Acessibilidade / Reportar erro

Reconexão das Veias Pulmonares Pós Ablação. Um Desafio a ser Superado

Reconexão; Veias Pulmonares; Ablação; Crioablação; Fibrilação Atrial

A fibrilação atrial (FA) é a arritmia sustentada mais comum na população e sua incidência aumenta significativamente com a idade.11. Hindricks G, Potpara T, Dagres N, Arbelo E, Bax JJ, Blomström-Lundqvist C, et al. 2020 ESC Guidelines for the diagnosis and management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS): The Task Force for the diagnosis and management of atrial fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC) Developed with the special contribution of the European Heart Rhythm Association (EHRA) of the ESC. Eur Heart J. 2021;42(5):373-498. doi: 10.1093/eurheartj/ehaa612.
https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaa61...
Com o envelhecimento da população estima-se um incremento significativo na prevalência da FA, e seu controle adequado tem se tornado um grande desafio.

Durante décadas, até final dos anos 90, a opção terapêutica disponível e mais utilizada na reversão e prevenção de recorrências da FA eram os fármacos antiarrítmicos (AA) e a cardioversão elétrica; entretanto, o tratamento clínico com fármacos AA, se mostrou pouco eficaz na manutenção do ritmo sinusal, com índice de recidiva acima de 50%.

O entendimento dos mecanismos envolvidos na gênese da FA através da tecnologia de mapeamento atrial, bem como a pouca efetividade dos fármacos AA e a elevada prevalência da FA impulsionaram pesquisas na busca de novas opções terapêuticas, para controle dessa arritmia.

A descoberta de que focos ectópicos situados no interior das veias pulmonares (VP) poderiam deflagrar e perpetuar a FA, inaugurou uma nova era no tratamento dessa arritmia.

Nos últimos anos, em razão dos diversos estudos demonstrando a eficácia e segurança do procedimento de ablação, a indicação do tratamento não farmacológico vem sendo cada vez mais frequente e precoce.

Independentemente do tipo de energia ou da técnica utilizada, o isolamento completo das VP, é reconhecidamente base fundamental para o tratamento não farmacológico da FA e, portanto, tem sido recomendado como passo inicial, na ablação de FA em diretrizes nacionais e internacionais.11. Hindricks G, Potpara T, Dagres N, Arbelo E, Bax JJ, Blomström-Lundqvist C, et al. 2020 ESC Guidelines for the diagnosis and management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS): The Task Force for the diagnosis and management of atrial fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC) Developed with the special contribution of the European Heart Rhythm Association (EHRA) of the ESC. Eur Heart J. 2021;42(5):373-498. doi: 10.1093/eurheartj/ehaa612.
https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaa61...

2. Magalhães LP, Figueiredo MJO, Cintra FD, Saad EB, Kuniyoshi RR, Lorga Filho AM, et al. Executive Summary of the II Brazilian Guidelines for Atrial Fibrillation. Arq Bras Cardiol. 2016;107(6):501-508. doi: 10.5935/abc.20160190.
https://doi.org/10.5935/abc.20160190...
- 33. Calkins H, Hindricks G, Cappato R, Kim YH, Saad EB, Aguinaga L, Akar JG, et al. 2017 HRS/EHRA/ECAS/APHRS/SOLAECE expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2017;14(10):e275-e444. doi: 10.1016/j.hrthm.2017.05.012.
https://doi.org/10.1016/j.hrthm.2017.05....
Inicialmente, essa técnica era indicada apenas na FA paroxística, até que estudos subsequentes demonstraram sua não inferioridade em relação a outros procedimentos mais complexos e abrangentes, em pacientes com FA persistente.44. Fink T, Schlüter M, Heeger CH, Lemes C, Maurer T, Reissmann B, et al. Stand-Alone Pulmonary Vein Isolation Versus Pulmonary Vein Isolation With Additional Substrate Modification as Index Ablation Procedures in Patients With Persistent and Long-Standing Persistent Atrial Fibrillation: The Randomized Alster-Lost-AF Trial (Ablation at St. Georg Hospital for Long-Standing Persistent Atrial Fibrillation). Circ Arrhythm Electrophysiol. 2017;10(7):e005114. doi: 10.1161/CIRCEP.117.005114.
https://doi.org/10.1161/CIRCEP.117.00511...

