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AVALIAÇÃO TARDIA DA DISFAGIA APÓS CARDIOMIOTOMIA À HELLER COM FUNDOPLICATURA A DOR PARA ACALÁSIA

RESUMO

Racional:

Todos os tratamentos disponíveis para a acalásia são paliativos e visam eliminar a resistência ao fluxo causada por esfíncter esofágico inferior hipertenso.

Objetivos:

Avaliar os fatores prognósticos positivos e negativos na melhora da disfagia e avaliar a qualidade de vida em pacientes submetidos à cirurgia para tratar a acalásia esofágica, comparando os achados antes, imediatamente após e tardiamente à operação. Métodos : Foram estudados retrospectivamente 84 pacientes submetidos à operação de acalásia entre 2001 e 2014. O protocolo de avaliação com escores de disfagia comparou os escores pré-operatórios, do pós-operatório imediato (até três meses) e pontuação pós-operatória tardia (acima de um ano) para estimar a qualidade de vida.

Resultados:

O procedimento cirúrgico foi Heller-Dor em 100% dos casos, com 84 casos laparoscópicos. A redução percentual na pressão do esfíncter esofágico inferior pré e pós-operatório imediato foi de 60,35% no grupo de sucesso e de 32,49% no grupo de falha. Em relação ao período pós-operatório tardio, a redução percentual média foi de 60,15% no grupo de sucesso e 31,4% no grupo de falência. A queda média do escore de disfagia entre os períodos pré e pós-operatório imediato foi de 7,33 pontos, o que representa diminuição de 81,17%.

Conclusões:

A redução de mais de 60% da pressão do esfíncter esofágico inferior entre os períodos pré e pós-operatório sugere que ela é preditora de bom prognóstico cirúrgico. O tratamento cirúrgico foi capaz de contribuir na qualidade de vida e alterar em muito a disfagia em longo prazo.

DESCRITORES
Acalásia esofágica; Transtornos de deglutição; Fundoplicatura; Qualidade de vida; Laparoscopia

ABSTRACT

Background:

All available treatments for achalasia are palliative and aimed to eliminate the flow resistance caused by a hypertensive lower esophageal sphincter.

Aim:

To analyze the positive and negative prognostic factors in the improvement of dysphagia and to evaluate quality of life in patients undergoing surgery to treat esophageal achalasia by comparing findings before, immediately after, and in long follow-up.

Methods:

A total of 84 patients who underwent surgery for achalasia between 2001 and 2014 were retrospectively studied. The evaluation protocol with dysphagia scores compared preoperative, immediate (up to three months) postoperative and late (over one year) postoperative scores to estimate quality of life.

Results:

The surgical procedure was Heller-Dor in 100% of cases, with 84 cases performed laparoscopically. The percent reduction in pre- and immediate postoperative lower esophageal sphincter pressurewas 60.35% in the success group and 32.49% in the failure group. Regarding the late postoperative period, the mean percent decrease was 60.15% in the success group and 31.4% in the failure group. The mean overall drop in dysphagia score between the pre- and immediate postoperative periods was 7.33 points, which represents a decrease of 81.17%.

Conclusions:

Reduction greater than 60% percent in lower esophageal sphincter pressurebetween the pre- and postoperative periods suggests that this metric is a predictor of good prognosis for surgical response. Surgical treatment was able to have a good affect in quality of life and drastically changed dysphagia over time.

