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É POSSÍVEL REOPERAR POR LAPAROSCOPIA AS COMPLICAÇÕES PRECOCES DAS RESSECÇÕES COLORRETAIS LAPAROSCÓPICAS?

RESUMO

Racional:

A realização de procedimentos minimamente invasivos para o manejo de distúrbios colorretais, possibilitou ampliar a indicação de laparoscopia para o manuseio de diversas complicações pós-operatórias precoces e tardias.

Objetivo:

Apresentar a experiência com reoperações laparoscópicas para complicações precoces após ressecções colorretais laparoscópicas.

Métodos:

Foram incluídos pacientes submetidos a ressecções colorretais laparoscópicas que apresentaram complicações cirúrgicas no pós-operatório abordadas por via laparoscópica. Os pacientes selecionados foram aqueles com diagnóstico precoce de complicações, estabilidade hemodinâmica sem distensão abdominal significativa e sem comorbidades clínicas que impedissem o procedimento.

Resultados:

Em quatro anos, nove de 290 (3,1%) pacientes submetidos a ressecções colorretais laparoscópicas foram reabordados pela mesma via de acesso. Havia cinco pacientes do sexo masculino e idade média foi de 40,67 anos. Os diagnósticos de doença primária incluíram adenocarcinoma (n=3), polipose adenomatosa familiar (n=3), colite ulcerativa (n=1), inércia colônica (n=1) e megacólon chagásico (n=1). Os procedimentos iniciais incluíram quatro proctocolectomias totais com anastomose íleo-anal em bolsa ileal; três ressecções anteriores; uma totalização de colectomia total; e uma hemicolectomia direita. A deiscência da anastomose foi a complicação mais comum que resultou em reoperação (n=6). Houve apenas um caso de desfecho desfavorável, com óbito no 40º dia da primeira abordagem após complicações consecutivas. Os demais casos tiveram desfecho favorável.

Conclusão:

Em casos selecionados, o acesso laparoscópico pode representar alternativa de abordagem segura e minimamente invasiva para complicações da ressecção colorretal. No entanto, a reoperação laparoscópica deve ser cuidadosamente selecionada, considerando o tipo de complicação, a condição clínica do paciente e a experiência da equipe cirúrgica.

DESCRITORES:
Laparoscopia; Cirurgia colorretal; Complicações pós-operatórias

ABSTRACT

Background:

Recently, with the performance of minimally invasive procedures for the management of colorectal disorders, it was allowed to extend the indication of laparoscopy in handling various early and late postoperative complications.

Aim:

To present the experience with laparoscopic reoperations for early complications after laparoscopic colorectal resections.

Methods:

Patients undergoing laparoscopic colorectal resections with postoperative surgical complications were included and re-treated laparoscopically. Selection for laparoscopic approach were those cases with early diagnosis of complications, hemodynamic stability without significant abdominal distention and without clinical comorbidities that would preclude the procedure.

Results:

In four years, nine of 290 (3.1%) patients who underwent laparoscopic colorectal resections were re-approached laparoscopically. There were five men. The mean age was 40.67 years. Diagnoses of primary disease included adenocarcinoma (n=3), familial adenomatous polyposis (n=3), ulcerative colitis (n=1), colonic inertia (n=1) and chagasic megacolon (n=1). Initial procedures included four total proctocolectomy with ileal pouch anal anastomosis; three anterior resections; one completion of total colectomy; and one right hemicolectomy. Anastomotic dehiscence was the most common complication that resulted in reoperations (n=6). There was only one case of an unfavorable outcome, with death on the 40th day of the first approach, after consecutive complications. The remaining cases had favorable outcome.

Conclusion:

In selected cases, laparoscopic access may be a safe and minimally invasive approach for complications of colorectal resection. However, laparoscopic reoperation must be cautiously selected, considering the type of complication, patient’s clinical condition and experience of the surgical team.

