de mortalidade padronizadas por idade por DVNR em geral e o SDI em 1990 (r= -0,55, p=0,003) e em 2019 (r= -0,58, p=0,001), assim como padrão similar para a doença valvar aórtica calcífica (1990: r= -0,51, p=0,007; 2019: r= -0,54, p=0,003). Fortes correlações positivas foram observadas entre a mortalidade padronizada por idade e o SDI tanto de 1990 (r=0,80, p<0,001) quanto de 2019 (r=0,70, p<0,001) ( Figura 5 -6 ). Como o desenvolvimento socioeconômico se correlaciona com transição epidemiológica e expectativa de vida, um maior SDI está associado a indivíduos mais idosos com risco para condições valvares degenerativas e menos propensos a etiologias infecciosas, como a DCR. Entretanto, no Brasil, as condições socioeconômicas – e possivelmente acesso ótimizado à atenção à saúde – ainda desempenharam um paper importante nas variações de mortalidade por DVNR ao longo do tempo. 18

•Correlações similares foram observadas para a doença valvar mitral degenerativa. Por outro lado, para as outras DVNR, não se observou correlação significativa entre o SDI e as taxas de mortalidade padronizadas por idade – e tampouco com suas variações percentuais ao longo do tempo. 18

Carga de Doença

Doença cardíaca reumática

•De acordo com dados do GBD 2019, a taxa de DALYs padronizada por idade atribuível a DCR diminuiu significativamente em 45,1% no Brasil, passando de 144,6 (II 95%, 126,8 - 167,3) por 100 mil em 1990 para 79,3 (II 95%, 61,6 - 102,6) por 100 mil em 2019 ( Figura 5 -7 .A). As taxas decrescentes observadas no período foram similares para homens e mulheres, -46,7% (II 95%, -54,4 a -39,3) e -44,2% (II 95%, -51,1 a -36,9), respectivamente (Tabela 5-4). 201

•As taxas de DALYs padronizadas por idade diminuíram em todos os estados brasileiros, com tendência mais significativa nas regiões com as mais altas taxas em 1990: Centro-Oeste e Sudeste (Tabela 5-2). As regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentaram as mais altas taxas de DALYs padronizadas por idade e DALYs proporcionais em 1990, enquanto quatro estados do Nordeste (Sergipe, Bahia, Alagoas e Pernambuco), um do Sul (Paraná) e um do Centro-Oeste (Goiás) ocuparam o topo da lista em 2019. 4 , 18

•Um padrão decrescente similar foi observado para as taxas de YLLs padronizadas por idade por DCR, que variaram de 102,1 (II 95%, 97,5 - 107,3) por 100 mil em 1990 a 35,8 (II 95%, 33,5 - 38,4) por 100 mil em 2019, uma redução de 64,9% (II 95%, 61,6 - 67,9). 4 , 18

•As estimativas do GBD 2019 não mostraram correlação entre as taxas de DALYs padronizadas por idade e o SDI em 1990 nem em 2019. Da mesma maneira, não houve correlação entre o SDI e a variação percentual nas taxas de DALYs padronizadas por idade em 1990 (r= -0,36, p=0,06), e apenas uma fraca correlação em 2019 (r= -0,41, p=0,03) ( Figura 5 -8 ), sugerindo que os efeitos do desenvolvimento socioeconômico foram menos pronunciados na morbidade em comparação à mortalidade.

Doença Valvar do Coração Não Reumática

•De acordo com o GBD 2019, as taxas de DALYs padronizadas por idade atribuíveis a DVNR diminuíram (30%) no Brasil, passando de 62,8 (II 95%, 60,3 – 65,2) por 100 mil em 1990 para 44 (II 95%, 40,7 - 47) por 100 mil em 2019 (Tabela 5-4 e Figura 5 -9 .B). O padrão de redução observado no período foi similar para homens (-31%) e mulheres (-28%). Com relação às doenças específicas, as taxas diminuíram igualmente para a doença valvar mitral degenerativa [-30,7% (II 95%, -41,6 a -22,6)] em comparação à doença valvar aórtica calcífica [-30,3% (II 95%, -36,3 a -21,3)]. Para outras DVNR, as taxas padronizadas por idade tenderam ao aumento [19,1% (II 95%, -21,1 – 68,5)], embora os II fossem consideravelmente amplos, incluindo 0. As tendências observadas para os YLLs foram similares. 4 , 18

•A tendência decrescente foi relativamente homogênea em todos os estados brasileiros e as taxas de DALYs padronizadas por idade permaneceram mais altas nas regiões Sul e Sudeste em todo o período, assim como em Pernambuco, estado da região Nordeste (5 o lugar em 2019) ( Figura 5 -9 .B. A redução mais significativa foi observada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (Distrito Federal e estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro), assim como em Rondônia, na região Norte, que não tem dados primários para a maioria das estimativas. 4 , 18

•À semelhança do observado para mortalidade, as taxas decrescentes de DALYs padronizadas por idade devidas a DVNR contrastam com o discreto aumento nas taxas brutas [7,3% (II 95%, 0 - 15,1)] no período (1990 – 2019), influenciadas pelo grupo etário >70 anos (+5%), e mais uma vez sugerindo que a morbidade associada com DVNR esteja se deslocando para os idosos, possivelmente em resposta às mudanças na composição etária da população. 4 , 18

•As taxas de DALYs proporcionais no Brasil aumentaram e, de 1990 a 2019, as regiões Sul e Sudeste foram responsáveis pelas maiores proporções de DALYs no período, de acordo com as estimativas do GBD. 201 , 202

•Ainda segundo dados do GBD 2019, houve significativas correlações positivas entre as taxas de DALYs padronizadas por idade por DVNR em geral e o SDI em 1990 (r=0,80, p<0,001) e em 2019 (r=0,55, p<0,001) ( Figura 5 -10 ). As variações percentuais nas taxas de DALYs padronizadas por idade (1990 – 2019) também se correlacionaram com o SDI em 1990 (r= -0,72, p<0,001) e em 2019 (r= -0,72, p<0,001). Para a doença valvar aórtica calcífica, foram observadas correlações significativas entre DALYs e SDI em 1990 (r2=0,80, p<0,001) e em 2019 (r2=0,62, p<0,001), assim como entre as variações percentuais nas taxas de DALYs e o SDI nos dois anos, sugerindo que o desenvolvimento socioeconômico também seja um determinante de DVNR degenerativa, ligado ao envelhecimento e aos fatores de risco.

•Para a doença valvar mitral degenerativa, observou-se correlação positiva entre as taxas de DALYs padronizadas por idade e o SDI em 1990, mas não em 2019, enquanto as variações percentuais nas taxas de DALYs correlacionaram-se negativamente com o SDI em 1990 e em 2019, sugerindo algum impacto dos marcadores socioeconômicos também sobre esta condição.

Complicações e Doenças Associadas

Arritmias Associadas com Doença Valvar

•Para pacientes com doença cardíaca valvar, a FA é um fator complicador, ocorrendo, em geral, naqueles com a história natural da doença mais avançada. Acha-se mais comumente associada à doença valvar mitral, em especial estenose mitral. A FA foi observada em 34% de uma coorte de 427 pacientes (idade média, 50±16 anos; 84% mulheres) com estenose mitral grave, tendo sido mais frequente naqueles que morreram durante o acompanhamento (27 de 41; 66%) em comparação aos que sobreviveram (114 de 378; 30%), reforçando seu papel de marcador de prognóstico na doença valvar cardíaca. 203

•Além disso, a FA pode se desenvolver na doença valvar aórtica grave, especialmente em pacientes mais idosos e no pós-operatório. Em uma coorte retrospectiva de 348 pacientes (idade média, 76,8±4,6 anos), FA pós-operatória foi observada em 114 (32,8%), mas as taxas foram mais altas a partir de 80 anos em comparação ao grupo etário de 70-79 anos (42,9% vs. 28,8%, p=0,017). 204

•Em outra avaliação retrospectiva conduzida em Pernambuco (Nordeste do Brasil), envolvendo 491 pacientes consecutivos após cirurgia por doença valvar do coração, a incidência de FA foi 31,2% e associada com idade >70 anos (OR=6,82; IC 95%, 3,34 - 14,10, p <0,001), doença valvar mitral (OR=3,18; IC 95%, 1,83 - 5,20, p<0,001) e a não utilização de betabloqueadores no período pós-operatório, entre outros fatores. 205

•Doença valvar do coração (17,5%) e arritmias (FA e flutter atrial – 50,7%) foram as principais fontes cardioembólicas para acidente vascular cerebral em estudo que envolveu 256 pacientes (60,2 ± 6,9 anos, 132 homens) na região Sul do Brasil. 206

•No registro BYPASS, uma coorte multicêntrica de pacientes submetidos a cirurgia valvar cardíaca, as complicações pós-operatórias mais frequentes foram arritmias (22,6%), infecções (5,7%) e síndrome de baixo débito (5,1%). 198

Associação entre Doença Valvar do Coração e Doença Arterial Coronariana

•Devido ao elevado risco cirúrgico da combinação de procedimentos valvares e revascularização coronária, é essencial que se reconheça a prevalência de DAC obstrutiva em associação com doença valvar do coração. Estudos mostraram menor prevalência de DAC em pacientes com DCR em comparação àqueles com DVNR, possivelmente como reflexo da menor mediana de idade dos pacientes com DCR e da maior prevalência de fatores de risco coronariano na DVNR. 207

•Em estudo no Rio de Janeiro incluindo 1.412 candidatos a cirurgia cardíaca por qualquer indicação, 294 portadores de doença cardíaca valvar primária de etiologia reumática e não reumática foram selecionados. Todos os 294 pacientes tinham idade ≥40 anos e foram submetidos a angiografia coronária. As prevalências de DAC em pacientes com DCR e DVNR foram 4% e 33,6% (p <0,0001), respectivamente. Características e fatores de risco, como idade, dor precordial típica, hipertensão, diabetes mellitus e dislipidemia, foram significativamente associados com DAC obstrutiva. 208

•Em outro estudo no Brasil que avaliou 712 pacientes com doença valvar do coração e idade média de 58±13 anos, a incidência de DAC obstrutiva foi 20%. Entretanto, nos mais jovens (<50 anos), a prevalência foi mais baixa (3,3%). 209 Esses dados são similares aos observados em outro estudo que incluiu 3.736 pacientes (idade média de 43,7 anos), nos quais a prevalência de DAC obstrutiva combinada com doença valvar do coração foi 3,42%. 207

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

•De acordo com a base de dados administrativos do SUS, o total de despesas brutas (reembolso) com hospitalização para tratamento clínico de doença valvar do coração no Brasil aumentou significativamente em 90%, passando de R$ 1.051.959 em 2008 para R$ 1.999.540 em 2019, em um padrão quase linear. Ajustando e convertendo esses valores para dólares internacionais de 2019, o total de custos no sistema público de saúde para hospitalização por condições valvares foi de $ 1.031. 953, em 2008, e $ 966.428, em 2019, uma redução de 6,3%. 210

•Da mesma forma, os custos não ajustados associados com procedimentos cirúrgicos/intervencionistas valvares (códigos relacionados com cirurgia valvar, comissurotomia mitral percutânea e outros tipos de valvuloplastia) também aumentaram de 2008 a 2019, passando de R$ 130.588.598 (2019 Int$ 128.105.083) para R$ 190.771.771 (2019 Int$ 92.204.819), embora com menor magnitude em comparação àqueles de internações clínicas (46% vs. 90%). Após ajuste para Int$, observou-se uma significativa redução de 28,0%. O total de despesas com procedimentos cirúrgicos para o SUS nessa série temporal (2008 – 2019) foi R$ 10.524.044.511 (Int$ 6.853.635.725) (Tabela 5-5 e Figura 5 -11 ). 210

•O número de internações para cirurgias/intervenções relacionadas às doenças valvares não cresceu muito no Brasil de 2008 a 2019, variando de 12.679 em 2008 a 14.294 em 2019. Isso está provavelmente associado com a complexidade e os custos crescentes das intervenções (em especial, custos hospitalares, dispositivos e próteses) e denota a carga econômica imposta pela incorporação de novos procedimentos e tecnologias, além do efeito marcante da inflação sobre os custos da atenção à saúde – considerando-se os valores mais baixos em 2019 quando ajustados para Int$. Nesse cenário, a futura incorporação de terapias bem estabelecidas ainda não reembolsadas pelo SUS, como a TAVI, contribuirá para aumentar a carga econômica, embora as despesas com demandas judiciais possam facilmente exceder os custos ordinários. 211

•O número total de internações por doença valvar (clínica e cirúrgica) nesse período foi de 196.922, tendo a maioria ocorrido na região Sudeste (41,2%), seguida pelas regiões Nordeste (25,7%), Sul (20,2%), Centro-Oeste (7,5%) e Norte (5,4%) (Tabela 5-5). 210

•Observou-se queda dramática em alguns tipos de procedimentos, a despeito de suas crescentes indicações, como a comissurotomia mitral percutânea. Especificamente para esse procedimento, os números decrescentes podem estar associados com o atraso nas tabelas de reembolso do SUS, limitando o número de hospitais que realizam essa intervenção. O número absoluto de cirurgias valvares abertas permaneceu estável no período, variando de 12.201 em 2008 a 12.771 em 2019, a despeito do crescente número de casos de doença valvar do coração – em especial DVNR – e da crescente carga para os idosos, à medida que a população envelhece. 190 , 211

•Em nenhum dos períodos, o aumento no número de internações esteve em paralelo com as despesas crescentes, sugerindo uma progressiva complexidade – e, consequentemente, custo – dos procedimentos para o tratamento da doença valvar cardíaca, além da inflação dos dispositivos médicos e dos custos hospitalares associados (considerando os valores em Int$) (Tabela 5-5 e Figura 11 ). 210

•A partir da base de dados administrativos do SUS, os procedimentos valvares associados com sequelas de DCR não puderam ser diferenciados daqueles associados com outras etiologias, devido à ausência de código específico disponível, além da imprecisão da notificação dos códigos da CID. 210

•É interessante notar que estudos observacionais enfatizaram que a DCR permanece sendo a principal etiologia associada com cirurgia cardíaca em jovens no Brasil, atingindo até 60% em um estudo realizado em Salvador, Bahia. 178 No Instituto do Coração de São Paulo, o número de cirurgias cardíacas valvares associadas com DCR aumentou substancialmente nos últimos 10 anos, de cerca de 400 cirurgias/ano em 1990 para mais de 600 após 2000. 121 Entre 2008 e 2015, houve 26.054 hospitalizações por sequelas de FRA, 45% das quais por doença cardíaca, levando a um custo total possivelmente subestimado de US$ 3,5 milhões ao ano. 177 , 210

•Ainda de acordo com estudos observacionais e registros de base hospitalar, as doenças valvares de origem reumática, em geral, são responsáveis por cerca de 90% das cirurgias cardíacas em crianças e por mais de 30% das cirurgias cardíacas em adultos, a maioria jovem. 135 Entretanto, poucos estudos epidemiológicos estimaram a carga da doença valvar por causa específica no Brasil.

•O rastreamento ecocardiográfico para DCR latente mostrou-se custo-efetiva em um estudo conduzido no Brasil. Uma estratégia baseada em divisão de tarefas, com aquisição de imagem por não médicos, utilizando dispositivos portáteis, e telemedicina para interpretação remota por especialistas, resultou em uma razão de custo-efetividade incremental de $10.148,38 por DALY evitado, abaixo do limiar estimado de 3 vezes o produto interno bruto per capita, sugerido pela Organização Mundial da Saúde. 212

•Informação obtida na base de dados do SUS (DATASUS) mostrou que, de 2008 a 2017, houve 42.720 e 78.966 hospitalizações por FRA e DCR crônica, respectivamente, representando 0,4% e 0,7% das hospitalizações cardiovasculares no país, respectivamente. Essa análise, no entanto, não tem dados específicos para DVNR. 213

Doença Valvar Mitral

•Com base em dados administrativos do SUS de 2001 a 2007 e referentes a cirurgia de valva mitral, em uma série retrospectiva de 78.808 pacientes cirúrgicos consecutivos, a idade média foi de 50,0 anos (35,9 – 62,5) e 40.106 eram mulheres (50,9%). Novamente, a DCR foi a principal etiologia, responsável por 53,7% do total de pacientes submetidos a cirurgia e a mais de 94% daqueles submetidos a procedimentos para estenose mitral, que representou a maior indicação cirúrgica única, correspondendo a 38,9% do total. No geral, a substituição valvar foi realizada em 69,1% das cirurgias. A mortalidade hospitalar foi 7,6%. 197

•A mortalidade cirúrgica foi discretamente maior em mulheres do que em homens (7,8% vs. 7,3%; p <0,001) e consideravelmente mais alta nos indivíduos com idade ≥80 anos. Por outro lado, a mais baixa mortalidade foi observada naqueles entre 20 e 39,9 anos (p <0,001). Os pacientes com cirurgias aórtica e mitral combinadas (refletindo etiologia reumática) foram os mais jovens (mediana, 43,3 anos). A cirurgia para estenose aórtica foi mais comum em indivíduos mais idosos (mediana, 58,0 anos) (p <0,001). Reparo valvar apresentou menor mortalidade (3,5%) em comparação a substituição valvar (6,9%), reparo/substituição valvar múltipla (8,2%) e CRVM concomitante (14,6%) (p<0,001). Associação com CRVM ocorreu em 7.147 pacientes (9,1% da amostra). 197

•Quanto à comissurotomia percutânea, estudos no Brasil mostraram uma proporção muito maior de mulheres (85%) – coincidente com a epidemiologia da DCR e principalmente da estenose mitral – e de jovens (<40 anos). 214 , 215 À medida que se desenvolve expertise local nesse procedimento, investigam-se aspectos técnicos, como a utilização rotineira de sedação consciente (baixa dose de midazolam e fentanil), resultando em ansiólise e analgesia, sem efeitos hemodinâmicos. 216 Além disso, há esforços contínuos para definir preditores de desfechos clínicos de longo prazo, como alterações na complacência atrioventricular invasiva e não invasiva. 217

•Em um estudo retrospectivo visando avaliar o reparo da valva mitral em 54 crianças brasileiras (<16 anos) com DCR crônica precoce, não houve relato de morte peroperatória. Os desfechos tardios mais frequentes (>7 dias) foram lesão mitral residual (n=11) e necessidade de reoperação (n=3). Portanto, o reparo da valva mitral permanece sendo uma estratégia razoável para DCR em idades mais jovens. 218

Doença Valvar Aórtica

•Uma coorte de 724 pacientes consecutivos, submetidos a cirurgia cardíaca no Instituto do Coração de São Paulo, evidenciou, à semelhança de outros estudos, maior taxa de mulheres (55%) e predominância de DCR (60%). Nessa série, entretanto, houve maior proporção de doença valvar aórtica (396 casos) do que de doença valvar mitral (306 casos) em comparação a outras séries. Nos pacientes com doença valvar mitral, observaram-se estenose em 39,9%, regurgitação em 38,4% e disfunção de prótese mitral em 21,7%. Naqueles submetidos a intervenção valvar aórtica, observaram-se estenose em 51,6%, regurgitação em 29,3% e disfunção de prótese em 19,1%. O estudo sugere um aumento de doença valvar aórtica em comparação à doença valvar mitral em um hospital terciário na região Sudeste do Brasil. 219

•Outro estudo retrospectivo de coorte foi conduzido em Porto Alegre (Sul do Brasil), com 1.065 pacientes (idade média, 61,4 ± 11,8 anos; 38% mulheres). Substituição de valva aórtica foi realizada em 18,8% e de valva mitral, em 13,4%. Revascularização coronária concomitante foi realizada em 60,3% da amostra e cirurgias valvares, em 32,7%.

A mortalidade hospitalar geral foi 7,8%, sendo menor para CRVM isolada (5,9%), intermediária para cirurgia valvar (aórtica e/ou mitral e/ou tricúspide = 8,6%) e maior para a combinação de procedimentos valvares e CRVM (20,0%). 220

Implante Percutâneo de Valva Aórtica no Brasil

•Como em outros países, a TAVI ganhou importância no Brasil nos últimos 20 anos. Estima-se que mais de 100 mil TAVI já foram realizadas no mundo. 196 , 211 A primeira TAVI no Brasil ocorreu em 2008. O registro brasileiro de TAVI informa a realização de 418 TAVI em 18 centros até 2014, tendo esse número crescido exponencialmente desde então. O acesso femoral foi escolhido em 96,2% dos procedimentos e as próteses usadas foram CoreValve ® (86,1%) e Sapien XT ® (13,9%). Nessa experiência inicial, as mortalidades por todas as causas em 30 dias e 1 ano foram 9,1% e 21,5%, respectivamente. 221

•Dados do registro de TAVI atualizados em 2017 revelaram um total de 819 pacientes em acompanhamento clínico, demonstrando que o procedimento tem baixa incidência de complicações – em especial desfechos clínicos duros precoces – e ressaltando taxas de disfunção renal pós-procedimento em torno de 18%. 222 , 223

•Em outra avaliação realizada na cidade do Rio de Janeiro com 136 pacientes submetidos a TAVI [mediana de idade, 83 (80-87) anos; 51% homens], a mortalidade peroperatória foi 1,5%, a mortalidade de 30 dias, 5,9%, a mortalidade hospitalar, 8,1% e a mortalidade de 1 ano, 15,5%. 224

•De 819 valvas aórticas implantadas por via percutânea até 2017, 135 pacientes (20,1%) precisaram de marca-passo permanente. Esses pacientes eram mais velhos (82,5 vs. 81,1 anos; p=0,047), predominantemente homens (59,3% vs 45%; p=0,003) e tinham bloqueio de ramo direito prévio (OR=6,19; IC 95%, 3,56 – 10,75, p≤0,001). O uso da prótese CoreValve ® (OR=3,16; IC 95%, 1,74 – 5,72, p≤0,001) e gradiente transaórtico basal >50 mmHg (OR=1,86; IC 95%, 1,08 – 3,20, p=0,025) foram preditores independentes de implantação de marca-passo permanente. 223

Pesquisa Futura

•Apesar da notável melhora nas últimas décadas, ainda há escassez de dados primários sobre a epidemiologia da doença valvar do coração no Brasil e muito espaço para pesquisa futura.

•Deve-se incluir a coleta de dados administrativos, com o desenvolvimento de codificação específica que permita a discriminação de variáveis, como a valva envolvida, o tipo de disfunção valvar, o tipo de prótese e, principalmente, a etiologia e a associação com doenças sistêmicas. Isso é de especial importância no SUS.

•Além disso, o desenvolvimento em âmbito nacional de registros sobre doença valvar e procedimentos é necessário. O refinamento do sistema de codificação e a implementação mandatória de relatórios clínicos e cirúrgicos – como feito anteriormente para as intervenções coronárias percutâneas – podem ser um passo inicial para melhorar a acurácia na aquisição de dados.

•Como o país tem algumas coortes significativas de pacientes com doença valvar do coração, o acompanhamento de médio e longo prazo dessas amostras deve ser garantido. Importante notar que há iniciativas de pesquisa que requerem incentivos e financiamento para sua continuação, como os estudos em andamento sobre prognóstico de longo prazo de DCR subclínica em crianças e adolescentes, 176 , 192 determinantes genéticos e imunológicos da resposta às infecções estreptocócicas que leva a DCR, 225 preditores clínicos e relacionados ao procedimento de eventos a curto e longo prazo após comissurotomia mitral percutânea, 203 , 226 além de um registro nacional de TAVI. 221

•Como um estudo sugere que o rastreamento ecocardiográfico para DCR seja custo-efetivo no Brasil, 212 sua aplicação fora do contexto de pesquisa e sua integração no sistema de saúde deveriam ser investigadas em programas de larga escala.

•Além disso, esforços continuados foram direcionados para o desenvolvimento de vacinas contra infecções estreptocócicas, 225 devendo-se garantir estudos colaborativos sobre sua eficácia e aplicação clínica para reduzir a carga de DCR.

•Como o reembolso para TAVI acaba de ser aprovado no sistema privado de saúde brasileiro, sua incorporação no SUS parece próxima, 211 sendo que a avaliação do seu verdadeiro impacto clínico, orçamentário e social nos desfechos da atenção à saúde pública requer extensa pesquisa e financiamento.

•Finalmente, outras estratégias promissoras para prover diagnóstico precoce e priorizar referenciamentos em áreas com poucos recursos devem ser investigadas no Brasil. Como exemplo, a disponibilidade de modalidades de exames de imagem para o manejo da doença valvar do coração – em especial ecocardiografia – é limitada e distribuída de maneira desigual no país. Nesse cenário, avaliou-se a implementação de tele-ecocardiografia, com a divisão de tarefas e aquisição de imagem por não médicos (ainda não permitida fora do contexto de pesquisa pela regulamentação da atenção à saúde no Brasil) e sua leitura remota. 227 Apesar do seu bom desempenho para diagnóstico e discriminação de pacientes com alto risco cardiovascular, 227 o impacto sobre os desfechos clínicos e a custo-efetividade da estratégia ainda necessitam avaliação.

•Há espaço para aprimorar o diagnóstico cardíaco remoto no Brasil, através da expansão do tele-ECG, do rastreio de FA, 228 das consultas remotas – incluindo aquelas para condições infecciosas, como a COVID-19 229 – e da incorporação das inovações em técnicas de imagem para melhorar o acesso ao cuidado cardiovascular. São necessárias extensas discussões baseadas em robustas evidências científicas.

6. FIBRILAÇÃO ATRIAL E FLUTTER ATRIAL

CID-10 I48

Ver Tabelas 6-1 até 6-5 e Figuras 6-1 até 6-3

Abreviaturas usadas no Capítulo 6

AIT Ataque Isquêmico Transitório
AVC Acidente Vascular Cerebral
AVK Antagonista da Vitamina K
BNP Peptídeo Natriurético Cerebral
CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10 a Revisão
CRVM Cirurgia de Revascularização Miocárdica
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Years )
DCh Doença de Chagas
ECG Eletrocardiograma
ELSA-Brasil Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto
FA Fibrilação Atrial
GARFIELD-AF Global Anticoagulant Registry in the FIELD-AF
GBD Global Burden of Disease
HR Hazard Ratio
IC Intervalo de Confiança
II Intervalo de Incerteza
IMPACT-AF A Multifaceted Intervention to Improve Treatment with Oral Anticoagulants in Atrial Fibrillation
INR Índice Internacional Normalizado (do inglês, International Normalized Ratio )
NOAC Novos Anticoagulantes Orais
OR Odds Ratio
PPC Paridade do Poder de Compra
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SUS Sistema Único de Saúde
TTR Tempo na Faixa Terapêutica (do inglês, Time in Therapeutic Range )
UF Unidade Federativa
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos de vida perdidos por morte prematura (do inglês, Years of Life Lost)

Tabela 6-1
– Número de casos prevalentes e taxas de prevalência padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) por fibrilação atrial e flutter em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, por sexo e grupo etário, no Brasil.
Tabela 6-2
– Número de casos prevalentes e taxas de prevalência padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) por fibrilação atrial e flutter em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas
Tabela 6-3
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) por fibrilação atrial e flutter em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, por sexo e grupo etário, no Brasil
Tabela 6-4
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) por fibrilação atrial e flutter em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas
Tabela 6-5
– Número de DALYs e taxas de DALYs padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) por fibrilação atrial e flutter em 1990 e 2019, com variação percentual das taxas, por sexo e grupo etário, no Brasil

Figura 6-1
-Taxas de fibrilação/flutter atrial para todas as idades e padronizadas por idade entre 1990 e 2019, no Brasil. A. Prevalência, B. Incidência, C. Mortes, D. YLLs, D. DALYs, E. YLDs. 46

Figura 6-2
-Correlação do Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 com a variação percentual nas taxas de mortalidade padronizadas por idade por fibrilação atrial e flutter por 100 mil habitantes de 1990 a 2019.

Figura 6-3
-Mortes (por 100 mil) por fibrilação atrial e flutter atribuíveis a fatores de risco no Brasil em 1990 e 2019 e variação percentual, para ambos os sexos, homens e mulheres.

