Síndrome do câncer gástrico hereditário difuso: abordagem cirúrgica radical laparoscópica associada a mutação rara do gene CDH1

INTRODUÇÃO

O câncer gástrico configura entre as cinco neoplasias mais prevalentes no Brasil. Para o ano de 2014, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), foram esperados 20.390 casos novos com 13.328 mortes pela doença³.

Apesar da identificação de fatores de risco para a ocorrência da neoplasia¹, aproximadamente 80% dos casos são esporádicos e não associados a fatores de risco. Menos frequente ainda, são os casos hereditários e associados à mutação do gene CDH 1, determinando a ocorrência da Síndrome do Câncer Gástrico Hereditário Difuso. Ela corresponde até 3% dos casos de neoplasias gástricas diagnosticadas^7,10.

Pacientes portadores de mutação do gene CDH1 têm apresentado neoplasias gástricas com prognóstico mais adverso, como a presença de células em anel de sinete, tumores pouco diferenciados e padrão histológico difuso, tornando também importante a identificação de famílias portadoras de alterações cromossômicas do gene e determinantes da síndrome para permitir o diagnóstico mais precoce e o tratamento preventivo^7,10.

Quanto ao tratamento cirúrgico do câncer gástrico hereditário ou não, a laparoscopia têm demonstrado resultados oncológicos semelhantes à abordagem laparotômica, além de menor morbidade, com os pacientes retornando mais precocemente a suas atividades laborais⁴.

O presente estudo tem objetivo relatar um caso diagnosticado clínica e geneticamente, com tratamento feito através de gastrectomia radical videolaparoscópica.

RELATO DO CASO

Homem de 33 anos foi admitido em julho de 2012 no serviço de Cirurgia Geral do Hospital da Policia Militar do Paraná, assintomático e sem comorbidades, mas com história familiar positiva para câncer gástrico ao relatar dois parentes de primeiro grau com diagnóstico da neoplasia, um deles com idade inferior a 50 anos ao diagnóstico (Figura 1A). Após a realização da endoscopia (Figura 1B), foi identificada lesão ulcerada em corpo gástrico com anatomopatológico positivo para adenocarcinoma com padrão histológico de células em anel de sinete (Figura 1C).

Figura 1.
A) Heredograma demonstrando três casos de câncer gástrico em três gerações da mesma família; B) videoendoscopia demonstrando lesão ulcerada gástrica; C) adenocarcinoma gástrico (H & E

O estadiamento não demonstrou doença avançada localmente ou metastática. O paciente foi submetido à gastrectomia radical laparoscópica com derivação em Y-de-Roux e linfadenectomia a D2. O anatomopatológico da peca cirúrgica demonstrou a presença de adenocarcinoma pouco diferenciado, padrão difuso, com células em anel de sinete, margens cirúrgicas livres e nenhum linfonodo comprometido histologicamente em 29 dissecados.

Após a operação, mediante a análise do heredograma, havia critérios para o diagnóstico da síndrome, segundo diretrizes do International Gastric Cancer Linkage Consortium, quando então foi coletado o sangue e realizada a pesquisa de mutação do gene CDH 1. Ele foi analisado por técnica de reação da polimerase em cadeia (PCR) com posterior sequenciamento bidirecional de todos os éxons codificantes e das junções intron-éxons do gene CDH1. Foi identificada deleção em heterozigose de dois pares de bases nos nucleotídeos 1763-1764, resultando em mutação frameshift no códon 588 (c.1763-176delTG; pVal588Glufs*2) no gene CDH1.

DISCUSSÃO

Esta síndrome acomete indivíduos da mesma família e com idade jovem ao diagnóstico^7,10. É definida pela presença de mutações germinativas do gene CDH1, adquiridas por transmissão autossômica dominante, atingindo índices de penetrância de até 80% para ambos os sexos^4,7,10.

O gene CDH1 está localizado no gene 16p22.1. É composto por 16 exons que codificam uma proteína transmembrana denominada E-cadherina. Ela mantém as células unidas mediantes domínios intra e extracelulares que se comunicam com as células vizinhas através de outras proteínas chamadas catetinas⁴.

As alterações genéticas detectadas no gene CDH1 são: mutações, mutações frameshift e deleções. As mutações estão mais relacionadas com a ocorrência da síndrome do câncer gástrico hereditário difuso, sendo o códon 1003, localizado no exon 7 o sítio mais frequente das mutações. No presente estudo, foi detectada uma mutação frameshift no códon 588, sendo a primeira deste tipo a ser descrita na literatura mundial. O real impacto desta mutação no fenótipo é desconhecido^6,7.

Os critérios de diagnóstico clínico são estabelecidos pela "International Gastric Cancer Linkage Consortium" que define como sendo a presença de dois ou mais casos de câncer gástrico difuso em parentes de primeiro ou segundo grau sendo um deles diagnosticado antes dos 50 anos , ou três ou mais casos de câncer gástrico difuso diagnosticados em parentes de primeiro ou segundo grau, independentemente da idade^7,10.

