Acessibilidade / Reportar erro

TÉCNICA DO ABANDONO PRIMÁRIO DO SACO HERNIÁRIO (PAS): RESULTADOS PRELIMINARES DE UMA NOVA TÉCNICA NA CIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA DE HÉRNIAS INGUINOESCROTAIS

RESUMO

Racional:

A melhor maneira laparoscópica do reparo de hérnias inguinoescrotais permanece ainda aberta a discussão. O manuseio incorreto do saco herniário pode resultar em danos às estruturas do cordão e resultados pós-operatórios indesejados, como orquite isquêmica ou neuralgia inguinal.

Objetivo:

Descrever uma nova técnica de abordagem minimamente invasiva das hérnias inguinoescrotais e analisar os resultados preliminares de pacientes submetidos ao procedimento.

Métodos:

Foi realizada na série de casos a análise retrospectiva de um banco de dados mantido prospectivamente em pacientes submetidos a reparo minimamente invasivo usando a técnica “abandono primário do saco” (PAS) para hérnias inguinoescrotais. Dados demográficos dos pacientes, bem como variáveis intraoperatórias e resultados pós-operatórios são descritos.

Resultados:

Vinte e seis homens foram submetidos ao procedimento. A idade média foi de 53,8 anos e o índice de massa corpórea de 26,8 kg/m2. Não houve complicações intraoperatórias ou conversão para operação aberta. A duração média da estadia hospitalar foi de um dia. Não foram relatadas infecções de sítio cirúrgico, hematomas ou neuralgia após o procedimento e a presença de seroma ocorreu em dois pacientes. Nenhuma recorrência de hérnia inguinal foi verificada durante média de 21,4 meses.

Conclusão:

A técnica descrita é segura e replicável, apresentando bons resultados pós-operatórios.

DESCRITORES:
Hérnia inguinal; Seroma; Laparoscopia; Hérnia

ABSTRACT

Background:

Laparoscopic best approach of repairing inguinoscrotal hernias are still debatable. Incorrect handling of the distal sac can possibly result in damage to cord structures and negative postoperative outcomes as ischemic orquitis or inguinal neuralgia.

Aim:

To describe a new technique for a minimally invasive approach to inguinoscrotal hernias and to analyze the preliminary results of patients undergoing the procedure.

Methods:

A review of a prospectively maintained database was conducted in patients who underwent minimally invasive repair using the “primary abandon-of-the-sac” (PAS) technique for inguinoscrotal hernias. Patient´s demographics, as well as intraoperative variables and postoperative outcomes were also analyzed.

Results:

Twenty-six male were submitted to this modified procedure. Mean age of the case series was 53.8 years (range 34-77) and body mass index was 26.8 kg/m2 (range 20.8-34.2). There were no intraoperative complications or conversion. Average length of stay was one day. No surgical site infections, pseudo hydrocele or neuralgia were reported after the procedure and two patients presented seroma. No inguinal hernia recurrence was verified during the mean 21.4 months of follow up.

Conclusion:

The described technique is safe, feasible and reproducible, with good postoperative results.