Prevalência e Incidência

•De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, as taxas de prevalência de FA e flutter atrial padronizadas por idade apresentaram um pequeno aumento no Brasil: de 519 (II 95%, 393-669) em 1990 para 537 (II 95%, 409-692) em 2019, por 100 mil habitantes, para ambos os sexos, com variação de 3,5% (II 95%, 1,8-5,1) no período. A prevalência de FA e flutter atrial foi maior nos homens [em 1990, 619 (II 95%, 468-792); em 2019, 643 (II 95%, 489-829)] do que nas mulheres [em 1990, 499 (II 95%, 418-587); em 2019, 522 (II 95%, 440-610)], embora a variação percentual tenha sido similar nos dois sexos (mulheres, 4.0%; II 95%, 1,9-6,5; e homens, 4,0%; II 95%, 1,9-6,0) no período. Em números absolutos, as estimativas de prevalência de FA e flutter atrial no Brasil subiram de 0,4 milhão em 1990 para 1,2 milhão em 2019, principalmente devido ao crescimento e envelhecimento da população (Tabela 6-1 e Figura 6-1 ), como sugerido pelas crescentes taxas de prevalência bruta. Em 2019, a proporção de indivíduos com FA prevalente foi de 0,59% (II 95%, 0,45-0,76). Ao estratificar pelas UF brasileiras, a taxa de prevalência de FA e flutter atrial é similar na maioria das UF brasileiras, exceto em Minas Gerais, cuja taxa é quase o dobro daquela dos outros estados (Tabela 6-2). Importante ressaltar que Minas Gerais é o único estado para o qual o Institute for Health Metrics and Evaluation tem dados primários, o que pode explicar essa diferença e sugerir que a prevalência de FA possa ser ainda maior no Brasil do que estimado pelo GBD. 46

•Com relação à taxa de incidência padronizada por idade por 100 mil por-ano, as estimativas do Estudo GBD 2019 foram 44 (II 95%, 33-56) em 1990 e 45 (II 95%, 34-58) em 2019, também maior para os homens nos dois períodos [mulheres, 1990: 37 (II 95%, 28-48) e 2017: 39 (II 95%, 29-50); homens: 1990: 50 (II 95%, 38-64) e 2017: 52 (II 95%, 39-67)].

•Dados de estudos de base populacional mostraram prevalência variando de 0,3% a 2,4%. No estudo de coorte ELSA-Brasil, que incluiu 14.424 adultos com ECG válidos (45,8% homens, faixa etária: 35-74 anos), a prevalência de FA e flutter atrial foi 0,3% (homens, 0,5%; mulheres, 0,2%), sendo maior na faixa etária de 65-74 anos (mulheres: OR, 17; 95% CI, 2,1-135,9; homens: OR, 52,3; 95% CI, 3,1-881,8). Não houve diferença na prevalência de acordo com a raça autorreferida, para os dois sexos. 230 Em estudo transversal com 1.524 idosos em São Paulo, a prevalência de FA ou flutter atrial foi 2,4% (homens 3,9%; mulheres, 2,0%). 231

•Os centros de telessaúde no Brasil forneceram informação sobre a prevalência de FA e flutter atrial com base em ECG da atenção primária. 232–235 No conjunto de dados sobre ECG do sistema de telessaúde de Minas Gerais, que incluiu 1.558.421 indivíduos (idade média, 51±18 anos; 40,2% homens) com ECG realizado entre 2010 e 2017, a prevalência de FA foi 1,33%, maior em homens (1,81% vs. 1,02%) e aumentando com a idade (OR 1,08, CI 95% 1,08-1,08), chegando a 7,0% nos octogenários (8,4% em homens vs. 5,9% em mulheres). 236

•Dados de 676.621 ECG (idade média, 51±19 anos; 57,5% mulheres) realizados de 2009 a 2016 foram analisados no serviço de telemedicina da Universidade Federal de São Paulo, revelando uma prevalência de FA em 7 anos de 2,2% e uma prevalência de FA projetada para 2025 no Brasil de 1,7%. 234

•O registro de base hospitalar GARFIELD-AF incluiu pacientes ≥18 anos com FA diagnosticada nas 6 semanas anteriores e pelo menos um fator de risco adicional para AVC. No Brasil, 41 sites incluíram 1.065 pacientes com FA não valvar entre 2010 e 2014 (idade média, 68±13 anos; 55% homens). A prevalência dos tipos de FA foi a seguinte: primeiro episódio, 52%; paroxística, 25%; persistente, 14%; e permanente, 8%. 237

Mortalidade

•Segundo o Estudo GBD 2019, o número de óbitos por FA no Brasil aumentou nos últimos anos em razão do crescimento e envelhecimento da população. Na década de 1990, a FA foi responsável por 2.659 (II 95%, 2.263-3.342) óbitos, que subiram para 10.811 (II 95%, 8.636-12.801) em 2019. Entretanto, a taxa de mortalidade padronizada por idade por FA permaneceu estável no período, 4,8 (II 95%, 4,0-6,0) óbitos por 100 mil habitantes em 1990 e 5,0 (II 95%, 4,0-6,0) por 100 mil habitantes em 2019, correspondendo a 0,8% (II 95%, 0,6-0,9) de todos os óbitos no país. Embora as taxas de prevalência padronizadas por idade fossem consistentemente mais altas nos homens, as mulheres apresentaram uma maior taxa de mortalidade padronizada por idade em 2019 [(mulheres, 5,2 (II 95%, 3,9-6,0); homens, 4,8 (II 95%, 3,2-6,4)], dados coerentes com os de outros países. 238 , 239 Considerando-se os indivíduos com idade > 70 anos, a taxa de mortalidade aumentou de 1990 (51, II 95%, 43-65) a 2019 (73, II 95%, 57-87) (Tabela 6-3). Vale ressaltar que, como a mortalidade baseada apenas em dados de registro vital apresenta um implausível aumento vertiginoso ao longo do tempo, o Estudo GBD 2019 presume, a priori , que as taxas de mortalidade específicas para idade e sexo não estejam aumentando nem diminuindo com o tempo. 4 Portanto, as pequenas variações com o tempo aqui relatadas são intencionalmente mais baixas do que as reais variações em dados brutos.

•A Figura 6-1 mostra que, embora as taxas de mortalidade padronizadas por idade sejam estáveis, as taxas de mortalidade brutas estão subindo em razão do envelhecimento da população e crescimento do número de indivíduos que vivem mais com doenças crônicas do coração. Além disso, os YLLs, a métrica usada no GBD para óbito prematuro, também estão subindo quando não padronizados por idade.

•A Tabela 6-4 mostra o número total de óbitos e a taxa de mortalidade padronizada por idade por FA por 100 mil habitantes, ambos os sexos, e a variação percentual no Brasil e suas UF no período 1990-2017. As UF com as maiores taxas de mortalidade em 2019 foram Distrito Federal, Maranhão e Roraima, enquanto as menores foram observadas no Piauí, no Amazonas e na Paraíba. Entretanto, devido a problemas de notificação, esses dados podem apresentar inconsistência e devem ser interpretados com cautela.

•O Estudo GBD 2019 utiliza o SDI como uma estimativa do nível socioeconômico de um local. Como demonstrado na Figura 6-2 , houve modesta associação de maior SDI em 2019 com maior variação percentual na taxa de mortalidade padronizada por idade de 1990 a 2019 (r=-0,44, p=0,02), revelando que, nas UF mais desenvolvidas, houve maior redução na mortalidade, possivelmente devido a investimentos em saúde e maior redução na carga de doença cardiovascular como um todo.

•A partir de dados de 1.558.421 ECG de pacientes da atenção primária do sistema de telessaúde de Minas Gerais, ligado ao Sistema de Informação sobre Mortalidade do Brasil, a taxa de mortalidade geral foi 3,34% em um seguimento médio de 3,68 anos. Após ajuste para idade e comorbidades, os portadores de FA apresentaram maior risco de morte geral (HR 2,10; 95% CI, 2,03–2,17) e cardiovascular (HR 2,06; 95% CI, 1,86–2,29), que foi ainda maior nas mulheres, que perderam sua vantagem de sobrevida em relação aos homens na presença de FA. 236

•Em seguimento de 10 anos de 1.462 indivíduos com idade ≥ 60 anos (idade média, 69 anos; 61% mulheres) incluídos no estudo de coorte de Bambuí em 1997, FA ou flutter mostrou associação independente com um aumento na mortalidade por todas as causas (HR, 2,35; 95% CI, 1,53-3,62) entre pacientes com e sem DCh (HR,1,92; 95% CI, 1,05-3,51). 240

•No registro GARFIELD-AF, um estudo mundial de base hospitalar que incluiu 1.061 pacientes ≥18 anos no Brasil com FA diagnosticada nas 6 semanas anteriores e pelo menos um fator de risco adicional para AVC, a taxa de mortalidade por todas as causas por 100-pessoas-ano foi 6,19 (CI 95%, 4,83-7,94), sendo 38,7% óbitos cardiovasculares. 237

Carga de Doença

•De acordo com as estimativas do GBD 2019, a FA resultou em 230.116 (II 95%, 189.167 – 279.885) DALYs no Brasil em 2019, representando 0,35% de todos os DALYs. A taxa de DALYs padronizada por idade foi 103 (II 95%, 84-125) por 100 mil em 2019, maior para os homens (110; II 95% 86-138) do que para as mulheres (96; II 95%, 78-115), embora a proporção de DALYs seja maior para as mulheres (0,42%; II 95%, 0,35-0,48) do que para os homens (0,30%; II 95%, 0,24-0,37) (Tabela 6-5).

•A Figura 6-1 e a Tabela 6-4 revelam o mesmo padrão para as taxas de mortalidade: enquanto a taxa de mortalidade padronizada por idade permaneceu estável de 1990 a 2019, a taxa bruta aumentou.

Complicações

Acidente Vascular Cerebral

•Todos os 429 casos de AVC (87,2% dos quais isquêmicos) que ocorreram na cidade de Joinville em 2015 foram incluídos em um registro, sendo FA detectada em 11,4% deles e em 58% daqueles com AVC cardioembólico. 241 Da mesma forma, detectou-se FA em 58% dos 359 pacientes com AVC cardioembólico de uma amostra consecutiva proveniente de um único centro na cidade de Curitiba. 242

•Idade (OR=1,04; 95% CI, 1,02-1,08), escala do National Institutes of Health para avaliar AVC na admissão (OR=1,10; 95% CI, 1,05-1,16) e aumento do átrio esquerdo (OR=2,5; 95% CI, 1,01-6,29) foram preditores de FA (Estatística C, 0,76; 95% CI, 0,69-0,83) em pacientes hospitalizados por AVC agudo isquêmico ou AIT em uma coorte brasileira. 243

•Em uma coorte de 1.121 pacientes com AVC isquêmico em seguimento de 12 anos, FA foi independentemente associada a aumento da mortalidade geral (HR 1,82; 95% CI, 1,43-2,31) e cardiovascular (HR 2,07; 95% CI, 1,36-3,14). 244

Demência

•Em um estudo transversal com 1.524 participantes com idade >65 anos, diagnosticou-se demência em 11% daqueles com FA e em 4% daqueles sem FA (p=0,07). Os autores reportaram uma razão de chance para demência de 2,8 (95% CI, 1,0-8,1; p = 0,06) entre os indivíduos com FA. 245

Associação de Fatores de Risco para FA/Flutter

•De acordo com o Estudo GBD 2019, as mortes por FA foram atribuídas a seis fatores de risco em 1990 e 2019: hipertensão arterial, índice de massa corporal alto, riscos dietéticos, uso de álcool, tabaco e outros riscos ambientais. Para ambos os sexos, a hipertensão arterial foi o mais importante fator de risco para óbito por FA, representando 35,8% (II 95%, 29,7-42,2) dos óbitos nos homens e 34,4% (II 95%, 27,5-41,7) nas mulheres em 2019.

O índice de massa corporal alto foi o segundo mais importante para os dois sexos, representando 23,9% dos óbitos por FA (II 95%, 12-38) nos homens e 28,8% (II 95%, 16,7-43,2%) nas mulheres, em 2019. É importante notar que enquanto o risco atribuído a hipertensão aumentou levemente de 1990 a 2019 (variação de 7,1% para os homens e de 10,7% para as mulheres), os óbitos por FA atribuíveis a índice de massa corporal alto estão subindo abruptamente (variação de 74,4% para os homens e 79,5% para as mulheres). O risco de óbito por FA atribuível ao uso de álcool também cresce, em particular para as mulheres ( Figura 6-3 ).

•Dados do sistema de telessaúde de Minas Gerais com ECG de 1.558.421 indivíduos (idade média, 51±18 anos; 40,2% homens) realizados entre 2010 e 2017 revelaram, em modelos multivariados ajustados por idade e sexo, a relação das seguintes comorbidades autorrelatadas com a presença de FA: DCh (OR 3,08; 95% CI, 2,91-3,25), infarto do miocárdio prévio (OR 1,74; 95% CI, 1,56-1,93), doença pulmonar obstrutiva crônica (OR 1,48; 95% CI, 1,33-1,66), hipertensão (OR 1,31; 95% CI, 1,27-1,34), dislipidemia (OR 1,09; 95% CI, 1,03-1,16). Tabagismo atual e diabetes não foram associados à prevalência de FA. 236

•Um estudo transversal comparando indivíduos com FA a controles saudáveis encontrou maior frequência de apneia do sono no grupo com FA do que no grupo controle (81,6% versus 60%, p = 0,03). 246

Comorbidades

Fibrilação Atrial e Outras Doenças Cardíacas

•A incidência de FA entre 300 idosos (idade média, 75±8 anos; 56% mulheres) monitorados com marca-passo, sem FA na linha de base, foi de 22% em um seguimento de 435 dias, 247 atingindo 85% dos pacientes com marca-passo e doença renal crônica em seguimento de 1 ano. 248

•No ecocardiograma, a FA foi associada com doença cardíaca (OR = 3,9; 95% CI, 2,1 – 7,2, p <0,001) em 1.518 pacientes (idade média, 58±16 anos, 66% mulheres) de uma lista de espera para ecocardiografia na atenção primária, que também foram rastreados para FA com um dispositivo portátil (prevalência de FA de 6,4%). Os autores sugerem que rastrear FA possa ser útil na atenção primária para estratificar risco e priorizar o ecocardiograma. 228

•Insuficiência cardíaca e FA coexistem em muitos pacientes, pois compartilham vias fisiopatológicas similares. Em um estudo retrospectivo de 659 pacientes hospitalizados por insuficiência cardíaca descompensada em 2011, a prevalência de FA foi de 40% (73% FA permanente), estando a FA associada ao avançar da idade (p < 0,0001), etiologia não isquêmica (p = 0,02), disfunção ventricular direita (p = 0,03), pressão sistólica mais baixa (p = 0,02), maior fração de ejeção (p < 0,0001) e aumento do átrio esquerdo (p < 0,0001). Pacientes com FA apresentaram tempo de permanência no hospital mais longo (20,5 ± 16 dias versus 16,3 ± 12, p = 0,001). 249

•Com relação aos pacientes com doença cardiovascular atendidos na emergência, a prevalência de FA é 40% entre aqueles com insuficiência cardíaca descompensada 22 e 44% entre aqueles com doença valvar do coração. 182

•Um estudo com pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva identificou incidência de FA de 11% durante a internação naquele setor. 250

Fibrilação atrial peroperatória e cirurgia cardiovascular

•No pós-operatório de cirurgia cardíaca, identificou-se FA em 12% a 33% dos pacientes. 204 , 251 , 252 As cirurgias de substituição valvar foram associadas a maior ocorrência de FA (31%-33%) durante a hospitalização em comparação à CRVM (12%-16%).

•Idade avançada, doença valvar mitral e não uso de betabloqueadores foram associados com FA no pós-operatório de cirurgia valvar. 205 Entre aqueles submetidos a CRVM, a incidência de FA no pós-operatório foi associada com átrio esquerdo > 40,5 mm e idade > 64,5 anos. 253

Fibrilação Atrial e Doença de Chagas

•A FA tem sido consistentemente associada a DCh e aumenta o risco de morte nos pacientes com DCh. 254–257 No estudo de coorte de Bambuí, 1.462 participantes com idade ≥ 60 anos (idade média, 69 anos; DCh n=557, 38,1%) e ECG na linha de base foram seguidos por 10 anos. Fibrilação atrial foi mais frequentemente observada nos indivíduos com DCh, 6,1% vs. 3,4% (OR: 3,43; IC 95%, 1,87-6,32, ajustada para idade, sexo e variáveis clínicas), e foi um fator de risco independente para morte (HR: 2,35; IC 95%, 1,53-3,62, ajustada para idade, sexo, variáveis clínicas e níveis de BNP) nos indivíduos com DCh. 240

•Em uma grande amostra de 264.324 pacientes submetidos a tele-ECG em unidades de atenção primária à saúde em 2011, DCh foi autorrelatada por 7.590 (2,9%). A idade média dos indivíduos com DCh foi 57,0±13,7 anos e a daqueles sem DCh foi 50,4±19,1 anos, com 5% de octogenários nos dois grupos. Fibrilação atrial foi observada em 5,35% dos indivíduos com DCh e em 1,65% daqueles sem DCh (OR: 3,15; IC 95%, 2,83-3,51, ajustada para idade, sexo e comorbidades autorrelatadas). 254

•Em uma revisão sistemática e meta-análise, Rojas et al . avaliaram a frequência de anormalidades eletrocardiográficas da DCh na população geral. Foram selecionados 49 estudos, incluindo 34.023 pacientes (12.276 chagásicos e 21.747 não chagásicos). A prevalência de FA foi significativamente mais alta nos chagásicos (OR: 2,11; IC 95%, 1,40-3,19). 256

•Em uma amostra de 424 pacientes chagásicos com idade inferior a 70 anos (41,7% mulheres; idade média, 47±11 anos), seguidos por 7,9±3,2 anos, Rassi et al . encontraram prevalência de FA de 13,3±3,1%, com forte associação a risco de morte (HR: 5,43; 2,91-10,13) em análise univariada. 257

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

(Ver Tabelas 1-6 a 1-9 e Figuras 1-15 e 1-16)

•De 2008 a 2019, houve 354.619 hospitalizações por FA e 1.413 procedimentos de ablação para FA e flutter atrial realizados pelo SUS, com custos não ajustados de R$ 260.593.600 e R$ 7.912.561, respectivamente. Após ajuste para a inflação brasileira, esses custos foram de R$ 451.530.532 e R$ 13.710.094, respectivamente, e, em dólares internacionais convertidos em PPC ajustados para US$ 2019, $ 169.076.584 e $ 5.047.822, respectivamente.

•Uma análise da carga econômica das condições cardíacas no Brasil estimou uma prevalência de FA de 0,8% (n=1.202.151 casos) em 2015. Os autores estimaram um custo total para FA de R$ 3,921 bilhões (US$ 1,2 bilhão), 94% devidos a custos diretos da atenção à saúde. 124

•Um estudo com dados de um ambulatório de anticoagulação privado analisou o custo anual por paciente com FA (n=1.220; idade média, 64 anos) e relatou que 64% do custo total (US$ 10.679) durante seguimento de 1,5 ano foi atribuído a custo com pacientes internados. 258

Conhecimento, Tratamento e Controle

Anticoagulação

•Houve grande variação no uso de anticoagulação entre os pacientes com FA, de 1,5% a 91%. Estudos com amostras da atenção primária apresentaram maior probabilidade de baixo uso de anticoagulação em comparação a amostras recrutadas de centros terciários ou de cardiologistas, como detalhado a seguir.

•Entre 4.638 indivíduos com FA em centros de atenção primária de 658 municípios em Minas Gerais (idade média, 70±14 anos; 54% homens), submetidos a ECG através de telessaúde em 2011, o uso de AVK foi relatado por 1,5% e o de aspirina, por 3,1%. 233

•Em um estudo de pacientes de 125 centros de atenção primária em nove estados de quatro regiões geográficas brasileiras, de janeiro de 2009 a abril de 2016, identificou-se um subconjunto de pacientes com FA (n=301), 189 (63%) dos quais com alto risco de AVC; apenas 28 (15%) faziam uso regular de anticoagulantes orais e 102 (54%), de aspirina. 234

•No registro GARFIELD-AF, dos 1.061 pacientes incluídos (82,3% por cardiologistas) no Brasil entre 2010 e 2014 (idade média, 68±13 anos; 55% homens), 86% tinham escore CHA 2 DS 2 -VASc ≥2, 19% não usavam anticoagulação na linha de base, 26% estavam recebendo apenas terapia antiplaquetária, 29% estavam usando AVK e 26% estavam usando NOAC. 237

•O IMPACT-AF, 259 um ensaio randomizado por cluster para aperfeiçoar o tratamento com anticoagulantes em pacientes com FA, conduzido na Argentina, Brasil, China, Índia e Romênia, mostrou que dois terços dos pacientes usavam anticoagulação oral na linha de base: 83%, AVK e 15%, NOAC. Dos pacientes do Brasil (n=360), 91% usavam anticoagulação oral na linha de base e 27% usavam NOAC. De todos os pacientes tomando AVK no Brasil, 40,3% apresentavam valores de INR entre 2 e 3 antes da visita na linha de base.

•Um registro de AVC na cidade de Joinville descreveu todos os 429 casos de AVC que ocorreram em 2015, sendo FA detectada em 49 (11,4%) pacientes. Dos 26 pacientes que sabidamente tinham FA prévia, 19 (73%) não estavam anticoagulados, 20 (77%) tinham escore CHA 2 DS 2 -VASc ≥ 3 e 21 (81%) tinham escore HAS-BLED < 3. 241

•Em uma coorte de 1.121 pacientes com AVC isquêmico, 200 dos quais com FA, anticoagulação para FA foi inversamente associada com mortalidade por todas as causas (efeito tempo-dependente de anticoagulante oral: HR multivariável, 0,47; 95% CI, 0,30–0,50) e mortalidade por AVC (efeito tempo-dependente de anticoagulante oral ≥ 6 meses: OR multivariável, 0,09; 95% CI, 0,01–0,65), mas não com mortalidade cardiovascular. 244

•A qualidade da terapia com varfarina foi avaliada usando TTR como parâmetro em diferentes amostras no Brasil. O TTR da anticoagulação para FA variou de 31% a 67% nos estudos. 258,260–263 Idade > 65 anos, mas não letramento em saúde, foi associada com um TTR mais longo. 40 Em uma análise retrospectiva de 1.220 pacientes de ambulatório privado, aqueles com menor TTR apresentaram sangramentos mais graves e custos de atenção à saúde 40% maiores em seguimento mediano de 1,5 ano. 258

Controle de Ritmo ou Frequência (Medicamento, Cardioversão, Ablação por Cateter)

•Um estudo transversal com 167 pacientes com FA relatou que controle da frequência foi mais comum do que controle do ritmo como estratégia de tratamento (79% vs. 21%; p < 0,001). Entre aqueles tratados com controle de ritmo, as drogas mais prescritas foram amiodarona (43%), sotalol (16%) e propafenona (14%). Os betabloqueadores foram prescritos para 81% dos pacientes em tratamento com controle de frequência. 264 Amiodarona foi mencionada por 83% dos médicos como a escolha para controle de ritmo. 265

•Dados de 125 centros de atenção primária mostraram que, de 301 pacientes com FA, 91 (30,2%) não recebiam qualquer tipo de tratamento para controle de frequência ou ritmo.

Dos 210 pacientes restantes em tratamento, 147 (70%) usavam agentes para controle de frequência (betabloqueadores, digoxina, diltiazem ou verapamil) e 25 (12%) usavam pelo menos um antiarrítmico (amiodarona ou propafenona). O uso simultâneo de antiarrítmicos e betabloqueadores foi relatado em 36 (17%). 234

Direções Futuras

•Estudos de coorte em andamento têm potencial para preencher os hiatos de informação sobre incidência, fatores de risco, predição de risco e prevenção de FA no Brasil. Até onde se sabe, não há estudo original publicado com informação sobre a incidência de FA no Brasil nem dados longitudinais sobre fatores de risco.

•Estudos desenhados para rastrear FA em uma base populacional ou populações selecionadas através do uso de ECG ou dispositivos de rastreio estão em andamento e deverão fornecer informação sobre a relevância da inclusão dessa estratégia em centros de atenção primária ou especializados.

•O estudo RECALL, o primeiro registro cardiovascular brasileiro de FA, encerrou a inclusão de 4.584 pacientes em 2019 e seus resultados são aguardados. Será o maior registro brasileiro com dados relacionados às características e ao tratamento de pacientes com FA de 73 centros de todas as regiões do Brasil. 266

•Estratégias de implementação para aumentar o uso da anticoagulação entre pacientes com FA devem ser encorajadas, em particular no contexto da atenção primária.

Estudos utilizando inteligência artificial para diagnosticar ou prever FA podem ser uma ferramenta para aperfeiçoar o diagnóstico de FA e personalizar estratégias de rastreio.

7. HIPERTENSÃO

CID-10 - I10

Ver Tabelas 7-1 a 7-6 e Figuras 7-1 a 7-7

Abreviaturas Usadas no Capítulo 7

AVC Acidente Vascular Cerebral
CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10 a Revisão
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Year )
DCV Doenças Cardiovasculares
ELSA English Longitudinal Study of Aging
ELSA-Brasil Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto - Brasil
ERICA Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes
GBD Carga Global de Doenças (do inglês, Global Burden of Disease )
HIPERDIA Programa de Hipertensão Arterial e Diabetes do SUS
HR Hazard Ratio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC Intervalo de Confiança
II Intervalo de Incerteza
IPAQ Questionário Internacional de Atividade Física (do inglês, International Physical Activity Questionnaire)
OR Odds Ratio
PAD Pressão Arterial Diastólica
PAS Pressão Arterial Sistólica
QVRS Qualidade de Vida Relacionada à Saúde
RP Razão de Prevalência
SBC Sociedade Brasileira de Cardiologia
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SUS Sistema Único de Saúde
UF Unidade Federativa
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos potenciais de vida perdidos (do inglês, Years of Life Lost )

Tabela 7-1
– Taxas de hipertensão autorreferida em indivíduos a partir dos 18 anos de idade e intervalos de confiança 95%, de acordo com o sexo, no Brasil, suas regiões, unidades federativas e área de residência (urbana ou rural), 2019.
Tabela 7-2
– Taxas de hipertensão autorreferida em indivíduos a partir dos 18 anos de idade e intervalos de confiança 95%, de acordo com variáveis sociodemográficas, no Brasil, 2019.

Tabela 7-3
– Número de mortes, taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) atribuída a pressão arterial sistólica elevada por todas as causas, e variação percentual das taxas, no Brasil, 1990 e 2019.

Tabela 7-4
– Taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) atribuída a pressão arterial sistólica elevada por todas as causas, e variação percentual das taxas, de acordo com o sexo, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.

Tabela 7-5
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) atribuída a pressão arterial sistólica elevada por doenças cardiovasculares, e variação percentual das taxas, por grupo etário, no Brasil, 1990 e 2019.

Tabela 7-6
– Taxas de mortalidade padronizadas por idade (por 100 mil) atribuída a pressão arterial sistólica elevada por doenças cardiovasculares, e variação percentual das taxas, de acordo com o sexo, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.

Figura 7-1
– Número de mortes (A) e taxas de mortalidade (B) atribuída a pressão arterial sistólica elevada no Brasil, 1990-2019.

Figura 7-2
-Mortalidade proporcional por pressão arterial sistólica elevada de acordo com o grupo etário e com o sexo, no Brasil, 2019.

Figura 7-3
-Taxas de mortalidade por doenças atribuídas a pressão arterial sistólica elevada padronizadas por idade, estratificadas por todas as causas, no Brasil, 1990 e 2019.

Figura 7-4
-Taxas de mortalidade por doenças atribuídas a pressão arterial sistólica elevada padronizadas por idade, estratificadas por doenças cardiovasculares, no Brasil, 1990 e 2019.

Figura 7-5
-Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 e a variação percentual das taxas de mortalidade por doença cardiovascular atribuída a pressão arterial sistólica elevada entre 1990 e 2019, no Brasil.

Figura 7-6
-Número absoluto de YLLs (A), YLDs (B) e DALYs (C) por hipertensão, no Brasil, 1990-2020.

Figura 7-7
-Taxas de YLLs (A), YLDs (B) e DALYs (C) por hipertensão, no Brasil, 1990-2020.

Panorama

•Com o objetivo de padronização neste documento, hipertensão arterial foi caracterizada como níveis sustentados de PAS igual ou superior a 140 mmHg e/ou PAD igual ou superior a 90 mmHg. 267 Os valores de prevalência percentual serão apresentados seguidos por IC 95% ou II 95%, como disponibilizado nos estudos citados.

•Nos estudos populacionais, a hipertensão pode ser aferida ou autorreferida. No primeiro caso, o valor deriva da medida direta da pressão arterial através da utilização de técnicas padronizadas e é descrito em um documento, enquanto a hipertensão autorreferida se caracteriza por uma resposta positiva à pergunta sobre a presença desse diagnóstico médico ou o uso de anti-hipertensivos, 268 dependendo, portanto, do acesso do paciente ao diagnóstico e do seu entendimento sobre essa informação.

•Quando o Estudo GBD é a fonte de dados, o risco é atribuído à PAS alta, como descrito em publicação anterior. 269

Prevalência e Incidência

Incidência

•Em estudo de 2021, Lopes et al. analisaram 8.154 participantes do estudo ELSA-Brasil e relataram uma incidência de hipertensão de 43,2 por 1.000 pessoas-ano, sendo 51,6 nos homens e 37,3 nas mulheres. A incidência por 1.000 pessoas-ano foi maior no grupo etário de 70-74 anos (88,8), nos indivíduos negros (55,9), obesos (79,7) ou diabéticos (91,4) e naqueles de menor nível socioeconômico (58,9). 270

Prevalência

•Os dados sobre a prevalência de hipertensão podem diferir entre os estudos, dependendo do tipo de pesquisa e da população estudada, especialmente em um país de dimensões continentais e substancial miscigenação, como o Brasil.