HEADINGS
Esophageal achalasia; Deglutition disorders; Fundoplication; Quality of life; Laparoscopy

INTRODUÇÃO

A acalásia esofágica é transtorno da motilidade incomum do esôfago, com incidência entre 0,03 a 1 por 100.000 indivíduos55 Boeckxstaens GE, Jonge WD, van den Wijngaard RM, Benninga MA. Achalasia: from new insights in pathophysiology to treatment. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2005; 41: S36-S7., sem qualquer predominância em termos de idade ou gênero1414 Mayberry J. Epidemiology and demographics of achalasia. Gastrointest Endosc Clin N Am 2001; 11: 235-48.. Esta condição pode ser classificada como idiopática, chagásica, pseudo-acalásia ou associada à síndromes22 AQUINO, José Luis Braga de et al.Surgical treatment analysis of idiopathic esophageal achalasia.ABCD, arq. bras. cir. dig., June 2015, vol.28, no.2, p.98-101. ISSN 0102-6720,1919 Pilon B, Teixeira F, Terrazas J, Moreira E, Pillon E. Technical aspects of esophagomyotomy with divulsion for early chagasic megaesophagus surgical treatment. Rev Ass Med Bras 1998; 44: 179-84.. É secundária à degeneração irreversível do plexo mioentérico de Auerbach do esôfago, causando aperistalse e ausência de relaxamento do esfíncter esofágico inferior (LES)99 Goldblum JR, Rice TW, Richter JE. Histopathologic features in esophagomyotomy specimens from patients with achalasia. Gastroenterology 1996; 111: 648-54.,1010 Goldblum JR, Whyte RI, Orringer MB, Appelman HD. Achalasia: a morphologic study of 42 resected specimens. Am J Surg Pathol 1994; 18: 327-37.,1313 Martino ND, Brillantino A, Monaco L et al. Laparoscopic calibrated total vs partial fundoplication following Heller myotomy for oesophageal achalasia. World J Gastroenterol 2011; 17: 3431-40.,1818 -Pellegrini MS, Cortesini C. The muscle coat of the lower esophageal sphincter in patients with achalasia and hypertensive sphincter. An electron microscopic study. J Submicrosc Cytol 1985; 17: 673-85.,2222 Qualman SJ, Haupt HM, Yang P, Hamilton SR. Esophageal lewy bodies associated with ganglion cell loss in achalasia. Gastroenterology 1984; 87: 848-56.,2323 Raymond L, Lach B, Shamji FM. Inflammatory aetiology of primary oesophageal achalasia: an immunohistochemical and ultrastructural study of Auerbach's plexus. Histopathology 1999; 35: 445-53.. A infecção pelo Trypanosoma cruzi teve grande impacto nos países da América do Sul, particularmente no Brasil, e sabe-se que aproximadamente 5% dos pacientes afetados pela doença de Chagas desenvolvem acalásia1919 Pilon B, Teixeira F, Terrazas J, Moreira E, Pillon E. Technical aspects of esophagomyotomy with divulsion for early chagasic megaesophagus surgical treatment. Rev Ass Med Bras 1998; 44: 179-84.. Esta doença é insidiosa e o principal sintoma é a disfagia. Os pacientes são emagrecidos e apresentam baixa qualidade de vida (QV), ficando incapacitados em termos de suas atividades de trabalho1212 Lopes LR, Braga NS, Oliveira GC, Neto JSC, Camargo MA, Andreollo NA. Results of the surgical treatment of non-advanced megaesophagus using Heller-Pinotti's surgery: Laparotomy vs. Laparoscopy. Clinics 2011; 66: 41-6..

Todos os tratamentos disponíveis para a acalásia são paliativos e visam eliminar a resistência ao fluxo causada pelo LES hipertensivo. Esses tratamentos tentam melhorar os sintomas relacionados à estase esofágica, como disfagia e regurgitação2828 Torresan F, Ioannou A, Azzaroli F, Bazzoli F. Treatment of achalasia in the era of high-resolution manometry. Ann Gastroenterol 2015; 28: 301-8..