HEADINGS:
Hernia, inguinal; Seroma; Laparoscopy; Hernia

INTRODUÇÃO

O sucesso da abordagem TAPP (pré-peritoneal transabdominal) ou TEP (totalmente extraperitoneal) para hérnias inguinais é evidente. A hernioplastia laparoscópica resultou na recuperação mais precoce das atividades laborais e em menor incidência de infecções de ferida operatória. No entanto, a melhor técnica para reparar grandes hérnias inguinoescrotais e o manejo ideal do saco herniário distal e seus riscos ainda são discutíveis. Danos às estruturas do cordão espermático ou alças herniadas, resultando em seroma, hematoma ou orquite isquêmica não são desprezíveis quando opta-se por dissecção completa do saco herniário, o qual pode se estender profundamente no escroto. Ferzly e Kiel77 Ferzli GS, Kiel T. The role of the endoscopic extraperitoneal approach in large inguinal scrotal hernias. Surg Endosc. 1997 Mar;11(3):299-302. descreveram pela primeira vez abordagem extraperitoneal para reparo de grandes hérnias inguinoescrotais em 17 pacientes com resultados aceitáveis ​​em 1996, sem recorrência. Em 2000, Liebl et al1212 Leibl BJ, Schmedt CG, Kraft K, Ulrich M, Bittner R. Scrotal hernias: a contraindication for an endoscopic procedure? Results of a single-institution experience in transabdominal preperitoneal repair. Surg Endosc. 2000 Mar;14(3):289-92. reportaram uma técnica pré-peritoneal transabdominal para discussão sobre a eficiência e as complicações do tratamento laparoscópico das mesmas hérnias inguinoescrotais. Desde então, as diretrizes para o tratamento laparoscópico das hérnias inguinais descrevem que abordagens minimamente invasivas são possíveis opções terapêuticas também nas hérnias inguinoscrotais22 Bittner R, Arregui ME, Bisgaard T, Dudai M, Ferzli GS, Fitzgibbons RJ, Fortelny RH, Klinge U, Kockerling F, Kuhry E, Kukleta J, Lomanto D, Misra MC, Montgomery A, Morales-Conde S, Reinpold W, Rosenberg J, Sauerland S, Schug-Pass C, Singh K, Timoney M, Weyhe D, Chowbey P. Guidelines for laparoscopic (TAPP) and endoscopic (TEP) treatment of inguinal hernia [International Endohernia Society(IEHS)]. Surg Endosc. 2011 Sep;25(9):2773-843.. Devido a um número relativamente baixo de casos e sua menor incidência, a literatura atual carece de estudo comparativo em larga escala nesses casos.

Trakarnsagna et al1818 Trakarnsagna A, Chinswangwatanakul V, Methasate A, Swangsri J, Phalanusitthepha C, Parakonthun T, Taweerutchana V, Akaraviputh T. Giant inguinal hernia: Report of a case and reviews of surgical techniques. Int J Surg Case Rep. 2014;5(11):868-72. sugeriram classificação de hérnias inguinoescrotais gigantes, classificando os casos em três tipos de estratificação com base no comprimento da hérnia adentrando o escroto. De acordo com a sua classificação, quanto maior a extensão distal o saco estiver abaixo do meio da coxa, menor a probabilidade de sua correção através de hernioplastia associada à redução forçada do conteúdo herniado para cavidade abdominal. Isso principalmente é devido ao controle indevido da pressão intra-abdominal nos casos mais distais. Na hérnia tipo I, a opção por redução forçada do conteúdo herniário associado à hernioplastia se faz possível.

O objetivo deste estudo é descrever nova abordagem TAPP minimamente invasiva para o tratamento de hérnias inguinoescrotais, apresentando maneira segura e replicável para superar as dificuldades do manuseio do saco herniário distal.

MÉTODOS

A aprovação da pesquisa foi feita pelo do Comitê de Ética do hospital.

Desenho do estudo

Revisão de um banco de dados mantido prospectivamente foi realizada de janeiro de 2014 a fevereiro de 2019 em pacientes submetidos à técnica de PAS (abandono primário do saco herniário - Primary Abandon-of-the-Sac) minimamente invasiva para correção de hérnias inguinoescrotais. Um total de 26 homens foram identificados. A todos com indicação de reparo da hérnia inguinoescrotal foi oferecido a técnica minimamente invasiva com abandono primário do saco herniário, a menos que não fossem considerados aptos para procedimento sob anestesia geral. Considerou-se hérnia inguinoescrotal quando o saco herniário distal estendía-se profundamente ao escroto (Figura 1A). Não foram incluídas hérnias gigantes do tipo II ou III de acordo com a classificação de Trakarnsagna et al1818 Trakarnsagna A, Chinswangwatanakul V, Methasate A, Swangsri J, Phalanusitthepha C, Parakonthun T, Taweerutchana V, Akaraviputh T. Giant inguinal hernia: Report of a case and reviews of surgical techniques. Int J Surg Case Rep. 2014;5(11):868-72..