HEADINGS:
Laparoscopy; Colorectal surgery; Postoperative complications

INTRODUÇÃO

Reoperação é definida como intervenção cirúrgica, precoce ou tardia, destinada a solucionar complicações após procedimento inicial. A reintervenção tardia geralmente ocorre meses ou anos após o procedimento inicial. A reoperação tardia não tem a intenção de corrigir qualquer falha prévia, mas a presença de aderências ou outras dificuldades encontradas, podem representar um desafio para a realização da reintervenção.

No presente trabalho, as reintervenções precoces são classificadas como reoperações, pois visam reparar complicações da operação colorretal inicial. As principais indicações para reoperação em cirurgia colorretal são: deiscência de anastomose, abscesso intra-abdominal ou pélvico, obstrução intestinal, lesão ureteral ou intestinal, sangramento, dentre outras. A deiscência de anastomose é a complicação mais grave devido à sua morbimortalidade. A incidência de formação de estoma após sua ocorrência varia de 10% a 100%, induzindo à longa permanência em unidade de terapia intensiva, sepse grave, infecções de feridas e outras complicações da parede abdominal33 Alberts S, Poston G. OncoSurge: a strategy for long-term survival in metastatic colorectal cancer. Colorectal Dis 2003;5Suppl 3:20-8.,66 Cuccurullo D, Pirozzi F, Sciuto A, Bracale U, La Barbera C, Galante F, Corcione F. Relaparoscopy for management of postoperative complications following colorectal surgery: ten years experience in a single center. SurgEndosc 2015;29:1795-803.,1919 Rullier E, Laurent C, Garrelon JL, Michel P, Saric J, Parneix M. Risk factors for anastomotic leakage after resection of rectal cancer. Br J Surg 1998;85:355-8..

As reoperações, mesmo após procedimentos colorretais laparoscópicos, são tradicionalmente abordadas por via aberta ou laparotômica. Muitos cirurgiões consideram a peritonite uma contraindicação à laparoscopia devido ao aumento do risco de sepse pelo pneumoperitônio, maior risco de lesão de alças intestinais distendidas, melhor visão das estruturas abdominais e melhor irrigação por via aberta99 Gupta A, Watson DI. Effect of laparoscopy on immune function. Br J Surg 2001;88:1296-306.,1616 Pinto RA, Shawki S, Narita K, Weiss EG, Wexner SD. Laparoscopy for recurrent Crohn's disease: how do the results compare with the results for primary Crohn's disease? Colorectal Dis 2011;13:302-7.,2424 Soeters PB, de Zoete JP, Dejong CH, Williams NS, Baeten CG. Colorectal surgery and anastomotic leakage. Dig Surg 2002;19:150-5..

No entanto, outros autores demonstraram em séries de casos a viabilidade e os benefícios da abordagem laparoscópica para complicações precoces, mostrando riscos menores de complicações da parede abdominal e melhor recuperação pós-operatória após procedimento minimamente invasivo1414 Novitsky YW, Litwin DE, Callery MP. The net immunologic advantage of laparoscopic surgery. SurgEndosc 2004;18:1411-9.,2020 Sauerland S. Early versus delayed-interval laparoscopic cholecystectomy for acute cholecystitis: a metaanalysis. SurgEndosc 2006;20:1780-1; author reply 4..

As vantagens técnicas potenciais da laparoscopia para reoperação incluem o fato de que os trocárteres podem ser reinseridos na cavidade abdominal e o pneumoperitônio obtido de maneira aberta para reduzir o risco de lesão intestinal. A reoperação, por outro lado, precisa ser o mais breve possível, para evitar contaminação e distensão intestinal. A indicação cirúrgica tardia da reoperação pode impedir a abordagem laparoscópica devido à contaminação grosseira, distensão intestinal difusa e aderências. A experiência do cirurgião na via laparoscópica é outro fator importante, pois cirurgiões inexperientes podem aumentar o risco de lesões inadvertidas, que podem aumentar a morbimortalidade do procedimento.