O tratamento pode ser baseado em fármacos, cirúrgico ou endoscópico2828 Torresan F, Ioannou A, Azzaroli F, Bazzoli F. Treatment of achalasia in the era of high-resolution manometry. Ann Gastroenterol 2015; 28: 301-8.. Dos procedimentos cirúrgicos atualmente em uso, considera-se que a miotomia cirúrgica da junção esofagogástrica, com ou sem válvula anti-refluxo, oferece os melhores resultados em longo prazo1212 Lopes LR, Braga NS, Oliveira GC, Neto JSC, Camargo MA, Andreollo NA. Results of the surgical treatment of non-advanced megaesophagus using Heller-Pinotti's surgery: Laparotomy vs. Laparoscopy. Clinics 2011; 66: 41-6.. Nos últimos 20 anos, este procedimento tem sido cada vez mais realizado através de videolaparoscopia ou cirurgia robótica. O advento dessas técnicas diminuiu a morbidade associada à toracotomia e miotomia pela operação convencional, que por anos favoreceu a dilatação pneumática endoscópica como terapia de primeira linha1313 Martino ND, Brillantino A, Monaco L et al. Laparoscopic calibrated total vs partial fundoplication following Heller myotomy for oesophageal achalasia. World J Gastroenterol 2011; 17: 3431-40..

O objetivo do presente estudo foi analisar fatores prognósticos positivos e negativos na melhora da disfagia e avaliar a QV em pacientes submetidos à operação para tratar a acalásia esofágica, comparando os achados do pré, pós-operatório imediato e tardio.

MÉTODO

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. Os termos de Consentimento Livre e Esclarecido foram apresentados aos pacientes quando a operação estava indicada.

Foram estudados retrospectivamente pacientes com acalásia submetidos à esofagocardiomiotomia de Heller associada à fundoplicatura parcial de Dor por videolaparoscopia ou Heller/Dor Laparoscopia (HDL) no período de janeiro de 2001 a setembro de 2014. O procedimento cirúrgico foi indicado em pacientes com acalásia com megaesôfago grau I, II, III e seletivamente em casos grau IV segundo a classificação de Rezende2424 Rezende JD, Lauar KM, Olveira AR. Aspectos clínicos e radiológicos da aperistalsis do esôfago. Rev Bras Gastroenterol 1960; 12: 247-62.,2525 Rezende JM, Moreira H. Megaesôfago e megacolon chagásicos. Revisão histórica e conceitos atuais. Arq Gastroenterol 1988; 25:32-43.. Pacientes submetidos à operação na junção esofágico-gástrica, procedimentos que não foram realizados por laparoscopia e pacientes sem êxito no acompanhamento foram excluídos do estudo.

Os pacientes foram selecionados do serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Pós-graduação em Cirurgia, PUC-Rio e Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

O protocolo de avaliação registrou as seguintes características: história clínica; exame físico; testes específicos, como sorologia para a doença de Chagas; seriografia esôfago-estômago-duodeno; endoscopia digestiva alta e manometria esofágica antes e depois da operação (pré e pós-operatório imediato e tardio); e os escores de disfagia publicados por Richards1515 Oelschlager BK, Chang L, Pellegrini CA. Improved outcome after extended gastric myotomy for achalasia. Arch Surg 2003; 138: 490-5; discussion 495-47. com análise dos escores pré-operatórios, pós-operatório imediato (até três meses) e pós-operatório tardio (mais de um ano), comparando os escores de disfagia para avaliar a QV. Foram avaliados também os fatores prognósticos positivos e negativos que afetaram o sucesso (Succ) ou falha (Falha) do tratamento cirúrgico. Considerou-se que o tratamento cirúrgico falhou quando os pacientes no pós-operatório imediato ou tardio apresentavam disfagia persistente, com escore de disfagia maior ou igual a 5, caracterizados como falha inicial ou falha tardia, respectivamente. Pacientes que necessitaram de tratamento complementar, tais como dilatação pneumática, injeção de toxina botulínica ou uma nova miotomia, também foram considerados como tratamento falho.

A série foi dividida em dois grupos: Sucesso e Falha. Para identificar preditores de falha e fatores prognósticos positivos, foram testados todos os dados demográficos e características da coorte de estudo, bem como aspectos relevantes da operação que pudessem afetar o resultado geral.

