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EFEITOS NO LONGO PRAZO DA GASTROPLASTIA REDUTORA EM Y-DE-ROUX SOBRE O PESO CORPORAL E COMORBIDADES CLÍNICO METABÓLICAS EM SERVIÇO DE CIRURGIA BARIÁTRICA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

RESUMO

Racional:

Em função do alto grau de falência que se observa no tratamento clínico da obesidade mórbida, observa-se um aumento da procura pela cirurgia bariátrica como alternativa para o controle da obesidade e comorbidades.

Objetivo:

Avaliar a evolução do diabete melito tipo 2, da hipertensão arterial sistêmica e da dislipidemia em pacientes submetidos à gastroplastia redutora em Y-de-Roux no período de pós-operatório tardio.

Métodos:

Análise retrospectiva de 59 pacientes inseridos em programa de cirurgia bariátrica. Foram coletados dados antropométricos (altura e peso corporal) e laboratoriais (LDLc, HDLc, VLDLc, triglicerídeo -TG - e glicose) nos períodos pré e pós-operatório por meio de prontuários médicos.

Resultados:

Entre os pacientes, 86% eram mulheres com idade de 43±11 anos e 52% tinham cursado o ensino médio. O tempo médio de pós-operatório foi de 7±3 anos. Houve redução no peso e no índice de massa corporal no pós-operatório, respectivamente (133±06 kg vs 91±04 kg p<0,05 e 49±74 kg/m2 vs 33±79 kg/m2, p<0,05). Observou-se concentrações inferiores no pós-operatório, comparado com o pré-operatório, da glicose (101,00±26,99 vs 89,11±15,19, p=0,014), colesterol total (179,00±37,95 vs 167,48±28,50, p=0,016), LDLc (104,30±33,12 vs 91,46±24,58, p=0,016), VLDLc (25,40±11,12 vs 15,68±7,40, p<0,01), e TG (143,35±86,35 vs 82,45±37,39, p<0,01) e maiores de HDLc (43,53±8,23 vs 57,90±15,60, p<0,01 ). No pós-operatório 40% dos pacientes hipertensos ainda estavam em tratamento para hipertensão arterial sistêmica. Houve remissão do diabete melito tipo 2 e da dislipidemia em 81% e 94% dos casos, respectivamente.

Conclusão:

A gastroplastia redutora em Y-de-Roux mostrou ser procedimento eficaz em longo prazo, com resultados persistentes na perda de peso, remissão do DM2 e da dislipidemia.

DESCRITORES:
Anastomose em-Y de Roux; Diabetes Mellitus Tipo 2; Hipertensão; Dislipidemia

ABSTRACT

Background:

Due to the high failure rate observed in the clinical treatment of morbid obesity an increase in bariatric surgery indications, as an alternative for the control of obesity and comorbidities, is noticeable.

Aim:

To evaluate the performance of type 2 diabetes mellitus, high blood pressure and dyslipidemia in patients submitted to Roux-en-Y gastric bypass in late follow-up.

Methods:

Retrospective analysis of 59 patients included in the bariatric surgery program. Anthropometric (height and body weight) and laboratory (LDLc, HDLc, VLDLc, triglyceride -TG - and glucose) data were collected on pre- and postoperative stages, through medical records.

Results:

Among the patients, 86% were female aged 43±11, of whom 52% had attended high school. The average postoperative time was 7±3 years. During the postoperative period, there were decreases of weight and body mass index, respectively (133±06 kg vs 91±04 kg p<0.05 e 49±74 kg/m2 vs 33±79 kg/m2, p<0.05). In comparison to the preoperative stage, lower concentrations of glucose (101.00±26.99 vs 89,11±15.19, p=0.014), total cholesterol rates (179.00±37,95 vs 167.48±28,50, p=0.016), LDLc (104.30±33.12 vs 91.46±24.58, p=0.016), VLDLc (25.40±11,12 vs 15.68±7.40, p<0.01), and TG (143.35±86.35 vs 82.45±37.39, p<0.01) and higher concentrations of HDLc (43.53±8.23 vs 57.90±15.60, p<0.01) were identified in the postoperative stage. 40% of hypertensive patients were still undergoing high blood pressure treatment during the postoperative stage. There was remission of type 2 diabetes mellitus and dyslipidemia on 81% and 94% of the cases, respectively.

Conclusion:

Roux-en-Y gastric bypass has proven itself to be an effective long term procedure, promoting weight loss, remission of DM2 and dyslipidemia.