A técnica descrita a seguir é baseada na maneira como é feita a abordagem do retalho peritoneal e no manuseio do saco herniário. É descrito um guia passo a passo, incluindo também dados demográficos, características de hérnias, variáveis ​​perioperatórias e resultados pós-operatórios precoces e tardios. Todos os pacientes foram atendidos ambulatorialmente entre 8 e 14 dias de pós-operatório pelo mesmo grupo cirúrgico e manteve um banco de dados registrando achados pós-operatório como seroma, hematoma, orquite isquêmica e recorrência (detectados pelo exame físico da região inguinal) e dor (com base no questionamento pessoal e na escala de classificação numérica).

FIGURA 1
Visões da hérnia inguinoescrotal esquerda: A) externa; B) laparoscópica

Preparação do paciente e colocação de trocárteres

Sob anestesia geral, o paciente era posicionado em decúbito dorsal, com os braços próximos ao tronco. Uma sonda de Foley era inserida e a profilaxia antibiótica, rotineiramente utilizada, consistiu na administração de 1 g de cefazolina por via endovenosa na indução anestésica. Sempre que possível, a redução forçada do conteúdo herniário era realizada. O cirurgião era colocado lateralmente ao paciente, contralateral ao defeito a ser reparado. Era feita uma pequena incisão infraumbilical e o pneumoperitônio era obtido através de punção com agulha de Veress da cavidade e insuflação de dióxido de carbono. Um trocarte de 10 mm era inserido na cavidade abdominal e a seguir inserida a ótica. Dois outros trocárteres de 5 mm eram colocados lateralmente ao umbigo, ligeiramente acima ou abaixo da linha imaginária umbilical.

Abandono primário do saco herniário e considerações técnicas

Uma vez que todos os trocárteres estivessem posicionados corretamente, era feita inspeção mais precisa do defeito herniário, e o conteúdo do saco intraperitoneal era reduzido completamente (Figura 1B). Baseado em dissecção incompleta do saco distal, em formato de um “tapa-olho de pirata” (Figura 2), a abordagem do abandono primário do saco herniário era realizada por um retalho peritoneal dissecado circunferencialmente na borda do anel inguinal interno, deixando a porção distal do saco no canal inguinal e escroto (Figura 3). Após criar essa forma elipsóide ou circular, a dissecção prosseguia na direção medial e lateral, atingindo o ligamento umbilical medial ou mais além da crista ilíaca anterossuperior, respectivamente (Figura 4). Esse retalho criado expõe campo cirúrgico extraperitoneal extenso de maneira simples e rápida, garantindo perfeita visão crítica estabelecida do orifício miopectíneo (Figura 5). Ao abandonar o saco distal de forma circular dentro do canal inguinal, não há necessidade de dissecção das estruturas do cordão espermático profundamente dentro do canal inguinal. Após exposição completa do orifício miopectíneo, eram realizadas as nove etapas descritas por Jorge Daes66 Daes J, Felix E. Critical View of the Myopectineal Orifice. Ann Surg. 2017Jul;266(1):e1-e2.. Resumidamente: 1) identificar e dissecar o tubérculo púbico através da linha média e do ligamento pectíneo; 2) descartar hérnia direta; 3) dissecar pelo menos 2 cm entre o ligamento pectíneo e a bexiga; 4) dissecar entre o pectíneo e a veia ilíaca para identificar o anel femoral e excluir hérnia femoral; 5) dissecar o saco indireto; 6) identificar e reduzir possíveis lipomas do cordão; 7) dissecar o peritônio lateral aos elementos do cordão lateralmente além da espinha ilíaca anterossuperior; 8) realizar a dissecção, afim de proporcionar cobertura completa pela tela e garantir que sua fixação seja bem concluída; 9) colocar a tela somente quando os itens 1 a 8 estiverem concluídos e a hemostasia tiver sido verificada.