Hipertensão Aferida

•De acordo com Malta et al ., em uma análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, a prevalência de hipertensão aferida a partir dos 18 anos de idade foi 22,8% (IC 95%, 22,1 - 23,4%) em uma amostra de 59.402 indivíduos. 271 Naqueles com mais de 75 anos, a prevalência estimada foi de 47,1% (IC 95%, 44,1 - 50,2%) e, em análise estratificada de acordo com o sexo, no grupo etário de 18 a 74 anos, a prevalência foi maior entre os homens, tendo as mulheres apresentado leve predominância apenas no grupo etário ‘acima de 75 anos’ (47,8%, IC 95%, 43,9 -51,7 versus 46,2%, IC 95%, 41,3 - 51,3%), revelando uma possível tendência de sobrevivência. A análise por região mostrou que o Sudeste (25%, IC 95%, 23,8 - 26,1%) e o Sul (25%, IC 95%, 23,5 - 26,5%) apresentaram as maiores prevalências em ambos os sexos. 271

•No estudo ELSA, Chor et al . observaram prevalência de hipertensão de 40,1% nos homens e de 32,2% nas mulheres, com aumento progressivo com a idade, chegando a 63,7% dos indivíduos de 65-74 anos. 6 Além disso, houve menor prevalência nos indivíduos pós-graduados (28,4%), em comparação àqueles sem educação secundária completa (44%), e nos indivíduos com renda familiar per capita acima de USD $1.000,00 (30,7%), em comparação àqueles com renda inferior a USD $500,00 (40,9%). A avaliação por raça mostrou maior prevalência entre os negros (49,3%) em comparação às outras categorias de raça/cor. 272

•Em estudo transversal conduzido em população da região semiárida de Pernambuco, Santiago et al. observaram prevalência de hipertensão aferida similar em indivíduos brancos (28,9%, IC 95%, 19,8 - 39,4%) em comparação a negros ou pardos (27%, IC 95%, 22,3 - 32,2%). 7 Ao se considerar o nível educacional na análise, a prevalência foi de 44,6% (IC 95%, 36,4 - 53%) entre aqueles que nunca frequentaram a escola, quase duas vezes maior do que entre aqueles com nível educacional elementar ou secundário/superior completo. A avaliação por status de emprego mostrou maior prevalência entre indivíduos sem qualquer atividade laboral (30,3%, IC 95%, 24,4 - 36,7%) em comparação àqueles que trabalhavam (23,9%, IC 95%, 18,0 - 30,7%). A prevalência foi maior entre indivíduos dos níveis socioeconômicos superior e intermediário (20,5%, IC 95%, 15,3 - 26,4%) em comparação aos pertencentes ao nível inferior (35,2%, IC 95%, 28,5 - 42,3%). 273

•Barbosa et al . estimaram a prevalência de hipertensão e seus fatores associados nas regiões brasileiras menos desenvolvidas em estudo transversal realizado com 835 indivíduos com idade >18 anos, que responderam um questionário estruturado domiciliar. 274 As medidas de pressão arterial, peso, altura e circunferência abdominal foram tomadas e outros fatores de risco para DCV foram avaliados. A idade variou entre 18 anos e 94 anos (idade média, 39,4 anos), sendo 293 (35,1%) indivíduos normotensos e 313 (37,5%) pré-hipertensos. A prevalência de hipertensão foi 27,4% (IC 95%, 24,4% - 30,6%), sendo maior entre homens (32,1%) do que entre mulheres (24,2%). Na análise ajustada, as seguintes variáveis permaneceram independentemente associadas a hipertensão: sexo masculino (RP 1,52, IC 95%, 1,25 - 1,84), idade ≥ 30 anos (RP 6,65, IC 95%, 4,40 - 10,05 para idade ≥60 anos), sobrepeso (RP 2,09, IC 95%, 1,64 - 2,68), obesidade (RP 2,68, IC 95%, 2,03 - 3,53) e diabetes (RP 1,56, IC 95%, 1,24 - 1,97). 274

Hipertensão Autorreferida

•O critério mais frequentemente usado para avaliar a prevalência de hipertensão no Brasil é o autorrelato. Picon et al ., em meta-análise envolvendo 120.018 indivíduos, demonstrou que, a despeito dos diferentes critérios para o diagnóstico de hipertensão nas décadas de 1980 e 1990, a prevalência de hipertensão caiu de 36,1% (IC 95%, 28,7 - 44,2%) para 28,7% (IC 95%, 26,2 - 31,4%) em 30 anos. 274 Entretanto, no início da década de 2000, a prevalência estimada em inquéritos telefônicos ainda foi 20,6% (IC 95%, 19,0 - 22,4%). 275

•Uma análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 indicou as seguintes prevalências de hipertensão nos homens: 18,3% (IC 95%, 17,5 - 19,1%) quando autorreferida; 25,8% (IC 95%, 24,8 - 26,7%) quando medida por instrumento; e 33% (IC 95%, 32,1 - 34,0%) quando medida por instrumento e/ou uso de anti-hipertensivo foi relatado. Nas mulheres, as percentagens observadas foram maiores quando se usou o critério autorreferido [24,2% (IC 95%, 23,4 - 24,9%)] e menores quando os demais critérios diagnósticos foram usados: 20% (IC 95%, 19,3 - 20,8%) quando medida por instrumento e 31,7% (IC 95%, 30,9 - 32,5%) quando medida por instrumento e/ou uso de anti-hipertensivo foi relatado. 268 Tais diferenças podem ser explicadas pelo fato de que as mulheres buscam os serviços de saúde com maior frequência, apresentando maior probabilidade de serem diagnosticadas com hipertensão.

As regiões Sudeste e Sul e as áreas urbanas do país apresentaram as maiores prevalências quando da análise das regiões geográficas e da área de residência, respectivamente. 268

•No estudo VIGITEL, 276 baseado em entrevistas telefônicas realizadas em 26 capitais e no Distrito Federal em 2019, a prevalência de hipertensão foi 24,5%, sendo de 27,3% nas mulheres e 21,2% nos homens. As maiores prevalências foram observadas no Distrito Federal (29,6%) e nas cidades de Porto Alegre (27,2%) e Recife (26%) para os homens, e nas cidades do Rio de Janeiro (32,8%), Recife (30,2%) e Salvador (30%) para as mulheres. 276 Além disso, esse estudo avaliou a relação com o nível educacional e descobriu que, nos indivíduos com até 8 anos de escolaridade, a prevalência de hipertensão foi cerca de três vezes a daqueles com pelo menos 12 anos de escolaridade, para ambos os sexos. 276

•Utilizando estimativas do Estudo GBD 2017, Nascimento et al . relataram um aumento na prevalência de PAS elevada padronizada por idade, que passou de 16,9% (II 95%, 16,5 - 17,3%) em 1990 para 18,9% (II 95%, 18,5 - 19,3%) em 2017, tendo esse aumento sido maior entre os homens em todo o período estudado. Além disso, a taxa de crescimento no país foi +0,4% ao ano entre adultos a partir dos 25 anos. 277 Ao se analisar de acordo com o sexo, as mais altas prevalências em 2017 foram observadas em Santa Catarina (28,8%, II 95%, 26,6-31%) para o sexo masculino e em Sergipe (19,8%, II 95%, 17,7-21,9%) para o sexo feminino. 277

•A Tabela 7-1 mostra a prevalência de hipertensão autorreferida no Brasil de acordo com o sexo em adultos a partir de 18 anos de idade em 2019, como relatado pelo IBGE. A prevalência de hipertensão no país foi 23,9% e maior no sexo feminino do que no masculino (26,4% versus 21,1%, respectivamente). A prevalência foi maior nas áreas urbanas do que nas rurais (24,0% versus 23,2%, respectivamente) e na região Sudeste para ambos os sexos (23,1% para homens e 28,3% para mulheres).

•A Tabela 7-2 mostra a prevalência de hipertensão autorreferida de acordo com variáveis sociodemográficas, como relatado pelo IBGE. Importante notar que as maiores taxas de prevalência foram observadas em indivíduos a partir dos 75 anos de idade (62,1%), naqueles sem educação formal ou com poucos anos de escolaridade (36,6%) e nos negros (25,8%) e desempregados (38,7%). Em contraste, ao se utilizar renda como critério, indivíduos com renda mais baixa apresentaram menor prevalência de hipertensão (18,7%), provavelmente como reflexo da falta de acesso ao sistema de saúde.

Mortalidade

Mortalidade Total Atribuída a Hipertensão

•Oliveira et al . compararam a mortalidade por todas as causas atribuída a hipertensão em dois grupos populacionais, sendo um brasileiro e o outro inglês. Os dados usados foram obtidos da coorte ELSA, com 3.205 indivíduos, e da coorte Bambuí, com 1.382 participantes, todos com mais de 60 anos de idade. Importante notar que as características sociodemográficas diferiram nas duas coortes, sendo o nível educacional e a renda familiar maiores na coorte inglesa, enquanto as taxas de tabagismo e diabetes foram maiores na coorte brasileira. Quanto aos riscos relativos, na coorte inglesa, não houve diferença quando hipertensão foi avaliada sozinha, enquanto, na coorte brasileira, hipertensão conferiu um risco relativo de 1,43 (IC 95%, 1,06 - 1,94, p=0,028) para mortalidade em 6 anos. Ademais, as mortes atribuídas a hipertensão na coorte brasileira corresponderam a 25,3% (IC 95%, 8,2 - 39,3%), ultrapassando em muito as da coorte inglesa, na qual o resultado foi limítrofe e sem adequada precisão estatística. 278

•A Tabela 7-3 mostra o número de mortes e as taxas de mortalidade atribuída a PAS elevada por todas as causas padronizadas por idade de acordo com os dados do Estudo GBD 2019. Importante notar que nos grupos etários mais velhos, o número de mortes e a taxa de mortalidade são maiores, como esperado para essa doença. Entretanto, a taxa de mortalidade atribuída a PAS elevada em 2019 foi 104,8 por 100 mil habitantes; houve uma redução de 46,9% durante o período estudado, que pode representar uma menor incidência e maior controle terapêutico da hipertensão, assim como uma melhora nas condições socioeconômicas nesse período. 37 , 279

•A Tabela 7-4, mostrando as taxas de mortalidade atribuída a PAS elevada por todas as causas padronizadas por idade de acordo com o sexo e as UF brasileiras, indica que essas taxas de mortalidade diminuíram em quase 50% entre 1990 e 2019 para ambos os sexos, tendo sido essa redução maior nas mulheres do que nos homens (49,6% versus 43,8%, respectivamente). Entretanto, para as mulheres, exceto em Rondônia, que apresentou a maior redução percentual na taxa de mortalidade atribuída a PAS alta, as maiores quedas foram constatadas nas UF das regiões Sudeste e Sul e no Distrito Federal. O Maranhão foi a única UF a apresentar aumento nas taxas durante o período estudado. Entre os homens, todas as UF apresentaram diminuição na mortalidade atribuída a PAS elevada, com as maiores reduções percentuais registradas nas UF das regiões Sul e Sudeste, como observado para as mulheres (Tabela 7-4).

•A Figura 7-1 mostra o número de mortes (A) e a taxa de mortalidade (B) atribuída a PAS elevada entre 1990 e 2019. Com o aumento na expectativa de vida e consequente envelhecimento da população, além dos dados observados nas tabelas anteriores, esperava-se aumento no número de mortes relacionadas a PAS elevada, como mostra a F igura 7-1A. Entretanto, ao se mitigar o efeito da idade nas taxas por padronização por idade, observou-se diminuição na taxa de mortalidade com o tempo (B).

•A Figura 7-2 apresenta a mortalidade proporcional por grupo etário em 2019. Importante notar que houve uma maior proporção de mortes nos grupos entre 55 anos e 74 anos para as mulheres; entretanto, para os homens, a maior proporção foi observada no grupo etário 10 anos mais jovem (45-64 anos). Importante ainda notar que os grupos etários acima de 75 anos para mulheres e acima de 65 anos para os homens podem apresentar outras doenças concorrentes; logo, a proporção de mortes por PAS elevada tende a cair devido às causas competitivas, o que pode, pelo menos em parte, explicar os dados descritos acima.

•A Figura 7-3 apresenta as taxas de mortalidade por doenças atribuídas a PAS elevada padronizadas por idade, estratificadas por todas as causas, entre 1990 e 2019. Como mostrado, a maioria das mortes está relacionada às três principais doenças cardiovasculares, i.e., doença isquêmica do coração, cerebrovascular e hipertensiva, que diminuíram entre 1990 e 2019. A doença hipertensiva, em comparação às outras duas, apresentou a menor redução, o que pode estar relacionado às regras para a escolha da causa básica de morte na declaração de óbito, que, devido a algoritmos específicos, raramente contempla doença hipertensiva como causa básica de morte. 280

Mortalidade Cardiovascular Atribuída a Hipertensão

•Com relação à mortalidade cardiovascular atribuída a PAS elevada, a Tabela 7-5 mostra o número de mortes, as taxas de mortalidade e a variação percentual das taxas entre 1990 e 2019 de acordo com as estimativas do GBD. Houve uma redução na taxa de mortalidade cardiovascular atribuída a hipertensão (por 100 mil habitantes) de quase 50% no período, de 186,1 em 1990 para 93,4 em 2019 (Tabela 7-5) e, à semelhança da mortalidade por todas as causas, as maiores taxas foram observadas nos grupos etários mais idosos.

•A Tabela 7-6 apresenta a mortalidade atribuída a PAS elevada por doenças cardiovasculares de acordo com a UF e o sexo, indicando uma tendência similar à mostrada nas Tabelas 7-3 e 7-4 para mortalidade por todas as causas, que apresentaram avaliação por grupo etário e UF. Portanto, houve uma redução na mortalidade cardiovascular atribuída a hipertensão de 52,5% entre mulheres e de 46,8% entre homens entre 1990 e 2019 no Brasil. Para as mulheres, as UF com maiores reduções foram Rondônia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Distrito Federal, com 62,9%, 60,4%, 59,3%, 59,1% e 58%, respectivamente (Tabela 7-6). Para os homens, as maiores reduções foram observadas no Distrito Federal e nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro, 61,3%, 58%, 56,1%, 55,1% e 54,2%, respectivamente.

•A Figura 7-4 mostra as taxas de mortalidade por doenças atribuídas a PAS elevada padronizadas por idade, estratificadas por doenças cardiovasculares, entre 1990 e 2019. As taxas de mortalidade por doença renal crônica permaneceram estáveis, enquanto aquelas por doença isquêmica do coração, cerebrovascular e hipertensiva, além de cardiomiopatias e miocardite, diminuíram no período.

•Por fim, a Figura 7-5 mostra a relação entre o SDI de 2019 e a variação percentual nas taxas de mortalidade por DCV atribuída a PAS elevada de 1990 a 2019, no Brasil e por UF. A Figura 7-5 mostra que as maiores reduções na taxa de mortalidade padronizada por idade ocorreram nas UF com os maiores valores de SDI em uma relação quase que linear, com coeficiente de correlação de 0,78 e p-valor = 0.

Carga de Doença

•A Figura 7-6 mostra o número absoluto de YLLs (A), YLDs (B) e DALYs (C) relacionados a hipertensão entre 1990 e 2020. Vale notar a tendência a um aumento nos YLLs (A) e, principalmente, YLDs (B), com um consequente impacto na curva de DALYs (A). Essas observações podem ser justificadas, ao menos em parte, por crescimento e envelhecimento populacional.

•Em contraste, a Figura 7-7 mostra uma redução nas taxas padronizadas por idade de YLLs (A) e YLDs (B) com consequente impacto nos DALYs (C). Essas curvas refletem a atenuação do efeito do envelhecimento populacional na carga de doença, com menor influência nos YLDs, o que pode ser parcialmente explicado pela desigualdade de acesso ao sistema de saúde, comprometendo o tratamento das doenças mais graves, com consequente impacto nos YLDs.

Impacto na Saúde Cardiovascular

•Fuchs et al. investigaram a associação entre ‘agrupamento’ de fatores de risco e DCV autorreferida em 1.007 mulheres residentes em Porto Alegre, sul do Brasil. 281 A prevalência de hipertensão, diabetes e atividade física e o padrão de dieta foram avaliados quanto à sua associação, em um modo ‘agrupado’, com DCV, que foi definida como autorrelato de história de infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, AVC ou cirurgia de revascularização do miocárdio. Os autores descobriram que hipertensão e diabetes eram o principal ‘agrupamento’ associado com DCV e responsáveis por uma razão de risco independente de 8,5 (IC 95%, 3,0 - 24,5).

•Carvalho et al. , avaliando a associação entre hipertensão e qualidade de vida medida pelo SF-36 em uma amostra de 333 indivíduos com hipertensão tratada ou sem hipertensão, mostraram pior qualidade de vida dos pacientes hipertensos em comparação a seus correspondentes normotensos. 282 Os autores observaram que os normotensos apresentavam maiores escores do questionário de QVRS em comparação aos hipertensos em todos os domínios, exceto no ‘aspecto emocional’. Com respeito ao ‘componente físico agrupado’, o escore dos homens hipertensos foi 298,4±72,6 em comparação a 333,1±52,1 dos normotensos (P<0,01), e o escore das mulheres hipertensas foi 243,8±84,0 em comparação a 318,7±58,5 das normotensas (P<0,01). Entre os homens, a diferença foi significativa para os domínios ‘capacidade funcional’, ‘aspectos sociais’ e ‘saúde mental’ e, entre as mulheres, houve diferença no domínio ‘aspecto emocional’ do SF-36.

•Para investigar a associação entre hipertensão, pré-hipertensão, idade, tempo do diagnóstico e pressão arterial, Menezes et al . usaram dados do ELSA-Brasil, que incluiu 7.063 pacientes com idade média de 58,9 anos na linha de base (2008-2010). Os autores observaram que hipertensão se associou com maiores declínios de memória, fluência e escore cognitivo global. Além disso, pré-hipertensão foi preditor independente de maior declínio no teste de fluência verbal e no escore cognitivo global. Entre indivíduos tratados, o controle da pressão arterial na linha de base associou-se inversamente com o declínio nos escores cognitivo global e teste de memória. 283

•A associação de diabetes, hipertensão e diabetes mais hipertensão com DCV (doença arterial coronariana, infarto do miocárdio e AVC) foi investigada por Santos et al. em 2.691 pacientes arrolados no programa HIPERDIA em Fortaleza. 284 Os autores confirmaram uma significativa associação de hipertensão com doença arterial coronariana, infarto do miocárdio e AVC (P<0,001).

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

•Ao estimar os custos de hipertensão, diabetes e obesidade em pacientes do SUS em 2018, Nilson et al. notaram que o custo total de hipertensão, diabetes e obesidade pago pelo SUS chegou a R$ 3,45 bilhões (IC 95%, 3,15 - 3,75), mais de US$ 890 milhões. Desse valor total, 59% foram gastos com hipertensão, 30% com diabetes e 11% com obesidade. Quando se considerou isoladamente obesidade um fator de risco para hipertensão e diabetes, o custo atribuído a essa doença chegou a R$ 1,42 bilhão (IC 95%, 0,98 - 1,87), correspondendo a 41% do custo total. 285

•Marinho et al. , investigando os custos da atenção à saúde de pacientes com diabetes e hipertensão, compararam os custos diretos de procedimentos ambulatoriais com o valor reembolsado pelo SUS. A principal conclusão do estudo foi que os custos diretos de procedimentos foram maiores do que os reembolsados pelo SUS, caracterizando um subfinanciamento da atenção à saúde pública, o que pode comprometer a qualidade do controle dos fatores de risco cardiovascular. Dos custos, aquele com medicamentos foi o maior, seguido por serviços terceirizados e recursos humanos. 286

•Queiroz et al . investigaram a associação do número de fatores de risco cardiovascular ou de DCV com internações em 514 usuários do SUS na cidade de Presidente Prudente, estado de São Paulo. Os autores concluíram que hipertensão, arritmias, baixos níveis de atividade física e infarto do miocárdio estavam associados com o número de dias de hospitalização. Além disso, relataram que o número de fatores de risco cardiovascular ou DCV por paciente estava associado com o número de dias de internação. No entanto, as taxas de hospitalização nos últimos 12 meses foram independentemente maiores apenas naqueles com arritmias (OR 3,04; IC 95%, 1,74 - 5,31) e história de infarto do miocárdio (OR 3,07; IC 95%, 1,34 - 7,01). 287

Conhecimento, Tratamento e Controle da Hipertensão

•Utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, Macinko et al . estimaram que cerca de 36% da população brasileira (51,4 milhões) tinha diagnóstico prévio e/ou medida da pressão arterial igual ou superior a 140/90 mmHg. Desses, 89% tinham tido contato com o sistema de saúde nos 2 anos anteriores, mas apenas 65% estavam cientes de sua condição. Entre os conhecedores de sua condição de hipertensos, 62% procuravam assistência com regularidade, 92% dos quais haviam recebido prescrição de medicamentos. Daqueles que informaram receber medicamentos, apenas 56% relataram que a assistência à sua condição não apresentava problemas e incluía orientação sobre importantes fatores de risco e comportamento. De toda a população hipertensa, cerca de 33% apresentavam controle de sua pressão arterial. 288

•Para a estimativa de prevalência, conscientização, tipos de tratamento anti-hipertensivo e associação de controle de hipertensão com status social, coletaram-se os dados de 15.103 indivíduos do estudo ELSA-Brasil na linha de base (2008-2010). 273 A pressão arterial foi medida pelo método oscilométrico e 35,8% dos indivíduos foram classificados como hipertensos e 76,8% deles estavam usando medicação anti-hipertensiva. As mulheres estavam mais conscientes do que os homens (84,8% versus 75,8%) e usavam medicação com maior frequência (83,1% versus 70,7%). Uso de pelo menos uma droga anti-hipertensiva foi relatado por 76,8% (n = 447) dos participantes classificados como hipertensos e foi mais frequente entre as mulheres em todos os grupos etários. Dos usuários de anti-hipertensivos, 69,4% apresentaram níveis controlados de pressão arterial (65,5% dos homens e 72,9% das mulheres). Considerando-se todos os indivíduos hipertensos, cerca de 53% mostraram níveis apropriados de pressão arterial. Entre aqueles em tratamento medicamentoso, maior probabilidade de controle da pressão arterial foi observada no grupo com maior nível educacional do que entre aqueles com nível educacional inferior ao secundário (RP 1,21; IC 95%, 1,14 - 1,28), além de entre indivíduos de ascendência asiática (RP 1,21; IC 95%, 1,12 - 1,32) e brancos (PR 1,19; IC 95%, 1,12 -1,26) em comparação aos negros.

•Em estudo transversal de base populacional, conduzido através de pesquisa domiciliar com amostragem aleatória por agrupamento, sobre a situação de saúde da população idosa de Goiânia, Sousa et al . avaliaram 912 idosos (≥ 60 anos) não institucionalizados residentes da área urbana. Os autores relataram uma prevalência de hipertensão de 74,9%, maior (78,6%) entre os homens (OR 1,4; IC 95%, 1,04 - 1,92). A taxa de tratamento foi de 72,6%, sendo maior entre fumantes (OR 2,06; IC 95%, 1,28 - 3,33). A taxa de controle de hipertensão foi de 50,8%, maior entre as mulheres (OR 1,57; IC 95%, 1,19 - 2,08). 289

•Em estudo transversal investigando 502 usuários da Estratégia Saúde da Família para controle de hipertensão, Rocha et al . compararam três diferentes instrumentos para medir a adesão dos pacientes ao tratamento de hipertensão: o teste Morisky-Green, o questionário de adesão a medicamentos Qualiaids e o questionário Haynes. Os autores relataram as seguintes taxas de prevalência de não adesão: 29,28% pelo teste Morisky-Green; 60,16% pelo questionário Qualiaids; e 13,15% pelo questionário Haynes. Esses achados indicam a existência de oportunidade de melhoria até mesmo em um programa estruturado como a Estratégia Saúde da Família. A despeito da grande variabilidade das taxas de adesão ao tratamento a depender do instrumento usado para medi-la, os autores observaram significativa associação entre adesão ao tratamento e controle da pressão arterial. 290

•Para avaliar a evolução de prevalência, conhecimento e controle de hipertensão por 10 anos, dois estudos transversais foram conduzidos em amostras aleatórias em domicílios urbanos e rurais de Pernambuco em 2006 e 2015/2016, envolvendo adultos a partir dos 20 anos de idade. Cerca de um terço da população adulta de Pernambuco tinha hipertensão em 2006 e essa prevalência permaneceu em 2015/2016. Nas áreas rurais, o conhecimento sobre hipertensão aumentou de 44,8% em 2006 para 67,3% em 2015/2016 e o controle de hipertensão passou de 5,3% para 27,1%, de modo que o conhecimento e o controle foram similares nas áreas urbanas e rurais em 2015/2016. Realizou-se análise de regressão logística para estimar a influência de determinantes sociais, comportamentais e antropométricos na hipertensão. A despeito da melhora dos fatores sociais e comportamentais no período de 10 anos, sobrepeso e obesidade abdominal aumentaram. Após ajuste para potenciais fatores de confusão, a probabilidade de apresentar hipertensão mais do que dobrou entre homens (OR 2,03; p < 0,001), adultos jovens (OR 4,41; p < 0,001), idosos (OR 14,44; p < 0,001) e aqueles com obesidade abdominal (OR 2,04; p < 0,001) nas áreas urbanas, assim como nas áreas rurais entre adultos jovens (OR 2,56; p < 0,001) e indivíduos com nível educacional mais baixo (OR 2,21; p = 0,006) e com sobrepeso (OR 2,23; p < 0,001). 291

•Em estudo prospectivo, Krieger et al . investigaram a prevalência de hipertensão resistente em uma coorte de 1.597 pacientes com hipertensão estágio 2 submetidos a um protocolo de uso de medicamentos em etapas. Dos 1.597 pacientes recrutados, 187 (11,7%) preenchiam os critérios de hipertensão resistente, definida como a falta de controle da hipertensão avaliada por pressão arterial no consultório ≥ 140/90 mmHg e média da pressão arterial no monitoramento ambulatorial de 24 horas ≥ 130/80 mmHg a despeito do tratamento com três medicamentos (enalapril ou losartana, anlodipino e clortalidona) por 12 semanas. Além disso, ao investigarem preditores clínicos de hipertensão, os autores observaram que história de AVC, diabetes mellitus e pressão arterial no consultório ≥ 180/110 mmHg na entrada do estudo foram independentemente associados com hipertensão resistente. 292

•No programa HealthRise com intervenções de base comunitária para detecção e tratamento de hipertensão e diabetes em comunidades carentes implementado em 2017-2018, mais pacientes haviam alcançado as metas de tratamento de hipertensão [45,9% (43,0%–48,9%)] no final do que na linha de base [35,4% (32,6%–38,6%), p<0,001], na cidade de Vitória da Conquista, na Bahia. Da mesma forma, na cidade de Teófilo Otoni, em Minas Gerais, também incluída no projeto, mais pacientes haviam alcançado as metas de tratamento de hipertensão no final [52,2% (49,3–55%)] em comparação à linha de base [48,3% (45,5–51,2%); p<0,05], sugerindo que as intervenções de base comunitária têm potencial para melhorar o controle da hipertensão. 293

Fatores de Risco e Prevenção

•Em sua dissertação, Treff CA Junior investigou a relação entre hipertensão e níveis de atividade física nos domínios ‘lazer’ e ‘transporte’ do questionário IPAQ, usando o banco de dados do estudo ELSA-Brasil. Aquele autor observou que indivíduos fisicamente ativos durante o tempo de lazer apresentavam níveis mais baixos de PAS (p=0,007) e PAD (p=0,001). Por outro lado, não identificou relação entre hipertensão e níveis de atividade física realizada durante o deslocamento. 294

•Ao investigar o papel potencial da dieta na determinação da elevação da pressão arterial e a expressão de outros fatores de risco cardiovascular, Pavan et al . estudaram 1.110 indivíduos com 22–89 anos de idade, divididos em três grupos pareados de acordo com sexo e idade (370 da Tanzânia e Uganda, 370 da região Amazônica do Brasil e 370 do norte da Itália), com 111 homens e 259 mulheres em cada grupo. A PAS dos africanos que consumiam uma dieta hipossódica de ‘peixe e vegetais’ foi mais baixa do que a dos brasileiros, cuja dieta teve por base cereais e carne, e ainda do que a dos italianos altamente urbanizados (144,1±21,9; 155,4±26,8; 159,7±22,9 mmHg, respectivamente, < 0,0001). O mesmo ocorreu com a PAD (83,2±11,8; 94,5±15,5; 94,7±11,6 mmHg, respectivamente, < 0,0001). A PAS foi correlacionada com o índice de massa corporal das três populações, mas com a idade apenas dos brasileiros e italianos. O nível de colesterol total e o índice de massa corporal, ambos baixos entre os africanos, aumentaram progressivamente com o aumento do nível socioeconômico. A transição do estilo de vida rural para o urbano parece ser acompanhada pelo aumento nas taxas de fatores de risco cardiovascular. Além disso, fatores ambientais, mais do que raciais, têm crucial impacto no padrão de risco das populações. 295

•Em estudo transversal de base populacional, descritivo e observacional, Jardim et al . avaliaram 1.739 indivíduos e observaram que hipertensão foi prevalente em 36,4% da população total, maior entre os homens (41,8%) do que entre as mulheres (31,8%). Hipertensão foi positivamente correlacionada a idade ≥60 anos versus idade de 18-29 anos (OR 8,92; 5,94 – 14,11; P<0,000), sexo masculino (OR 1,86; 1,47–2,35; P<0,000) e índice de massa corporal (OR 1,44; 1,13 – 1,83; P=0,004). As prevalências de sobrepeso e obesidade foram 30,0% e 13,6%, respectivamente. Sobrepeso foi mais frequente entre as mulheres e obesidade, entre os homens. A prevalência de tabagismo foi 20,1%, mais frequente entre os homens (27,1%) do que entre as mulheres (16,4%). Observou-se estilo de vida sedentário em 62,3% da população, sem diferença entre os sexos. Consumo regular de álcool foi relatado por 44,4% dos indivíduos e mais frequentemente entre os homens. 296

•Utilizando dados da pesquisa VIGITEL, Moreira et al . tentaram identificar e medir as relações das características sociodemográficas e comportamentais, das características do consumo de alimentos e dos indicadores de saúde relacionados a hipertensão e diabetes. As variáveis independentes analisadas no estudo foram selecionadas tendo por base a sua importância na determinação da carga total de doença, como estimado pela Organização Mundial da Saúde para a região das Américas. 297 A análise ajustada relacionada aos dados das mulheres mostrou que idade ≥ 65 anos (RP 1,3; 1,0-1,7), excesso de peso corporal (RP 1,7;1,3-2,2), autoavaliação de mau estado de saúde (RP 1,3; 1,0-1,8) e diagnóstico médico prévio de dislipidemia (RP 1,5; 1,2-1,8) permaneceram independentemente associados com maior prevalência de hipertensão. O consumo de leite integral permaneceu associado com menor prevalência de hipertensão em mulheres (RP 0,7; 0,6-0,9). Na análise ajustada para homens, sobrepeso (RP 1,7; 1,1-2,5) e autoavaliação de mau estado de saúde foram independentemente associados com hipertensão (RP 1,9; 1,4-2,5).