Avaliação da disfagia

Foi utilizado um escore de disfagia para avaliar a disfagia pré e pós-operatória2626 Richards WO, Torquati A, Holzman MD et al. Heller myotomy versus Heller myotomy with Dor fundoplication for achalasia: a prospective randomized double-blind clinical trial. Ann Surg 2004; 240: 405-12; discussion 12-5.. A pontuação avaliou a combinação da frequência e intensidade da disfagia utilizando um sistema baseado em pontos descrito por Richards et al.2626 Richards WO, Torquati A, Holzman MD et al. Heller myotomy versus Heller myotomy with Dor fundoplication for achalasia: a prospective randomized double-blind clinical trial. Ann Surg 2004; 240: 405-12; discussion 12-5. (Tabela 1). A pontuação totalizou um máximo de dez pontos e foi medida antes e após a operação. As pontuações de disfagia foram completadas verificando os registros médicos e entrevistando pacientes na clínica ou por telefone. O último contato foi em 2014, permitindo posterior avaliação do grau atual de disfagia em relação ao período pré e pós-operatório imediato.

TABELA 1
Escore de disfagia2626 Richards WO, Torquati A, Holzman MD et al. Heller myotomy versus Heller myotomy with Dor fundoplication for achalasia: a prospective randomized double-blind clinical trial. Ann Surg 2004; 240: 405-12; discussion 12-5.

Análise estatística

Para as variáveis ​​quantitativas, calculou-se a média e/ou mediana, e as comparações foram feitas aplicando o teste t-Student para a média e o teste de Wilcoxon-Rank para a mediana. A associação entre variáveis ​​qualitativas foi realizada utilizando-se o Qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. O valor de p era <0,05 para ser estatístico. O software JMP (SAS Institute) foi utilizado para análise estatística.

RESULTADOS

Um total de 91 pacientes foi operado entre janeiro de 2001 e setembro de 2014. Foram excluídos sete que não puderam participar do acompanhamento e 84 submetidos à HDL foram estudados. O seguimento médio foi de 8,5 anos e variou de 1-13 anos. Destes, 51 (60,7%) eram mulheres e 33 (39,3%) homens. A média de idade foi de 43,8 anos (17-78). A disfagia foi o sintoma mais comum, ocorrendo em 100% dos indivíduos, com diferentes intensidades; a sólidos foi encontrada em 96% dos casos; a pastosos em 64%; e a líquidos em 20%. A regurgitação de alimentos consumidos ocorreu em 33,3% dos casos. Houve perda ponderal relatada em 78 pacientes, 18% com perda média de 10,3 kg (2-30). A desnutrição clínica, ou seja, quando o índice de massa corporal foi menor que 18,5, foi relatada em 8,5% dos indivíduos.

Um total de 16,07% dos pacientes foi classificado como Rezende2424 Rezende JD, Lauar KM, Olveira AR. Aspectos clínicos e radiológicos da aperistalsis do esôfago. Rev Bras Gastroenterol 1960; 12: 247-62.,2525 Rezende JM, Moreira H. Megaesôfago e megacolon chagásicos. Revisão histórica e conceitos atuais. Arq Gastroenterol 1988; 25:32-43. de grau I, 57,1% de grau II, 21,4% de grau III e 3,57% de grau IV. Essa classificação foi utilizada para megaesôfago de qualquer cause (idiopática e chagásica). A endoscopia apresentou mucosa esofágica normal em 62% dos casos, esofagite em 13,95% e úlcera péptica (gástrica ou duodenal) em 27,9%. Trinta pacientes foram submetidos à dilatação pneumática pré-operatória, representando 35,5% da série, com um total de 35 dilatações pneumáticas com média de 1,66 dilatações/paciente (1-4 sessões).

