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Hepatectomia direita de emergência para lesão do hilo hepático durante colecistectomia laparoscópica

INTRODUÇÃO

Colecistectomia laparoscópica constitui a operação de escolha para a doença calculosa da vesícula biliar sintomática. A incidência de lesão biliar pós-colecistectomia laparoscópica é em torno de 0,62% e quando as injúrias vasculares ocorrem associadas complicam o curso desses pacientes11. Alves A, Farges O, Nicolet J, et al. Incidence and consequence of an hepatic artery injury in patients with postcholecystectomy bile duct strictures. Ann Surg 2003; 238:93-96.. A morbimortalidade aumenta muito quando existe associação de lesões biliares e vasculares e dificilmente conduzidas com sucesso quando diagnosticadas tardiamente. O grau de lesão hepática, a necessidade de ressecção hepática ou de transplante de fígado contribui para modificar a evolução dos pacientes com essas lesões.

RELATO DO CASO

Mulher de 36 anos portadora de colecistolitíase sintomática foi indicada para colecistectomia laparoscópica eletiva. Durante a operação devido ao processo inflamatório crônico deformando a anatomia do hilo hepático e o aparecimento de sangramento e bile no campo cirúrgico obrigou conversão para procedimento convencional (colecistectomia aberta) através de uma incisão subcostal direita. Hemostasia copiosa foi realizada através de suturas, clipes e diatermia. Optado pela equipe cirúrgica assistente inicial chamar cirurgiões do grupo da cirurgia hepatobiliar. A nova equipe imediatamente ampliou a incisão (prolongando para a subcostal esquerda). Foi identificada lesão quase completa dos elementos do hilo hepático: ligadura e secção do ramo portal direito e secção; ligadura e secção da artéria hepática direita; ligadura e secção do ducto hepático comum, na bifurcação; ligadura e secção quase completa da artéria hepática esquerda.

Foi optado por revascularização da artéria hepática esquerda (dissecção, ressecção de segmento lesado e anastomose primária com Prolene 7-0). Hepatectomia direita regrada foi realizada sem intercorrência. Após a ressecção hepática foi realizada hepaticojejunoanastomose em Y-de-Roux terminolateral, com o ducto hepático esquerdo. Devido ao sangramento intra-operatório recebeu cinco concentrados de hemácias e 3u de plasma fresco. Recebeu antifibrinolítico contínuo (ipsilon (r)) no perioperatório. Ela permaneceu na UTI por cinco dias, inicialmente com disfunção hepática leve e insuficiência renal não-dialítica (Cr>2 mg/ Dl e INR>1,7). Foi realizado suporte metabólico e nutricional respeitando as disfunções orgânicas. A paciente recebeu alta após 21 dias de internação hospitalar.

Após seis meses foi re-internada para realizar dilatação de estenose da anastomose biliodigestiva que ocorreu com sucesso. Atualmente encontra-se no 18º mês de pós-operatório livre de qualquer complicação no remanescente hepático (Figuras 1 e 2).

FIGURA 1
Colangiografia percutânea no 18º mês pós-ressecção hepática onde é observada discreta estenose biliodigestiva

FIGURA 2
Colangiorressonância no 18º mês pós-ressecção hepática mostrando hipertrofia do lobo esquerdo (observar a estenose biliodigestiva)

DISCUSSÃO

A presença simultânea de lesão biliar e vascular após colecistectomia laparoscópica piora o curso clínico pelo desenvolvimento de estenose biliar e necrose hepática22. Buell JF, Cronin DC, Funaki B, Koffron A, Yoshida A, Lo A, Leef J, Millis JM. Devastating and fatal complications associated with combined vascular and bile duct injuries during cholecystectomy. Arch Surg 2002; 137:703-708.. A ressecção hepática geralmente é utilizada tardiamente55. Jablónska B. Hepatectomy for bile duct injuries: When is it necessary? World J Gastroenteral 2013; 19 (38) : 6348-6352..