Recentemente, o aumento da experiência com procedimentos colorretais minimamente invasivos proporcionou a extensão de sua indicação para as complicações precoces e tardias após estes procedimentos. No entanto, existe falta de evidência científica na literatura com esta via de acesso para reoperação, que respalde a hipótese de que a laparoscopia é tão segura quanto ou melhor que a laparotomia.

O objetivo deste estudo foi apresentar a experiência com reoperações laparoscópicas para complicações precoces após ressecções colorretais laparoscópicas e comparar com pacientes abordados convencionalmente.

MÉTODO

Pacientes

Após a aprovação do comitê de ética médica institucional (número 9076078), foi realizada avaliação retrospectiva de um banco de dados coletado prospectivamente de pacientes submetidos a ressecções laparoscópicas colorretais. Aqueles com complicações pós-operatórias precoces abordadas laparoscopicamente foram eleitos para o estudo. Os critérios de inclusão para laparoscopia (grupo laparoscopia) foram: diagnóstico precoce, estabilidade hemodinâmica, sem distensão abdominal significativa, sem comorbidades significativas que impossibilitassem o procedimento por laparoscopia. Um grupo de pacientes submetidos à reoperação laparotômica (grupo aberto) foi utilizado para comparação com grupo laparoscopia.

Técnica operatória para reoperação laparoscópica

Os pacientes eram submetidos à anestesia geral, com sonda nasogástrica e pernas abertas. Os pontos cutâneos e aponeuróticos foram removidos e o primeiro trocarte umbilical inserido sem corte sob visão direta no interior da cavidade abdominal. O pneumoperitônio foi feito lentamente para evitar danos e a óptica foi inserida através do trocarte para diagnóstico laparoscópico. Se não houvesse distensão abdominal importante ou contaminação grosseira que impedisse o procedimento laparoscópico, outras 2-3 incisões anteriores dos trocárteres foram reutilizadas para inserir novos e executar o procedimento.

O procedimento consistiu em identificar o problema, examinando todo o intestino delgado e grosso e resolver o mais rápido possível, seguido de lavagem da cavidade com solução salina e drenagem. Ileostomia em alça e a reabertura do Pfannenstiel foram realizadas somente sob demanda. Áreas de deiscência parcial da anastomose foram suturadas, se possível; caso contrário, a região da deiscência era bem drenada e sempre era realizada lavagem do reto distal com solução salina sob visão laparoscópica para evitar contaminação grosseira posteriormente. Ao final, os trocárteres eram removidos sob visão direta, as incisões fechadas e o paciente mantido em unidade de terapia intensiva.

Parâmetros analisados

Os parâmetros pré-operatórios revisados ​​foram idade, gênero, doença primária e tipo de complicação para indicação cirúrgica. Os parâmetros operatórios incluíram tempo operatório em minutos e construção do estoma. Os parâmetros pós-operatórios foram tempo de internação em dias e mortalidade.

Análise estatística

O SPSS 20.0® foi utilizado para comparação dos dados. Os dados descritivos foram expressos como média±erro-padrão da média ou como número de pacientes e porcentagem. O teste t não pareado foi aplicado para a análise de dados quantitativos comuns e o teste z proporcional para a análise de eventos positivos quantitativos. A significância estatística foi indicada quando o valor de p foi menor que 0,05.

RESULTADOS

Nove dos 290 (3,1%) pacientes submetidos às ressecções colorretais laparoscópicas foram reabordados por laparoscopia e incluídos no estudo. No mesmo período, 15 (5,17%) foram submetidos à reoperação aberta após ressecções colorretais laparoscópicas e foram utilizados como grupo controle.

A idade média para o grupo laparoscopia foi de 40,67 (±13,1) anos e a proporção de homens/mulheres foi comparável (cinco homens e quatro mulheres). O grupo aberto apresentou idade média de 63,7 (±10,65) anos e a mesma proporção de gênero (oito homens e sete mulheres).