A HDL foi realizada em 100% dos casos, sendo 84 por via laparoscópica. Não houve conversões. O tempo médio da operação foi de 147 min (90-260 min). O tamanho médio da esofagocardiomiotomia foi de 6 cm no esôfago e 2 cm no estômago, variando de 5 a 12 cm no total. A perfuração da mucosa do esôfago distal foi identificada em quatro pacientes durante a operação. A mucosa foi suturada, cobrindo-a com serosa gástrica para o procedimento de Dor. A ligadura dos vasos curtos entre o estômago e o baço foi realizada em 14 (16,6%) pacientes. De acordo com a escala de complicações Clavien-Dindo2626 Richards WO, Torquati A, Holzman MD et al. Heller myotomy versus Heller myotomy with Dor fundoplication for achalasia: a prospective randomized double-blind clinical trial. Ann Surg 2004; 240: 405-12; discussion 12-5., 5% eram de grau I e 2% de grau II, enquanto nenhum caso foi classificado como grau III, IV ou V.

A LESP pré-operatória média de toda a coorte foi de 33 mmHg (4,7-70), enquanto a média de LESP pós-operatória foi de 13,3 mmHg (4,1-28,4, Tabela 2). A média da LESP pós-operatória foi de 11,36 mmHg para o grupo Sucesso e de 16,75 mmHg para o grupo Falha. O valor p foi 0,022 (Figura 1). Quando se analisou a relação entre a LESP pré-operatória e a dilatação pneumática, aqueles que tiveram uma ou mais dilatações pneumáticas tiveram valores médios diferentes: 0 dilatação pneumática=33 mmHg; 1 dilatação pneumática=28,39 mmHg; >1 dilatação pneumática=23,5 mmHg (p=0,043). A redução percentual da LESP no pré e pós-operatório imediato foi de 60,35% no grupo Sucesso e de 32,49% no grupo Falha(Figura 2). Quanto ao período pós-operatório tardio, a diminuição média do percentual foi de 60,15% no grupo Sucesso e 31,4% no grupo Falha (p=0,0087).

TABELA 2
Resultados das avaliações pré e pós-operatórias

FIGURA 1
Média pós-operatória da pressão de esfíncter esofageano inferior (LESP) nos grupos sucesso e falha

FIGURA 2
Plotagem da média de queda percentual da pressão de esfíncter esofageano inferior (LESP) no pré operatório imediato e pós operatório vs. sucesso e falha

Os escores pré-operatórios médios para a frequência e intensidade da disfagia foram de 4,7 e 4,1 pontos, respectivamente. A média do escore total pré-operatório foi de 9,03 pontos (no máximo 10 pontos). Quando o escore de disfagia foi aplicado no pós-operatório imediato, a pontuação média de frequência de disfagia foi de 0,9 pontos, e de intensidade foi de 0,8 pontos, sendo assim o escore total médio de 1,7 pontos. A queda média global do escore de disfagia entre os períodos pré e pós-operatório imediato foi de 7,33 pontos, o que representa diminuição de 81,17% (Figura 3, p=0,0001). Em relação ao pós-operatório tardio, a média geral foi de 2,2 pontos, com queda pós-operatória tardia (LPF) de 6,83 pontos, representando 75,6% (p=0,03, Tabela 2). Não houve diferença significativa entre as quedas do pós-operatório imediato e tardio.

FIGURA 3
Plotagem da queda do score de disfagia entre o pré e o pós-operatório vs. sucesso (0) e falha (1)

A melhora da QV foi avaliada em termos de sucesso inicial e tardio, utilizando-se uma queda no score da disfagia para menos de 5 na comparação entre os períodos pré-operatório e pós-operatório imediato e tardio. O suceso inicial foi evidenciado em 75 de 84 pacientes, representando 89,3% da série, enquanto que nove, ou 10,7% da série, foram considerados como falha inicial do tratamento cirúrgico. Em relação ao sucesso tardio, 71 pacientes, ou 84,5%, foram considerados sucesso tardio, enquanto 13, ou 15,5%, ou seja, quatro pacientes a mais do que aqueles considerados falha inicial, foram considerados falha tardia (p=0,03, Tabela 2).