FIGURA 2
Esquema da dissecção do retalho peritoneal “olho de pirata”, com a abordagem do abandono primário do saco herniário

FIGURA 3
Dissecção do retalho peritoneal ao redor do defeito herniário de forma anterior e posterior, deixando ambos os planos dissecados em forma elipsóide ou circular

FIGURA 4
Extensão medial e lateral da dissecção do retalho peritoneal: limite medial - ligamento umbilical medial; limite lateral - espinha ilíaca anterossuperior

FIGURA 5
A) Visão do orifício miopectíneo direito após dissecção completa, com destaque para o saco herniário distal abandonado circulado e marcos anatômicos; B) visão final da tela fixada, plana e sem dobras

Quando presentes defeitos herniário diretos associados, preferimos não suturar ou aproximar as suas bordas devido ao risco de lesão neurovascular associada. A tela é colocada cobrindo completamente o orifício miopectíneo sem dobras nas extremidades e sua fixação é realizada com grampos: na porção triangular das fibras da linha alba que se ligam posteriormente à crista púbica inferiormente, borda medial do reto abdominal superomedialmente e parede abdominal lateralmente. Após a colocação adequada da tela, o retalho peritoneal era suturado usando sutura farpada 3-0. Durante essa etapa, a diminuição da pressão do pneumoperitônio para 8-10 mmHg é útil na facilitação para aproximação das bordas do retalho peritoneal. Não era realizada drenagem cirúrgica ou aplicação de selante de fibrina. Os trocárteres eram retirados e o defeito aponeurótico do trocarte umbilical era suturado usando-se Vicryl® 0.

RESULTADOS

Vinte e seis pacientes com hérnia inguinoescrotal foram submetidos à técnica relatada. A idade média foi de 53,8 anos (34-77), com IMC médio de 26,8 kg/m2 (20,8-34,2). As variáveis ​​demográficas e perioperatórias estão na Tabela 1. Nenhum dos pacientes foi convertido para técnica aberta. O tempo médio do procedimento foi de 48,6 min (40,9-142). Não houve complicação intraoperatória, não houve readmissão de emergência por 30 dias, nem mortalidade em 30 dias. O tempo médio de internação foi de um dia. Apenas dois pacientes apresentaram seroma (7,6%). O primeiro referiu abaulamento na região inguinal no 11º dia de pós-operatório, retornando para a consulta agendada, sendo detectado pelo exame físico e confirmado pela ultrassonografia. O tratamento foi realizado por drenagem percutânea guiada por ultrassonografia, com resolução completa e sem recorrência nos 18 meses seguintes. O segundo paciente apresentou-se no 8º dia de pós-operatório sem queixas, mas durante o exame físico, um seroma foi detectado e confirmado por ultrassonografia. O tratamento foi expectante sem punção da área e a tomografia computadorizada subsequente não mostrou anormalidade na área dentro de seis meses após o acompanhamento. Não ocorreu infecção do local cirúrgico, hematoma ou orquite isquêmica. Ao questionar ativamente, nem a neuralgia ou a dor testicular relacionada à operação foram mencionadas. Não houve complicações maiores ou recorrência de hérnia. O período médio de acompanhamento foi de 21,4 meses (6-45).

TABELA 1
Variáveis demográficas e perioperatórias do paciente

DISCUSSÃO

A alta prevalência de hérnias e seu impacto na qualidade de vida configuram ainda um grande problema de saúde. O reparo da hérnia inguinal é a operação mais frequente em cirurgia geral em todo o mundo. A implementação das correções cirúrgicas por laparoscopia teve avanço importante por ter menores complicações da ferida, com menos trauma tecidual e proporcionar recuperação melhor e mais rápida1515 Pedroso LM, DE-Melo RM, DA-Silva NJ Jr. Comparative study of postoperativepain between the lichtenstein and laparoscopy surgical techniques for thetreatment of unilateral primary inguinal hernia. Arq Bras Cir Dig. 2017 Jul-Sep;30(3):173-176.. No entanto, ao tratar de hérnias inguinoescrotais, ainda não há consenso sobre qual é a melhor opção técnica. Os procedimentos minimamente invasivos de TAPP e TEP têm sido considerados possíveis nas hérnias inguinoescrotais atualmente; porém, a literatura permanece ainda escassa22 Bittner R, Arregui ME, Bisgaard T, Dudai M, Ferzli GS, Fitzgibbons RJ, Fortelny RH, Klinge U, Kockerling F, Kuhry E, Kukleta J, Lomanto D, Misra MC, Montgomery A, Morales-Conde S, Reinpold W, Rosenberg J, Sauerland S, Schug-Pass C, Singh K, Timoney M, Weyhe D, Chowbey P. Guidelines for laparoscopic (TAPP) and endoscopic (TEP) treatment of inguinal hernia [International Endohernia Society(IEHS)]. Surg Endosc. 2011 Sep;25(9):2773-843..