HEADINGS
Anastomosis, Roux-en-Y; Diabetes Mellitus, Type 2; Hypertension; Dyslipidemia

INTRODUÇÃO

A organização Mundial de Saúde (OMS) considera a obesidade um dos problemas de saúde pública mais preocupantes do mundo moderno. Em função do aumento de sua incidência e às graves consequências que o excesso de peso pode acarretar, a obesidade é hoje considerada a mais importante desordem nutricional nos países desenvolvidos e em desenvolvimento3030. World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. WHO Technical Report Series (894).? Geneva, 2000..

Pacientes com obesidade grave apresentam maior risco para o desenvolvimento de diabetes melito tipo 2 (DM2), hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia entre outras. Para estes indivíduos, bem como para aqueles com IMC igual ou maior que 35 kg/m2 e que já apresentam doenças associadas, a cirurgia bariátrica já vem sendo considerada importante alternativa terapêutica99. Ferraz EM, Arruda PCL, Bacelar TS, Ferraz AAB, Albuquerque AC, Leão CS, et al. Tratamento cirúrgico da obesidade mórbida. Rev Col Bras Cir. 2003; 30(2): 98-105.,2020. Oliveira LF, Tisott CG, Silvano DM, Campos CM, Nascimento RR. Glycemic behavior in 48 hours postoperative period of patients with type 2 diabetes mellitus and non diabetic submitted to bariatric surgery. Arq Bras Cir Dig. 2015;28 Suppl 1:26-30..

Dentre as técnicas utilizadas a gastroplastia redutora em Y-de-Roux (GRYR) tem sido executada com baixos índices de mortalidade e alto grau de eficácia, principalmente se considerado o impacto na perda de peso e no controle das comorbidades11. Beleli CAV, Camargo MA, Scopin DR. Fatores preditivos na perda ponderal de pacientes submetidos ao Bypass Gástrico em Y de Roux. BMI bariátrica e metabólica ibero-americano. 2011; 1: 27-30.. Ela pode ser considerada como operação sacietógena-incretínica devido à combinação do componente restritivo com o disabsortivo, resultando em mudanças nos mecanismos hormonais envolvidos no controle da sinalização e sensibilidade da insulina, promovendo a homeostase da glicemia, resultando, principalmente no controle do DM2 e das dislipidemias2121. Pajecki D, Santo MA, Joaquim HD, Morita F, Riccioppo D, de Cleva R, Cecconello I. Bariatric surgery in the elderly: results of a mean follow-up of five years. Arq Bras Cir Dig. 2015;28 Suppl 1:15-8.,2828. Varaschimi M, Nassif PAN, Moreira LB, Nascimento MM, Vieira GMN, Garcia RF. Alterações dos parâmetros clínicos e laboratoriais em pacientes obesos com diabetes melito tipo 2 submetidos à derivação gastrojejunal em y de Roux sem anel. Rev Col Bras Cir. 2012; 39(3): 178-182..

Essa técnica promove a normalização da glicemia na maioria dos pacientes, em longo prazo, antes mesmo da perda de peso corporal. A hipótese do aumento da produção da incretina peptídio semelhante ao glucagon 1 - Glucagon like peptide 1 (GLP - 1) na porção distal (parte inferior) do intestino foi relatada no estudo de Dirksen et al.88. Dirksen C, Jorgensen NB, Bojsen-Moller KN, Jacobsen SH, Hansen DL, Worm D, et al. Mechanisms of improved glycaemic control after RouxenY gastric bypass. Diabetologia, 2012; 55(7): 1890-1901.. Incretinas são peptídios provenientes do trato digestivo que estimulam a produção de insulina no pâncreas, dentre os quais se destacam aqueles que por suas ações fazem parte do eixo entero-insular GLP-1; polipeptídio insulinotrópico glicose dependente - glucose-dependent insulinotropic polypeptide GIP e peptídeo YY - peptide yy, PYY2727. Thaler JP, Cummings DE. Minireview: Hormonal and metabolic mechanismsof diabetes remissiton after gastrointestinal surgery, 2009..

GRYR pode levar à perda de 35-40% do peso corporal e de 50-80 % do excesso de peso corporal. No entanto, a melhora considerável no controle da glicose frequentemente ocorre nos primeiros dias de pós-operatório, sugerindo que mecanismo de remissão ou melhora precoce do DM2 deva ser independente de perda ponderal66. Cummings DE, Overduin J, Foster-Schubert KE. Gastric by-pass for obesity: mechanisms of weight loss and diabetes resolution. J Clin Endocrinol Metab 2004;89(6):2608-2615..