•Ao investigar se a resposta de pressão arterial à ingestão de sal seria específica ao sexo, Mill et al . estudaram as variações da pressão arterial de acordo com diferentes ingestões de sal por homens e mulheres. Os autores avaliaram 12.813 indivíduos com uma coleta de urina de 12 horas durante a noite validada, em que a ingestão de sal foi estimada. Em uma única visita, questionários foram aplicados e exames clínico e laboratoriais realizados. A ingestão de sal foi 12,9 ± 5,9 g/d entre os homens e 9,3 ± 4,3 g/d entre as mulheres. Como esperado, os autores concluíram que a pressão arterial aumentou à medida que a ingestão de sal aumentou, independentemente do uso de medicação anti-hipertensiva. No entanto, a inclinação do aumento na pressão arterial provocado pela ingestão de sal foi significativamente maior nas mulheres do que nos homens. Os autores concluíram que a ingestão de sal foi alta nessa grande amostra de brasileiros adultos e apenas poucos participantes atendiam às recomendações das diretrizes. Ademais, a maior responsividade à ingestão de sal observada nas mulheres, mesmo após controle para fatores confundidores, indica maior sensibilidade ao sal e pode ter implicações fisiopatológicas. 298

Crianças e Adolescentes

•Hipertensão, obesidade, dieta pobre e inatividade física na infância e adolescência são preocupações epidemiológicas emergentes. Além disso, identificação e intervenção precoces podem prevenir DCV prematura na vida adulta.

•Para estimar a prevalência de hipertensão e obesidade, além do papel da obesidade na hipertensão, em adolescentes brasileiros, dados dos participantes do Estudo ERICA foram avaliados por Bloch et al . A prevalência e o IC 95% de hipertensão arterial e obesidade em âmbito nacional e nas regiões brasileiras foram estimados de acordo com o sexo e o grupo etário, assim como a proporção de hipertensão atribuída a obesidade na população. O estudo avaliou 73.399 estudantes, 55,4% do sexo feminino, idade média de 14,7 ± 1,6 anos. A prevalência de hipertensão foi 9,6% (IC 95%, 9,0 - 10,3), sendo mais baixa nas regiões Norte (8,4%; IC 95%, 7,7 - 9,2) e Nordeste (8,4%; IC 95%, 7,6 - 9,2) e mais alta na região Sul (12,5%; IC 95%, 11,0 - 14,2). A prevalência média de obesidade foi 8,4% (IC 95%, 7,9 - 8,9), mais baixa na região Norte e maior na região Sul. As prevalências de hipertensão e obesidade foram maiores no sexo masculino. Adolescentes obesos apresentaram maior prevalência de hipertensão, 28,4% (IC 95%, 25,5 - 31,2), em comparação aos com sobrepeso, 15,4% (IC 95%, 17,0 - 13,8), ou eutróficos, 6,3% (IC 95%, 5,6 - 7,0), como comumente observado. A proporção de hipertensão atribuída a obesidade foi estimada em 17,8%. Os autores concluíram que o controle da obesidade poderia reduzir a prevalência de hipertensão entre adolescentes brasileiros em cerca de 20%. 299

•Christofaro et al . analisaram a relação entre a hipertensão de adolescentes e as características sociodemográficas e o estilo de vida de seus pais. Para tal, 1.231 adolescentes, 1.202 mães e 871 pais foram avaliados. A prevalência de hipertensão foi maior entre adolescentes nas seguintes situações: pais mais idosos; ambos os pais relatando hipertensão; e sobrepeso materno. Na análise multivariada, adolescentes com as seguintes características apresentaram maior probabilidade de ter hipertensão: com mães mais idosas (OR 2,36; IC 95%, 1,12 - 4,98); com mães hipertensas (OR 2,22; IC 95%, 1,26 - 3,89); e com pais hipertensos (OR 1,70; IC 95%, 1,03 - 2,81). Em uma análise que considerou os fatores de risco, os maiores riscos de hipertensão foram observados em adolescentes cujas mães tinham quatro ou mais fatores de risco agregados (OR 2,53; IC 95%, 1,11 - 5,74). 300

•Para estimar a presença de risco cardiovascular (obesidade e hipertensão) em escolares e suas interações potenciais com aptidão cardiorrespiratória, Burgos et al . conduziram estudo transversal em 1.666 escolares com idade entre 7 e 17 anos, sendo 873 (52,4%) do sexo masculino. As seguintes variáveis foram avaliadas: PAS, PAD, índice de massa corporal, percentual de gordura corporal e aptidão cardiorrespiratória. A PAS e a PAD foram correlacionadas com circunferência abdominal, relação cintura-quadril, soma das pregas cutâneas e aptidão cardiorrespiratória. Os autores relataram que 26,7% tinham sobrepeso ou obesidade e 35,9% apresentavam percentual de gordura corporal acima de moderadamente alto. Relataram ainda que 13,9% e 12,1% dos escolares apresentavam níveis limítrofes ou elevados de PAS e PAD, respectivamente. Houve significativa correlação da PAS e PAD com todas as variáveis e uma fraca a moderada correlação com idade, peso, altura, índice de massa corporal e circunferência abdominal. Esses dados indicam um agrupamento de hipertensão, obesidade e falta de aptidão cardiorrespiratória no início da vida e devem determinar o desenvolvimento de programas efetivos de prevenção para reduzir DCV na vida adulta. 301

•Schommer et al . avaliaram a associação entre variáveis antropométricas e níveis de pressão arterial em escolares do quinto ao oitavo ano para identificar o parâmetro que se correlacionava mais fortemente com os níveis de pressão arterial. Utilizando estudo transversal de base populacional com amostragem probabilística por agrupamento, os autores arrolaram escolares do quinto ao oitavo ano de escolas públicas da cidade de Porto Alegre. A idade média dos participantes foi 12,6 ± 1,6 anos e 55,2% eram do sexo feminino. Níveis anormais de pressão arterial foram identificados em 11,3% da amostra e valores limítrofes, em 16,2%. Das variáveis antropométricas analisadas, circunferência do quadril apresentou a mais forte correlação com pressão arterial elevada (r = 0,462, p < 0,001), sendo seguida por circunferência abdominal (r = 0,404, p < 0,001) e prega cutânea abdominal (r = 0,291, p < 0,001). 302

Pesquisa Futura

•Devido a sua prevalência e seu impacto, a hipertensão é o principal fator de risco cardiovascular para incapacidade e morte no mundo e no Brasil. A despeito do conhecimento atual, faltam dados mais representativos e abrangentes para melhor quantificar a atual incidência de hipertensão, suas tendências, suas trajetórias e determinantes, assim como a morbimortalidade a ela relacionada, estratificadas por região, sexo, idade e nível socioeconômico no Brasil.

•Ao se planejar a redução da carga cardiovascular no Brasil, observa-se um enorme obstáculo ao conhecimento mais profundo e integrado sobre como melhorar a prevenção, o entendimento, o tratamento e o controle da hipertensão, assim como sua relação com outros comportamentos desfavoráveis e fatores de risco cardiovascular, como proposto pela American Heart Association com as sete métricas para medir saúde cardiovascular em nível populacional. 303 O conhecimento atual aponta para o risco cardiovascular global em nível populacional como sendo o principal determinante da morbimortalidade cardiovascular em âmbito nacional. Portanto, o Brasil necessita urgentemente de melhores dados sobre desfecho e pesquisa em saúde para medir os resultados na população e o desempenho do sistema de saúde, assim como para implementar estratégias de investigação científica de como melhorar esses desfechos. 304

•Além disso, devemos evoluir da simples geração de evidência para um modelo de tradução contínua da evidência em boas políticas de atenção à saúde. 305 Estratégias nacionais populacionais com campanhas efetivas para a promoção de hábitos saudáveis ( i.e. , redução do sal na dieta, taxação dos alimentos pouco saudáveis, aumento de atividade física), aliadas a identificação e tratamento mais efetivos de indivíduos com maior risco cardiovascular, assim como a vigilância objetiva dos resultados, devem ser disseminadas a todos os níveis do nosso sistema de saúde.

•Outro tema que merece ser melhor pesquisado relaciona-se às disparidades de acesso, tempos e desfechos para os hipertensos usuários do SUS em comparação àqueles dos serviços privados de saúde. 96 Considerando-se que mais de três quartos dos brasileiros são usuários do SUS, é imperativo que se meçam continuamente os desfechos dos programas de hipertensão implementados pelo SUS, como a Estratégia Saúde da Família, e que se comparem àqueles obtidos no sistema de saúde privado.

8. DIABETES MELLITUS

CID-10 E10 a E14; CID-10-CM E8 a E13

Ver Tabelas 8-1 a 8-5 e Figuras 8-1 a 8-4

Tabela 8-1
– Prevalência de diabetes mellitus (hemoglobina glicada ≥ 6,5% ou uso de antidiabéticos) por sexo, total e regiões.
Tabela 8-2
– Prevalência de diabetes mellitus (hemoglobina glicada ≥ 6,5% ou uso de antidiabéticos) por faixa etária e características sociodemográficas.
Tabela 8-3
– Número de mortes e taxa de mortalidade padronizada por idade (por 100 mil) por doença cardiovascular atribuível ao diabetes, para ambos os sexos. Brasil e Estados, 1990 e 2019.
Tabela 8-4
– Taxa de mortalidade padronizada por idade (por 100 mil) por doença cardiovascular atribuível ao diabetes, para homens e mulheres. Brasil e Estados, 1990 e 2019.
Tabela 8-5
Número de DALYS e taxa de DALYS padronizada por idade (por 100 mil) por doença cardiovascular atribuível ao diabetes, para ambos os sexos. Brasil e Estados, 1990 e 2019.

Figura 8-1
-Número total de mortes por diabetes (A). Por doença cardiovascular atribuível ao diabetes, número de mortes (B), taxa de mortalidade padronizada por idade (por 100 mil) (C) e taxa de DALYs (D). Brasil, 2019.

Figura 8-2
-Mortalidade proporcional por doença cardiovascular atribuível ao diabetes por sexo e grupo etário. Brasil, 2019.

Figura 8-3
-Mortes atribuíveis ao diabetes estratificadas por todas as causas e por doenças cardiovasculares. Brasil, 2019.

Figura 8-4
-Relação entre índice sociodemográfico (SDI) de 2019 e variação percentual nas mortes por doença cardiovascular atribuível ao diabetes de 1990 a 2019. Brasil e Estados.

Abreviaturas usadas no Capítulo 8

CID Classificação Internacional das Doenças
CID-10 Classificação Internacional das Doenças, 10ª Revisão
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Years )
DCV Doença Cardiovascular
ELSA-Brasil Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto - Brasil
ERICA Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes
GBD Carga Global de Doenças (do inglês, Global Burden of Disease )
HbA1c Hemoglobina Glicada
HDL Lipoproteína de Alta Densidade (do inglês, High-Density Lipoprotein )
HR Hazard Ratio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC Intervalo de Confiança
IDF Federação Internacional de Diabetes (do inglês, International Diabetes Federation )
II Intervalo de Incerteza
IMC Índice de Massa Corporal
LDL Lipoproteína de Baixa Densidade (do inglês, Low-Density Lipoprotein )
MASS Registro de Medicina, Angioplastia ou Cirurgia (do inglês, The Medicine, Angioplasty or Surgery Study )
MEV Mudanças no Estilo de Vida
OR Odds Ratio
PNAUM Pesquisa Nacional sobre o Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil
PR Prevalence ratio
REACT Registro do Paciente de Alto Risco Cardiovascular na Prática Clínica
SBC Sociedade Brasileira de Cardiologia
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index)
SF-36 Questionário de qualidade de vida SF-36 (do inglês, Short Form 36 )
SIM Sistema de Informação sobre Mortalidade
SUS Sistema Único de Saúde
UF Unidade Federativa
VIGITEL Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability)
YLLs Anos de vida perdidos por morte prematura (do inglês, Years of Life Lost)

Introdução

•Diabetes melito é uma doença crônica e progressiva, caracterizada por alterações metabólicas decorrentes de hiperglicemia persistente resultante de defeitos na secreção e/ou na ação da insulina produzida pelas células beta pancreáticas. Em longo prazo, a hiperglicemia persistente determina complicações microvasculares (retinopatia, doença renal do diabetes, neuropatia) e macrovasculares (doença arterial coronariana, doença cerebrovascular e doença arterial obstrutiva periférica). Pré-diabetes (tolerância diminuída à glicose e glicemia de jejum alterada) refere-se à condição em que a glicemia está elevada em relação aos parâmetros normais, porém sem atingir critérios para o diagnóstico de diabetes. A identificação do pré-diabetes é importante porque determina maior risco de diabetes no futuro e aumento de risco de DCV, além de que intervenções principalmente relacionadas a MEV comprovadamente reduzem o risco de diabetes nesses indivíduos.

•A classificação do diabetes baseia-se na sua etiologia. Os tipos mais prevalentes são o diabetes tipo 2 (90-95% dos casos) e o diabetes tipo 1 (5-10% dos casos). O diabetes tipo 2 ocorre em geral em adultos a partir dos 30-40 anos, tem etiologia complexa e multifatorial, envolvendo herança poligênica, influência familiar e influência de fatores ambientais (hábitos alimentares inadequados, inatividade física e sedentarismo). A fisiopatologia envolve resistência insulínica acompanhada de aumento inicial na produção de insulina, seguida, ao longo dos anos, de falência pancreática na produção desse hormônio. 307

•O diabetes tipo 1, em geral, ocorre em crianças, adolescentes ou adultos jovens, tem etiologia autoimune, poligênica, decorrente da destruição das células beta pancreáticas e deficiência completa de insulina. Pode ocorrer em adultos (antigo LADA – latent autoimune diabetes in adults, hoje mais comumente conhecido como diabetes tipo 1 do adulto). Subdivide-se em tipos 1A e 1B a depender da presença de autoanticorpos. No diabetes tipo 1A, autoanticorpos estão presentes, havendo predisposição genética associada a fatores ambientais desencadeantes da resposta imune (infecções virais, componentes da dieta e da microbiota intestinal). No diabetes tipo 1B, autoanticorpos não estão presentes e a etiologia é idiopática. A DCV é a principal causa de morte em pacientes com diabetes, que apresentam o dobro do risco de eventos cardiovasculares maiores quando comparados à população sem a doença, além de piores respostas aos tratamentos e piores desfechos após serem acometidos por algum evento cardiovascular (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral). Os fatores de risco cardiovasculares clássicos (tabagismo, hipertensão arterial, colesterol LDL alto, colesterol HDL baixo) maximizam esse risco, além da duração do diabetes e da coexistência de complicações microvasculares. Estão incluídas nas complicações cardiovasculares do diabetes as doenças arteriais coronariana e periférica e cerebrovascular. 308 , 309

•O diabetes compromete diretamente a qualidade de vida, a produtividade e a sobrevida dos indivíduos, além de gerar importante impacto econômico para os sistemas de saúde. Atingir os alvos glicêmicos adequados e controlar os outros fatores de risco cardiovasculares comprovadamente contribuem para a prevenção e o retardo da progressão das complicações crônicas da doença. O acometimento sistêmico de diversos órgãos e a complexidade da doença exigem uma assistência global ao paciente, abrangendo os diversos aspectos que seu tratamento inclui. 309

•Neste capítulo, o diabetes mellitus será abordado como fator de risco cardiovascular, uma vez que assim foi identificado desde o clássico estudo de Framingham, 2 e sua presença, em associação a tabagismo, hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia, aumenta em duas a três vezes o risco de DCV nesses indivíduos. 310

Prevalência

•Teló et al ., em revisão sistemática com meta-análise de estudos observacionais brasileiros de 1980 a 2015, incluíram 50 estudos e mostraram uma crescente prevalência de diabetes nas últimas décadas, como se segue: diabetes autorreferido (36 estudos), 5,6% (IC 95% 5,0 - 6,3); diagnosticado por glicemia de jejum (7 estudos), 6,6% (IC 95% 4,8 - 8,9); e diagnosticado por teste oral de tolerância à glicose (7 estudos), 11,9% (IC 95% 7,7 - 17,8). Nas análises de tendência, houve aumento da prevalência de diabetes com o tempo, sendo o maior aumento observado em estudos que utilizaram o teste oral de tolerância à glicose no diagnóstico: 7,4% (IC 95% 7,1 - 7,7) nos anos 1980, 12,1% (IC 95% 10,5 - 13,8) nos anos 1990, 14,5% (IC 95% 13,1 - 16,0) nos anos 2000 e 15,7% (IC 95% 9,8 - 24,3) nos anos 2010. 311

•Considerando-se os dados da IDF publicados em 2019, o Brasil era o quinto país no mundo em quantidade de adultos com diabetes, totalizando 16,8 milhões (IC 95% 15,0 - 18,7) de pessoas com essa condição, das quais 46% desconheciam ter a doença. A prevalência de pré-diabetes foi de 9,5% (15,1 milhões de pessoas). 312

•Dados obtidos da Pesquisa Nacional de Saúde (2014 a 2015) mostraram as seguintes prevalências de diabetes de acordo com diferentes critérios: 6,6% (IC 95% 5,9 - 7,2) [critério de HbA1c ≥ 6,5%]; de 8,4% (IC 95% 7,6 - 9,1) [critério de HbA1c ≥ 6,5% ou uso de antidiabéticos]; de 9,4% (IC 95% 8,6 - 10,1) [critério de HbA1c ≥ 6,5% ou histórico de diabetes] e de 7,5% (IC 95% 6,7 - a 8,2) [critério de histórico de diabetes]. Essas informações estão apresentadas de acordo com sexo, região (Tabela 8-1), faixa etária, escolaridade, cor da pele autorreferida e IMC (Tabela 8-2), considerando-se o critério mais abrangente (HbA1c ≥ 6,5% ou uso de antidiabéticos). Em qualquer um dos critérios, a prevalência foi maior em mulheres, em indivíduos acima de 30 anos e naqueles com sobrepeso ou obesidade. Maior nível educacional associou-se com menor prevalência de diabetes. A região brasileira com maior prevalência foi a Centro-Oeste. 28

•Malta et al. , em estudo transversal que incluiu dados autorreferidos de 60.202 brasileiros, analisaram as desigualdades na prevalência autorreferida de doenças não transmissíveis, incluindo o diabetes. A prevalência de diabetes foi maior para indivíduos analfabetos/ensino fundamental incompleto e para aqueles com ensino médio incompleto, alcançando 9,61% (PR 1,42, IC 95% 1,13-1,77) e 5,36% (PR 1,59, IC 95% 1,23-2,06), respectivamente, enquanto para indivíduos com ensino superior completo, a prevalência foi de 4,18%. 28

•Iser et al. mostraram em dados obtidos da Pesquisa Nacional de Saúde (2014 a 2015) que a prevalência de pré-diabetes pelo critério da Associação Americana de Diabetes (HbA1c 5,7 a 6,4%) foi de 18,5% (IC 95% 17,4 - 19,7) e, pelo critério da Organização Mundial da Saúde (HbA1c 6,0-6,4%), de 7,5% (IC 95% 6,7 - 8,3). 313

•Teló et al. publicaram em 2019 resultados de grande estudo transversal desenvolvido em amostra representativa de estudantes brasileiros de 12 a 17 anos mostrando que, dentre os 37.854 jovens incluídos, 3,3% (IC 95% 2,9 - 3,7) tinham diabetes tipo 2 (HbA1c ≥ 6.5% ou glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl ou histórico de diabetes) e 22,0% (IC 95% 20,6 - 23,4) tinham pré-diabetes (HbA1c entre 5,7% e 6,5% ou glicemia de jejum entre 100 e 126 mg/dl). 314

Incidência

•Estudos de incidência de diabetes reportam em sua maioria dados de países de alta renda e, em geral, de populações adultas, de forma que refletem especialmente a incidência de diabetes tipo 2. O diabetes tipo 2 em crianças e adolescentes tem crescido em muitos países, devido ao aumento na prevalência de sobrepeso, obesidade, inatividade física e sedentarismo. 312

•Schmidt et al. publicaram análise de seguimento a partir de 2008-2010 por 3,7 ± 0,63 anos de 11.199 funcionários públicos sem diabetes do estudo multicêntrico brasileiro ELSA-Brasil. Diabetes foi diagnosticado no seguimento se glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl ou glicemia após sobrecarga oral de glicose ≥ 200 mg/dl ou HbA1c ≥ 6,5%. A incidência cumulativa de diabetes foi de 2,0/100 pessoas-ano (IC 95% 1,8 - 2,1), semelhante entre homens e mulheres, maior nos indivíduos acima de 65 anos [2,8%; IC 95% 2,3 - 3,4], com obesidade (3,8%; IC 95% 3,4 - 4,3) e naqueles com menor nível educacional (3,0%; IC 95% 2,6 - 3,6). 315

•Sitnik et al. reportaram coorte prospectiva de 1.536 indivíduos sem diabetes, funcionários da Universidade de São Paulo, participantes do Projeto ELSA-Brasil com idade entre 23 anos e 63 anos em 1998 (data da coleta da glicemia de jejum), com o objetivo de avaliar a associação entre glicemia de jejum, incidência de diabetes, aterosclerose subclínica e eventos cardiovasculares. A taxa de incidência ajustada de diabetes foi de 9,8/1.000 pessoas-ano (IC 95% 7,7 - 13,6/1.000 pessoas-ano). 316

•O número de crianças e adolescentes com diabetes tipo 1 tem crescido em todo o mundo, aproximadamente 3% ao ano, embora com importantes diferenças regionais. 6 , 12 , 13 O Brasil é o terceiro no ranking mundial em número de novos casos de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos com diabetes tipo 1 (7,3 casos/1000/ano) e também em prevalência da doença na mesma faixa etária (51,1/1000). 312

•Negrato et al. descreveram a incidência anual de diabetes tipo 1 de 1986 a 2015 na cidade de Bauru (São Paulo) em crianças ≤ 14 anos, usando método de notificação de casos e capture and recapture . Foram identificados 302 casos nesse período, uma incidência (por 100 mil) de 12,8 (IC 95% 11,2 - 14,4), variando de 2,8 em 1987 a 25,6 em 2013, sem diferença entre sexos. 319

Mortalidade

Mortalidade Geral Atribuível ao Diabetes

•Klafke et al. descreveram dados de mortalidade por complicações agudas por diabetes (cetoacidose, estado hiperosmolar, hipoglicemia) no Brasil, para todas as idades, entre 1991 e 2010, período em que ocorreu a implantação do SUS. Usando dados do IBGE e do SIM, foram registradas 694.769 mortes por diabetes nesse período, das quais 81.208 (11,7%) ocorreram por complicações agudas. Em 1991, houve 2.070 mortes em homens por complicações agudas do diabetes, com taxa de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes de 7,4 (IC 95% 7,2 - 7,6), e 2.832 mortes em mulheres, com taxa de mortalidade de 9,7 por 100 mil habitantes (IC 95% 9,1 - 9,6), gerando relação de taxa de mortalidade mulher/homem de 1,3. Em comparação com 1991, em 2010 houve 1.600 mortes em homens por complicações agudas do diabetes, com taxa de mortalidade de 2,4 por 100 mil habitantes (IC 95% 2,3 - 2,5), e 2.141 mortes em mulheres, com taxa de mortalidade de 2,5 por 100 mil habitantes (IC 95% 2,4 - 2,6), gerando relação de taxa de mortalidade mulher/homem de 1,0. Desse modo, a mortalidade por complicações do diabetes em 20 anos para ambos os sexos diminuiu 70,9% (IC 95% 67,2 - 74,5), de 8,42 (IC 95% 8,3 - 8,6) mortes por 100 mil habitantes em 1991 para 2,45 por 100 mil habitantes (IC 95% 2,4 - 2,5) em 2010. Essa redução ocorreu em ambos os sexos, em todas as idades e em todas as regiões do Brasil. 320

•Malhão et al. avaliaram o padrão de mortalidade por diabetes no Brasil, por sexo, em adultos ≥ 20 anos, de 1980 a 2012, usando dados do IBGE e do SIM. De 1980 a 2012, 955.455 pessoas morreram considerando-se diabetes como principal causa. Mulheres representaram 57.7% (551.016) das mortes e homens, 42,3% (404.439). Nesse período, as taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100 mil habitantes aumentaram de 20,8 (IC 95% 20,2 - 21,5) para 47,6 (IC 95% 47,0 - 48,2) nos homens e de 28,7 (IC 95% 27,9 - 29,4) para 47,2 (IC 95% 46,7 - 47,7) nas mulheres. Considerando todo o período analisado, a taxa aumentou 2,9% ao ano nos homens (variação percentual média anual de 2,9; IC 95% 2,6 - 3,1) e 1,7% nas mulheres (variação percentual média anual de 1,7; IC 95%: 1,5 - 1,9). Considerando o diabetes como a causa principal ou associada de mortalidade entre 2001 e 2012, o número de mortes foi de 1.076.434 (mulheres 603.686 – 56,1%; homens 472.748 – 43,9%). A taxa de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes aumentou nesse período de 76,1 (IC 95% 75,2 - 77,0) para 95,6 (IC 95% 94,8 - 96,5) nos homens, e de 83,7 (IC 95% 82,9 - 84,6) para 93,3 (IC 95% 92,6 - 94,1) nas mulheres. 321

•Duncan et al. , usando dados sobre diabetes e hiperglicemia do Estudo GBD 2015 para todas as idades, mostraram que no Brasil, em 2015, a taxa de mortalidade por diabetes por 100 mil habitantes foi de 26,8 (IC 95% 25,0 - 28,5) para homens e de 33,2 (IC 95% 31,1 - 35,2) para mulheres. 322

•Duncan et al. , usando dados sobre diabetes e hiperglicemia do Estudo GBD 2016-2017 para todas as idades, mostraram que, nesse período, para o diabetes tipo 1, a mortalidade padronizada por idade diminuiu mais de 50% para mulheres e cerca de 10% para homens, aproximando assim as taxas específicas de gênero, que eram muito diferentes no início do período. Taxas de mortalidade padronizadas por idade para o diabetes tipo 2, em contraste, estiveram estáveis durante o período, com ligeira diminuição nas mulheres e ligeiro aumento nos homens. Quando traduzida em taxas brutas, no entanto, a mortalidade por diabetes tipo 2 aumentou de forma dramática, basicamente dobrando no período. Os autores também mostraram que as maiores taxas de mortalidade por diabetes em 2017 ocorreram principalmente nos estados do Nordeste, sendo que os maiores aumentos na mortalidade entre 1990 e 2017 foram observados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com as maiores diminuições observadas no Sudeste. 323