A doença primária no grupo laparoscopia foi adenocarcinoma colorretal (44,4%), seguida por polipose adenomatosa familiar (33,3%), retocolite ulceratica idiopática (11,1%), inércia colônica (11,1%) e megacólon chagásico (11,1%). O grupo aberto teve 10 (66,7%) pacientes com adenocarcinoma, três (20%) com adenoma, um (6,7%) com megacólon chagásico e um (6,7%) com polipose adenomatosa familiar. Os procedimentos iniciais e o motivo da reoperação estão descritos na Tabela 1.

Dos procedimentos realizados durante as reoperações no cólon, sete utilizaram apenas os trocárteres anteriores sem necessidade reabertura da incisão auxiliar de Pfannenstiel para ajudar a lavar a cavidade abdominal, o ponto de deiscência da sutura, a drenagem e a exteriorização do estoma de proteção. Duas reoperações exigiram reabertura da incisão prévia para lavar a cavidade abdominal e exteriorização da colostomia terminal em um caso e sutura de lesão inadvertida no íleo terminal em outro caso. Os resultados pós-operatórios foram satisfatórios após a reoperação em oito pacientes, que tiveram permanência hospitalar total média de 14,6 dias e 9,9 dias após a reoperação. Um deles teve resultado adverso após a primeira reoperação laparoscópica, reoperada quatro vezes por laparotomia, vindo a falecer por infecção do sítio cirúrgico abdominal 40 dias após o primeiro procedimento, que havia sido ressecção anterior por carcinoma do reto. O tempo cirúrgico médio para o grupo de laparoscopia foi de 56,4 min (±9,15).

TABELA 1
Procedimentos iniciais e motivos da reoperação

As reoperações abertas foram realizadas através de uma incisão trans-umbilical na linha média para realizar os procedimentos necessários como, lavar a cavidade abdominal e realizar um estoma quando necessário. Os dados comparativos do intra- e pós-operatório estão descritos na Tabela 2.

TABELA 2
Dados operatórios e pós-operatórios

DISCUSSÃO

A morbidade operatória relacionada à ressecção laparoscópica colorretal varia na literatura de 20-40%1313 Marano A, Giuffrida MC, Giraudo G, Pellegrino L, Borghi F. Management of Peritonitis After Minimally Invasive Colorectal Surgery: Can We Stick to Laparoscopy? J LaparoendoscAdvSurg Tech A. 2017 Apr;27(4):342-347.,1515 O'Riordan JM, Larkin JO, Mehigan BJ, McCormick PH. Re-laparoscopy in the diagnosis and treatment of postoperative complications following laparoscopic colorectal surgery. Surgeon 2013;11:183-6.,1818 Rotholtz NA, Laporte M, Lencinas SM, Bun ME, Aued ML, Mezzadri NA. Is a laparoscopic approach useful for treating complications after primary laparoscopic colorectal surgery? Dis Colon Rectum 2009;52:275-9.,2222 Schwenk W, Haase O, Neudecker J, Müller JM. Short term benefits for laparoscopic colorectal resection. Cochrane Database Syst Rev 2005:CD003145.,2525 Tekkis PP, Senagore AJ, Delaney CP. Conversion rates in laparoscopic colorectal surgery: a predictive model with, 1253 patients. SurgEndosc 2005;19:47-54.. Estudos anteriores com cirurgia gástrica e colecistectomias demonstraram os benefícios da abordagem laparoscópica, bem como a abordagem laparoscópica tardia após operação laparotômica, também demonstraram segurança e efetividade em outros cenários1313 Marano A, Giuffrida MC, Giraudo G, Pellegrino L, Borghi F. Management of Peritonitis After Minimally Invasive Colorectal Surgery: Can We Stick to Laparoscopy? J LaparoendoscAdvSurg Tech A. 2017 Apr;27(4):342-347.,1717 Rosin D, Zmora O, Khaikin M, Bar Zakai B, Ayalon A, Shabtai M. Laparoscopic management of surgical complications after a recent laparotomy. SurgEndosc 2004;18:994-6.,2121 Schiedeck TH, Schwandner O, Baca I, Baehrlehner E, Konradt J, Köckerling F, Kuthe A, Buerk C, Herold A, Bruch HP. Laparoscopic surgery for the cure of colorectal cancer: results of a German five-center study. Dis Colon Rectum 2000;43:1-8.,2323 Sher ME, Agachan F, Bortul M, Nogueras JJ, Weiss EG, Wexner SD. Laparoscopic surgery for diverticulitis. SurgEndosc1997;11:264-7..