Atualmente o isolamento das VP pode ser realizado por meio da energia de radiofrequência com aplicações focais ponto a ponto ou por meio de congelamento, utilizando o balão de crioenergia.

Embora amplamente utilizada na Europa e América do Norte, apenas esse ano a tecnologia de crioablação foi regulamentada pela ANS para utilização em território nacional.

O Estudo “Fire and Ice”, foi o primeiro grande estudo multicêntrico randomizado comparando os resultados do uso do criobalão e da energia de radiofrequência na ablação da FA paroxística e demonstrou que as tecnologias foram semelhantes, tanto em relação a eficácia quanto à segurança. Em uma análise secundária deste estudo, o criobalão apresentou menor taxa de reospitalização e re-intervenção.55. Kuck KH, Brugada J, Fürnkranz A, Metzner A, Ouyang F, Chun KR, et al. Cryoballoon or Radiofrequency Ablation for Paroxysmal Atrial Fibrillation. N Engl J Med. 2016;374(23):2235-45. doi: 10.1056/NEJMoa1602014.
https://doi.org/10.1056/NEJMoa1602014...
Posteriormente outros ensaios compararam as tecnologias e demonstraram resultados semelhantes.

Recentemente, dois estudos utilizando a crioenergia, demonstraram a superioridade da ablação como primeira linha de tratamento para controle de FA, quando comparada ao tratamento farmacológico.66. Andrade JG, Champagne J, Deyell MW, Essebag V, Lauck S, Morillo C, et al. A randomized clinical trial of early invasive intervention for atrial fibrillation (EARLY-AF) - methods and rationale. Am Heart J. 2018;206:94-104. doi: 10.1016/j.ahj.2018.05.020.
https://doi.org/10.1016/j.ahj.2018.05.02...
, 77. Wazni OM, Dandamudi G, Sood N, Hoyt R, Tyler J, Durrani S, et al. Cryoballoon Ablation as Initial Therapy for Atrial Fibrillation. N Engl J Med. 2021;384(4):316-324. doi: 10.1056/NEJMoa2029554.
https://doi.org/10.1056/NEJMoa2029554...

Recentemente publicamos nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, a primeira experiência de um centro brasileiro, com o isolamento elétrico das veias pulmonares (IEVP) utilizando o balão de crioenergia como abordagem inicial para o tratamento não farmacológico da FA e demonstramos resultados similares aos obtidos em grandes centros internacionais.88. Boghossian SHC, Barbosa EC, Boghossian E, Rangel L, Benchimol-Barbosa PR, Alcantara ML, et al. Experience in a Brazilian Center with Cryoablation for Electric Isolation of the Pulmonary Veins in Paroxysmal and Persistent Atrial Fibrillation - Preliminary Results in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2020;115(3):528-535. doi: 10.36660/abc.20200320.
https://doi.org/10.36660/abc.20200320...

Apesar de todo avanço tecnológico, aproximadamente um terço dos pacientes, apresentam recidiva de arritmias atriais após um procedimento inicial bem-sucedido. A reconexão da condução nas VP e a ocorrência de focos fora das veias são os dois fatores principais que justificam a recorrência. Atualmente, os índices de isolamento agudo das VP são bastante elevados, e o grande desafio é manter esse isolamento a longo prazo.