•Os dados do Estudo GBD 2019 mostram que, embora as taxas de mortalidade padronizada por idade por diabetes tenham diminuído substancialmente nos últimos anos no Brasil, o número total de mortes pela doença aumentou ( Figura 8-3 A). Houve 87.644 (IC 95% 71.924 -110.625) e 174.198 (IC 95% 142.704 - 217.111) mortes por diabetes no país em 1990 e 2019, respectivamente ( Figura 8-1 A). A taxa de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes foi 116,8 (IC 95% 92,8 - 152,0) em 1990 e 77,0 (IC 95% 63,0 - 96,7) em 2019, diminuindo em 34% (IC 95% -40,1 a -28,1) no período. Essa redução não foi homogênea entre as regiões e UF do Brasil, sendo mais pronunciada no Distrito Federal e nas UF do Sudeste, Centro-Oeste e Sul, com redução modesta a pouco significativa em diversas UF do Norte e Nordeste. É importante destacar que a tendência à redução da taxa de mortalidade padronizada por idade por diabetes ocorreu em todos os grupos etários, mas com redução mais significativa na população de 5-14 anos (-45,8%; IC 95% -57,2 a -33,1) e menos significativa para a população de 15-49 anos (-24.8%; IC 95% -30,7 a -18,5), com reduções intermediárias nos grupos etários com mais de 70 anos (-26%; IC 95% -33,2 a -18,2) e 50-69 anos (-33,2%; IC 95% -40,1 a -26,4). 46

Mortalidade Cardiovascular Atribuível ao Diabetes

•A mortalidade por DCV no Brasil atribuível ao diabetes para todas as idades, segundo dados do Estudo GBD 2019, aumentou em termos absolutos de 50.812 mortes (IC 95% 35.649 - 73.137) em 1990 para 80.754 (IC 95% 55.922 - 118.175) em 2019 (Tabela 8-3 e Figura 8-1 B). No entanto, as taxas de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes diminuíram de 70,4 (IC 95% 47,4 - 106,1) em 1990 para 35,9 (IC 95% 24,5 - 53,0) em 2019, expressando uma redução de -49,0% (IC 95% -53,4 a -43,9) ( Figura 8-1 C). Essa tendência de redução ocorreu de forma não uniforme nas UF, sendo mais significativa na maioria das UF das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte e Distrito Federal, e apenas modesta nas UF da região Nordeste. Na comparação entre sexo, as mulheres apresentaram maiores reduções da taxa de mortalidade em comparação aos homens na maioria das UF do Brasil nos dados de 1990 e 2019, exceto no Maranhão, Piauí e Distrito Federal (Tabela 8-4). Quanto à tendência por grupo etário, a redução da taxa de mortalidade por DCV atribuível ao diabetes ocorreu em todas os grupos etários: 15 a 49 anos (-37,3%; IC 95% -46,8 a -25,3), 50 a 69 anos (-46,0%; IC 95% -54,2 a -35,5) e mais de 70 anos de idade (-43,5%; IC 95% -50,3 a -36,7). É importante destacar que em 2019, na comparação por sexo e grupos etários ( Figura 8-2 ), as mulheres tiveram menores taxas de mortalidade proporcional por DCV atribuível ao diabetes em praticamente todos os grupos etários descritos. 46

•Apesar de os dados do Estudo GBD 2019 demonstrarem que o número total de mortes atribuíveis ao diabetes, para todas as idades e estratificadas por todas as causas, aumentou no Brasil entre 1990 e 2019 ( Figura 8-3 A), a taxa de mortalidade padronizada por idade por 100 mil habitantes diminuiu no mesmo período de 116,8 (IC 95% 92,8 - 152,0) para 77 (IC 95% 63,0 - 96,7). É importante destacar que mais de 85% dessa redução ocorreu devido à diminuição das taxas de doença isquêmica do coração, de 39,8% (IC 95% 21,3 -65,3) em 1990 para 20,9% (IC 95% 11,6 - 34,4) em 2019, e de acidente vascular encefálico, de 30,3% (IC 95% 18,2 - 54,8) em 1990 para 14,7% (IC 95% 8,6 - 25,6) em 2019 ( Figura 8-3 B). 46

•O SDI é uma estimativa do nível socioeconômico de uma determinada localidade e a Figura 8-4 mostra a relação entre o SDI de 2019 e a variação percentual nas mortes por DCV atribuíveis ao diabetes de 1990 a 2019. Os dados revelam que há correlação entre a maior variação percentual de taxa de mortalidade padronizada pela idade entre 1990 e 2019 e o SDI de 2019, sugerindo que a redução de mortalidade por DCV seguiu a melhora nas condições socioeconômicas. As UF com menores SDI tiveram menores variações percentuais nas mortes (mais mortes), com exceção de Roraima e Rondônia, enquanto as UF com maiores SDI tiveram as maiores variações percentuais nas mortes (menos mortes), como São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.

Carga de Doença

Carga de Doença Atribuível ao Diabetes

•Os dados do Estudo GBD 2019 estimaram uma redução da taxa de DALYs atribuíveis ao diabetes padronizada por idade por 100 mil habitantes no Brasil de -26,1% (IC 95% -31,7 a -20,9) entre 1990 e 2019, apesar de ter ocorrido aumento no número total de DALYs de 2.448.714,5 (IC 95% 2.087.403,6 - 2.919.735,6) para 4.778.225,9 (IC 95% 4.017.716,8 -5.709.063,5) no período. A redução da taxa de DALYs, apesar de ter ocorrido em todos os grupos etários, foi mais pronunciada em UF das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste e no Distrito Federal, sendo pouco expressiva em muitas UF das regiões Norte e Nordeste, incluindo aumento da taxa de DALYs no Amapá, Ceará e Maranhão. Na comparação entre sexos, a redução da taxa foi mais expressiva nas mulheres (-37.7%; IC 95% a 44.2 a -31.1) do que nos homens (-29.9%; IC 95% 36.9 a -22.3) para o mesmo período. 46

Carga de Doença Cardiovascular Atribuível ao Diabetes

•Quanto à carga de DCV, o Estudo GBD 2019 estimou redução de DALYs atribuíveis ao diabetes no Brasil ( Figura 8-1 D e Tabela 8-5), taxa essa padronizada por idade por 100 mil habitantes, de -47,4% (IC 95% - 52,2 a -41,9) entre 1990 e 2019, apesar de ter ocorrido um aumento no número total de DALYs de 1.072.309 (IC 95% 784.276 -1.484.959) para 1.571.116 (IC 95% 1.140.912 - 2.203.188) no período. Essa redução da taxa ocorreu devido à redução dos YLLs, da ordem de -33,4% (IC 95% -42,5 a -15) entre 1990 e 2019. No mesmo período, houve aumento dos YLDs da ordem de 17,6% (IC 95% 0,4 - 50,5). 46

•Houve redução heterogênea da taxa de DALYs padronizada por idade por diabetes entre as diversas UF e regiões do Brasil, sendo mais acentuada nas UF das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste e no Distrito Federal, com redução modesta nas UF na região Norte e ainda mais discreta na maioria das UF do Nordeste.

•Os dados do Estudo GBD 2019 demonstram que a redução da taxa de DALYs por diabetes padronizada por idade de 1990 a 2019 ocorreu em todos os grupos etários: 15 a 49 anos (-36,5%; IC 95% -46,0 a -24,5), 50 a 69 anos (-45,5%; IC 95% -53,4 a -35,2) e mais de 70 anos (-46,2%; IC 95% -52,5 a -39,1). Para homens de todas as idades, a variação foi de -43,1% (IC 95% -49,4 a -35,1) e, para mulheres de todas as idades, a variação foi de -52,0% (IC 95% -58,5 a -44,5). Apenas no Maranhão e no Piauí, os homens tiveram maior redução em comparação às mulheres. 46

Impacto na Saúde Cardiovascular

•Fuchs et al. , em estudo transversal realizado em 2005 na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com adultos de 18-90 anos, avaliou a associação entre o agrupamento de fatores de risco e DCV autorreferida. Os participantes foram entrevistados em casa sobre a presença de diabetes, atividade física e padrão alimentar, além de avaliados quanto à presença de hipertensão arterial sistêmica. Uma amostra de 1.007 mulheres, a maioria branca (73,0%), idade média de 44,8 anos (±0,8) e média de escolaridade de 9,3 anos (±0,3), foi investigada. Hipertensão arterial, diabetes, obesidade, baixa ingestão de frutas e vegetais e falta de atividade física vigorosa ou moderada foram agrupados em uma combinação de fatores de risco, que se associaram de forma independente à DCV autorreferida. O grupo principal dessa associação incluiu a presença de hipertensão arterial e diabetes, representando uma razão de risco independente de 8,5 (IC 95% 3,0 - 24,5). 281

•Cardoso el al. reportaram os resultados de estudo observacional prospectivo realizado no Rio de Janeiro entre agosto de 2004 e dezembro de 2008 em 620 indivíduos adultos com diabetes tipo 2, seguidos até agosto de 2013 em ambulatório de diabetes de hospital universitário brasileiro. Os autores objetivaram relacionar os níveis de HbA1c com desfechos cardiovasculares. Níveis de HbA1c foram medidos no início do estudo e 3-4 vezes ao ano ao longo do seguimento clínico. Os desfechos primários foram compostos por eventos cardiovasculares totais (fatais e não fatais), eventos cardiovasculares maiores e mortalidade por todas as causas. Mortalidade cardiovascular e não cardiovascular foram os desfechos secundários. A amostra teve idade média de 60,4 anos (± 9,4), 37,1% eram homens, 55% caucasianos. Após acompanhamento mediano de 79 meses (59-93), 125 eventos cardiovasculares totais ocorreram (90 eventos maiores), com um total de 111 óbitos, 64 dos quais por DCV. Após ajustes estatísticos para outros fatores de risco cardiovascular, a linha de base da HbA1c e a HbA1c média do primeiro ano foram preditoras de eventos cardiovasculares totais (HR 1,13; IC 95% 1,04 - 1,23 e HR 1,26; IC 95% 1,12 - 1,41, respectivamente), de eventos cardiovasculares maiores (HR 1,15; IC 95% 1,04 - 1,28 e HR 1,27; IC 95% 1,11 - 1,45, respectivamente), de mortalidade por todas as causas (HR 1,10; IC 95% 1,00 - 1,21 e HR 1,18 e IC 95% 1,04 - 1,35, respectivamente) e mortalidade cardiovascular (HR 1,14; IC 95% 1,01 - 1,27 e HR 1,27; IC 95% 1,08 - 1,50, respectivamente). Cada aumento de 1% na média de HbA1c do primeiro ano aumentou 27,0% (IC 95% 11,0 - 45,0) o risco de eventos cardiovasculares maiores. Proteção cardiovascular foi observada até valores de HbA1c menores que 6,5%. Já HbA1c no segundo ano não foi preditiva para nenhum dos desfechos (HR 1,12; IC 95% 0,98 - 1,28; p=0,09 para eventos cardiovasculares totais; HR 1,09; IC 95% 0,92 - 1,29; p=0,32 para eventos cardiovasculares maiores). 324

•Sitnik et al. reportaram coorte prospectiva de 1.536 indivíduos sem diabetes, funcionários da Universidade de São Paulo, participantes do Projeto ELSA-Brasil com idade de 23-63 anos em 1998 (data da coleta da glicemia de jejum), com o objetivo de avaliar a associação entre glicemia de jejum e incidência de diabetes com aterosclerose subclínica e eventos cardiovasculares. Níveis de glicemia de jejum de 110-125 mg/dl foram associados a maior espessura da íntima-média da carótida (β 0,028; IC 95% 0,003 - 0,053). Excluindo aqueles indivíduos que desenvolveram diabetes no seguimento, houve associação limítrofe entre maior espessura da íntima-média da carótida e glicemia de jejum de 110-125 mg/dl (β 0,030; IC 95% -0,005 a 0,065). O diabetes foi associado a maior espessura da íntima-média da carótida (β 0,034; IC 95% 0,015 - 0,053), escores de cálcio coronariano ≥ 400 (OR 2,84; IC 95% 1,17 - 6,91) e o resultado combinado de escore de cálcio coronariano ≥ 400 ou evento cardiovascular (OR 3,50; IC 95% 1,60 - 7,65). 316

•Schaan et al. , através do registro multicêntrico brasileiro, Estudo REACT, realizado de julho de 2010 a maio de 2016, objetivaram estabelecer o risco de longo prazo de eventos clínicos em pacientes de alto risco cardiovascular no Brasil. Esse projeto foi idealizado e coordenado pela SBC com a participação de centros privados e públicos de todas as regiões do Brasil, respeitando a distribuição da população segundo dados do IBGE. Um total de 5.006 indivíduos (≥ 45 anos de idade) foi incluído e analisado em quatro grupos: sem diabetes e nenhum evento cardiovascular anterior (n = 430); com diabetes e nenhum evento cardiovascular anterior (n = 1.138); sem diabetes e com evento cardiovascular anterior (n = 1.747); e com diabetes e com evento cardiovascular anterior (n = 1.691). Evento cardiovascular anterior foi definido como evidência de doença arterial coronariana, acidente vascular encefálico ou acidente isquêmico transitório, doença arterial periférica, presença de três fatores de risco cardiovascular, exceto diabetes (hipertensão arterial, dislipidemia, idade acima de 70 anos, história familiar de doença arterial coronariana, doença carotídea assintomática). Ocorreram eventos clínicos maiores (mortalidade por todas as causas, infarto do miocárdio não fatal, parada cardiorrespiratória não fatal e acidente vascular encefálico não fatal) no acompanhamento de um ano em 332 pacientes. Evento cardiovascular anterior foi associado a maior risco de outro evento no acompanhamento (HR 2,31; IC 95% 1,74 - 3,05, p<0,001), assim como a presença de diabetes (HR 1,28; IC 95% 1,10 - 1,73, p=0,005). Em pacientes com diabetes, a falha em alcançar os alvos de HbA1c foi relacionada a pior sobrevida livre de eventos em comparação a pacientes com bom controle metabólico (HR 1,70; IC 95% 1,01 - 2,84, p=0,044). 325

•Rezende et al. reportaram os dados retrospectivos de pacientes com diabetes tipo 2 e doença arterial coronariana multivascular inscritos no MASS do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo de janeiro de 2003 a dezembro de 2007. Os pacientes foram acompanhados em consultas ambulatoriais a cada seis meses e avaliados prospectivamente para eventos cardiovasculares. De 888 pacientes com diabetes tipo 2 e doença arterial coronariana multiarterial, 725 (81,6%) tinham informações clínicas e de HbA1c completas para análise. A amostra foi caracterizada por idade mediana de 62,4 anos (55,7-68,0), 467 homens (64,4%), período mediano de seguimento de 10,0 anos (8,0-12,3) e média de 9,5 ± 3,8 medidas de HbA1c por paciente. O desfecho composto de morte, infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral isquêmico ocorreu em 262 pacientes (36,1%) da amostra. Aumento de um ponto no valor longitudinal de HbA1c foi significativamente associado a risco 14% maior do desfecho combinado de mortalidade por todas as causas, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico (HR 1,14; IC 95% 1,04 - 1,24; p=0,002) na análise não ajustada. Depois de ajustar os fatores de linha de base (idade, sexo, doença arterial coronariana de dois ou três vasos, tratamentos da doença arterial coronariana inicial, fração de ejeção, níveis de creatinina e níveis de colesterol LDL), aumento de um ponto no valor longitudinal de HbA1c foi associado a risco 22% maior do desfecho combinado (HR 1,22; IC 95% 1,12 - 1,35; p<0,001). 326

Conhecimento, Tratamento e Controle de Condição

•O tratamento do diabetes baseia-se em três pilares: dieta, exercício físico e medicamentos (antidiabéticos orais e insulina). Estudo transversal, multicêntrico publicado em 2016 por Gomes e Negrato 327 descreveu dados de amostra de conveniência de 1.698 pessoas com diabetes tipo 1 de dez cidades brasileiras quanto à sua adesão ao tratamento (questionário de Morisky), que foi máxima em 9,8% delas, moderada em 42,2% e mínima em 48,0%, associando-se menor adesão a maiores valores de HbA1c (9,2 ± 2,2%, 8,9 ± 2,0% e 8,6 ± 1.9%, respectivamente) para cada grupo avaliado. 327

•Ensaio clínico randomizado envolvendo 238 pacientes com diabetes tipo 2 comparou um programa de empoderamento baseado em protocolo de mudança comportamental e seu efeito sobre o controle glicêmico, mostrando que o grupo que foi randomizado para a intervenção obteve menores índices de Hba1c (7,5 ± 1,7% vs. 8,1 ± 2,2%). 328

•Meiners et al. em 2017, a partir de dados do inquérito domiciliar de base populacional PNAUM com delineamento transversal baseado em amostra probabilística da população brasileira, avaliaram 2.624 pessoas com diabetes e idade > 20 anos quanto a acesso e adesão ao tratamento. O acesso total aos medicamentos pesquisados foi de 98%, enquanto a adesão foi provável em 71% (IC 95% 67,2 - 74,5), provavelmente baixa em 9,8% (IC 95% 8,0 - 12,0) ou baixa em 17,2% (IC 95% 14,6 -20,1), com as melhores taxas de adesão na região Centro-Oeste. 329

•A aderência ao tratamento (autorreferida) e seus fatores associados foi avaliada por Marinho et al. em 2018 em estudo transversal com 476 pacientes diabéticos de um hospital terciário. Boa adesão foi de 93,5% para uso de medicamentos, 59,3% para cuidados com os pés, 56,1% para monitoramento da glicemia, 29,2% para dieta e 22,5% para exercícios físicos. Foram associados à boa adesão menor idade, menor IMC, presença de complicações macrovasculares e melhor desempenho ocupacional e no domínio emocional do SF-36. 330

•Silva et al. em 2018 realizaram inquérito domiciliar em 63 municípios de Minas Gerais selecionados por conveniência, com o objetivo de analisar o perfil de utilização de medicamentos em pacientes com diabetes naquele estado, avaliando 2.619 pessoas com diabetes (83,7% com diabetes tipo 2 e 10,4% com diabetes tipo 1, idade média de 61,3 ± 16,4 anos). Foi relatado o uso de 13.629 medicamentos, 60% adquiridos em farmácias públicas e 35% genéricos.

Os medicamentos mais frequentes em uso foram metformina, losartan, glibenclamida e sinvastatina; 56,5% (IC 95% 3,4) dos entrevistados estavam em polifarmácia (uso de cinco ou mais medicamentos). Os fatores associados à ocorrência de polifarmácia nesses pacientes foram idade de 40-59 anos (OR 2,46; IC 95% 1,68 - 3,61), idade acima de 60 anos (OR 4,58; IC 95% 3,18 - 6,60), autopercepção de saúde ruim ou muito ruim (OR 1,75; IC 95% 1,26 - 2,38), presença de cinco ou mais comorbidades (OR 3,45; IC 95% 2,84 - 4,19), tempo médio de diagnóstico acima de 10 anos (OR 1,64; IC 95% 1,36 - 1,98), quatro ou mais consultas médicas no último ano (OR 1,79; IC 95% 1,48 - 2,16), ausência de atividade física regular (OR 1,47; IC 95% 1,22 - 1,78), interrupção das atividades habituais nos últimos 15 dias (OR 1,30; IC 95% 1,03 - 1,64) e possuir plano de saúde particular (OR 1,39; IC 95% 1,13 - 1,70). 331

•Leitão et al., em estudo transversal de base populacional com indivíduos de 20 anos ou mais que referiram diagnóstico de diabetes, entrevistados pelo Sistema VIGITEL de 2012 a 2018, estimaram a prevalência de uso de antidiabéticos orais e a distribuição das suas fontes de obtenção segundo variáveis sociodemográficas no Brasil. A prevalência de uso de antidiabéticos orais no Brasil passou de 77,4% (IC 95% 74,3 - 80,1) em 2012 para 85,2% (IC 95% 82,8 - 87,2) em 2018. Observou-se aumento de uso na região Sul, crescendo de 73,4% (IC 95% 67,8 - 78,4) em 2012 para 84,9% (IC 95% 79,7 - 88,9) em 2018. Quanto à obtenção de antidiabéticos orais, observou-se diminuição nas farmácias de unidades de saúde do SUS e aumento nas farmácias populares, sem mudança significativa nas farmácias privadas. 332

•Estudo transversal com amostra de conveniência a partir de 20 centros médicos brasileiros com dados de atendimentos ocorridos entre 2006 e 2007 descreveu o controle glicêmico de 5.692 pessoas acima de 18 anos com diabetes, 1.904 homens e 3.788 mulheres. A HbA1c estava acima de 7,0% em 72% dos homens e 74% das mulheres. 333

•Schneiders et al ., em coorte retrospectiva com 488 pacientes em atendimento em nível primário (n=192) e terciário (n=192), avaliaram indicadores de qualidade do cuidado ao diabetes em pessoas com uma HbA1c avaliada no último ano, a saber: avaliação anual de doença renal do diabetes, retinopatia diabética, neuropatia diabética, perfil lipídico, avaliação nutricional e abordagem de cessação de fumo. Apenas 14 pacientes (7,3%) na atenção primária e 52 (27,0%) na terciária tinham avaliados pelo menos 50% desses indicadores de qualidade. As maiores diferenças no cuidado reportado pelos pacientes da atenção primária e terciária foram: avaliação da doença renal do diabetes (84,8% na atenção primária vs. 95,8% na terciária), da retinopatia diabética (13,2% na atenção primária vs. 35,9% na terciária) e da neuropatia (9,5% na atenção primária vs. 58,9% na terciária); e avaliação nutricional (17,2% na atenção primária vs. 38,0% na terciária). 334

•Alessi et al . conduziram estudo transversal multicêntrico na atenção primária e terciária em idosos com diabetes tipo 2 (>65 anos, n=322, 160 da atenção primária e 162 da terciária) buscando avaliar quantitativo de pacientes que teriam controle glicêmico adequado considerando-se a necessidade de alvos glicêmicos customizados em boa parte dessa população. Foram considerados dentro do alvo glicêmico pacientes com HbA1c entre 7,0% e 7,5% quando tivessem expectativa de vida >10 anos; HbA1c entre 7,5% e 8,0% quando tivessem expectativa de vida entre 5 e 10 anos; e HbA1c entre 8,0% e 8,5% quando tivessem expectativa de vida <5 anos. A HbA1c estava fora do alvo em 49,1% e 50,3% dos pacientes na atenção primária e na terciária, respectivamente. Na amostra total, 42,2% dos pacientes estavam acima do alvo de HbA1c, 28,9% estavam no alvo e 28,9% estavam abaixo do alvo. 335

Fatores de Risco e Prevenção

•Obesidade, constituição da dieta, inatividade física e sedentarismo são fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento de diabetes tipo 2. A prevalência de diabetes aumenta claramente à medida que aumenta a prevalência de obesidade. 336 O diabetes pode ser prevenido ou seu início postergado com MEV, modificações na composição da dieta e medicamentos, na maioria antidiabéticos orais.

•Revisão sistemática com meta-análise publicada por Sbaraini et al. em 2021 compilou dados de 151 estudos de prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes brasileiros de 10-19 anos. Observou-se aumento na prevalência de sobrepeso de 8,2% (IC 95% 7,7 - 8,7) até 2000, de 18,9% (IC 95% 14,7 - 23,2) de 2000 a 2009, e de 25,1% (IC 95% 23,4 - 26,8) de 2010 em diante, padrão que foi similar para a prevalência de obesidade. Regiões Sudeste e Sul tiveram maiores prevalências de sobrepeso e obesidade, sem diferença entre os sexos. 337

•Os mesmos autores mostraram, em 37.892 adolescentes do Estudo ERICA, sobrepeso em 17,2%, obesidade em 5,6% e obesidade grave em 1,3%, com aumento da chance de desfechos cardiometabólicos adversos de acordo com o maior IMC, incluindo maior glicemia de jejum [RP 5,30 (IC 95% 1,94 - 14,50)] e HbA1c (2,04, IC 95% 1,29 - 3,25). 338

•Flor et al. estimaram a relação do diabetes tipo 2 em adultos com mais de 20 anos de idade e sua fração atribuível a sobrepeso e obesidade no Projeto Carga de Doença do Brasil 2008. Os resultados mostraram que 49,2%, 58,3% e 70,6% do diabetes no sexo feminino foi atribuível a sobrepeso, obesidade e excesso de peso, respectivamente. Entre os homens, esses percentuais foram de 40,5%, 45,4% e 60,3%, respectivamente. Diferenças foram observadas nas diferentes regiões brasileiras, sendo que, nas mais desenvolvidas, Sul e Sudeste, houve altas frações de diabetes atribuível a obesidade, enquanto na região Norte, essa relação se deu com o sobrepeso. Esse comportamento pode estar relacionado com uma transição epidemiológica mais tardia nas regiões menos favorecidas do país. 339

•Na linha de base do ELSA-Brasil, a análise de 14.912 funcionários públicos brasileiros mostrou prevalência maior de diabetes entre pessoas com IMC de 25-29,9 kg/m2 (18,9%; IC 95% 18,0 - 19,9%) e acima de 30 kg/m2 (32,1%; IC 95% 30,6 - 33,6%) em comparação com aquelas com IMC ≤ 24,9 kg/m2 (11,7; IC 95% 10,9 - 12,6%). 340

•Moreira et al . avaliaram características sociodemográficas, comportamentais e de hábitos alimentares de 867 adultos de mais de 45 anos de João Pessoa, Paraíba, em pesquisa transversal de base populacional (VIGITEL, 2014) 297 e suas associações com a presença de hipertensão arterial sistêmica e diabetes. Em análise ajustada, a prevalência de diabetes foi maior em mulheres com menor nível educacional (0-4 anos de educação, PR 3,3; IC 95% 1,4 - 7,5) e que não consumiam feijões (PR 1,6; IC 95% 1,0 - 2,8). Em homens, as faixas etárias de 55-64 anos (PR 5,1; IC 95% 1,9 - 13,4) e ≥ 65 anos (PR 4,0; IC 95% 1,4 - 10,9) e estado civil ‘casado’ (PR 17,7; IC 95% 2,0 - 153,0) associaram-se a maior prevalência de diabetes. 297

•Oliveira et al . avaliaram características sociodemográficas, comportamentais e de hábitos alimentares de 572.437 adultos com idade superior a 18 anos de capitais brasileiras e Distrito Federal em pesquisa transversal de base populacional realizada de 2006 a 2016 (VIGITEL, 2014) 297 e suas associações com a presença de diabetes autorrelatado. Indivíduos com diabetes relataram maior consumo de frutas e verduras [40,7% (IC 95% 39,7 - 41,8) em diabéticos e 34,0% (IC 95% 33,8 - 34,3) em controles, PR ajustada 1,05] e menor consumo de carne com gordura aparente [24,3% (IC 95% 23,3 - 25,2) vs. 32,3% (IC 95% 31,9 - 32,5) PR ajustada 0,95], de leite integral [44,5% (IC 95% 43,5 - 45,5) vs. 55,4% (IC 95% 55,1 - 55,7%), PR ajustada 0,87] e de refrigerantes e sucos adoçados [9,5% (IC 95% 8,5 - 10,5) vs. 25% (IC 95% 24,6 - 25,4), PR ajustada 0,57]. Indivíduos com diabetes reportaram menor uso abusivo de álcool [15,9% (IC 95% 14,7 - 17,1) vs. 26,8% (IC 95% 26,4 - 27,2), PR ajustada 0,86] e menos atividade física no lazer [24,0% (IC 95% 23,1 - 25,0) vs. 34,6% (IC 95% 34,3 - 34,9), PR ajustada 0,92] do que pessoas sem diabetes. 341

•Em modelo ajustado, a ingestão de pelo menos quatro porções de alimentos lácteos ao dia associou-se com menor ocorrência de diabetes [0,76 (IC 95% 0,59 - 0,97)] em 10.010 adultos de análise transversal do ELSA-Brasil. 342

•Considerando a atividade física durante o lazer, o ELSA-Brasil mostrou menor chance de ocorrência de diabetes em homens e mulheres ativos em relação aos inativos: 0,73 (IC 95% 0,61 - 0,87) e 0,83 (IC 95% 0,67 - 1,03), respectivamente. 343

•Werneck et al . em 2018 avaliaram os níveis e padrões de assistir televisão autorreferidos de brasileiros e sua associação com diabetes tipo 2 em 60.202 adultos a partir de dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013. Assistir televisão por mais de 4 horas por dia aumentou a chance de desenvolver diabetes em homens (1,64; IC 95% 1,23 - 2,17) e mulheres (1,33; IC 95% 1,09 - 1,63) em comparação a menos de 2 horas por dia. 344

•Teló et al . mostraram, em estudo transversal com 37.854 adolescentes, maior chance de diabetes tipo 2 naqueles com obesidade (OR 1,59; IC 95% 1,20 - 2,11) e aumento da circunferência abdominal (OR 1,51; IC 95% 1,13 - 2,01), sem associação com inatividade física (< 60 min/dia). 314

Pesquisa Futura

•Ainda há evidências insuficientes quanto à questão de se a prevenção do diabetes através de MEV também preveniria complicações cardiovasculares e microvasculares da doença.

•Estudos de incidência de diabetes tipo 1 e tipo 2 com representatividade nacional, buscando determinantes sociais e comportamentais são necessários.