A principal vantagem do acesso laparoscópico para reoperação é o fato de que, apesar da existência de uma complicação, o paciente ainda se beneficia do acesso minimamente invasivo2020 Sauerland S. Early versus delayed-interval laparoscopic cholecystectomy for acute cholecystitis: a metaanalysis. SurgEndosc 2006;20:1780-1; author reply 4..

O presente estudo mostra que a reoperação laparoscópica para complicações precoces após a ressecção colorretal laparoscópica é efetiva e pode ser segura em relação à conversão, morbidade perioperatória, tempo operatório e preservação da parede abdominal para a necessidade de novas incisões futuras.

A crescente experiência da cirurgia laparoscópica em situações de urgência e emergência permite a abordagem de pacientes críticos, mesmo na presença de peritonite. A reoperação por deiscência de anastomose colorretal é geralmente abordada de maneira convencional, principalmente devido à distensão intestinal que pode limitar a visão do cirurgião, aumentando o risco de lesão inadvertida. Sauerland et al.2020 Sauerland S. Early versus delayed-interval laparoscopic cholecystectomy for acute cholecystitis: a metaanalysis. SurgEndosc 2006;20:1780-1; author reply 4. observaram que cirurgiões treinados e experientes podem atingir acurácia diagnóstica e terapêutica superior a 90%1818 Rotholtz NA, Laporte M, Lencinas SM, Bun ME, Aued ML, Mezzadri NA. Is a laparoscopic approach useful for treating complications after primary laparoscopic colorectal surgery? Dis Colon Rectum 2009;52:275-9.. Comparada à cirurgia convencional, a laparoscopia tem a vantagem de atingir todas as áreas do abdome com a óptica, o que às vezes não pode ser feito por laparotomia.

A reoperação precoce tem a vantagem da introdução do trocarte diretamente através de incisões prévias não cicatrizadas para obter pneumoperitônio aberto, como mostrado anteriormente por Wind et al. e realizado em nossos casos1010 Hasson HM. A modified instrument and method for laparoscopy. Am J ObstetGynecol 1971;110:886-7.,2727 Wind J, Hofland J, Preckel B, et al. Perioperative strategy in colonic surgery; LAparoscopy and/or FAst track multimodal management versus standard care (LAFA trial). BMC Surg 2006;6:16.. Essa técnica minimiza o risco de lesões intestinais, mesmo em pacientes com distensão intestinal.

A recuperação após cirurgia colorretal laparoscópica tende a ocorrer mais cedo em comparação à abordagem convencional11 Abraham NS, Young JM, Solomon MJ. Meta-analysis of short-term outcomes after laparoscopic resection for colorectal cancer. Br J Surg 2004;91:1111-24.,2626 Vennix S, Abegg R, Bakker OJ, et al. Surgical re-interventions following colorectal surgery: open versus laparoscopic management of anastomotic leakage. J LaparoendoscAdvSurg Tech A. 2013;23(9):739-44.. Deve-se suspeitar de deiscência de anastomose nos casos em que o paciente apresenta evidências clínicas de sepse associada à ingestão oral deficiente com inapetência prolongada.