Cho44. Cho YM. A Gut feeling to cure diabetes: potential mechanisms of diabetes remission after bariatric surgery. Diabetes Metab J. 2014; 38(6): 406-415. em seu artigo de revisão mostrou que o mecanismo de remissão do diabete seguindo os procedimentos cirúrgicos ainda é complexo e engloba várias alterações anatômicas e fisiológicas. Ressalta-se que a restrição calórica, a melhora da função das células β e da sensibilidade à insulina, alterações na fisiologia do intestino, metabolismo dos ácidos biliares e mudanças na microbiota intestinal são vistos como mecanismos potenciais de remissão do DM2 após a GRYR.

O objetivo do presente estudo foi avaliar a evolução do DM2, HAS e dislipidemia em pacientes submetidos à GRYR no período de pós-operatório tardio.

MÉTODOS

O presente estudo foi realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Rio de Janeiro, RJ, Brasil onde as informações sociais, antropométricas e alimentares sobre os pacientes foram obtidas por meio de consulta a prontuários médicos e registros da nutrição do Programa de Cirurgia Bariátrica. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUCFF, sob o protocolo número 843.153.

O modelo de amostragem adotado foi o de conveniência seguindo os critérios de elegibilidade propostos pelo pesquisador, com o objetivo de se obter amostra homogênea. Foram incluídos pacientes com idade entre 18-65 anos submetidos à GRYR entre os anos 2000 e 2012. De uma amostra inicial de 87 pacientes foram incluídos 59.

As variáveis antropométricas avaliadas foram a estatura e peso corporal. Foram considerados como peso e IMC pré-operatório os valores obtidos na primeira consulta; como peso e IMC na operação os valores obtidos no dia do procedimento e como peso e IMC no pós-operatório os últimos valores registrados em prontuários médicos. Para cálculo do IMC foi utilizada a fórmula: peso/altura ao quadrado3030. World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. WHO Technical Report Series (894).? Geneva, 2000.. O peso corporal e estatura foram medidos de acordo com Gibson1111. Gibson DJ, Harnett DC, Merril LS. Fire temperature heterogeneity in constrasting fire prone habitats: Kansas tallgrass prairie and Florida sandill. Bulletin of the Torrey Botanical Club. 1990; 117(4): 349-356. usando balança digital com capacidade máxima de 300 kg, dividida por 50 g, e um estadiômetro com escala de 0,1 cm. O percentual do excesso de peso (%PEP) foi calculado usando a fórmula: %PEP= (peso pré-operatório - peso atual / peso pré-operatório - peso ideal) X 100. O IMC de 25 kg/m² foi utilizado para calcular o peso ideal77. Deitel M, Greenstein RJ. Recommendations for reporting weight loss. Obes Surg. 2003; 13(2): 159-160..

Para os dados laboratoriais foram avaliadas as seguintes variáveis: colesterol total, lipoproteína de baixa densidade (LDLc), lipoproteína de alta densidade (HDLc), lipoproteína de muito baixa densidade (VLDLc), triglicerídeo (TG) e glicose no pré- e pós-operatório. Foram considerados para avaliação dos dados de pós-operatório os últimos valores registrados em prontuários médicos. A análise de sangue foi realizada no laboratório do próprio hospital.

Análise estatística

Os dados foram analisados como média e desvio-padrão. Foi realizado o teste de normalidade dos dados pelo método de Kolmogorov-Smirnov (p valor de Dallal-Wilkinson-Lilliefor). Os dados referentes à glicemia e lipemia foram analisados pelo teste t pareado entre o pré e pós-operatório. Para os dados referentes ao peso corporal e IMC foi utilizado o teste ANOVA de medidas repetidas com Post Hoc por Bonferroni. Para estudar a relação entre os coeficientes de %PEP e as variáveis laboratoriais foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson, com nível de significância de 5%. Foi considerado r>0,70 correlação forte, de 0,30 a 0,70 moderada e de 0 a 0,30 fraca (Collegari-Jaques 2003)77. Deitel M, Greenstein RJ. Recommendations for reporting weight loss. Obes Surg. 2003; 13(2): 159-160.. Foi considerado como significativo o valor de p<0,05. Os dados foram analisados no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0 para Windows.