•Considerando a abrangência do SUS e a possibilidade de atingir boa parte de pacientes com diabetes tipo 1 e 2, estudos focados na avaliação da eficácia e efetividade de cuidado a esses pacientes no Brasil são desejáveis.

•Considerando as várias publicações que mostram aumento de sobrepeso e obesidade na população brasileira de todas as faixas etárias, com preferência para classes sociais mais baixas, políticas públicas eficientes na prevenção da obesidade deveriam ser prioritárias na busca de redução de novos casos de diabetes e suas complicações. Nelas podem ser incluídas: 1. Taxação de alimentos com alto teor calórico; 2. Rotulagem obrigatória de produtos alimentícios; 3. Criação de programas de prevenção e tratamento da obesidade nas comunidades, resgatando pessoas predispostas ao diabetes através de ferramentas simples (questionários); 4. Capacitação de equipes multiprofissionais para que possam se envolver em programas de MEV para prevenção e tratamento do diabetes; 5. Integração de profissionais de educação física aos programas mencionados.

9. DISLIPIDEMIA

CID-10 E78 (E78.0 – E78.9); CID-10-CM E78 (E78.0 – E78.9)

Ver Tabelas 9-1 a 9-8 e Figuras 9-1 a 9-5

Abreviaturas Usadas no Capítulo 9

CT Colesterol Total
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Year )
DCV Doenças Cardiovasculares
ELSA-Brasil Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto - Brasil
ERICA Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes
GBD Carga Global de Doenças (do inglês, Global Burden of Disease )
HDLc Colesterol da Lipoproteína de Alta Densidade (do inglês, High-Density Lipoprotein Cholesterol )
IAM Infarto Agudo do Miocárdio
IC Intervalo de Confiança
II Intervalo de Incerteza
LDLc Colesterol da Lipoproteína de Baixa Densidade (do inglês, Low-Density Lipoprotein Cholesterol )
OR Odds Ratio
PNAUM Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SUS Sistema Único de Saúde
TG Triglicerídeos
UF Unidade Federativa
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos potenciais de vida perdidos (do inglês, Years of Life Lost )

Tabela 9-1
– Níveis médios de lipídios plasmáticos, prevalências de níveis borderline e altos, além de população estimada com níveis lipídicos anormais, de acordo com sexo e grupo etário. ERICA-Brasil, 2013-2014.
Tabela 9-2
– Prevalência de colesterol total ≥ 200 mg/dl de acordo com sexo, grupo etário, nível educacional, cor da pele e região do Brasil, PNS 2014-2015.
Tabela 9-3
– Prevalência de níveis baixos de HDL-colesterol (< 40 mg/dl) de acordo com sexo, grupo etário, nível educacional, cor da pele e região do Brasil, PNS 2014-2015.
Tabela 9-4
– Prevalência de níveis altos de LDL-colesterol (> 130 mg/dl) de acordo com sexo, grupo etário, nível educacional, cor da pele e região do Brasil, PNS 2014-2015.
Tabela 9-5
– Número de mortes e taxas de mortalidade atribuídas a níveis altos de LDL-colesterol em 1990 e 2019 e variação percentual das taxas, no Brasil e unidades federativas.
Tabela 9-6
– Taxas de mortalidade atribuídas a altos níveis de LDL-colesterol em 1990 e 2019 e variação percentual das taxas, estratificadas por sexo, no Brasil e unidades federativas.
Tabela 9-7
– Números e taxas de mortes, DALYs, YLLs e YLDs atribuídas a níveis altos de LDL-colesterol em 1990 e 2019 e variação percentual das taxas, por grupo etário, no Brasil.
Tabela 9-8
– Taxas de DALYs atribuídos a níveis altos de LDL-colesterol padronizadas por idade em 1990 e 2019 e variação percentual das taxas, estratificadas por sexo, no Brasil e unidades federativas.

Figura 9-1
-Variação nas taxas de mortalidade padronizadas por idade por doença isquêmica do coração e acidente vascular cerebral atribuídos a níveis altos de LDL-colesterol, entre 1990 e 2019.

Figura 9-2
-Correlação entre a variação percentual nas taxas de mortalidade padronizadas por idade entre 1990 e 2019 e o índice sociodemográfico de 2019 (SDI 2019) de cada unidade federativa.

Figura 9-3
-Mortalidade proporcional atribuída a níveis altos de LDL-colesterol por grupo etário.

Figura 9-4
-Números de mortes e de YLLs e taxas de mortalidade e de YLLs atribuídos a níveis elevados de LDL-colesterol entre 1990 e 2019.

Figura 9-5
-Números e taxas de DALYs e YLDs atribuídos a níveis altos de LDL-colesterol entre 1990 e 2019.

Introdução

•Define-se dislipidemia como níveis séricos anormais de lipídios, incluindo colesterol, suas frações e/ou TG. A dislipidemia é um conhecido fator de risco para as DCV, nas quais seu papel causal já está inequivocamente estabelecido. 346 Já foi demonstrado que o tratamento da dislipidemia, mesmo em prevenção primária, efetivamente reduz DCV. 347 Dados sobre os níveis médios de colesterol e a prevalência de dislipidemia foram obtidos primariamente para adultos na PNS 2015 e para adolescentes no Estudo ERICA. Além disso, estudos menores de prevalência (de base regional) foram usados, quando apropriado.

•Este capítulo apresenta dados sobre CT, LDLc, HDLc e TG. As definições de dislipidemia variam historicamente e conforme as posições das sociedades de cardiologia locais. Com o objetivo de classificação e a menos que especificado de outra maneira, neste capítulo, usaremos o termo dislipidemia para os seguintes valores: 1) em adultos: CT ≥ 200 mg/dl, LDLc ≥ 130 mg/dl, HDLc < 40 mg/dl, e TG ≥ 150 mg/dl; 348 2) em crianças e adolescentes: CT ≥ 170 mg/dl, LDLc ≥ 130 mg/dl, HDLc < 45 mg/dl, e TG ≥ 130 mg/dl. 349

Prevalência

Jovens

•No Estudo ERICA de abrangência nacional, Faria Neto et al . 349 avaliaram 38.069 estudantes (60% sexo feminino) com idade variando de 12 a 17 anos, nas capitais das 27 UF brasileiras, além de cinco conjuntos de municípios com mais de 100 mil habitantes, nas cinco regiões geográficas do país. 349 Os seguintes valores médios foram encontrados: CT, 148 mg/dl (IC 95%, 147-149 mg/dl); LDLc, 85 mg/dl (IC 95%, 84-86 mg/dl); HDLc, 47 mg/dl (IC 95%, 47-48 mg/dl); e TG, 78 mg/dl (IC 95%, 76-79 mg/dl). Com relação à prevalência de valores anormais, 20,1% (IC 95%, 19-21,3%) mostraram aumento de CT, 3,5% (IC 95%, 3,2-4%) de LDLc e 7,8% (IC 95%, 7,1-8,6%) de TG. A prevalência de HDLc baixo foi de 47% (IC 95%, 45-49%). A Tabela 9-1 mostra dados estratificados por idade e sexo .

•Para crianças de 6 a 12 anos de idade, os dados são escassos. Um estudo conduzido em Santa Catarina com 1.011 estudantes de 6 a 14 anos (52,4% meninas) relatou os seguintes níveis médios: CT, 172 (± 27) mg/dl em meninas e 170 (± 28) mg/dl em meninos; LDLc, 104 (± 24) mg/dl em meninas e 104 (± 27) mg/dl em meninos; HDLc, 49 (± 11) mg/dl em meninas e 49 (± 11) mg/dl em meninos; e TG, 80 (24-459) mg/dl em meninas e 77 (14-752) mg/dl em meninos. 350

•Um estudo conduzido em Vitória, no estado do Espírito Santo, com 511 crianças (idade, 6 a 9 anos; 46,77% sexo masculino) encontrou níveis altos de CT (em 32,7% delas), de LDLc (em 9,2%) e de TG (em 4,1%) e baixos de HDLc (em 27%). 351 Outro estudo conduzido na cidade de Salvador, avaliando 1.131 crianças (idade, 7 a 15 anos; 50,1% sexo masculino), identificou dislipidemia (CT ≥ 170 mg/dl e/ou TG ≥ 130 mg/dl) em 25,5% (IC 95%, 22,7 – 28,3) delas.

A dislipidemia estava associada com excesso de peso corporal (OR: 3,40; IC 95%, 2,07-5,58) e consumo moderado a elevado de alimentos de alto risco (OR: 1,49; IC 95%, 1,01-2,19). 352

Adultos

•De acordo com estudo de Malta et al . 348 usando dados da PNS 2014-2015, na população brasileira adulta, a prevalência de níveis altos de CT foi 32,7%, de níveis altos de LDLc, foi 18,6%, e de níveis baixos de HDLc, foi 31,8%. Esse estudo identificou os seguintes níveis médios: CT, 185 mg/dl; HDLc, 46 mg/dl; e LDLc, 105 mg/dl. Enquanto a prevalência de CT elevado foi maior nas mulheres, a prevalência de HDLc baixo foi maior nos homens. Detalhes sobre a prevalência de níveis elevados de CT e LDLc, assim como de níveis baixos de HDLc, estratificada por sexo, para diferentes grupos etários, nível educacional, cor da pele e região do país são apresentados nas Tabelas 9-2 a 9-4. Em geral, níveis educacionais mais altos foram relacionados a menor prevalência de níveis elevados de CT e LDLc, assim como de níveis baixos de HDLc. Os grupos etários mais avançados apresentaram maior prevalência de níveis elevados de CT e LDLc. Residir nas regiões Sul e Sudeste do Brasil esteve relacionado a menor prevalência de níveis baixos de HDLc. Uma relação significativa entre cor de pele autorrelatada e perfil lipídico foi menos clara, mas mulheres negras apresentaram menor prevalência de níveis baixos de HDLc. 348 Outros fatores associados com alterações relatadas no perfil lipídico da população brasileira incluem atividade física 353 e variações sazonais. 354

•O estudo ELSA-Brasil relatou as seguintes porcentagens em mulheres e homens, respectivamente: hipertrigliceridemia, 23,2% e 40,7%; níveis baixos de HDLc, 20,7% e 14,7%; e níveis altos de LDLc, 57,6% e 58,8%. Além disso, o estudo ELSA-Brasil relatou pequenas diferenças, cujo impacto clínico parece limitado, no perfil lipídico de acordo com a cor da pele. 355

•Em 2003, Martinez et al . avaliaram 81.262 indivíduos (51% sexo masculino; 44,7 ± 15,7 anos) de 13 grandes cidades brasileiras. 356 O nível médio de CT foi 199,0 ± 35,0 mg/dl e 13% da amostra apresentava CT acima de 240 mg/dl.

Risco Atribuído

Mortalidade

•Os números absolutos de mortes e as taxas de mortalidade nacionais e por UF, incluindo a variação percentual, podem ser vistos na Tabela 9-5. De acordo com as estimativas do Estudo GBD 2019, entre 1990 e 2019, a mortalidade cardiovascular atribuída a altos níveis de LDLc no Brasil aumentou em números absolutos de 68.327 (IC 95%, 55.097 – 83.768) a 99.375 (IC 95%, 78.039 – 126.143), mas a taxa padronizada por idade diminuiu em 51,3%, passando de 88,6 (IC 95%, 67,8 - 114,8) para 43,1 (IC 95%, 33,4 - 55,9) por 100.000, como resultado do envelhecimento da população. Entre os estados, Minas Gerais apresentou a maior redução na taxa de mortalidade (-63%) e o Ceará, a menor (-15%).

•A Tabela 9-6 apresenta as taxas de mortalidade atribuída a níveis elevados de LDLc estratificadas por sexo. Para mulheres, a taxa passou de 72,9 (54,2-97,8) em 1990 para 33,8 (25-45,1) em 2019, uma redução de 53,7% (-56,9 a -50,4) em nível nacional. A maior redução foi observada em Rondônia (-66,1%) e a menor, no Maranhão (-1%). Para homens, a variação percentual das taxas foi de -48,8% (-52,1 a -44,9), que passaram de 105,7 (82,4-133,6) em 1990 para 54,2 (42,3-68,4) em 2019, tendo o Distrito Federal apresentado a maior redução (-61,9%) e o Ceará, a menor (-10,1%).

•As causas específicas de morte atribuídas ao colesterol elevado seguiram a mesma tendência. As mortes por doença isquêmica do coração passaram de 57.020 (IC 95%, 46.252 – 68.541) para 83.759 (IC 95%, 65.742 – 101.543) e por doença cerebrovascular, de 11.306 (IC 95%, 5.270 – 21.619) para 15.615 (IC 95%, 5.522 – 32.805), com uma redução na taxa de mortalidade padronizada por idade para ambas. 46 A variação nas taxas de mortalidade padronizadas por idade por doenças isquêmica do coração e cerebrovascular atribuídas a LDLc elevado, entre 1990 e 2019, é representada na Figura 9-1 .

•O SDI é um índice composto que mede renda per capita, fertilidade, educação e desenvolvimento sociodemográfico. O SDI permite a comparação de estados e países de acordo com seu desenvolvimento. A redução na taxa de mortalidade padronizada por idade foi maior nas UF com SDI mais alto (Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro) e menor naquelas com SDI mais baixo, como as da região Nordeste ( Figura 9-2 ).

•A Tabela 9-7 apresenta os números absolutos de mortes e as taxas de mortalidade por grupo etário. Houve redução na taxa de mortalidade para todos os grupos etários. O grupo etário de 50-69 anos apresentou a maior redução na taxa de mortalidade (-48,5%). A Figura 9-3 ilustra a mortalidade proporcional atribuída a níveis altos de LDLc por grupo etário. Esse fator de risco parece ter maior impacto nos indivíduos com idade entre 40 e 64 anos.

Anos Potenciais de Vida Perdidos

•O mesmo fenômeno observado para as taxas de mortalidade pode ser evidenciado pelos YLLs, cujos números absolutos variaram de 1.759.130 (IC 95%, 1.501.507 – 2.056.575) a 2.230.747 (IC 95%, 1.880.847 – 2.617.317). A taxa padronizada por idade variou de 1.874,3 (IC 95%, 1.561 – 2.235) a 926 (IC 95%, 773-1.094). 12 A Figura 9-4 apresenta o aumento no número de mortes e de YLLs atribuídos ao LDLc, assim como a redução nas taxas de ambos, padronizadas por idade, entre 1990 e 2019.

A ausência de redução na taxa de mortalidade, ao se remover a padronização por idade, é explicada pelo envelhecimento da população.

Carga de Doença

•Além das complicações fatais das DCV atribuídas à dislipidemia, as complicações não fatais, como IAM e acidente vascular cerebral não fatais, podem ser parcialmente atribuídas à dislipidemia. O impacto dessas condições pode ser medido pelos YLDs e pelos DALYs, esse último sendo a soma dos YLLs e YLDs. Com relação aos YLDs, entre 1990 e 2019, houve aumento em seu número absoluto, que passou de 62.670 (IC 95%, 41.368 – 87.015) a 132.393 (IC 95%, 87.121 – 184.089), e diminuição na sua taxa (por 100.000), que passou de 65,7 (IC 95%, 42,2-92,3) a 55,4 (36,3-77,7), uma variação negativa de 15,8% (Tabela 9-7). 46

•Com relação aos DALYs, acompanhando a mesma tendência da mortalidade, houve um aumento em seu número absoluto, que passou de 1.821.799 (IC 95%, 1.548.456 – 2.139.063) para 2.363.141 (IC 95%, 1.985.655 – 2.781.318). Esse aumento foi acompanhado por uma redução na taxa de DALYs padronizada por idade, de 1.940,1 (IC 95%, 1.614,4 – 2.322,9) para 981,3 (IC 95%, 817,1 – 1.162,4), uma variação percentual de -49,4%. Essas variações estão ilustradas na Figura 9-5 .

•A Tabela 9-8 mostra as taxas de DALYs atribuídos aos altos níveis de LDLc padronizadas por idade em 1990 e 2019 e sua variação percentual no período, estratificadas por sexo, no Brasil e suas UF. Para as mulheres, a taxa nacional passou de 1.425,8 (1.165,2 – 1.745,1) em 1990 para 692,2 (567-842,5) em 2019, uma variação percentual de -51,5% (-54,8 a -47,9). A maior variação ocorreu no Distrito Federal, -64,2% (-70,5 a -57,9), e a menor, no Maranhão, -8,9% (-30,8 a -26,9). Para os homens, a taxa de DALYs passou de 2.496 (2.090,2 – 2.980,2) para 1.310,6 (1.097,4 – 1.543) no período, uma variação de -47,5% (-50,9 a -43,8) no Brasil. A maior melhora foi observada no Distrito Federal, -61,9% (-67,4 a -54,6), e a menor variação percentual, no Ceará, -10,1% (-32,7 a -23).

•A Tabela 9-7 mostra os números e as taxas de mortes, DALYs, YLLs e YLDs atribuídos a níveis altos de LDLc em 1990 e 2019, com suas respectivas variações percentuais no período, por grupo etário.

Dislipidemia Familiar

•A prevalência de dislipidemia familiar foi avaliada no estudo ELSA-Brasil, diagnosticada por Dutch Lipid Clinic Network (DLCN)onde se documentou prevalência de 1 em 263 indivíduos. Essa condição foi mais prevalente nos indivíduos de cor de pele negra (1 em 156) e parda (1 em 204) do que branca (1 em 417). 357

•A despeito das controvérsias no uso de triagem em cascata para identificar parentes de indivíduos com dislipidemia familiar, um estudo brasileiro demonstrou que 59% dos familiares de indivíduos com mutações eram portadores das mesmas mutações, sugerindo uma alta prevalência de dislipidemia familiar no subgrupo selecionado. 358

Conscientização e Uso de Estatina no Brasil

•Análise conduzida no estudo ELSA-Brasil, incluindo 15.096 adultos com idade de 35-74 anos, explorou a prevalência de níveis elevados de LDLc (de acordo com os critérios NCEP-ATP-III) e a proporção de participantes conhecedores de seu diagnóstico. 340 A frequência de participantes com níveis elevados de LDLc foi 45,5%, dos quais, apenas 58,1% conheciam seu diagnóstico. Dos participantes com níveis elevados de LDLc, 42,3% se tratavam com medicações hipolipemiantes e 58,3% alcançaram o alvo definido pelo painel NCEP-ATP-III.

•Em uma análise baseada na PNAUM entre 2014 e 2015, avaliou-se o uso de estatinas na atenção primária do SUS nas cinco regiões brasileiras. 359 Entre os 8.803 respondentes, a prevalência de uso de estatina foi 9,3%, sendo que 81,4% desses usuários relataram ter dislipidemia. Sinvastatina foi a mais usada (90,3%), seguida por atorvastatina (4,7%) e rosuvastatina (1,9%).

•Quanto à conscientização sobre dislipidemia familiar e seu tratamento, Santos et al . relataram resultados de um banco de dados com 70.000 indivíduos submetidos a avaliação de saúde rotineira e obrigatória patrocinada pelo empregador em um hospital privado de São Paulo. 359 Dos 70.000 indivíduos, 1.987 atendiam aos critérios estabelecidos para dislipidemia familiar (LDLc ≥ 190 mg/dl ou LDLc ≥ 160 mg/dl em uso de estatina). Uma amostra de 200 foi selecionada para completar o questionário. Desses 200 indivíduos, o médico assistente suspeitou de dislipidemia familiar em apenas 29 (14.5%), embora a maioria deles (97%) conhecesse seus altos níveis séricos de colesterol. Apenas 18% tinham a percepção de seu alto risco para DCV, 30% conheciam seus alvos de LDLc e 37% não utilizavam medicação hipolipemiante.

Dislipidemia e Aterosclerose Subclínica

•Aterosclerose subclínica, incluindo marcadores como escore de cálcio coronariano e espessura médio-intimal da carótida, foi usada como substituto para aterosclerose e, portanto, sua associação com perfil lipídico anormal pode ser de interesse epidemiológico.

•Em um estudo com mais de 3.600 indivíduos, Generoso et al . 19 demonstraram que HDLc estava associado com cálcio na artéria coronária mesmo após ajuste para os fatores de risco cardiovascular tradicionais em uma população brasileira. Entretanto, essa associação não continuou significativa após ajuste para TG. 360 Esse estudo também avaliou as frações de HDLc e mostrou que elas não estavam associadas com calcificação na artéria coronária após ajuste para HDLc total. Além disso, o mesmo grupo demonstrou a associação entre HDLc e a espessura médio-intimal da carótida e ainda que tal associação é modificada pela presença de diabetes. 361

•Laurinavicius et al . 362 estudaram a associação entre níveis muito altos de HDLc e espessura médio-intimal da carótida. Tais níveis muito altos de HDLc podem caracterizar hiperalfalipoproteinemia, uma condição disfuncional do HDLc. A despeito de evidência anterior, esses autores não mostraram associação entre esse perfil e a espessura médio-intimal da carótida. 362

•Em uma análise das lipoproteínas ricas em TG no estudo ELSA-Brasil, Bittencourt et al . mostraram que essas partículas estão associadas com calcificação na artéria coronária mesmo após ajuste para fatores de risco significativos. 363

•Em um estudo com octogenários brasileiros, os autores descobriram que a associação entre LDLc e calcificação na artéria coronária enfraquece com a idade, enquanto a associação com HDLc não. 364

•Em conjunto, esses estudos demonstram a robusta associação entre perfil lipídico e aterosclerose subclínica, corroborando achados da associação entre dislipidemia e DCV.

Pesquisa Futura

•Dados atuais sobre a epidemiologia da dislipidemia na população brasileira contemporânea são limitados. Estudos adicionais sobre a prevalência de dislipidemia na população geral, assim como em grupos específicos de alto risco, como aqueles de nível socioeconômico mais baixo, são necessários.

•A frequência de rastreio de colesterol no Brasil, de acordo com sexo e grupos etários, precisa ser investigada.

•Dados brasileiros locais sobre o impacto da dislipidemia no sistema de saúde, incluindo custos, ainda não foram avaliados.

10. OBESIDADE E SOBREPESO

CID-10 E66

Ver Tabelas 10-1 a 10-14 e Figuras 10-1 a 10-10

Abreviaturas utilizadas no Capítulo 10

AVC Acidente Vascular Cerebral
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Year )
DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis
DCV Doença Cardiovascular
ELSA-Brasil Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto - Brasil
ERICA Estudo dos Riscos Cardiovasculares em Adolescentes
GBD Global Burden of Disease
HR Hazard Ratio
IC Intervalo de Confiança
II Intervalo de Incerteza
IMC Índice de Massa Corporal
IMC_i Índice de Massa Corporal Imputado
OMS Organização Mundial da Saúde
OR Odds Ratio
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
QALYs Anos de Vida Ajustados pela Qualidade (do inglês, Quality-Adjusted Life-Years )
RCEI Razão de Custo-Efetividade Incremental
RP Razão de Prevalência
RR Risco Relativo
SABE Estudo de Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (do espanhol, Salud, Bienestar y Envejecimiento )
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
SUS Sistema Único de Saúde
UF Unidade Federativa
VIGITEL Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos potenciais de vida perdidos (do inglês, Years of Life Lost )

Tabela 10-1
– Prevalência de excesso de peso e obesidade na população total com idade a partir de 18 anos, por sexo e grupos etários, no Brasil, em 2019.*
Tabela 10-2
– Percentual de adultos com excesso de peso (IMC_i ≥ 25 kg/m2) com imputação, por sexo, segundo as capitais dos estados brasileiros e Distrito Federal.*
Tabela 10-3
– Percentual de adultos com obesidade (IMC_i ≥ 30 kg/m2 ) com imputação, por sexo, segundo as capitais dos estados brasileiros e Distrito Federal.*
Tabela 10-4
– Número de mortes, taxas de mortalidade padronizadas por idade para todas as causas atribuídas a IMC elevado, por 100 mil habitantes, em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e unidades federativas.
Tabela 10-5
– Taxas de mortalidade padronizadas por idade para todas as causas atribuídas a IMC elevado, por 100 mil habitantes, em 1990 e 2019, por sexo, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e unidades federativas.

Tabela 10-6
– Número de mortes, taxas de mortalidade brutas e padronizadas por idade para todas as causas de morte atribuídas a IMC elevado, por grupo etário, no Brasil em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período.

Tabela 10-7
– Número de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade por doença cardiovascular atribuída a IMC elevado (por 100 mil), e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.
Tabela 10-8
– Taxas de mortalidade padronizadas por idade para doença cardiovascular atribuída a IMC elevado, por sexo, no Brasil e unidades federativas, em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período.
Tabela 10-9
– Número de mortes e taxas de mortalidade brutas e padronizadas por idade por doença cardiovascular atribuída a IMC elevado, por grupo etário, no Brasil, em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período.
Tabela 10-10
– Números de DALYs e taxas de DALYs padronizadas por idade por todas as causas de morte atribuídas a IMC elevado (por 100 mil habitantes), em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e unidades federativas.
Tabela 10-12
– Número de DALYs, taxas de DALYs padronizadas por idade por doença cardiovascular atribuída a IMC elevado (por 100 mil habitantes), em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e unidades federativas.
Tabela 10-11
– Número de DALYs, taxas de DALYs brutas e padronizadas por idade por todas as causas atribuídas a IMC elevado no Brasil, em 1990 e 2019, por grupo etário, e variação percentual das taxas no período.
Tabela 10-13
– Taxas de DALYs por doença cardiovascular atribuída a IMC elevado, padronizadas por idade (por 100 mil habitantes), por sexo, em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil e unidades federativas.
Tabela 10-14
– Número de DALYs, taxas de DALYs brutas e padronizadas por idade por doença cardiovascular atribuída a IMC elevado, por grupo etário, em 1990 e 2019, e variação percentual das taxas no período, no Brasil.

Figura 10-1
– Número de mortes por todas as causas atribuídas a IMC elevado, todas as idades, de 1990 a 2019.

Figura 10-2
– Taxa de mortalidade por todas as causas atribuídas a IMC elevado, por 100 mil, todas as idades e padronizada por idade, no Brasil, de 1990 a 2019.

Figura 10-3
– Mortalidade proporcional por todas as causas atribuídas a IMC elevado, de acordo com grupo etário e sexo, no Brasil, 2019.

Figura 10-4
– Taxas de mortalidade por doenças atribuídas a IMC elevado padronizadas por idade, estratificadas por todas as causas, no Brasil, 1990 e 2019.

Figura 10-5
– Taxas de mortalidade padronizadas por idade por causas específicas atribuídas a IMC elevado, por 100 mil habitantes, de acordo com o sexo (mulheres à esquerda e homens à direita), por unidade federativa do Brasil em 2019. As barras coloridas representam as causas específicas de morte conforme a legenda.

Figura 10-6
– Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 e a variação percentual das taxas de mortalidade por doença cardiovascular atribuída a IMC elevado, padronizadas por idade, entre 1990 e 2019.

Figura 10-7
– Número de YLLs (A), YLDs (B) e DALYs (C) por IMC elevado, todas as idades, ambos os sexos, Brasil, de 1990 a 2019.

Figura 10-8
– Taxas de YLLs (A), YLDs (B) e DALYs (C) por IMC elevado para todas as idades e padronizadas por idade, por 100 mil, ambos os sexos, Brasil, de 1990 a 2019.

Figura 10-9
– Taxas de DALYs padronizadas por idade para causas específicas atribuídas a IMC elevado, por 100 mil habitantes, de acordo com o sexo (mulheres à esquerda e homens à direita), por unidade federativa em 2019. As barras coloridas representam as causas específicas de morte conforme a legenda.

Figura 10-10
– Taxas de DALYs por doenças cardiovasculares atribuídas a IMC elevado, padronizadas por idade, no Brasil, 1990 e 2019.

Panorama

•Segundo definição da OMS, obesidade é um acúmulo anormal ou excessivo de gordura que representa risco à saúde, sendo considerada presente quando o IMC é ≥ 30 kg/m2 . Trata-se de condição multifatorial, ligada não apenas ao desequilíbrio entre consumo e gasto calórico e, portanto, a uma dieta rica em alimentos com alto teor de açúcar e gordura, mas também a fatores genéticos, metabólicos, ambientais, econômicos, socioculturais, dentre outros, que levam, em última análise, ao acúmulo de gordura corporal. Além de inserida no grupo de DCNT, a obesidade é considerada um importante fator de risco para afecções como diabetes mellitus, hipertensão e DCV. A obesidade é atualmente considerada uma pandemia, com impacto tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento e repercussão nos níveis individual, social, familiar e financeiro dos indivíduos. O sobrepeso, definido como IMC acima de 25 kg/m2 , também se associa às complicações observadas nos obesos, com aumento crescente de tais complicações ocorrendo em paralelo ao aumento do IMC. 365 Apesar de o IMC apresentar limitações para avaliar excesso de peso, como a não definição da quantidade de gordura que contribui para o peso corporal, 366 essa variável é atualmente utilizada pela OMS para suas definições.