O seroma é a complicação pós-operatória mais comum após reparo laparoscópico de hérnia inguinal1313 Li J, Gong W, Liu Q. Intraoperative adjunctive techniques to reduce seroma formation in laparoscopic inguinal hernioplasty: a systematic review. Hernia. 2019 Aug;23(4):723-731.. Metanálise mostrou taxas mais elevadas de seroma no reparo laparoscópico dessas hérnias em comparação às técnicas convencionais (3,6-4,4 vs. 0,5-1,2%)33 Bittner R, Sauerland S, Schmedt CG. Comparison of endoscopic techniques vs Shouldice and other open nonmesh techniques for inguinal hernia repair: a meta-analysis of randomized controlled trials. Surg Endosc. 2005 May;19(5):605-15.,1717 Schmedt CG, Sauerland S, Bittner R. Comparison of endoscopic procedures vs Lichtenstein and other open mesh techniques for inguinal hernia repair: a meta-analysis of randomized controlled trials. Surg Endosc. 2005 Feb;19(2):188-99.. Esta série de casos relata taxa de seroma geral de 7,6%, consistente com os relatórios anteriores para TAPP de 8,0%1010 Kapiris SA, Brough WA, Royston CM, O'Boyle C, Sedman PC. Laparoscopic transabdominal preperitoneal (TAPP) hernia repair. A 7-year two-center experience in 3017patients. Surg Endosc. 2001 Sep;15(9):972-5.. Liebl et al1212 Leibl BJ, Schmedt CG, Kraft K, Ulrich M, Bittner R. Scrotal hernias: a contraindication for an endoscopic procedure? Results of a single-institution experience in transabdominal preperitoneal repair. Surg Endosc. 2000 Mar;14(3):289-92. descreveram 10,5% da ocorrência de seroma no reparo laparoscópico por via TAPP das hérnias escrotais, com taxas mais altas em comparação aos procedimentos de correção puramente inguinais (4,4%). Curiosamente, quando comparado a manipulação e redução completa do saco herniário distal vs. a realização de sua transecção primária quando necessário, resultados não mostraram diferença nas taxas de seroma (10,5 vs. 10,4%). No entanto, quando se optou pela redução completa do saco herniário, o grupo hérnia apresentou maiores taxas de hidrocele, além de atrofia testicular e déficit sensitivo cutâneo. Portanto, é importante reforçar que ao optar pela técnica do abandono primário do saco herniário, sua execução não implica em maiores taxas de seroma ou pseudo-hidrocele; pelo contrário, reduz o tempo de operação e evita complicações como dor crônica1414 Li W, Li Y, Ding L, Xu Q, Chen X, Li S, Lin Y, Xu P, Sun D, Sun Y. A randomized study on laparoscopic total extraperitoneal inguinal hernia repair with hernia sac transection vs complete sac reduction. Surg Endosc. 2019 Dec 9.. Dentre variáveis ​​relacionadas à redução de formação de seroma, a literatura reporta apenas o uso de dreno cirúrgico como significativamente eficaz33 Bittner R, Sauerland S, Schmedt CG. Comparison of endoscopic techniques vs Shouldice and other open nonmesh techniques for inguinal hernia repair: a meta-analysis of randomized controlled trials. Surg Endosc. 2005 May;19(5):605-15..