Uma vez estabelecido o diagnóstico clínico e genético da síndrome, torna-se importante estender a pesquisa para os familiares diretos, e nas mulheres rastreá-las para o carcinoma lobular de mama. Outras síndromes podem estar presentes ao diagnóstico, como: câncer colorretal não polipóide, síndrome de Li-Fraumeni, polipose adenomatosa familiar, Peutz-Jeghers e síndrome de Cowden⁵.

O prognóstico é dependente do diagnóstico precoce e da indicação de gastrectomia total ainda na ausência de doença invasiva ao diagnóstico^7,9,10.

A gastrectomia total é a forma mais eficiente de eliminar o risco de vir a desenvolver o câncer gástrico, incluindo como limite cirúrgico proximal a ressecção ao longo do esôfago distal e assim eliminando qualquer risco de permanência de tecido da mucosa residual da cárdia^9,10.

A vigilância endoscópica é conduta de risco aos pacientes, considerando-se os elevados índices de penetrância do gene, como também a tendência a multifocalidade das células neoplásicas e por vezes, em estágios mais iniciais, a apresentação morfológica neoplásica abaixo da mucosa. O padrão histológico difuso também acarreta pior prognóstico devido a maior frequência de linfonodos histologicamente positivos e implantes peritoneais^6,9,10.

Somente nos pacientes que se recusam ao tratamento cirúrgico, indica-se o seguimento com endoscopias digestivas seriadas, acrescentadas de cromoscopia e imunoistoquímica nas biópsias, visando respectivamente, a maior detecção do câncer gástrico precoce e de células em anel de sinete⁶.

Norton et. al.⁸, demonstraram a ocorrência precoce de neoplasia gástrica associada à síndrome, ao indicar precocemente a gastrectomia radical em seis pacientes. Em todos os espécimes cirúrgicos havia adenocarcinoma multifocal, invasor e em padrão histológico de anel de sinete nas mucosas analisadas.

Apesar dos riscos do procedimento cirúrgico, como fistulas, infecções, deiscências e complicações anestésicas podendo atingir até 22% de morbidade e 4% de mortalidade, os benefícios da operação precoce, são superiores aos promovidos pela vigilância endoscópica seriada ou o diagnóstico da neoplasia em pacientes sintomáticos. A laparoscopia torna-se a principal via de abordagem cirúrgica, uma vez que a síndrome predomina em pacientes jovens e a identificação precoce dela permite a oferta de operação profilática na ausência de doença avançada, com a recuperação cirúrgica mais rápida e retorno mais precoce às atividades diárias^2,10.

REFERENCES

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  Bracale U., Pignata G, Lirici MM., et AL. Laparoscopic gastrectomies for cancer: The ACOI-IHTSC nationalguidelines. Minimally Invasive Therapy. 2012; Early Online, 1-7
• ³
  Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Disponível em:<http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/estomago Acesso em janeiro de 2014.
  » http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/estomago
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  Chen K, Xu XW, Mou YP, Pan Y, Zhou YC, Zhang RC, Wu D. Systematic Review and meta-analysis of laparoscopic and open gastrectomy for advanced gastric cancer. World J Surg Oncol. 2013;11:182.
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  Fitzgerald RC, Hardwick R, Huntsman D, Carneiro F, Guilford P, Blair V, Chung DC, Norton J, Ragunath K, Van Krieken JH, Dwerryhouse S, Caldas C; International Gastric Cancer Linkage Consortium. Hereditary diffuse gastric cancer: updated consensus guidelines for clinical management and directions for future research. J Med Genet. 2010 Jul;47(7):436-44.
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• ⁷
  Matsukuma KE, Mullins FM, Dietz L, Zehnder JL, Ford JM, Chun NM,Schrijver I. Hereditary diffuse gastric cancer due to a previously undescribed CDH1 splice site mutation. Hum Pathol. 2010;41:1200-3.
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  Norton JA, Ham CM, Van Dam J, Jeffrey RB, Longacre TA, Huntsman DG, Chun N, Kurian AW, Ford JM. CDH1 truncating mutations in the E-cadherin gene: an indication for total gastrectomy to treat hereditary diffuse gastric cancer. Ann Surg. 2007 Jun;245(6):873-9.
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• ¹⁰
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• Fonte de financiamento: não há

• Errata

  No artigo “SÍNDROME DO CÂNCER GÁSTRICO HEREDITÁRIO DIFUSO: ABORDAGEM CIRÚRGICA RADICAL LAPAROSCÓPICA ASSOCIADA A MUTAÇÃO RARA DO GENE CDH1”, com o número de DOI: /10.1590/S0102-67202015000200017 publicado no periódico Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, 28(2):149-151, ná pagina 149:
  Onde lia-se:
  Rafaella Higashi
  Leia-se:
  Rafaella Ribas Muratori

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Apr-Jun 2015

Histórico

• Recebido
  08 Maio 2014
• Aceito
  20 Jan 2015