Estudos prévios, avaliando pacientes submetidos a reablação após um procedimento inicial bem-sucedido com radiofrequência, demonstraram que a reconexão das VP é o fator dominante para recorrência, visto que entre os pacientes encaminhados a um segundo procedimento, 80% apresentam reconexão de alguma veia.99. Ouyang F, Antz M, Ernst S, Hachiya H, Mavrakis H, Deger FT, et al. Recovered pulmonary vein conduction as a dominant factor for recurrent atrial tachyarrhythmias after complete circular isolation of the pulmonary veins: lessons from double Lasso technique. Circulation. 2005;111(2):127-35. doi: 10.1161/01.CIR.0000151289.73085.36.
https://doi.org/10.1161/01.CIR.000015128...

No presente estudo, Nolasco et al.,1010. Nolasco RR, Leon-Larios G, Bazzini-Carranza DE, Zavaleta E, Calixto-Vargas O. Reconnection Sites in Redo Ablation after Cryoballoon Pulmonary Vein Isolation in Patients with Paroxysmal Atrial Fibrillation. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(1):100-105. relatam reconexão de VP em 77,8% dos pacientes encaminhados a um segundo procedimento de ablação após IEVP com criobalão, e observaram sítios de reconexão na região antero-superior da VP superior esquerda, e nas regiões septal e inferior da VP superior direita, e atribuíram os achados a uma maior espessura da parede dos átrios, dificultando o contato adequado do balão de crio. Estes achados diferem do estudo de Godin et al.,1111. Godin B, Savoure A, Gardey K, Anselme F. Lessons from radiofrequency redo-procedure after cryoballoon pulmonary vein isolation for paroxysmal atrial fibrillation. Circ J. 2013;77(8):2009-13. doi: 10.1253/circj.cj-13-0046.
https://doi.org/10.1253/circj.cj-13-0046...
que observaram 64% de reconexão das VP em pacientes com FA paroxística encaminhados a segundo procedimento; e identificaram predomínio das lacunas de conexão na porção inferior das veias inferiores, sendo 80% na VP inferior esquerda e 67% na VP inferior direita, e também diferem dos resultados de Kettering et al.1212. Kettering K, Gramley F. Radiofrequency catheter ablation for redo procedures after pulmonary vein isolation with the cryoballoon technique: Long-term outcome. Herzschrittmacherther Elektrophysiol. 2017;28(2):225-231. doi: 10.1007/s00399-017-0493-3.
https://doi.org/10.1007/s00399-017-0493-...
em que a distribuição dos sítios de reconexão foi semelhante entre as veias.

O conhecimento de locais com maior predisposição para reconexão poderia servir de orientação para o desenvolvimento de tecnologias que auxiliem a vencer este grande desafio, no entanto, os resultados discrepantes com relação aos sítios de reconexão nos diferentes estudos não nos permitem definir uma região mais propensa à reconexão, e nos levam a crer que os locais de maior dificuldade para isolamento das veias se relacionam a variações anatômicas individuais.