RESULTADOS

As características dos pacientes avaliados estão demonstradas na Tabela 1. Do total de 59 pacientes, a maioria era de mulheres (86%) com idade de 43+11 anos, e pouco mais da metade possuía ensino médio. Quanto ao histórico de obesidade observa-se ainda nesta tabela que pouco mais da metade dos pacientes deu início a obesidade na fase adulta e a maioria (88%) possuia histórico de obesidade em familiares de primeiro grau.

TABELA 1
Características da população

O tempo médio de pós-operatório foi de 7±3 anos. A Tabela 2 apresenta os valores das concentrações séricas de glicose, TG, colesterol total e frações. Verificou-se diminuição da glicose, colesterol total, LDLc, VLDLc e TG e aumento do HDLc no pós-operatório em relação ao pré-operatório com nível de confiança de 95%.

TABELA 2
Avaliação da glicemia e lipemia no pré e pós-operatório

A maior parte da população (76%) apresentava HAS no pré-operatório, sendo que 60% tinham níveis normais sem necessidade de uso de medicamentos no pós-operatório. Em relação ao DM2 e dislipidemia a maioria encontra-se em remissão no pós-operatório, 81% e 94%, respectivamente. Dos pacientes que ainda apresentavam HAS no pós-operatório, 40% encontrava-se em uso de um ou mais medicamentos para o controle (Figura 1).

FIGURA 1
Prevalência de comorbidades no pré e pós-operatório

A evolução do peso corporal do IMC é apresentada na Figura 2. Verificou-se a redução do peso corporal e IMC no pós-operatório (91,04 kg e 33,79 kg/m2) em comparação com os valores obtidos no pré-operatório (133,06 kg e 49,74 kg/m2) e no dia da operação (131,68 kg e 49,21 kg/m2). Não houve diferença no peso e IMC do pré-operatório e peso na operação. Os pacientes cursaram %PEP de 65,7 após o procedimento.

FIGURA 2
Avaliação do peso (A) e IMC (B) antes, no dia da operação e após o procedimento

DISCUSSÃO

Nas últimas décadas a prevalência de obesidade tem aumentado de maneira acentuada na população brasileira. Indivíduos com obesidade grave cursam, na maioria das vezes, com comorbidades. Diante deste cenário diversas intervenções cirúrgicas têm sido propostas para tratamento e controle da obesidade e suas comorbidades. A indicação da intervenção cirúrgica vem crescendo e baseia-se em análise abrangente de múltiplos aspectos do paciente; neste sentido, modificações no estilo de vida, incluindo dieta, atividade física e terapia comportamental, são, geralmente, sugeridas de forma a complementar o tratamento multidisciplinar de uma doença multicausal.

Segundo dados da última pesquisa de orçamento familiar (POF)1313. Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: Antropometria e estado nutricional de crianças adolescentes e adultos no Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Rio de Janeiro, 2010. e do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2009: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde, 2010., o aumento da incidência da obesidade ocorre em ambos os gêneros, ao longo dos anos, porém, com maior prevalência no feminino. Estudos de Lehmann et al.1717. Lehmann AL, Valezi AC, Brito EM, Marson AC, Souza JCL. Correlação entre hipomotilidade da vesícula biliar e desenvolvimento de colecistolitíase após operação bariátrica, Rev Col Bras Cir. 2006; 33(5). e Rangel et al.2323. Rangel LOB, Faria VSP, Magalhães EA, Araújo ACT, Barros EMRD. Perfil de saúde e nutricional de pacientes portadores de obesidade mórbida candidatos à cirurgia barirátrica. Rev Bras Nut Clin. 2007; 22(3): 214-219., também encontraram maior prevalência de obesidade em mulheres, 75% e 76,6%, respectivamente. Em relação a faixa etária daqueles que são submetidos à operação, Quadros et al.2222. Quadros MRR, Savaris AL, Ferreira MV et. al, Intolerância alimentar no pós-operatório de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Rev Bras Nut Clin. 2007; 22: 15-19. relataram média de idade de 40 anos corroborando com revisão sistemática realizada por Buchwald et al.33. Buchwald H, Aviador Y, Braunwald E, Jensen MD, Pories W, Fahrbach K et al. Bariatric surgery. A systemic review and meta-analysis. JAMA. 2004; 292(14): 1724-1737., em 2004, onde foram analisados 134 estudos totalizando 19.338 pacientes, destes 72,6% eram mulheres com média de idade de 39 anos. No presente estudo, 86% eram mulheres com média de idade de 43 anos.