Assim, a segunda intervenção tende a ser mais precoce na cirurgia laparoscópica, sendo ainda uma ferramenta diagnóstica eficaz para o tratamento de complicações, minimizando a morbidade para o paciente. A reoperação precoce minimiza o risco de septicemia e peritonite generalizada. Por outro lado, sepse peritoneal crônica com infiltração e fibrina na cavidade peritoneal pode ser um obstáculo para o acesso laparoscópico.

Durante o desenvolvimento da abordagem laparoscópica, alguns estudos enfatizaram os efeitos adversos do pneumoperitônio na contaminação peritoneal, alegando que o aumento da pressão intra-abdominal resultaria em toxemia e sepse88 Evasovich MR, Clark TC, Horattas MC, Holda S, Treen L. Does pneumoperitoneum during laparoscopy increase bacterial translocation? SurgEndosc 1996;10:1176-9.. Novos estudos, no entanto, descobriram que a laparotomia alterava a resposta imune, modificando os níveis de citocinas circulantes, prejudicando a resposta celular. Além disso, a função dos macrófagos é melhor preservada pela laparoscopia. Outros autores também sugerem que a laparoscopia pode ser benéfica no tratamento da sepse intra-abdominal, resultando em menor morbidade e sepse pós-operatória99 Gupta A, Watson DI. Effect of laparoscopy on immune function. Br J Surg 2001;88:1296-306.,1414 Novitsky YW, Litwin DE, Callery MP. The net immunologic advantage of laparoscopic surgery. SurgEndosc 2004;18:1411-9.. Outra vantagem da abordagem laparoscópica, não apenas para reintervenção, são as menores complicações da parede abdominal, como evisceração, infecção da ferida e hérnias incisionais.

Dois estudos anteriores compararam a reintervenção laparoscópica e aberta. Wind et al.2727 Wind J, Hofland J, Preckel B, et al. Perioperative strategy in colonic surgery; LAparoscopy and/or FAst track multimodal management versus standard care (LAFA trial). BMC Surg 2006;6:16. comparando 10 pacientes reoperados por laparoscopia com 15 abordados convencionalmente, encontraram benefícios favorecendo a laparoscopia, como menor tempo de internação hospitalar e menor necessidade de unidade de terapia intensiva no pós-operatório. Rotholtz et al.1818 Rotholtz NA, Laporte M, Lencinas SM, Bun ME, Aued ML, Mezzadri NA. Is a laparoscopic approach useful for treating complications after primary laparoscopic colorectal surgery? Dis Colon Rectum 2009;52:275-9., que compararam 17 pacientes reoperados por laparoscopia e 10 por abordagem convencional, não encontraram diferenças estatísticas devido à pequena amostra, apesar da tendência à redução da permanência hospitalar nos pacientes laparoscópicos. Vale ressaltar que ambas as séries foram retrospectivas e que os casos foram previamente selecionados para cada tipo de abordagem. Neste estudo, houve seleção de pacientes com diagnóstico precoce, estabilidade hemodinâmica, sem distensão abdominal significativa, sem comorbidades significativas para a reoperação laparoscópica, o que poderia ser um viés de seleção para os melhores resultados obtidos nesse grupo de pacientes.