Referências

  • 1
    Hindricks G, Potpara T, Dagres N, Arbelo E, Bax JJ, Blomström-Lundqvist C, et al. 2020 ESC Guidelines for the diagnosis and management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS): The Task Force for the diagnosis and management of atrial fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC) Developed with the special contribution of the European Heart Rhythm Association (EHRA) of the ESC. Eur Heart J. 2021;42(5):373-498. doi: 10.1093/eurheartj/ehaa612.
    » https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaa612
  • 2
    Magalhães LP, Figueiredo MJO, Cintra FD, Saad EB, Kuniyoshi RR, Lorga Filho AM, et al. Executive Summary of the II Brazilian Guidelines for Atrial Fibrillation. Arq Bras Cardiol. 2016;107(6):501-508. doi: 10.5935/abc.20160190.
    » https://doi.org/10.5935/abc.20160190
  • 3
    Calkins H, Hindricks G, Cappato R, Kim YH, Saad EB, Aguinaga L, Akar JG, et al. 2017 HRS/EHRA/ECAS/APHRS/SOLAECE expert consensus statement on catheter and surgical ablation of atrial fibrillation. Heart Rhythm. 2017;14(10):e275-e444. doi: 10.1016/j.hrthm.2017.05.012.
    » https://doi.org/10.1016/j.hrthm.2017.05.012
  • 4
    Fink T, Schlüter M, Heeger CH, Lemes C, Maurer T, Reissmann B, et al. Stand-Alone Pulmonary Vein Isolation Versus Pulmonary Vein Isolation With Additional Substrate Modification as Index Ablation Procedures in Patients With Persistent and Long-Standing Persistent Atrial Fibrillation: The Randomized Alster-Lost-AF Trial (Ablation at St. Georg Hospital for Long-Standing Persistent Atrial Fibrillation). Circ Arrhythm Electrophysiol. 2017;10(7):e005114. doi: 10.1161/CIRCEP.117.005114.
    » https://doi.org/10.1161/CIRCEP.117.005114
  • 5
    Kuck KH, Brugada J, Fürnkranz A, Metzner A, Ouyang F, Chun KR, et al. Cryoballoon or Radiofrequency Ablation for Paroxysmal Atrial Fibrillation. N Engl J Med. 2016;374(23):2235-45. doi: 10.1056/NEJMoa1602014.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa1602014
  • 6
    Andrade JG, Champagne J, Deyell MW, Essebag V, Lauck S, Morillo C, et al. A randomized clinical trial of early invasive intervention for atrial fibrillation (EARLY-AF) - methods and rationale. Am Heart J. 2018;206:94-104. doi: 10.1016/j.ahj.2018.05.020.
    » https://doi.org/10.1016/j.ahj.2018.05.020
  • 7
    Wazni OM, Dandamudi G, Sood N, Hoyt R, Tyler J, Durrani S, et al. Cryoballoon Ablation as Initial Therapy for Atrial Fibrillation. N Engl J Med. 2021;384(4):316-324. doi: 10.1056/NEJMoa2029554.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa2029554
  • 8
    Boghossian SHC, Barbosa EC, Boghossian E, Rangel L, Benchimol-Barbosa PR, Alcantara ML, et al. Experience in a Brazilian Center with Cryoablation for Electric Isolation of the Pulmonary Veins in Paroxysmal and Persistent Atrial Fibrillation - Preliminary Results in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2020;115(3):528-535. doi: 10.36660/abc.20200320.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20200320
  • 9
    Ouyang F, Antz M, Ernst S, Hachiya H, Mavrakis H, Deger FT, et al. Recovered pulmonary vein conduction as a dominant factor for recurrent atrial tachyarrhythmias after complete circular isolation of the pulmonary veins: lessons from double Lasso technique. Circulation. 2005;111(2):127-35. doi: 10.1161/01.CIR.0000151289.73085.36.
    » https://doi.org/10.1161/01.CIR.0000151289.73085.36
  • 10
    Nolasco RR, Leon-Larios G, Bazzini-Carranza DE, Zavaleta E, Calixto-Vargas O. Reconnection Sites in Redo Ablation after Cryoballoon Pulmonary Vein Isolation in Patients with Paroxysmal Atrial Fibrillation. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(1):100-105.
  • 11
    Godin B, Savoure A, Gardey K, Anselme F. Lessons from radiofrequency redo-procedure after cryoballoon pulmonary vein isolation for paroxysmal atrial fibrillation. Circ J. 2013;77(8):2009-13. doi: 10.1253/circj.cj-13-0046.
    » https://doi.org/10.1253/circj.cj-13-0046
  • 12
    Kettering K, Gramley F. Radiofrequency catheter ablation for redo procedures after pulmonary vein isolation with the cryoballoon technique: Long-term outcome. Herzschrittmacherther Elektrophysiol. 2017;28(2):225-231. doi: 10.1007/s00399-017-0493-3.
    » https://doi.org/10.1007/s00399-017-0493-3
  • Minieditorial referente ao artigo: Locais de Reconexão na Técnica de Reablação após Isolamento das Veias Pulmonares com Criobalão em Pacientes com Fibrilação Atrial Paroxística

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jul 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br