Os grupos Sucesso/Falha não diferiram em nenhum aspecto analisado nas variáveis estudadas.

DISCUSSÃO

O estudo foi concebido como retrospectivo com análise de dados prospectiva. Os dados foram obtidos a partir de registros médicos, entrevistas diretas e contato telefônico. Esses dados foram utilizados para estudar a QV em longo prazo de pacientes submetidos à operação de acalásia, juntamente com os preditores de sucesso ou falha. Há dúvida na literatura quanto à eficácia do HDL no controle desta doença ao longo de vários anos1616 Oliveira GC, Lopes LR, Andreollo NA, Braga NS, Neto JSC. Surgical treatment of megaesophagus at UNICAMP hospital of clinics - associated factors with better and worse results. Rev Col Bras Cir 2009; 36: 300-6.. Alguns estudos publicados relataram excelentes ou bons resultados variando de 78-93%, sem critério único para sucesso ou falha no tratamento cirúrgico da acalásia44 Arruda C. Qualidade de Vida Pré e Pós Dilatação Pneumática em pacientes com Acalasia [Quality of life before and after pneumatic dilation in patients with Acalasia]. 01/12/200, 222v 22p. Master UFRGS- Gastroenteorological sciences.,66 Bonatti H, Hinder RA, Klocker J et al. Long-term results of laparoscopic Heller myotomy with partial fundoplication for the treatment of achalasia. Am J surg 2005; 190: 874-8.,1616 Oliveira GC, Lopes LR, Andreollo NA, Braga NS, Neto JSC. Surgical treatment of megaesophagus at UNICAMP hospital of clinics - associated factors with better and worse results. Rev Col Bras Cir 2009; 36: 300-6.,1717 Onopriev VI, Durleshter VM, Ryabchun VV. Comparative pre- and postoperative results analysis of functional state of the esophagus assessment in patients with various stages of achalasia. Eur J Cardio Thoracic Surg 2005; 28: 1-6.,2929 Zaninotto G, Costantini M, Portale G et al. Etiology, Diagnosis, and treatment of failures after laparoscopic Heller myotomy for achalasia. Ann surg 2002; 235: 186-92.. O seguimento foi realizado para avaliar as respostas em longo prazo.

Um dos preditores de sucesso ou resposta cirúrgica adequada que já foi observado na literatura é LESP pré-operatória >35 mmHg. A chance de sucesso é 21 vezes maior em indivíduos com alto índice de LESP (>35 mmHg) do que nos com LESP <35 ​​mmHg2424 Rezende JD, Lauar KM, Olveira AR. Aspectos clínicos e radiológicos da aperistalsis do esôfago. Rev Bras Gastroenterol 1960; 12: 247-62.,2121 Pinotti HV, Ellenbogen G, Gama-Rodrigues JJ et al. Novas bases para o tratamento cirúrgico do megaesôfago: esôfagocardiomiotomia com esôfagofundogastropexia. Rev Ass Med Bras 1974; 20: 331-4.. O comportamento da LESP em nesta série segue as tendências observadas em outros estudos, com valor médio da LESP de 33 mmHg no pré-operatório e 13,3 mmHg no pós-operatório, com p<0,05. Pode-se presumir que a cardiomiotomia de Heller foi capaz de diminuir eficazmente a LESP, uma vez que a população antes e após ela se comportou de forma diferente e antagonista em relação a esta variável. De acordo com os resultados, comparando a redução da LESP entre o período pré e pós-operatório imediato e entre o período pré e pós-operatório tardio, houve diminuição percentual superior a 60%, com p<0,001. Este resultado representa bom prognóstico precoce e tardio. Com base no resultado da LESP pós-operatória isoladamente, com o objetivo cirúrgico de retornar a LESP quase normal, apenas 7,1% dos casos continuaram a ter LESP acima de 20 mmHg1616 Oliveira GC, Lopes LR, Andreollo NA, Braga NS, Neto JSC. Surgical treatment of megaesophagus at UNICAMP hospital of clinics - associated factors with better and worse results. Rev Col Bras Cir 2009; 36: 300-6.. A maioria dos pacientes, 92,9%, apresentou diminuição da LESP apresentando valores próximos dos normais.