•As mortes e a carga de doença atribuídas a obesidade aumentaram globalmente entre 1990 e 2019, passando de 2,20 (II 95%, 1,21 - 3,43) para 5,02 (II 95%, 3,22 - 7,11) milhões de mortes e de 67,3 (II 95%, 38 - 104) para 160 (II 95%, 106 - 219) milhões de DALYs em números absolutos. A obesidade contribuiu para mais YLLs, 119 milhões (79,6 - 164), do que YLDs, 40,9 milhões (24,5 - 60,9), no mundo em 2019. Possivelmente a maior parte desse incremento (4,9% {7,3-24,6} mortes, 18% {2,2-42,3} DALYs e 8,3% [-6,6-31,2] YLLs) decorreu do crescimento e envelhecimento da população, demonstrados após padronização pela idade. 4

•A obesidade contribui para o agravamento da maioria dos fatores de risco cardiovascular, notadamente para a elevação de pressão arterial, glicemia e lipídios séricos, além de apresentar efeitos adversos decorrentes da inflamação sérica e alteração da estrutura e função cardíacas. Essa associação se manifesta na relação existente entre obesidade e aumento da prevalência de hipertensão, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca e fibrilação atrial, dentre outras. Assim, ainda que não se tenha alcançado consenso sobre a questão de a obesidade ser considerada uma doença ou um fator de risco, este capítulo procura abordá-la como fator de risco cardiovascular. 367

•Importante ressaltar que, para a padronização por idade das taxas, foi empregada a população global usada pelo GBD.

Prevalência

•A Tabela 10 -1 mostra a prevalência de excesso de peso e obesidade na população total com idade a partir de 18 anos, por sexo e grupos etários, no Brasil, em 2019, segundo dados antropométricos aferidos pela PNS. No Brasil, o percentual de adultos (≥18 anos de idade) com excesso de peso e obesidade em 2019 foi de 57,5% (IC 95%, 54,8 - 60,2) e 21,8 % (IC 95%, 19,2 - 24,7) para os homens, e de 62,6% (IC 95%, 59,1 - 66,0) e 29,5% (IC 95%, 25,4 - 34,0) para as mulheres. Observa-se aumento progressivo do excesso de peso com o incremento da idade, variando de 33,7% (IC 95%, 27,4 - 40,6) [masculino: 25,7% (IC 95%, 19,1 - 33,7); feminino: 41,7% (IC 95%, 31,1 - 53,1)] no grupo etário de 18-24 anos a 70,3% (IC 95%, 67,4 - 73,1) [masculino: 67,1% (IC 95%, 62,1 - 71,8); feminino: 73,1% (IC 95%, 68,8 -77,0)] no grupo etário de 40-59 anos. A partir dos 60 anos, há uma pequena redução da prevalência, 64,4% (IC 95%, 60,5 - 68,1) [masculino: 63,3% (IC 95%, 56,9 - 69,2); feminino: 65,3% (IC 95%, 60,3 - 69,7)]. O mesmo aconteceu com a obesidade, com aumento progressivo com a idade, variando de 10,7% (IC 95%, 7,7 - 14,7) [masculino: 7,9% (IC 95%, 4,8 - 12,8); feminino: 13,5% (IC 95%, 8,8 - 20,4)] no grupo etário de 18-24 anos a 34,4% (IC 95%, 29,7 - 39,4) [masculino: 30,2% (IC 95%, 24,8 - 36,3); feminino: 38,0% (IC 95%, 32,3 - 44,0)] no grupo etário de 40-59 anos. A partir dos 60 anos, há uma pequena redução da prevalência, 24,8% (IC 95%, 20,9 - 29,1) [masculino: 21,2% (IC 95%, 15,6 - 28,1); feminino: 27,5 (IC 95%, 23,0 -32,5)]. Nota-se que a prevalência de excesso de peso e obesidade foi maior no sexo feminino em todos os grupos etários.

•A Tabela 10 -2 mostra o percentual de adultos com excesso de peso, segundo método de imputação (IMC_i ≥ 25 kg/m2), por sexo, segundo as capitais dos estados brasileiros e Distrito Federal com base na Pesquisa Vigitel 2019. Campo Grande, Cuiabá, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro e São Paulo apresentaram percentuais superiores aos nacionais para ambos os sexos. Para os homens, as capitais Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiana, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife e Rio Branco apresentaram percentuais superiores ao nacional. Nota-se que, para o excesso de peso nas mulheres, houve menor número de capitais acima da média nacional: Manaus, Natal, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Distrito Federal.

•A Tabela 10 -3 apresenta o percentual de adultos com obesidade, segundo método de imputação (IMC_i ≥ 30 kg/m2), por sexo, segundo as capitais dos estados brasileiros e Distrito Federal, a partir da Pesquisa Vigitel 2019. Aracajú, Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Macapá, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Branco e Rio de Janeiro apresentaram percentuais superiores aos nacionais para ambos os sexos. Para os homens, as capitais Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Goiânia, Macapá, Manaus, Natal, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Rio Branco e Rio de Janeiro estavam acima do percentual nacional de obesidade. As mulheres apresentaram percentual superior ao dos homens para obesidade, comportamento oposto ao observado para o excesso de peso. As capitais com percentual de mulheres acima da média nacional foram Aracajú, Campo Grande, Cuiabá, João Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro e São Paulo.

•Felisbino-Mendes et al ., empregando dados do estudo GBD 2017, demonstraram que a prevalência de obesidade, padronizada para idade, no Brasil foi maior no sexo feminino (29,8%) do que no masculino (24,6%) em 2017. Porém, os homens apresentaram maior aumento da obesidade (244,1%) do que as mulheres (165,7%) no período de 1990 a 2017. Um aumento anual de mais de 300% foi observado na maior parte dos estados do Norte e Nordeste para os homens, provavelmente devido ao atraso da transição epidemiológica nessas regiões geográficas. Mais da metade da população estava acima do peso na maioria dos estados brasileiros, exceto Maranhão e Piauí. 368 Esses achados são consistentes com os do estudo que observou maior prevalência de obesidade em populações menos favorecidas, que migraram da desnutrição para a supernutrição, contribuindo para a nutrição inadequada em todo o mundo. 369

•Flores-Ortiz et al ., estudando dados autorrelatados de peso e altura de 572.437 adultos nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, de 2006 a 2016, de ambos os sexos, estimaram a prevalência geral de obesidade e observaram aumento de 11,7% para 18,1% em homens, e de 12,1% para 18,8% em mulheres, que foi mais acentuada também nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. 370

•Araújo et al ., empregando dados da Pesquisa Vigitel de 2008 a 2015, observaram aumento de sobrepeso e obesidade em mulheres brasileiras em idade reprodutiva, que ocorreu independentemente de idade, educação formal, estado civil, raça/cor e região de residência (exceto para mulheres de 30 a 39 anos, negras e que vivem na região Sul). Os autores salientam que, em comparação aos dados da população geral, observaram maior incremento de obesidade entre mulheres de 18 a 49 anos e aumento na prevalência de sobrepeso entre mulheres de 18 a 29 anos no período, apontando para a ocorrência precoce desse fator de risco para DCV e para DCNT. 371 Importante lembrar que a Pesquisa Vigitel utiliza diagnóstico autorrelatado pelo entrevistado.

•Realizou-se estudo transversal de base populacional em 2002 e 2003 com participantes do “Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis”, composto por 23.457 indivíduos com idade a partir de 15 anos, residentes em 16 capitais (Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Vitória). Esse estudo analisou 3.142 idosos, dos quais 1.868 (59,4%) eram mulheres e 1.274 (40,6%), homens. A média de idade foi 69,5±0,19 anos e 1.742 (55,4%) tinham idade entre 60 e 69 anos. A prevalência de obesidade foi de 17,7% na faixa de 60-69 anos, 22,9% na faixa de 70-79 anos e 17,5% a partir dos 80 anos. A obesidade foi mais frequente entre mulheres (19,3%; IC 95%, 16,6-22,3; χ2= 9,5; p = 0,03). 372

•Estudo com 157 mulheres pós-menopausa atendidas em dois ambulatórios públicos da cidade de São Paulo observou média de IMC de 28,0 kg/m2 e 34,4% de obesidade, que foi classificada como classe I em 26,1%, classe II em 5,7% e classe III em 2,6%. Houve associação estatisticamente significativa da prevalência de obesidade global com o grau de instrução (p=0,006), a prática de atividade física (p<0,001), o uso de terapia hormonal na menopausa (p=0,007) e a paridade (p=0,002). A prevalência de obesidade abdominal foi de 73,8%. A proporção de mulheres com obesidade abdominal foi maior entre aquelas com até 7 anos de escolaridade (p=0,030). 373

•Estudo transversal de base populacional em que foram utilizados dados coletados pela PNS de 2013 relatou IMC ideal (<25 kg/m2) em 46,8% das mulheres (IC 95%, 45,5 - 48,1), 40,5% dos homens (IC 95%, 39 - 42) e 43,7% do total (IC 95%, 42,7 - 44,7). Na estratificação por faixa etária, a prevalência de IMC ideal foi de 54,2% (IC 95%, 52,4 - 55,8) entre 18 e 35 anos, 36,8% (IC 95%, 35,4 - 38,2) entre 36 e 59 anos e 40,9% (IC 95%, 38,6 - 43,2) a partir dos 60 anos. O IMC ideal foi mais frequente na região Nordeste (47,5%) e menos frequente na região Sul (40,4%) do Brasil. 374

•O ELSA-Brasil é uma coorte de 15.105 servidores ativos ou aposentados, voluntários, de universidade ou instituições de pesquisa de 6 cidades do Brasil, inscritos entre agosto de 2008 e dezembro de 2010, com idade entre 35 e 74 anos, majoritariamente composta por mulheres (54%) e adultos de meia-idade (78% com idade <60 anos). Um subestudo que incluiu 14.545 participantes com idades entre 35 e 74 anos, com maioria (54,1%) de mulheres, observou que 22,7% (n = 3.298) eram obesos e 40,8% (n = 5.934) apresentavam sobrepeso. Reportou classificação em “estado metabolicamente saudável”, por múltiplos critérios, em 12,0% (n = 396) de obesos e 25,5% (n = 1514) de sobrepeso, que foi associado a menor idade, sexo feminino, menor IMC e mudança de peso a partir dos 20 anos em todas as categorias de IMC. 375 Um subestudo incluindo 6.453 homens e 7.686 mulheres avaliou a associação do IMC e da circunferência da cintura com a classe sócio-ocupacional e observou que, para as mulheres, os efeitos da classe sócio-ocupacional baixa e média foram maiores para aquelas com circunferência da cintura entre 80 e 88 cm ou sobrepeso, e para os homens, a classe sócio-ocupacional baixa e média se associou com circunferência da cintura adequada ou IMC normal. 376 Outro subestudo que avaliou toda a coorte reportou que a prevalência de sobrepeso foi maior nos homens e a obesidade foi mais comum nas mulheres. Tempo insuficiente para cuidados pessoais e lazer foi associado com sobrepeso (RP = 1,29; IC 95%, 1,04 - 1,61) e obesidade (RP = 1,65; IC 95%, 1,28 - 2,12) nas mulheres que trabalhavam mais de 40 horas/semana e os autores concluíram que os resultados decorrem das desigualdades de gênero envolvendo as relações entre tempo e saúde. 377 Outro estudo empregando modelos de regressão logística multinível ajustados para idade, educação, cor da pele, estado de residência, nível individual, pontuação de coesão social e violência percebida mostrou que as mulheres que vivem em áreas menos coesas socialmente e bairros considerados mais violentos tiveram maiores chances de obesidade em comparação com suas contrapartes (OR 1,25, IC 95%, 1,02 - 1,53; OR 1,28, IC 95%, 1,04 - 1,56, respectivamente). 378

Crianças e Adolescentes

•O aumento da prevalência de obesidade também foi observado em crianças e adolescentes brasileiros. Meta-análise de 21 estudos com 18.463 crianças/adolescentes brasileiros estimou prevalência de 14,1%, sendo 16,1% nos meninos e 14,95% nas meninas, sem diferença significativa entre os sexos (RP = 1,06; IC 95%, 0,81 - 1,40; p> 0,05). 379

•O estudo ERICA avaliou 73.399 alunos, 55,4% do sexo feminino, com média de idade de 14,7±1,6 anos. A prevalência de obesidade foi de 8,4% (IC 95%, 7,9 - 8,9), menor na região Norte e maior na região Sul e, quanto ao sexo, maior no masculino. Adolescentes obesos apresentaram maior prevalência de hipertensão, 28,4% (IC 95%, 25,5 - 31,2), do que adolescentes com sobrepeso, 15,4% (IC 95%, 17,0 - 13,8), ou eutróficos, 6,3% (IC 95%, 5,6 - 7,0). A fração de hipertensão atribuível à obesidade foi de 17,8%. 299

•Revisão sistemática com meta-análise publicada por Sbaraini et al. em 2021 compilou dados de 151 estudos de prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes brasileiros de 10 a 19 anos. Observou-se aumento na prevalência de sobrepeso nas últimas décadas: 8,2% (IC 95%, 7,7 - 8,7) até 2000, 18,9% (IC 95%, 14,7 - 23,2) de 2000 a 2009, e 25,1% (IC 95%, 23,4 - 26,8) de 2010 em diante, padrão que foi similar para a prevalência de obesidade. As regiões Sudeste e Sul tiveram maiores prevalências de sobrepeso e obesidade, sem diferença entre os sexos. 337

•Os determinantes do aumento da prevalência de obesidade incluem mudanças na alimentação, meio ambiente, maior oferta de alimentos de alto teor energético, marketing , urbanização e redução do tempo e espaço para atividades físicas. 380

Incidência

•Estudo derivado da coorte do ELSA-Brasil com seguimento de 3,8 anos de 13.625 homens e mulheres de 35-74 anos, incluídos no período de 2008-2010, demonstrou incidência global de 7,7% e 10,6% para sobrepeso e obesidade, respectivamente. Os maiores percentuais foram observados entre as mulheres com baixa escolaridade (35,0%) e negras (28,5%), e nos homens jovens (21,1%). Os autores reportaram também aumento de sobrepeso com idade, baixa de renda per capita e menor escolaridade. 381

•Empregando dados da Pesquisa Vigitel, foram estimadas a incidência e a persistência da obesidade entre brasileiros adultos no período de 2006 a 2009. Os autores observaram que a incidência do excesso de peso aos 20 anos é estimada em 40% para os homens e 30% para as mulheres. A persistência da obesidade, por sua vez, é estimada em 65% no sexo masculino e 47% no feminino. Os autores apontam a necessidade da elaboração de políticas públicas, particularmente para jovens, que reduzam os riscos dietéticos e promovam a atividade física. 382

Mortalidade

•Meta-análise de 239 estudos prospectivos demonstrou relação consistente de sobrepeso e obesidade (em todos os graus) com mortalidade por todas as causas em diferentes populações no mundo. Os autores questionaram a hipótese de que houvesse obesos metabolicamente saudáveis. 383

•Em 1.450 indivíduos com 60 anos ou mais do Estudo de Coorte de Envelhecimento de Bambuí, observou-se que o IMC contínuo (HR 0,85; IC 95%, 0,80 - 0,90) relacionou-se inversamente à mortalidade, mesmo após ajustes para as variáveis confundidoras. Obesidade ocorreu em 12,5% dos idosos e foi positivamente associada com sexo feminino, maior renda familiar e presença de hipertensão e diabetes, e inversamente com atividade física. Sobrepeso foi inversamente (HR 0,76; IC 95%, 0,61 - 0,93) associado a mortalidade. Indivíduos com IMC entre 25 kg/m2 e 35 kg/m2 tiveram as menores taxas absolutas de morte em 10 anos de acompanhamento. Os autores concluem que os pontos de corte usuais de IMC não devem ser usados para a elaboração de políticas públicas para idosos no Brasil. 384

Mortalidade por Todas as Causas Atribuíveis a IMC Elevado

•A Tabela 10 -4 apresenta as taxas de mortalidade por todas as causas atribuídas a IMC elevado, padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, em 1990 e 2019, e a variação percentual das taxas no período, no Brasil e UF (GBD 2019). Os maiores decréscimos dos percentuais de mortalidade ocorreram nos estados com maior renda no Brasil. O Distrito Federal apresentou a maior redução -33,8 (-45,2;-14,6), seguido de São Paulo -29,6 (-41;-9,3), Rio de Janeiro -27,7 (-39,7;-6,8), Santa Catarina -22,7 (-35,5;-1,7), Minas Gerais -21,1 (-36,5;13,9), Paraná -18,2 (-31,9;9,1), Bahia -9,7 (-23,1;16,2), Rondônia -8,7 (-29,9;33,9), Mato Grosso do Sul -7,6 (-26;24,5) e Goiás -3,8 (-29,4;49,2). Quanto à obesidade nos homens, segundo a Tabela 10 -5, a maioria das UF apresentou variação percentual positiva nas taxas de morte decorrente de IMC elevado, que variou de 7,6 (-17,9;72,3) em Roraima a 63,1(4,4;230,1) no Maranhão.

•Quanto à obesidade nas mulheres, segundo a Tabela 10 -5, a maioria dos estados apresentou variação percentual positiva das mortes dela decorrentes, com variação de 1,2 (-23,9;46,9) em Sergipe a 109 (39,4;294,2) no Maranhão, exceto o Distrito Federal, que apresentou a maior redução -38,2 (-49,9;-20,6), seguido de São Paulo -34,4 (-46,3;-14,3), Rio de Janeiro -31.5 (-43,8;-10), Santa Catarina -28.5 (-41,7;-6,6), Minas Gerais -27,6 (-42,6;1,4), Paraná -24,5 (-38,5;2,3), Rio Grande do Sul -24,6 (-37,2;-2,6), Mato Grosso do Sul -14,5 (-32;16,7), Amazonas -13 (-30,5;17,1), Goiás -10,4 (-35,9;42,1) e Espírito Santo -1,3 (-24,9;43,5). Os maiores decréscimos dos percentuais de mortalidade ocorreram no Brasil para as mulheres, -16,3 (-28,8;6), em relação aos homens, -2,1 (-19;35,5) ( Tabela 10 -5).

•A Tabela 10 -6 mostra o número de mortes, as taxas de mortalidade brutas e padronizadas por idade para todas as causas de morte atribuídas a IMC elevado no Brasil, por grupo etário, em 1990 e 2019, além da variação percentual no período, segundo dados do GBD 2019. Observa-se redução percentual de -9,7 (-23,1;16,2) se considerarmos as taxas padronizadas por idade no período.

•A Figura 10-1 mostra aumento do número de mortes por todas as causas atribuídas a IMC elevado, em todas as idades no Brasil. Na Figura 10-2 , observam-se as taxas de mortalidade brutas e padronizadas por idade por todas as causas atribuídas a IMC elevado de 1990 a 2019. Enquanto as taxas brutas aumentaram, as padronizadas por idade apresentaram estabilidade no período, sugerindo que um fator determinante do aumento seja o envelhecimento da população. Segundo Brant et al ., quanto ao ranking das taxas de mortalidade padronizadas por idade por DCV atribuíveis aos fatores de risco, segundo sexo, em 1990 e 2019, houve ascensão do IMC elevado, passando de 6ª posição para 3ª nas mulheres e de 7ª para 4ª nos homens. 269

•A distribuição da mortalidade proporcional atribuída ao IMC elevado, por faixa etária e por sexo, pode ser vista na Figura 10-3 . Observamos maior mortalidade proporcional devido a IMC elevado entre 50 e 69 anos em homens e mulheres, com predomínio das mulheres dessas faixas etárias. A mortalidade proporcional padronizada pela idade foi 84,4 (48,1;127,9) em 1990 e 76,2 (52,9;102,1) em 2019, com variação percentual de -9,7 (-23,1;16,2).

•A Figura 10-4 mostra as taxas de mortalidade por doenças atribuídas a IMC elevado, padronizadas por idade, estratificadas por todas as causas, no Brasil, 1990 e 2019, segundo o GBD 2019. O IMC elevado contribuiu predominantemente para mortalidade por: doença isquêmica do coração [número de mortes: 21.732,5 (11.703,8;34.207,7) em 1990 e 45.210,1 (29.102,5;63.084,1) em 2019; mortalidade proporcional: 25,1% (13,2%; 40,2%) em 1990 e 19,1 (12,2%; 27,0%) em 2019]; AVC [número de mortes: 24.398,5 (14.209,8;35.441,2) em 1990 e 35.124,7 (24.073,7;46.859,7) em 2019; mortalidade proporcional: 25% (14,2%;37,1%) em 1990 e 14,6% (9,9%;19,6%) em 2019]; e diabetes [número de mortes: 10.862,5 (6.997,5;15.055,0) em 1990 e 33.811,0 (24.964,7;43.247,8) em 2019; mortalidade proporcional: 12,2% (7,7%;17,3%) em 1990 e 14,5% (10,5%;18,6%) em 2019]. A contribuição para todas as causas de morte foi 74.266,2 (43.491,7;110.056,9) e 177.939,7 (124.637,7;237.783,0) em números de mortes em 1990 e 2019, respectivamente.

• A Figura 10-5 mostra as taxas de mortalidade padronizadas por idade por causas específicas atribuídas a IMC elevado, por 100 mil habitantes, para todas as idades, por sexo, nas UF, segundo o GBD 2019. Observa-se que a mortalidade variou nas UF de forma diferente para os sexos. As maiores taxas de mortalidade padronizadas por idade para DCV e diabetes atribuídas a IMC elevado nas mulheres (por 100 mil habitantes) foram observadas em Alagoas (52,1), Pernambuco (45,0), Tocantins (42,1), Espírito Santo (40,7), Maranhão (40,5), Rondônia (40,2) e Rio de Janeiro (40,1). Nos homens, essas taxas foram maiores em Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro, Tocantins e Alagoas. Felisbino-Mendes et al . reportaram que, em 2017, a obesidade foi responsável por 12,3% das mortes por todas as causas, perfazendo um total de 165.954 mortes. A mortalidade proporcional atribuída a IMC elevado foi mais expressiva nas mulheres (14,6%, II 95%, 10,7 - 18,9) do que nos homens (10,5%, II 95%, 7,2 - 14,1). 368

•A Figura 10-6 mostra a correlação entre o SDI de 2019 e a variação percentual das taxas de mortalidade por DCV atribuída ao IMC elevado, padronizadas por idade, entre 1990 e 2019, em todas as idades e ambos os sexos. Nota-se que a diminuição da mortalidade por DCV atribuída a IMC elevado foi correlacionada com melhora nas condições socioeconômicas das UF e provavelmente decorreu da transição epidemiológica tardia com competição de causas de mortes nas regiões com menor renda.

Mortalidade por Doenças Cardiovasculares Atribuídas a IMC Elevado

•As Tabelas 10-7 e 10-8 mostram números de mortes e taxas de mortalidade padronizadas por idade por DCV atribuída a IMC elevado, por 100 mil habitantes, e a variação percentual das taxas, no Brasil e suas UF, em 1990 e 2019 (GBD 2019). Com relação aos homens, a maioria das UF apresentou variação percentual negativa das mortes decorrentes de IMC elevado, que variou de -1 (-29,5;65,5) no Mato Grosso a -44,6 (-57,4;-21,5) no Distrito Federal. Os maiores decréscimos dos percentuais de mortalidade ocorreram nas UF com maior renda no Brasil. As maiores variações percentuais positivas nos homens ocorreram nos estados das regiões Norte [Tocantins 50,5 (1,6;202,0)] e Nordeste [Ceará 50,2 (-0,7;188,2)]. No Brasil, ocorreu variação negativa das taxas de mortalidade por DCV atribuíveis a IMC elevado para os homens [-22,8 (-35,9;6,2)].

•Com relação às mulheres, a maioria dos estados apresentou variação percentual negativa das mortes por DCV decorrentes de IMC elevado, que variou de -2,8 (-22,6;32,1) no Amapá a -50,4 (-60,4;-35,8) no Distrito Federal. Os maiores decréscimos nos percentuais de mortalidade ocorreram nas UF com maior renda no Brasil. As maiores variações percentuais positivas nas mulheres ocorreram nos estados da região Nordeste [Maranhão 89,9 (27,4;262,4)]. No Brasil ocorreu variação negativa das taxas de mortalidade por DCV atribuíveis a IMC elevado para as mulheres [-33,9 (-43,7;-16,7)] maior do que para os homens [-22,8 (-35,9;6,2)] ( Tabela 10 -8).

•A Tabela 10 -9 apresenta o número de mortes, as taxas de mortalidade brutas e padronizadas por idade para as DCV atribuídas a IMC elevado no Brasil, em 1990 e 2019, por grupo etário, além da variação percentual das taxas no período, segundo dados do GBD 2019. Observa-se variação percentual de -28,5 (-38,8;-8,6) se considerarmos as taxas padronizadas para todas as idades no período.

Carga de Doença

Carga de Doença por Todas as Causas Atribuídas a IMC Elevado

•A Tabela 10 -10 mostra os DALY em números absolutos, suas taxas padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) por todas as causas de morte atribuídas a IMC elevado, em 1990 e 2019, e a variação percentual das taxas no Brasil e UF (GBD 2019). Em relação à carga de doença no Brasil em 2019, a obesidade foi responsável por 177.939,7 (124.637,7;237.783) DALYs [76,2 (52,9;102,1) por 100 mil habitantes]. A variação percentual foi de -9,7 (-23,1;16,2) em relação a 1990, para o qual foram estimados 74.266,2 (43.491,7;110.056,9) DALYs [84,4 (48,1;127,9) por 100 mil]. As UF da região Norte [Maranhão 84,8 (25,5;250,7)] e Nordeste [Ceará 65,4 (19,9;172,1)] apresentaram as maiores variações percentuais positivas.

•A Tabela 10 -11 mostra o número de DALYs, suas taxas brutas e padronizadas por idade por todas as causas atribuídas a IMC elevado no Brasil, em 1990 e 2019, por grupo etário, além da variação percentual das taxas no período, segundo dados do GBD 2019. Observa-se que a maior variação percentual positiva ocorreu em crianças e adolescentes, de 5 a 14 anos [99,5 (53,1;158,3)].

•Nas Figuras 10-7 e 10-8, observamos a representação gráfica dos números absolutos e das taxas padronizadas por idade e por todas as idades dos YLLs, YLDs e DALYs atribuídos a IMC elevado, de 1990 a 2019, no Brasil, respectivamente. Nota-se tendência de crescimento de todos os números absolutos e das taxas brutas por 100 mil habitantes. Já as taxas padronizadas por idade dos DALYs e YLLs apresentaram tendência de queda no período, enquanto as de YLDs aumentaram, sugerindo um impacto crescente na morbidade causada pela obesidade mesmo independentemente do envelhecimento da população. Felisbino-Mendes et al . estimaram que os DALYs, para ambos os sexos, tiveram aumento de 96% e 42% pelo envelhecimento e crescimento da população, respectivamente, e aumento de 130% pela mudança de exposição ao risco. 368

•A Figura 10-9 mostra as taxas de DALYs padronizadas por idade para causas específicas atribuídas a IMC elevado, por 100 mil habitantes, nas UF, para todas as idades, de acordo com o sexo, segundo o GBD 2019. Observa-se que os DALYs variaram nas UF de forma diferente para os sexos. Diabetes e doenças renais foram as segundas maiores causas de DALYs atribuídos a IMC elevado, sendo precedidas pelas DCV.

As maiores taxas de DALYs padronizadas por idade por diabetes e doenças renais atribuídas a IMC elevado nas mulheres (por 100 mil habitantes) foram observadas em Alagoas (1.320,1), Roraima (1.250,8), Sergipe (1.253,6), Pernambuco e Maranhão (1.013,5), Paraíba (990,4), Rondônia (989,3) e Tocantins (981,7). Em relação aos homens, essas taxas (por 100 mil habitantes) foram maiores em Alagoas (1.263,9), Sergipe (1.168,1), Maranhão (1.130,8), Pernambuco (1.104,7), Bahia (1.086,2), Roraima (1.071,7), Paraíba (1.047,4), Rio de Janeiro (1.042,5) e Rio Grande do Norte (1.024,5).

Carga de Doença Cardiovascular Atribuível a IMC Elevado

•Em relação à carga de doença em 2019, IMC elevado foi responsável por 177.939,7 (II 95%, 124.637 - 237.783) DALYs por DCV [76,2 (II 95%, 52,9 - 102,1) por 100 mil habitantes], com maior relevância para a doença isquêmica do coração [45.210,1 (II 95%, 29.102,5 - 63.084,1)] e AVC [35.124,7 (II 95%, 24.073,7 - 46.859,7)]. Esse fator de risco contribuiu, no Brasil, em 2019, para 5.817.938,7 (II 95%, 4.197.826,2 - 7.541.630) DALYs [2.404,5 (II 95%, 1.733,3 - 3.121,6) por 100 mil habitantes]. O percentual de redução foi de -6,4 (II 95%, -19.6 a 19.1) em relação a 1990, quando foram estimados 2.579.849,9 (II 95%, 1.556.675,2 - 3.720.770,6) DALYs [35.124,7 (II 95%, 24.073,7 - 46.859,7)] ( Figura 10-10 ).