Uma das complicações mais frequentes da cirurgia colorretal é a deiscência de anastomose, com incidência variando de 1 a 30%, com valores ideais entre 2 e 5% 22 Agresta F, De Simone P, Bedin N. The laparoscopic approach in abdominal emergencies: a single-center 10-year experience. JSLS 2004;8:25-30.,66 Cuccurullo D, Pirozzi F, Sciuto A, Bracale U, La Barbera C, Galante F, Corcione F. Relaparoscopy for management of postoperative complications following colorectal surgery: ten years experience in a single center. SurgEndosc 2015;29:1795-803.,1111 Iqbal A, Awad Z, Simkins J, Shah R, Haider M, Salinas V, Turaga K, Karu A, Mittal SK, Filipi CJ. Repair of 104 failed anti-reflux operations. Ann Surg 2006;244:42-51.,1515 O'Riordan JM, Larkin JO, Mehigan BJ, McCormick PH. Re-laparoscopy in the diagnosis and treatment of postoperative complications following laparoscopic colorectal surgery. Surgeon 2013;11:183-6.,1919 Rullier E, Laurent C, Garrelon JL, Michel P, Saric J, Parneix M. Risk factors for anastomotic leakage after resection of rectal cancer. Br J Surg 1998;85:355-8.. A mortalidade associada a essa complicação varia de 25 a 50%. No presente estudo, como em estudos semelhantes publicados anteriormente, a deiscência anastomótica foi a indicação de reoperação mais comum (66,7%). Nos casos de cólon anastomosado viável e um pequeno ponto de deiscência, compreendendo 25% ou menos da anastomose, era preferido lavar a cavidade abdominal associado a pontos de reparo local, drenagem e ileostomia protetora. Se a deiscência tivesse proporções mais altas ou houvesse dúvida na vitalidade anastomótica, a opção era desfazer a anastomose e exteriorizar um estoma terminal, além dos procedimentos descritos anteriormente. Recentemente, Kwak et al.1212 Kwak HD, Kim SH, Kang DW, Baek SJ, Kwak JM, Kim J. Risk Factors and Oncologic Outcomes of Anastomosis Leakage After Laparoscopic Right Colectomy. SurgLaparoscEndoscPercutan Tech 2017;27:440-4. estudaram a reoperação por deiscência de anastomose no câncer colorretal em 72 pacientes, onde 26 deles optaram pela laparoscopia. Os únicos dados estatisticamente significativos que favorecem a abordagem laparoscópica foram os menores índices de infecções de ferida (3,8% vs. 25,8%, p=0,0031). Outros dados, como internação hospitalar e complicações gerais, foram semelhantes entre os grupos. Houve tendência à ingestão oral mais precoce em pacientes reoperados por laparoscopia (5 vs. 6 dias, p=0,057). Da mesma forma, o presente estudo teve hospitalização e morbidade pós-operatória comparáveis entre os dois grupos, embora a mortalidade no grupo laparoscópico tenha alcançado significância estatística devido ao número de pacientes. Além disso, o tempo cirúrgico foi significativamente menor no grupo laparoscópico, provavelmente devido à maneira mais rápida de chegar ao problema e ao maior tempo para fechar a parede abdominal no grupo aberto.

Este estudo apresenta várias limitações. É uma série de casos de complicações precoces de ressecções colorretais laparoscópicas reoperadas pela mesma abordagem em um único centro, analisada retrospectivamente. A ausência de um grupo controle adequado para comparação não permite conclusões consistentes. Por outro lado, a literatura sobre esse tópico específico ainda é muito inconsistente, também incluindo séries de casos retrospectivas e número limitado de pacientes. Seriam necessários novos estudos comparativos prospectivos entre reoperação laparotômica e laparoscópica, preferencialmente multicêntrica e aleatória, para confirmar os resultados favoráveis ​​encontrados até o momento.

CONCLUSÃO

Este estudo preliminar sugere que, em casos selecionados, o acesso laparoscópico pode ser abordagem segura e minimamente invasiva para complicações da ressecção colorretal. No entanto, a reoperação laparoscópica deve ser escolhida com cautela, considerando o tipo de complicação, o quadro clínico do paciente e a experiência da equipe cirúrgica.

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  • Fonte de financiamento:

    não há

  • Dados operatórios e pós-operatórios
  • Mensagem central

    Reoperação laparoscópica deve ser utilizado em casos selecionados. O tipo de complicação, a condição clínica do paciente e a experiência da equipe cirúrgica são os fatores a considerar.
  • Perspective

    Our experience in laparoscopic reoperations for early complications after laparoscopic colorectal resections

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2019
  • Aceito
    23 Out 2019
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