Outra variável analisada foi a dilatação pneumática. Este procedimento foi realizado em 30 pacientes, totalizando 35 dilatações. Quando comparadas a LESP pré-operatória e os pacientes que não tiveram dilatação pneumática, uma dilatação pneumática e mais de uma dilatação pneumática, as médias foram diferentes: 0 dilatação pneumática=33 mmHg; 1 dilatação pneumática=28,39 mmHg; >1 dilatação pneumática=23,5 mmHg (p=0,043). Presumi-se que a dilatação pneumática foi capaz de modificar estas três populações em relação aos seus valores de pressão pré-operatória. Foi também estudada a relação entre a dilatação pneumática pré-operatória e o resultado pós-operatório da LESP. A média dela nos que não apresentaram dilatação pneumática foi de 15,26 mmHg, e foi de 10,20 mmHg nos que tiveram dilatação pneumática (p=0,0045), ou seja, a dilatação pneumática pré-operatória afetou significativamente a LESP pós-operatória final ao diminui-la, ao contrário das expectativas. Esse achado pode estar relacionado ao fato de que a dilatação pneumática prévia também reduziu a LESP pré-operatória. Estes pacientes, portanto, já teriam LESP menor antes da operação, o que pode ter sido refletido nas medidas registradas após o procedimento. Outro fato que apóia este raciocínio é que não foi encontrada diferença significativa (p=0,47) na relação entre dilatação pneumática prévia e redução percentual na LESP. Esta variável é calculada a partir de valores do pré e pós-operatórios e, portanto, negam a influência da dilatação pneumática.

No entanto, a dilatação pneumática prévia, independentemente do número de vezes, não afetou significativamente sucesso ou falha (p=0,35), nem aumentou a chance de complicações cirúrgicas ou morbidade. A maioria dos estudos publicados também não mostra essa correlação1111 Gupta R, Sample C, Bamehriz F, Birch D, Anvari M. Long-term outcomes of laparoscopic Heller cardiomyotomy without an anti-reflux procedure. Surg Laparosc Endosc Percutan tech 2005; 15: 129-32.,2727 Smith CD, Stival A, Howell DL, Swafford V. Endoscopic therapy for achalasia before Heller myotomy results in worse outcomes than heller myotomy alone. Ann surg 2006; 243: 579-84; discussion 84-6.. Smith et al.27 observaram desfecho adverso em sua série de 209 pacientes, sendo 74% submetidos ao tratamento endoscópico prévio. Seu estudo mostrou maior taxa de complicações cirúrgicas, com abertura da mucosa em 17 pacientes, dos quais 15 tinham sido submetidos ao tratamento endoscópico prévio (dilatação pneumática ou Botox). Esses pesquisadores também relataram ter encontrado fibrose e dificuldade em dissecar o hiato e a região perimediastinal. Outro trabalho descreveu aumento significativo nos tempos da HDL em pacientes que haviam sido previamente submetidos à dilatação pneumática ou injeção de toxina botulínica1111 Gupta R, Sample C, Bamehriz F, Birch D, Anvari M. Long-term outcomes of laparoscopic Heller cardiomyotomy without an anti-reflux procedure. Surg Laparosc Endosc Percutan tech 2005; 15: 129-32..