•As Tabelas 10-12 e 10-13 mostram as taxas de DALYs por DCV atribuída a IMC elevado, padronizadas por idade (por 100 mil habitantes) e variação percentual das taxas, por sexo, no Brasil e UF, em 1990 e 2019 (GBD 2019). A maioria das UF apresentou decréscimo dos DALYs para as mulheres no período, que foi mais acentuado no Distrito Federal [-34,8 (-44,7;-20)], Rio de Janeiro [-28,6 (-39,4;-10,7)], São Paulo [-27,6 (-38,7;-9,2)], Santa Catarina [-22,8 (-34,8;-3,5)], Minas Gerais [-21,3 (-35,7;5,1)] e Rio Grande do Sul [-20,3 (-31,6;-0,6)]. O Maranhão apresentou o maior incremento entre 1990 e 2019 [95,8 (33,9;254,2].

•Comportamento semelhante foi observado em relação aos homens, com decréscimo de obesidade, no período de 1990 a 2019. Os maiores decréscimos percentuais foram observados no Distrito Federal [-25,8 (-39,8;-0,9)], Rio de Janeiro [-22,3 (-36,9;5,4)], São Paulo [-20,2 (-35;8,7)], Rio Grande do Sul [-19,5 (-32,3;4,3)], Santa Catarina [-11,5 (-28,3;22,1)] e Minas Gerais [-8,1 (-30,2;52,3)], menores do que os observados para as mulheres. O Ceará apresentou o maior incremento entre 1990 e 2019 [81,8 (25,1;231,1)]. Também os maiores aumentos percentuais foram observados para as mulheres no período ( Tabela 10 -13). Importante observar que, para o Brasil como um todo, observou-se o mesmo padrão, com maior decréscimo percentual para as mulheres [-12 (-23,8;8,9)] em relação aos homens [-0,1 (-16,5;36,8)].

•A Tabela 10 -14 mostra o número de DALYs, as taxas de DALYs brutas e padronizadas por idade por DCV atribuída a IMC elevado no Brasil, em 1990 e 2019, por grupo etário, além da variação percentual das taxas no período, segundo dados do GBD 2019. A maior variação percentual negativa ocorreu na faixa etária de 50 a 69 anos [-33,6 (-42,5;-16,5)]. Houve redução percentual de -31,2 (-40,5;-12,4) se considerarmos as taxas padronizadas por idade no período ( Tabela 10 -12).

Impacto na Saúde Cardiovascular

•O IMC alto causa principalmente inflamação sistêmica crônica e maior atividade simpática, que pode contribuir para resistência a insulina e hipertensão, levando a disfunção endotelial e aterosclerose e contribuindo para diabetes mellitus. Seu efeito é mediado principalmente por outros fatores de risco intermediários, como hipertensão, hipercolesterolemia e hiperglicemia. 385 A obesidade tem natureza multifatorial e é um dos principais fatores para explicar o crescimento das DCNT dada a sua associação frequente com DCV, como hipertensão arterial, AVC, insuficiência cardíaca, dislipidemias, diabetes, fibrilação atrial e morte súbita. As intervenções que reduzem hipertensão, colesterol e glicose poderiam resolver cerca de metade do excesso de risco de doença coronária e três quartos do excesso de risco de AVC associado a alto IMC. 386

•Rimes-Dias e Canella aventaram a hipótese de que as DCNT associadas a obesidade geralmente requerem tratamento medicamentoso e realizaram estudo empregando a PNS de 2013, com 59.402 indivíduos com 18 anos ou mais. Avaliaram o número de medicamentos usados para tratar nove DCNT relacionadas a obesidade (hipertensão arterial, DCV, AVC, diabetes, artrite e reumatismo, doença renal crônica, doença pulmonar, lombalgia crônica e depressão). O uso de medicamentos aumentou progressivamente com o aumento do IMC. O risco de tratamento de duas ou mais DCNT com medicamentos foi cerca de 70% maior entre os indivíduos com sobrepeso (RR ajustado = 1,66; IC 95%, 1,46 - 1,89), 170% maior naqueles com obesidade grau I (RR ajustado = 2,68; IC 95%, 2,29 - 3,12), 340% maior na obesidade grau II (RR ajustado = 4,44; IC 95%, 3,54 - 5,56) e 450% maior na obesidade grau III (RR ajustado = 5,53; IC 95%, 3,81 - 8,02) em comparação a indivíduos com peso normal. 387

•Foi realizado estudo transversal analisando a presença de fatores de risco cardiovascular de acordo com o padrão de distribuição de gordura corporal em 113 brasileiros com 80 anos ou mais (média de idade, 83,4 anos), de ambos os sexos, recrutados entre 2009 e 2010 na cidade de Presidente Prudente, em São Paulo, como parte do estudo SABE. Os autores observaram a associação de obesidade abdominal e total com fatores de risco para DCV, como maiores níveis de colesterol total e triglicerídeos. Houve importante associação entre hipertensão arterial e obesidade total. 388

•Uma coorte com duração de 12 meses, avaliando 89 adolescentes da cidade de Presidente Prudente, com idade entre 11 e 14 anos, demonstrou, após ajustes para gênero, idade, maturação biológica e atividade física, que as mudanças na espessura médio-intimal femoral se associaram com alterações na gordura corporal: para cada aumento percentual na gordura corporal, a espessura médio-intimal femoral aumentou 0,007 mm. 389

Fatores de Risco e Prevenção

•Rabacow et al . estimaram a proporção de morte por DCNT que poderia ser reduzida no Brasil através da diminuição do IMC, com dados da PNS de 2013. Redução populacional do IMC para um nível de mínimo risco teórico (22,0 kg/m2 ) poderia prevenir aproximadamente 168.431 mortes por ano no Brasil, sendo 106.307 por DCV. Já uma redução para os níveis de IMC de 24,6 kg/m2 poderia prevenir 65.721 mortes, representando 10% das mortes por DCNT e 5,8% de todas as mortes. Uma redução de 1,0 kg/m2 no IMC populacional poderia prevenir 30.715 mortes, representando 4,6% das mortes por DCNT e 2,7% de todas as mortes. O conjunto dos dados reforça a necessidade da adoção de medidas antiobesidade em nível nacional. 390

•Estudo que analisou a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002/2003 e 2008/2009 e a PNS de 2013, com 234.791 adultos de 20-59 anos, demonstrou que os níveis educacionais mais elevados foram associados a obesidade e excesso de peso para homens, enquanto o nível de ensino médio foi associado a aumento de obesidade nas mulheres. Os autores concluíram que os achados revelam a necessidade de educação nutricional e elaboração de campanhas e políticas para conter a epidemia de obesidade. 391

Utilização e Custo da Atenção à Saúde

•Um estudo orçou os custos totais diretos, em um ano, associados com a assistência ambulatorial e hospitalar às doenças relacionadas com excesso de peso e obesidade, na perspectiva do SUS no Brasil, entre 2008 e 2010. Esses valores foram estimados em US$ 2,1 bilhões, sendo US$ 1,4 bilhão (68,4% dos custos totais) devido a internações e US$ 679 milhões devidos a procedimentos ambulatoriais. Usando o fator de risco atribuível à população, os autores avaliaram que aproximadamente 10% desses custos foram atribuíveis a sobrepeso e obesidade. Os custos para as mulheres foram maiores do que para os homens, por causa dos maiores gastos ambulatoriais (73,3% vs. 26,7%). 392 Outro estudo avaliou o custo direto total de sobrepeso/obesidade em 3,02% dos custos totais de hospitalização em homens e 5,83% em mulheres, correspondendo a 6,8% e 9,3% de todas as hospitalizações (excluindo gestantes), respectivamente. 393

•Um estudo analisou a custo-utilidade da cirurgia de bypass gástrico em comparação ao tratamento clínico para obesidade grave com e sem diabetes na perspectiva do SUS. O modelo de Markov considerou um horizonte de tempo de 10 anos e uma taxa de desconto de 5%. Ao longo de 10 anos, a cirurgia de bypass gástrico aumentou os QALYs e os custos em comparação ao tratamento clínico, resultando em uma RCEI de Int$ 1.820,17/QALY e Int$ 1.937,73/QALY em indivíduos com e sem diabetes, respectivamente. A análise de sensibilidade mostrou que os valores de utilidade e os custos diretos dos tratamentos foram os parâmetros que mais afetaram a RCEI. Os autores concluíram que a cirurgia de bypass gástrico é uma intervenção com boa relação custo-benefício para obesos graves na perspectiva do SUS, com melhor resultado em obesos com diabetes. 394

•Um estudo avaliou que os custos totais de hipertensão, diabetes e obesidade no SUS alcançaram R$ 3,45 bilhões (IC 95%, 3,15 - 3,75) em 2018, cerca de US$ 890 milhões. Para obesidade como fator de risco para hipertensão e diabetes, os custos atribuíveis chegaram a R$ 1,42 bilhão (IC 95%, 0,98 - 1,87), ou seja, 41% dos custos totais. 395

•Um modelo de micro simulação foi usado para projetar a extensão da obesidade, as doenças a ela relacionadas e os custos de saúde a ela associados no Brasil até 2050. No total, 13 doenças foram consideradas (doença cardíaca coronária, AVC, hipertensão, diabetes, osteoartrite e oito cânceres), simulando três cenários hipotéticos de intervenção: não intervenção, redução de 1% e de 5% no IMC. Os autores estimam que os custos com saúde dobrarão até 2050 (US$ 10,1 bilhões), alcançando US$ 330 bilhões no período de 2010 a 2050. Porém, com intervenções eficazes, como a redução do IMC médio na população em 1% e 5%, os custos podem ser reduzidos para US$ 302 bilhões e US$ 273 bilhões, respectivamente. 396

Pesquisa Futura

•Observam-se lacunas nos dados primários de mortalidade atribuível a IMC elevado no Brasil e suas UF. Registros de âmbito nacional com dados aferidos devem ser realizados para que possamos desenvolver políticas públicas mais efetivas para o controle da obesidade, que vem aumentando no Brasil, em ambos os sexos e nas diversas faixas etárias.

•A maioria das políticas públicas falhou em reduzir a obesidade em adultos e crianças, provavelmente por ser uma condição multifatorial e envolver muitos interesses socioeconômicos. Cabe ressaltar o papel da indústria de alimentos, que inclui a oferta de alimentos ultraprocessados com menores custos, a ausência da comunicação dos riscos associados com o excesso de peso e obesidade nas mídias sociais, além do estilo de vida das grandes cidades, onde as crianças são cada vez mais sedentárias e têm dietas com alto teor calórico. Estudos futuros com intervenções multifatoriais envolvendo toda a família precisarão ser realizados, especialmente para beneficiar crianças e adolescentes. 397

•O cuidado centrado no paciente portador de obesidade demandará pesquisas futuras, sendo um componente essencial dos cuidados de saúde de alta qualidade que poderá melhorar os resultados clínicos e a satisfação do paciente, reduzindo os custos de saúde. Um estudo sugere os seguintes itens para os pesquisadores em obesidade: desenvolver agendas que enfatizem a pesquisa de ferramentas e técnicas de cuidado centrado no paciente; priorizar a análise das barreiras que impedem o paciente de alcançar a perda de peso e avaliar ferramentas que podem ser usadas para superar essas barreiras; avaliar os fatores culturais e ambientais que podem afetar a capacidade de perder peso; e estabelecer métricas baseadas em evidências para o paciente obeso. 398

•Dados mais recentes destacam a obesidade abdominal, avaliada pela circunferência da cintura, como um marcador de risco de DCV independente do IMC. Estudos que quantificam depósitos de gordura, incluindo gordura ectópica, com métodos de imagem, demonstraram que o excesso de adiposidade visceral foi indicador independente de desfechos cardiovasculares adversos. Estudos que avaliem a obesidade abdominal na população brasileira precisam ser realizados para investigar seu papel incremental na estratificação de risco cardiovascular em ambos os sexos e nos diversos grupos etários. 399

11. TABAGISMO E USO DE TABACO

Tabagismo e suas consequências para as doenças cardiovasculares no Brasil e nas Unidades Federativas, 1990 a 2019

CID-10: Z.72.0

Ver Tabelas 11-1 a 11-13 e Figuras 11-1 a 11-12

Abreviaturas Usadas no Capítulo 11

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
AVC Acidente Vascular Cerebral
DALYs Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (do inglês, Disability-Adjusted Life-Year )
DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis
DCV Doenças Cardiovasculares
ELSA-Brasil Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto - Brasil
ERICA Estudo dos Riscos Cardiovasculares em Adolescentes
GBD Global Burden of Disease
PeNSE Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
SDI Índice Sociodemográfico (do inglês, Sociodemographic Index )
UF Unidade Federativa
Vigitel Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico
YLDs Anos vividos com incapacidade (do inglês, Years Lived with Disability )
YLLs Anos potenciais de vida perdidos (do inglês, Years of Life Lost )

Tabela 11-1
– Porcentagem de alunos do nono ano que já experimentaram cigarro, de acordo com o sexo e tipo de escola, no Brasil, suas regiões e unidades federativas.
Tabela 11-2
– Porcentagem de alunos do nono ano que fumaram nos 30 dias que antecederam à pesquisa, de acordo com o sexo e tipo de escola, no Brasil, suas regiões e unidades federativas.
Tabela 11-3
– Porcentagem de alunos do nono ano que usaram outros derivados do tabaco nos 30 dias que antecederam à pesquisa, de acordo com o sexo e tipo de escola, no Brasil, suas regiões e unidades federativas.
Tabela 11-4
– Proporção de usuários atuais de derivados do tabaco a partir dos 18 anos de idade, de acordo com o sexo, no Brasil, suas regiões e unidades federativas, e áreas urbana e rural.
Tabela 11-5
– Proporção de usuários atuais de tabaco a partir dos 18 anos de idade, de acordo com o sexo, no Brasil, suas regiões e unidades federativas, e áreas urbana e rural.
Tabela 11-6
– Proporção de usuários atuais de tabaco a partir dos 18 anos de idade, de acordo com o grupo etário, no Brasil, suas regiões e unidades federativas, e áreas urbana e rural.
Tabela 11-7
– Proporção de usuários atuais de tabaco a partir dos 18 anos de idade, de acordo com o nível educacional, no Brasil, suas regiões e unidades federativas, e áreas urbana e rural.
Tabela 11-8
– Proporção de usuários atuais de tabaco a partir dos 18 anos de idade, de acordo com a cor da pele ou raça, no Brasil, suas regiões e unidades federativas, e áreas urbana e rural.
Tabela 11-9
– Prevalência de fumantes com mais de 18 anos de idade nas principais capitais brasileiras, de acordo com o sexo e com base na pesquisa domiciliar Vigitel.
Tabela 11-10
– Taxas de mortes atribuídas ao tabaco padronizadas por idade (por 100 mil) e variação percentual das taxas, de acordo com o sexo, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.
Tabela 11-11
– Números de mortes atribuídas ao tabaco e suas taxas padronizadas por idade (por 100 mil), e variação percentual das taxas, no Brasil e suas unidades federativas, 1990 e 2019.
Tabela 11-12
– Proporção de não fumantes a partir de 18 anos de idade expostos ao tabagismo passivo em ambiente de trabalho fechado, de acordo com o sexo, no Brasil, suas regiões e unidades federativas, e áreas urbana e rural.
Tabela 11-13
– Distribuição dos usuários de dispositivos eletrônicos com nicotina líquida ou folha de tabaco triturada, com idade a partir de 15 anos, no Brasil, suas regiões e unidades federativas.

Figura 11-1
-Tendência da prevalência de tabagismo atual de acordo com as estimativas do GBD 2017 e pesquisas brasileiras (valores brutos) em indivíduos a partir dos 20 anos de idade, Brasil, 1989 a 2017.

Figura 11-2
-Tendência da prevalência de tabagismo, de acordo com o sexo e dados da pesquisa Vigitel, nas capitais brasileiras, entre 2006 e 2019.

Figura 11-3
-Taxa de mortalidade (A) e taxa de mortalidade padronizada por idade (B) de acordo com sexo; número absoluto de mortes associadas com o uso de tabaco (C) e taxas de mortalidade associada ao uso de tabaco para todas as idades e padronizadas por idade (D), de 1990 a 2019.

Figura 11-4
-Proporção de mortalidade de cada grupo etário apresentado no eixo Y de acordo com o sexo, no Brasil em 2019.

Figura 11-5
-Número absoluto de mortes atribuídas ao tabaco e ao tabagismo passivo, por todas as causas de morte, para ambos os sexos, 2019. Fonte: Dados derivados do estudo Global Burden of Disease 2019, Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington. 46

Figura 11-6
-Taxas de mortalidade por tabagismo e por tabagismo passivo padronizadas por idade para ambos os sexos, por todas as causas de morte, Brasil, 1990 e 2019.

Figura 11-7
-Número total de mortes por doença cardiovascular atribuída ao tabaco e ao tabagismo passivo, para ambos os sexos. Cada cor representa uma causa específica de morte cardiovascular, 1990.

Figura 11-8
-Número total de mortes por doença cardiovascular atribuída ao tabaco e ao tabagismo passivo, para ambos os sexos. Cada cor representa uma causa específica de morte cardiovascular, 2019.

Figura 11-9
-Correlação entre o Índice Sociodemográfico (SDI) de 2019 e a variação percentual das taxas de mortalidade atribuída ao tabagismo entre 1990 e 2019, no Brasil.

Figura 11-10
-Tendência temporal das taxas de YLLs por uso de tabaco de 1990 a 2019.

Figura 11-11
-Tendência temporal das taxas de YLDs por uso de tabaco de 1990 a 2019. Fonte: Dados derivados do estudo Global Burden of Disease 2019, Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington. 46

Figura 11-12
-Tendência temporal das taxas de DALYs por uso de tabaco de 1990 a 2019.

Panorama

Definições

•Fumante atual: Adulto que já fumou cigarro em algum momento e ainda fuma. 19 , 400 Adolescente que fumou pelo menos um dia nos últimos 30 dias foi considerado fumante atual de cigarro. 401

•Tabagismo passivo: Em geral, refere-se à presença de fumaça de cigarro no ambiente de um não fumante. 400

•Ex-fumante: Adulto que fumava mas havia cessado o tabagismo por ocasião da entrevista. 400

•Experimentação de tabaco: Definido como tendo fumado cigarro pelo menos uma vez na vida. 401

•Dispositivos eletrônicos de fumar, mais conhecidos como cigarros eletrônicos, são aqueles operados por bateria que fornecem nicotina, sabores e outras substâncias químicas em aerossol ao usuário. 3 , 402 Os líquidos usados nesses dispositivos podem diferir quanto à composição química, concentração de nicotina e aditivos usados, tendo sido descritos mais de 8.000 sabores de cigarros eletrônicos. Discrepância entre a composição do produto declarada na embalagem e a verdadeira já foi mostrada.

•O SDI é um índice composto que mede renda per capita, fertilidade e educação e reflete o desenvolvimento sociodemográfico. O SDI permite que estados e países sejam comparados quanto ao seu desenvolvimento. 403

Tabaco e Doença Cardiovascular Total

•O uso do tabaco é uma das principais causas de morte prevenível no Brasil e no mundo. 19 , 400 O tabaco é um dos principais fatores de risco de DCNT, como DCV, câncer, doenças respiratórias crônicas, restrição ao crescimento intrauterino e predisposição ao parto prematuro. 3–5 O impacto negativo do tabaco na saúde resulta tanto do consumo direto de várias formas de produtos derivados do tabaco (fumado, inalado ou mascado) quanto da exposição ao tabagismo passivo. 400 , 404

•O tabaco é um fator de risco independente para DCV e multiplica o risco quando associado a outros fatores de risco, como hipertensão, dislipidemia e diabetes mellitus. 405 Há um aumento significativo no risco para DCV mesmo em níveis baixos de exposição ao tabaco, incluindo tabagismo passivo e uso de charuto. Além disso, o risco cresce, mas em menor grau, com o aumento no número de cigarros consumidos por dia. 34

•Tabagismo atual ou passado está associado com risco aumentado de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida ou preservada. 406 , 407

•O consumo de tabaco em diferentes formas de tabagismo está associado com risco aumentado de eventos cardiovasculares, com OR de 1,67 (IC 95%, 1,25 – 2,24) para a associação de doença isquêmica do coração e insuficiência cardíaca com consumo de fumo no narguilé. 408

•Não fumantes expostos ao tabagismo passivo em casa ou no trabalho apresentam aumento de 25% a 30% no risco de desenvolver DCV. 4 , 8 Exposição ao tabagismo passivo eleva o risco de AVC em 20% a 30% e está associada a aumento de mortalidade após o evento. 3 , 405

Medidas

•A prevalência de tabagismo será abordada com base nas pesquisas populacionais mais recentes no Brasil: o Estudo ELSA-Brasil; a PNS 2019, contendo estimativas para a população a partir de 18 anos; a PeNSE 2015, contendo estimativas para adolescentes de 13 a 15 anos; o Estudo ERICA, que incluiu 74.589 adolescentes de 12 a 17 anos, de municípios com mais de 100 mil habitantes; e as estimativas de tendência para adultos nas capitais brasileiras entre 2006 e 2019. 401 , 409 , 410

•As taxas de mortalidade e hazard ratios ajustadas da associação entre tabagismo e morte são apresentadas em coortes brasileiras. 19 , 404

•As taxas de mortalidade e os números absolutos de mortes atribuídas ao tabaco são apresentados para o Brasil e suas 27 UF em 1990 e 2019, sendo as estimativas extraídas do Estudo GBD 2019. 19

Prevalência

Prevalência do Uso de Tabaco entre Adolescentes

•As Tabelas 11-1 a 11-3 mostram a prevalência dos indicadores de tabagismo entre adolescentes do nono ano, com idade entre 13 e 15 anos, de acordo com dados da PeNSE 2015. 410

•Ainda de acordo com dados da PeNSE 2015, 18,4% (IC 95%, 17,8 - 19) dos adolescentes de 13 a 15 anos já experimentaram cigarro. A prevalência foi maior no sexo masculino (19,4%; IC 95%, 16,6 – 18,2) do que no feminino (17,4%; IC 95%, 18,7 – 20,0). A porcentagem de adolescentes que experimentaram fumar variou de 27,0% no Mato Grosso do Sul a 9,3% em Sergipe, sendo maior na região Sul (24,9%)e menor na região Nordeste. 410

•A prevalência de tabagismo atual ou ter fumado nos 30 dias que antecederam a pesquisa foi de 5,6% (IC 95%, 5,3 – 5,9), sem diferença quanto ao sexo (masculino 5,8%; IC 95%, 5,4 – 6,3; feminino 5,4%; IC 95%, 4,9 – 5,8). O uso de outros produtos derivados do tabaco foi de 6,1% (IC 95%, 5,7 – 6,4) entre adolescentes do sexo masculino e 5,6% (IC 95%, 5,1 – 6,0) entre as do sexo feminino. 410

•O estudo ERICA, um estudo transversal, de âmbito nacional e base escolar dos riscos cardiovasculares, incluiu 74.589 adolescentes de 12 a 17 anos, de municípios com mais de 100 mil habitantes. Os resultados mostraram que 18,5% (IC 95%, 17.7-19.4) dos adolescentes já haviam fumado pelo menos uma vez, 5,7% (IC 95%, 5,3 – 6,2) fumavam na ocasião da pesquisa e 2,5% (IC 95%, 2,2 – 2,8) fumavam com frequência, sem diferença significativa entre os sexos. 401

•A região Sul apresentou maior prevalência de experimentação de tabaco (23,3%; IC 95%, 21,5 – 25,3), de uso atual de tabaco (7,3%; IC 95%, 6,2 - 8.7) e de uso de tabaco por sete dias consecutivos (3,8%; IC 95%, 2,8 – 5,1) em comparação às regiões Norte (19,2%, 5,9% e 2,2%, respectivamente) e Nordeste (15,2%, 4,7% e 1,5%, respectivamente).

•A prevalência do uso de tabaco não diferiu significativamente de acordo com indicadores socioeconômicos (etnia autorrelatada, nível educacional, nível educacional materno, nível educacional paterno) para ambos os sexos.

•A prevalência foi mais alta entre adolescentes que haviam tido empregos remunerados no ano anterior ao estudo, para ambos os sexos [9,3% (IC 95%, 8,1 – 10,5) vs 5,0% (IC 95%, 4,3 - 5,6) para o sexo masculino; 8,8% (IC 95%, 7,5 – 10,1) vs 4,6% (IC 95%, 4,0-5,1) para o sexo feminino]. Além disso, a prevalência foi maior entre aqueles que não moravam com os dois pais em comparação àqueles que moravam [8,0% (IC 95%, 6,8 – 9,2) vs 4,8% (IC 95%, 4,0-5,5) para o sexo masculino; 6,4% (95% CI, 5,7 – 7,1) vs 4,4% (95% CI, 3,8 – 5,1)) para o sexo feminino].

•Estudantes do sexo feminino de escolas públicas relataram mais tabagismo [5.7% (IC 95%, 5.1 - 6.2)] do que as de escolas privadas [3.7% (IC 95%, 2.3 - 5.1)]. Quanto aos adolescentes do sexo masculino, a diferença não foi significativa, 6,1% (IC 95%, 5,6 – 6,9) e 5,2% (IC 95%, 3,5 – 7,0), respectivamente.

•A prevalência de tabagismo é maior entre adolescentes que convivem em casa com fumantes: 8,1% (IC 95%, 6,7 – 9,6) vs 5,4% (IC 95%, 4,7 – 6,1) para o sexo masculino; e 7,1% (IC 95%, 6,2 – 8,0) vs 4,5% (IC 95%, 4,0 – 5,1) para o sexo feminino. Além disso, maior prevalência foi observada entre aqueles em contato com fumantes fora de casa: para o sexo masculino, 9,9% (IC 95%, 8,6 – 11,1) vs 3,6% (IC 95%, 3,0 – 4,3); e para o sexo feminino, 7,6% (IC 95%, 6,8 – 8,4) vs 2,7% (IC 95%, 2,2 – 3,3).

Prevalência do Uso de Tabaco entre Adultos

•A Tabela 11-4 mostra dados da PNS 2019 indicando que 12,8% (IC 95%, 12,4 – 13,2) dos adultos usam algum derivado do tabaco, sendo o uso maior entre os homens (16,2%; IC 95%, 15,6 – 16,9) do que entre as mulheres (9,9%; IC 95%, 9,3 – 10,3). 306

•A prevalência do uso de alguns derivados do tabaco é maior na área rural (14,3%) do que na urbana (12,6%), assim como maior na região Sul (14,7%) do que na Norte (10,7%).

•A proporção de fumantes acima de 18 anos em 2019 foi 12,6% (IC 95%, 12,2 – 13,0) e, de acordo com o sexo, 15,9% (IC 95%, 15,3 – 16,6) dos homens e 9,6% (IC 95%, 9,2 – 10,1) das mulheres ( Tabela 11 -1). 306

•Quanto aos grupos etários, a prevalência foi a seguinte em ordem decrescente: 14,9% (IC 95%, 14,2 – 15,5) no grupo de 40-59 anos; 10,8% (IC 95%, 9,6 – 12,0) no grupo de 18-24 anos; 12,0% (IC 95%, 11,2 – 12,7) no grupo de 25-39 anos; e 11,9% (IC 95%, 11.2 - 12.6) no grupo de 60 anos ou mais ( Tabela 11 -5). 306

•A prevalência de tabagismo é menor nas populações com níveis mais elevados de educação e renda: 17,6% (IC 95%, 16,8 – 18,4) entre aqueles sem educação formal ou educação fundamental incompleta; 15,5% (IC 95%, 14,3 – 16,6) entre aqueles com educação fundamental completa e nível médio incompleto; 9,6% (IC 95%, 8,9 – 10,2) entre aqueles com nível médio completo e superior incompleto; e 7,1% (IC 95%, 6,3 – 7,8) entre aqueles com nível superior completo ( Tabela 11 -7). 306

•A prevalência de tabagismo foi maior entre indivíduos negros (13,7%; IC 95%, 12,5 - 15) em comparação a “pardos” (13,5%; IC 95%, 12,9 – 14,2) e brancos (11,8%; IC 95%, 11,2 – 12,4) ( Tabela 11 -8). 306

•A pesquisa Vigitel 2019 mostrou uma frequência de adultos fumantes de 9,8%, maior entre os homens (12,3%) do que entre as mulheres (7,7%). Na população total, a frequência de fumantes tendeu a ser mais baixa entre adultos jovens (menos de 25 anos de idade) e a partir de 65 anos. A frequência de tabagismo diminuiu com o aumento da escolaridade, sendo particularmente alta entre homens com até oito anos de escolaridade (16,8%). 410

•De acordo com o Estudo GBD 2019, no Brasil, a prevalência de tabagismo passivo em casa é de 9,2% (II 95%, 8,8 – 9,8), maior entre mulheres (10,2%; IC 95%, 8,7 – 10,8) do que entre homens (7,9%; II 95%, 7,3 – 8,5). 19

•A prevalência de tabagismo passivo no trabalho é de 8,4% (IC 95%, 8,8 – 9,8), maior entre homens (10,4%; IC 95%, 9,4 – 11,3) do que entre mulheres (8,7%; IC 95%, 6,1 – 7,4) ( Tab