Bittner44 Bittner R, Schmedt CG, Schwarz J, Kraft K, Leibl BJ. Laparoscopic transperitoneal procedure for routine repair of groin hernia. Br J Surg. 2002 Aug;89(8):1062-6. relatou análise de 440 hérnias escrotais em uma expressiva série de casos com 8.050 reparos por TAPP. A recidiva geral da série foi de 0,7%, porém 2,7% para as hérnias inguinoescrotais. Em termos de recorrência de hérnia, sua apresentação pode ser atribuída a uma variedade de causas. Dissecação incompleta e inadequada do espaço pré-peritoneal para cobertura da prótese, uso de tela excessivamente pequena sem sobreposição adequada do defeito e curva de aprendizado do cirurgião, são possivelmente exemplos. No entanto, ao lidar com grandes defeitos herniários, a fixação insuficiente da tela ou flexão excessiva da prótese pode causar sua migração adentrando ao defeito1111 Kes E, Lange J, Bonjer J, Stoeckart R, Mulder P, Snijders C, Kleinrensink G. Protrusion of prosthetic meshes in repair of inguinal hernias. Surgery. 2004 Feb;135(2):163-70.. Dessa forma, de acordo com Hollinsky88 Hollinsky C, Sandberg S, Koch T, Seidler S. Biomechanical properties of lightweight versus heavyweight meshes for laparoscopic inguinal hernia repair and their impact on recurrence rates. Surg Endosc. 2008 Dec;22(12):2679-85., para o tratamento laparoscópico de grandes hérnias inguinoescrotais recomenda-se o uso de telas com maior rigidez à flexão ou quando optar pelo uso de telas de menor gramatura, realizar a fixação dela de forma categórica além da sobreposição adequada do defeito. Nossa preferência é usar prótese de polipropileno de alta densidade com dimensões mínimas de 15x10 cm, ou maior de acordo com a necessidade do caso, aliada à fixação adequada com grampeamento.

Em nossa opinião, abordagem pré-peritoneal transabdominal para reparo de hérnia inguinoescrotal contempla algumas vantagens. Ela permite de forma minimamente invasiva a observação direta do conteúdo herniário do espaço intraperitoneal, aliada à ampla visão posterior do tamanho do defeito a ser tratado além dos marcos anatômicos e do orifício miopectíneo. Além disso, a técnica de PAS reúne os benefícios da técnica transabdominal laparoscópica à abordagem rápida e segura, preservadora das estruturas do cordão espermático e feixes neurovasculares, independentemente da apresentação da hérnia inguinoescrotal.

Recentemente, a cirurgia robótica tem ganhado notório espaço pela maior destreza e ergonomia aos movimentos do cirurgião, visão tridimensional e possivelmente procedimentos mais precisos e seguros. Seus benefícios em comparação à abordagem laparoscópica já foram bem caracterizados no campo cirúrgico da urologia e ginecologia99 Hussain A, Malik A, Halim MU, Ali AM. The use of robotics in surgery: a review. Int J Clin Pract. 2014 Nov;68(11):1376-82.. Em procedimentos bariátricos também se tem mostrado sua aplicabilidade e bons resultados11 Abdalla RZ, Averbach M, Ribeiro-Junior U, Machado MA, Luca-Filho CR. Robotic abdominal surgery: a Brazilian initial experience. Arq Bras Cir Dig. 2013 Jul-Sep;26(3):190-4.. Uma das maiores preocupações sobre a realização de operação assistida por robótica é o maior custo; no entanto, recentemente a literatura demonstrou não haver diferença estatística significativa quanto a procedimentos robóticos e laparoscópicos para reparo de hérnias inguinais. O reparo robótico da hérnia inguinal por via TAPP teve maior tempo operatório, porém os pacientes passaram menos tempo em recuperação e notaram menor dor no pós-operatório em relação aos submetidos à correção laparoscópica da hérnia inguinal1919 Waite KE, Herman MA, Doyle PJ. Comparison of robotic versus laparoscopic transabdominal preperitoneal (TAPP) inguinal hernia repair. J Robot Surg. 2016 Sep;10(3):239-44.,1616 Pirolla EH, Patriota GP, Pirolla FJC, Ribeiro FPG, Rodrigues MG, Ismail LR, Ruano RM. Inguinal repair via robotic assisted technique: literature review. Arq Bras Cir Dig. 2018 Dec 6;31(4):e1408.. Até procedimentos single-port para correção de hérnia inguinal também foram descritos na plataforma robótica55 Bosi HR, Guimarães JR, Cavazzola LT. Robotic assisted single site for bilateral inguinal hernia repair. Arq Bras Cir Dig. 2016 Apr-Jun;29(2):109-11.. Embora a literatura ainda seja escassa, acreditamos que a cirurgia assistida por robótica possa proporcionar melhores resultados nas hérnias inguinoescrotais, superando as limitações laparoscópicas presentes nos casos de maior complexidade.