A lesão vascular mais comum na colecistectomia laparoscópica é da artéria hepática direita que geralmente é bem tolerada33. Felekouras E, Megas T, Michail OP, Papaconstantinou I, Nikiteas N, Dimitroulis D, Griniatsos J, Tsechpenakis A, Kouraklis G. Emergency liver resection for combined biliary and vascular injury following laparoscopic cholecystectomy: case report and review of the literature. South Med J. 2007 Mar;100(3):317-20.. A ressecção hepática pode ser necessária em alguns casos no manejo tardio desses pacientes44. Heinrich S, Seifert H, Krahenbuhl L, et al. Right hemihepatectomy for bile duct injury following laparoscopic cholecystectomy. Surg Endosc 2003; 17:1494-1495.. É importante notar que a lesão biliar confirmada deve chamar atenção na busca de lesão arterial concomitante66. McCormack L, Quiñonez EG, Capitanich P, Chao S, Serafini v, Goldaracena N, Mastai RC. Acute liver failure due to concomitant arterial, portal and biliary injury during laparoscopic cholecystectomy: is transplantation a valid life-saving strategy? A case report. Patient Safety in Surgery 2009; 3(22):1-5..

A lesão biliovascular envolvendo também o ramo portal é mais rara77. Strasberg SM, Gouma Dj "Extreme vasculobiliary injuries: association witer fundus-down Cholecystectomy in severly inflamed gallbladders. HPB(ox ford) 2013; 14(1): 1-8.. A posição posterior no hilo hepático permite a veia porta algum grau de proteção nas operações hepatobiliares e no trauma. Entretanto, a sua ocorrência frequentemente requer a ressecção hepática como manejo ideal. Diferentemente das lesões únicas da artéria hepática direita ou esquerda a lesão do ramo portal leva à hepatectomias formais, não parciais. A maioria dos relatos informa que a lesão portal não foi identificada precocemente8.

Neste caso os autores relataram a identificação precoce de uma lesão complexa biliovascular com risco iminente de vida através do surgimento da falência hepática aguda66. McCormack L, Quiñonez EG, Capitanich P, Chao S, Serafini v, Goldaracena N, Mastai RC. Acute liver failure due to concomitant arterial, portal and biliary injury during laparoscopic cholecystectomy: is transplantation a valid life-saving strategy? A case report. Patient Safety in Surgery 2009; 3(22):1-5.. A decisão imediata da revascularização do segmento hepático viável e a hepatectomia do lobo direito isquêmico e necrótico não permitiu a evolução para a necessidade de transplante hepático de emergência9. É necessário observar que a opção técnica, quando possível, evita a espera de um enxerto hepático no momento em que existe escassez de órgãos para transplante8.

REFERENCES

  • 1
    Alves A, Farges O, Nicolet J, et al. Incidence and consequence of an hepatic artery injury in patients with postcholecystectomy bile duct strictures. Ann Surg 2003; 238:93-96.
  • 2
    Buell JF, Cronin DC, Funaki B, Koffron A, Yoshida A, Lo A, Leef J, Millis JM. Devastating and fatal complications associated with combined vascular and bile duct injuries during cholecystectomy. Arch Surg 2002; 137:703-708.
  • 3
    Felekouras E, Megas T, Michail OP, Papaconstantinou I, Nikiteas N, Dimitroulis D, Griniatsos J, Tsechpenakis A, Kouraklis G. Emergency liver resection for combined biliary and vascular injury following laparoscopic cholecystectomy: case report and review of the literature. South Med J. 2007 Mar;100(3):317-20.
  • 4
    Heinrich S, Seifert H, Krahenbuhl L, et al. Right hemihepatectomy for bile duct injury following laparoscopic cholecystectomy. Surg Endosc 2003; 17:1494-1495.
  • 5
    Jablónska B. Hepatectomy for bile duct injuries: When is it necessary? World J Gastroenteral 2013; 19 (38) : 6348-6352.
  • 6
    McCormack L, Quiñonez EG, Capitanich P, Chao S, Serafini v, Goldaracena N, Mastai RC. Acute liver failure due to concomitant arterial, portal and biliary injury during laparoscopic cholecystectomy: is transplantation a valid life-saving strategy? A case report. Patient Safety in Surgery 2009; 3(22):1-5.
  • 7
    Strasberg SM, Gouma Dj "Extreme vasculobiliary injuries: association witer fundus-down Cholecystectomy in severly inflamed gallbladders. HPB(ox ford) 2013; 14(1): 1-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2012
  • Aceito
    10 Set 2013
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