Os critérios de falha foram adotados com base no escore de disfagia, com pacientes disfágicos persistentes um ano após o pós-operatório, com escore de disfagia maior ou igual a 5, bem como aqueles que necessitaram de tratamento complementar como dilatação pneumática ou injeção de toxina botulínica,considerado como falha do tratamento cirúrgico. Nenhum dos 22 pacientes classificados como falha necessitou de reoperação e foram manejados com dilatação pneumática ou ajuste na dieta. A diminuição percentual do escore de disfagia foi de 81,17% no pós-operatório imediato, com p<0,0001. No pós-operatório tardio, a queda foi de 75,6%, com p=0,03. Acredita-se que esses dados, apoiados em seguimento de 8,5 anos, sugerem que o tratamento cirúrgico teve grande impacto na QV, alterando drasticamente o principal sintoma de disfagia em longo prazo.

O aumento da QV foi avaliado pelo sucesso inicial e tardio demonstrado pela redução do escore de disfagia para menos de 5 do pré-operatório ao pós-operatório imediato e tardio. O sucesso inicial foi evidenciado em 75 dos 84 pacientes submetidos à operação, o que representa 89,3% da série, enquanto nove, ou 10,7% da série, foram considerados como falha inicial do tratamento cirúrgico. Em relação ao sucesso tardio, 71 pacientes, ou 84,5%, foram considerados sucesso, enquanto 13, ou 15,5%, apresentaram falha tardia (p=0,03). O seguimento pós-operatório revelou prognóstico favorável e não afetou o tratamento. Este achado não foi mencionado em vários estudos prévios e pode ser considerado análise inédita. A confirmação destes dados deve ser esperada em estudos subsequentes.

Ao considerar todos os estudos analisados ​​na avaliação da HDL e suas variantes, pode-se concluir que ela é segura, com tempo de hospitalização curto e alta taxa de sucesso no curto e longo prazo33 Arain MA, Peters JH, Tamhankar AP et al. Preoperative lower esophageal sphincter pressure affects outcome of laparoscopic esophageal myotomy for achalasia. J Gastroint Surg 2004; 8: 328-34.,2121 Pinotti HV, Ellenbogen G, Gama-Rodrigues JJ et al. Novas bases para o tratamento cirúrgico do megaesôfago: esôfagocardiomiotomia com esôfagofundogastropexia. Rev Ass Med Bras 1974; 20: 331-4.. Este procedimento tem efeito significativo sobre o principal sintoma, disfagia, além de ter baixa morbidade e mortalidade sendo, portanto, recomendado no manejo da acalásia11 An Moonen, Vito Annese, Ann Belmans, et al. Long-term results of the European achalasia trial: a multicentre randomised controlled trial comparing pneumatic dilation versus laparoscopic Heller myotomy. Gut 2016;65:732-739,33 Arain MA, Peters JH, Tamhankar AP et al. Preoperative lower esophageal sphincter pressure affects outcome of laparoscopic esophageal myotomy for achalasia. J Gastroint Surg 2004; 8: 328-34.,88 Dang Y, Mercer D. Treatment of esophageal achalasia with Heller myotomy: retrospective evaluation of patient satisfaction and disease-specific quality of life. Can J Surg 2006; 49: 267-71.,1515 Oelschlager BK, Chang L, Pellegrini CA. Improved outcome after extended gastric myotomy for achalasia. Arch Surg 2003; 138: 490-5; discussion 495-47.,2020 Pinotti H. Acesso ao Esôfago Torácico por Transecção Mediana do Diafragma. São Paulo: Atheneu, 1999..

CONCLUSÕES

A redução de 60% na LESP entre os períodos pré e pós-operatório sugere que essa métrica é preditora de bom prognóstico para a resposta cirúrgica. O tratamento cirúrgico foi capaz de ter um efeito significativo na QV e alterar drasticamente o principal sintoma da disfagia em longo prazo.

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  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2017
  • Aceito
    06 Jun 2017
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