A técnica descrita para lidar com a porção distal do saco herniário em grandes hérnias inguinoescrotais tem sido utilizada há mais de 15 anos pelo nosso grupo cirúrgico; no entanto, nenhum dado detalhado e consistente nem avaliação pós-operatória padronizada objetiva havia sido realizada desde então. Uma consistente reorganização do instituto em relação à coleta de dados e procedimentos cirúrgicos padronizados e consultas de rotina permitiram, a partir de então, uma análise posterior consistente e fiel da técnica.

O presente estudo possui algumas limitações. Primeiramente, nossos achados são limitados à experiência de um único grupo cirúrgico. Ainda, tamanho não volumoso da amostra e análise retrospectiva também colaboram para seu viés intrínseco.

Nossos resultados iniciais parecem favoráveis para essa técnica cirúrgica. Deve ser considerada abordagem possível para o reparo de hérnia inguinoescrotal cujas complicações presumíveis podem não valer o risco de extensa dissecção do saco herniário distal. Estudos comparativos adicionais podem elucidar melhor seus reais benefícios.

CONCLUSÃO

A técnica descrita permite o manuseio de grandes sacos herniários, evitando danos importantes às estruturas do cordão espermático e adjacentes ao reparar grandes hérnias inguinoescrotais. É uma maneira segura, replicável e simples de lidar com hérnias inguinoescrotais, mantendo a eficácia e diminuindo o tempo cirúrgico.