Observou-se aqui que 88% dos pacientes referiram obesidade familiar, sendo o pai ou a mãe ou ambos obesos. Estima-se que entre 40-70% da variação no fenótipo associado à obesidade é de caráter hereditário. Neste sentido, os genes têm interferência na manutenção de peso e gordura corporal ao longo do tempo por meio de sua participação no controle de vias eferentes (leptina, nutrientes, sinais nervosos, entre outros), mecanismos centrais (neurotransmissores hipotalâmicos) e vias aferentes (insulina, catecolaminas, sistema nervoso autônomo)2626. Snyder EE, The human obesity gene map: the 2003 update. Obes Res. v.12, p. 369-439, 2004.. Ademais, a presença da obesidade em vários membros da mesma família confirma a participação da herança genética na incidência da obesidade e probabilidade de que os filhos sejam obesos, foi estimada em 50-80%, quando os pais têm obesidade1919. Macho-Azcarate T, Marti A, Martinez JA, Ibãnez J. Gln27Glu polymorphism in the beta2 adrenergic gene and lipid metabolism during exercise in obese women. Int J Obes Relat Metab Disord. 2002; 26(11): 1434-144..

Presença de DM2, HAS e dislipidemias, comorbidades comumente presentes em pacientes com obesidade grave, a prevalência foi de 36%, 76% e 27%, respectivamente, antes da operação. Estes dados diferiram, principalmente para HAS, dos encontrados na metanálise realizada por Buckwald et al33. Buchwald H, Aviador Y, Braunwald E, Jensen MD, Pories W, Fahrbach K et al. Bariatric surgery. A systemic review and meta-analysis. JAMA. 2004; 292(14): 1724-1737., que apontou prevalência de DM2 em 15,3%, HAS em 35,4% e dislipidemia em 35,6%. Em contrapartida, Gigante et al.1212. Gigante DP, MOURA EC, SARDINHA LMV. Prevalence of overweight and obesity and associated factors, Brazil, 2006. Rev. Saúde Pública. 2009; 43 (2): 83-89., encontraram prevalência de HAS em 54,4% de sua população. Segundo as VI Diretrizes Brasileira de Hipertensão2929. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arq Bras Cardiol. 2010; 95(1 supl.1): 1-51 a prevalencia HAS é muito comum e acomete um em cada quatro indivíduos adultos no Brasil, independentemente do peso corporal, sendo que o excesso de peso pode agravá-la. Nesse sentido pode-se observar que 40% dos pacientes ainda apresentavam a doença no pós-operatório e em uso de um ou mais medicamentos.

Autores têm observado reversão do DM2 logo após a realização da GRYR antes mesmo de haver perda significativa de peso1515. Júnior FCM, Júnior WSS, Filho NS, Ferreira PAM, Araújo GF, Mandarino NR et al. Efeito da perda ponderal induzida pela cirurgia bariátrica sobre a prevalência de síndrome metabólica. Arq Bras Cardiol 2009; 92(6): 452-456.,1616. Laferrére B, Teixeira J, McGinty J, Tran H, Egger JR, Colarusso A et al. Effect of weight loss by gastric bypass surgery versus hypocaloric diet on glucose and incretin levels in patients with type 2 diabetes. J Clin Endocrinol Metab. 2008; 93(7): 2479-85.. Os mecanismos pelos quais a melhora do DM2 ocorre são explicados pela presença das incretinas e peptídeos que são produzidos no intestino delgado. Essas substâncias representadas pelo GIP, secretado pelas células K do intestino delgado proximal, e o GLP-1, secretado pelas células L do delgado distal, têm sua secreção estimulada pelo contato com o bolo alimentar e, uma vez liberadas, atuam sobre o pâncreas estimulando a secreção de insulina. Assim, tem-se postulado que a GRYR, ao promover aproximação anatômica entre o estômago e o íleo, possibilita o contado mais precoce do alimento com o delgado distal, acarretando liberação incretínica seis vezes maior, justificando a melhora ou mesmo reversão do DM2 independente da perda ponderal1616. Laferrére B, Teixeira J, McGinty J, Tran H, Egger JR, Colarusso A et al. Effect of weight loss by gastric bypass surgery versus hypocaloric diet on glucose and incretin levels in patients with type 2 diabetes. J Clin Endocrinol Metab. 2008; 93(7): 2479-85.,2424. Silva PT, Patias LD, Alvarez Gda C, Kirsten VR, Colpo E, Moraes CM. Profile of patients who seek the bariatric surgery. Arq Bras Cir Dig. 2015 Nov-Dec;28(4):270-3.,2525. Silva-Neto EF, Vázquez CM, Soares FM, Silva DG, Souza MF, Barbosa KB. Bariatric surgery reverses metabolic risk in patients treated in outpatient level. Arq Bras Cir Dig. 2014 Jan-Mar;27(1):38-42..