REFERENCES

  • 1
    Abdalla RZ, Averbach M, Ribeiro-Junior U, Machado MA, Luca-Filho CR. Robotic abdominal surgery: a Brazilian initial experience. Arq Bras Cir Dig. 2013 Jul-Sep;26(3):190-4.
  • 2
    Bittner R, Arregui ME, Bisgaard T, Dudai M, Ferzli GS, Fitzgibbons RJ, Fortelny RH, Klinge U, Kockerling F, Kuhry E, Kukleta J, Lomanto D, Misra MC, Montgomery A, Morales-Conde S, Reinpold W, Rosenberg J, Sauerland S, Schug-Pass C, Singh K, Timoney M, Weyhe D, Chowbey P. Guidelines for laparoscopic (TAPP) and endoscopic (TEP) treatment of inguinal hernia [International Endohernia Society(IEHS)]. Surg Endosc. 2011 Sep;25(9):2773-843.
  • 3
    Bittner R, Sauerland S, Schmedt CG. Comparison of endoscopic techniques vs Shouldice and other open nonmesh techniques for inguinal hernia repair: a meta-analysis of randomized controlled trials. Surg Endosc. 2005 May;19(5):605-15.
  • 4
    Bittner R, Schmedt CG, Schwarz J, Kraft K, Leibl BJ. Laparoscopic transperitoneal procedure for routine repair of groin hernia. Br J Surg. 2002 Aug;89(8):1062-6.
  • 5
    Bosi HR, Guimarães JR, Cavazzola LT. Robotic assisted single site for bilateral inguinal hernia repair. Arq Bras Cir Dig. 2016 Apr-Jun;29(2):109-11.
  • 6
    Daes J, Felix E. Critical View of the Myopectineal Orifice. Ann Surg. 2017Jul;266(1):e1-e2.
  • 7
    Ferzli GS, Kiel T. The role of the endoscopic extraperitoneal approach in large inguinal scrotal hernias. Surg Endosc. 1997 Mar;11(3):299-302.
  • 8
    Hollinsky C, Sandberg S, Koch T, Seidler S. Biomechanical properties of lightweight versus heavyweight meshes for laparoscopic inguinal hernia repair and their impact on recurrence rates. Surg Endosc. 2008 Dec;22(12):2679-85.
  • 9
    Hussain A, Malik A, Halim MU, Ali AM. The use of robotics in surgery: a review. Int J Clin Pract. 2014 Nov;68(11):1376-82.
  • 10
    Kapiris SA, Brough WA, Royston CM, O'Boyle C, Sedman PC. Laparoscopic transabdominal preperitoneal (TAPP) hernia repair. A 7-year two-center experience in 3017patients. Surg Endosc. 2001 Sep;15(9):972-5.
  • 11
    Kes E, Lange J, Bonjer J, Stoeckart R, Mulder P, Snijders C, Kleinrensink G. Protrusion of prosthetic meshes in repair of inguinal hernias. Surgery. 2004 Feb;135(2):163-70.
  • 12
    Leibl BJ, Schmedt CG, Kraft K, Ulrich M, Bittner R. Scrotal hernias: a contraindication for an endoscopic procedure? Results of a single-institution experience in transabdominal preperitoneal repair. Surg Endosc. 2000 Mar;14(3):289-92.
  • 13
    Li J, Gong W, Liu Q. Intraoperative adjunctive techniques to reduce seroma formation in laparoscopic inguinal hernioplasty: a systematic review. Hernia. 2019 Aug;23(4):723-731.
  • 14
    Li W, Li Y, Ding L, Xu Q, Chen X, Li S, Lin Y, Xu P, Sun D, Sun Y. A randomized study on laparoscopic total extraperitoneal inguinal hernia repair with hernia sac transection vs complete sac reduction. Surg Endosc. 2019 Dec 9.
  • 15
    Pedroso LM, DE-Melo RM, DA-Silva NJ Jr. Comparative study of postoperativepain between the lichtenstein and laparoscopy surgical techniques for thetreatment of unilateral primary inguinal hernia. Arq Bras Cir Dig. 2017 Jul-Sep;30(3):173-176.
  • 16
    Pirolla EH, Patriota GP, Pirolla FJC, Ribeiro FPG, Rodrigues MG, Ismail LR, Ruano RM. Inguinal repair via robotic assisted technique: literature review. Arq Bras Cir Dig. 2018 Dec 6;31(4):e1408.
  • 17
    Schmedt CG, Sauerland S, Bittner R. Comparison of endoscopic procedures vs Lichtenstein and other open mesh techniques for inguinal hernia repair: a meta-analysis of randomized controlled trials. Surg Endosc. 2005 Feb;19(2):188-99.
  • 18
    Trakarnsagna A, Chinswangwatanakul V, Methasate A, Swangsri J, Phalanusitthepha C, Parakonthun T, Taweerutchana V, Akaraviputh T. Giant inguinal hernia: Report of a case and reviews of surgical techniques. Int J Surg Case Rep. 2014;5(11):868-72.
  • 19
    Waite KE, Herman MA, Doyle PJ. Comparison of robotic versus laparoscopic transabdominal preperitoneal (TAPP) inguinal hernia repair. J Robot Surg. 2016 Sep;10(3):239-44.
  • Fonte de financiamento:

    não há

  • Link para vídeo complementar: https://youtu.be/FOlbF58L6ug
  • Mensagem central

    A técnica de abandono primário do saco herniário é procedimento cirúrgico seguro, com bons resultados pós-operatórios no tratamento minimamente invasivo de hérnias inguinoescrotais
  • Perspectiva

    Resultados da série de casos de uma nova abordagem para hérnias inguinoescrotais demonstra de forma preliminar segurança e aplicabilidade da técnica. O procedimento de abandono primário do saco herniário pode reduzir os danos às estruturas do cordão espermático e feixes neurais, permitindo que defeitos mais complexos de hérnia sejam corrigidos por técnica minimamente invasiva, diminuindo as desvantagens pós-operatórias de operação aberta

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2020
  • Aceito
    03 Mar 2020
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com