Estudos verificaram redução no colesterol total, TG e elevação no HDLc após a cirurgia bariátrica, e estes achados persistiram por longo período de tempo naqueles que mantiveram a perda ponderal1414. Jamal M, Wegner R, Heitshusen D, Liao J, Samuel I. Resolution of hyperlipidemia follows surgical weight loss in patients undergoing Roux-en-Y gastric bypass surgery: a 6-year analysis of data. Surg Obes Relat Dis. 2011; 7(4): 473-479.. Jamal et al.1414. Jamal M, Wegner R, Heitshusen D, Liao J, Samuel I. Resolution of hyperlipidemia follows surgical weight loss in patients undergoing Roux-en-Y gastric bypass surgery: a 6-year analysis of data. Surg Obes Relat Dis. 2011; 7(4): 473-479. verificaram que a melhora no perfil lipídico geral continuou durante o acompanhamento de seis anos após a operação.

A melhora ou reversão de comorbidades no pós-cirúrgico já está bem documentada na literatura com redução da HAS, resolução em 80,3% no DM2 e melhora da dislipidemia em 94%33. Buchwald H, Aviador Y, Braunwald E, Jensen MD, Pories W, Fahrbach K et al. Bariatric surgery. A systemic review and meta-analysis. JAMA. 2004; 292(14): 1724-1737.. Filho et al.1010. Filho DR, David IMB, Pacini JF, Miksche LC, Campos EMB, Moraes JC et al. Avaliação de níveis lipêmicos e glicêmicos pré e pós-cirurgia bariátrica. Rev Bras Clin Med. 2009; 7: 205-210. também relataram redução na glicemia e lipemia em sua população. Dados semelhantes foram observados nesta série com melhora da HAS, DM2 e dislipidemia em 60%, 81% e 94%, respectivamente.

Estudos demonstram que a diminuição de 5-10% do peso corporal total é capaz de promover benefícios clínicos significativos, como redução da HAS e das concentrações glicêmicas1818. Lottenberg AMP. Tratamento dietético da obesidade. Einstein. 2006; 4(1): 23-28.. De acordo com Deitel e Greenstein77. Deitel M, Greenstein RJ. Recommendations for reporting weight loss. Obes Surg. 2003; 13(2): 159-160., o sucesso no tratamento cirúrgico ocorre quando há perda de pelo menos 50% do excesso de peso corporal99. Ferraz EM, Arruda PCL, Bacelar TS, Ferraz AAB, Albuquerque AC, Leão CS, et al. Tratamento cirúrgico da obesidade mórbida. Rev Col Bras Cir. 2003; 30(2): 98-105.. Embora haja controvérsias sobre o uso do %PEP como ferramenta de expressão dos dados, ela tem sido amplamente utilizada como padrão de análise dos resultados da operação.

Nesta amostra houve redução no peso corporal e IMC quando comparado com os valores no pré-operatório, e de acordo com %PEP os pacientes cursaram com sucesso no tratamento cirúrgico, em longo prazo, apresentando 65,7%. Porém, não foi possível concluir que o %PEP tenha influenciado na melhora de comorbidades devido à ausência de correlação entre eles.

O presente estudo apresenta limitações devido à dificuldade em atingir amostra mais representativa da população, considerando o alto índice de abandono ao tratamento e o fato de ser população institucionalizada. Também faltam estudos que apresentem resultados no seguimento igual ou superior a cinco anos. Apesar das altas taxas de abandono do tratamento foi possível observar que a população estudada atingiu sucesso na perda ponderal, mesmo após tempo médio de pós-operatório de 7±3 anos, além da reversão do DM2, dislipidemia e melhora da HAS na maioria dos pacientes em pós-operatório. Os achados deste estudo demonstraram não só a importância da intervenção cirúrgica em pacientes obesos graves na melhora das comorbidades, como também na manutenção da perda ponderal em longo prazo, sendo importante para redução da mortalidade e melhora da qualidade de vida.

CONCLUSÃO

GRYR mostrou ser procedimento eficaz em longo prazo, com resultados persistentes na perda de peso, remissão do DM2 e da dislipidemia.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2015
  • Aceito
    07 Abr 2016
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