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Fístula pancreaticopleural

CARTA AO EDITOR

Fístula pancreaticopleural

Ricardo Duarte Mota; Camila Oliveira Alcântara; Leandro Moreira Antunes; Antônio Sérgio Barcala Jorge

Correspondência Correspondência: Antônio Sérgio Barcala Jorge - Hospital Universitário Clemente Faria (Clínica Cirúrgica), Avenida Cula Mangabeira, nº 562, Santo Expedito, Montes Claros, MG, CEP: 39401002, Brasil

INTRODUÇÃO

A fístula pancreaticopleural é entidade rara3,4,5,8. Foi descrita pela primeira vez em 1973 por Tombroff10. Estima-se que ocorra em 0,4% dos pacientes que apresentam pancreatite. Está relacionada, em 99% dos casos, à causa alcoólica5,11,14. Pode ocorrer através de dois mecanismos: diretamente pela comunicação do ducto pancreático principal com a cavidade pleural ou, com mais frequência, através de um pseudocisto7,8,9,15. Produz derrames pleurais volumosos e recidivantes, usualmente do lado esquerdo1 associados a alto teor de amilase pancreática8,11, identificando-se concomitantemente elevados valores séricos desta enzima15. A radiografia de tórax evidencia o derrame pleural7,8. A ultrassonografia de abdome e tomografia computadorizada toracoabdominal permitem visualizar o pâncreas com suas alterações e possível pseudocisto6,7,8. A fístula pode ser diagnosticada por colangiopancreatografia endoscópica retrógrada7,14 ou por colangiopancreatografia por ressonância magnética14,15 e, com menor sensibilidade, pela tomografia computadorizada4,14. O tratamento conservador consiste em nutrição parenteral total, somatostatina, toracocenteses ou drenagem torácica em selo d´água1,7,8,11,14,15. O tratamento endoscópico consiste na colocação de próteses no interior do ducto de Wirsung e esfincterotomia1,4,7,14,15. O tratamento cirúrgico consiste na drenagem pancreática com a confecção de anastomose com um segmento intestinal14 e/ou pancreatectomia distal isolada1,2,14,15.

RELATO DO CASO

Mulher de 52 anos com história pregressa de tabagismo e etilismo pesado, recorreu ao serviço de urgência por dispnéia desde há um mês, com agravamento acentuado nas duas últimas semanas. Referia também hiporexia, perda de peso não quantificada, dor torácica ventilatório dependente e febre. Negava queixas abdominais. Ao exame físico apresentava-se bastante emagrecida, com mucosas hipocoradas 2+/4+, febril, com taquipnéia leve. À ausculta respiratória observou-se murmúrio vesicular abolido nos dois terços inferiores do hemitórax direito e terço inferior esquerdo, com macicez à percussão. O abdome era plano, sem visceromegalias ou massas palpáveis e indolor à palpação.

A avaliação laboratorial mostrou anemia normocítica e normocrômica, perfil hepático e renal sem alterações. A radiografia de tórax evidenciou derrame pleural bilateral, mais importante à direita. Foi realizada toracocentese e biópsia pleural. A análise revelou líquido pleural de aspecto turvo, pH=8, densidade 1015, citologia com predominância de polimorfonucleares, bacteriologia negativa, ausência de fungos e negativo para malignidade. Identificou-se relação proteína pleural/ proteína plasmática de 0,55, relação LDH pleural/ LDH plasmático de 7,0 e LDH pleural de 1463, além de ADA de 6 e amilase superior a 2000. Biópsia pleural mostrou pleurite inespecífica. Colocado dreno de tórax com selo d´água. Paciente evoluiu afebril. Realizados rastreamento para neoplasia ginecológica, pulmonar, metastática e fístula esofágica, com exames de imagem e marcadores tumorais, todos com resultados negativos. TC abdominal sugeriu pancreatite crônica com pseudocistos pancreáticos. A amilase sérica era de 2015.

A paciente foi submetida à nutrição parenteral total por duas semanas, mas ainda persistia com fístula ativa após o período. Optou-se então por laparotomia e derivação com anastomose pancreatojejunal longitudinal em Y-de-Roux com preservação esplênica (procedimento de Partington e Rochelle). A operação ocorreu sem intercorrências. A paciente recebeu alta hospitalar após o nono dia de pós-operatório, em condições favoráveis.

DISCUSSÃO

Ali et al.1, em recente revisão de 52 casos publicados e Uchiyama et al.11 em revisão de 113 casos no Japão relatam a dispnéia, dor abdominal, tosse e dor torácica como os principais sintomas em pacientes com fístula. Derrames pleurais com alto teor de amilase podem ser encontrados na pancreatite aguda, câncer ginecológico, pulmonar, tumores metastáticos, pneumonia, perfuração esofágica, linfoma, leucemia e tuberculose pulmonar4.

Tomografia abdominal, apesar da baixa sensibilidade, é inicialmente pedida, tendo em vista poder revelar traços de pancreatite crônica, como calcificações pancreáticas e pseudocistos1. Entretanto, alguns autores defendem que a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada deva ser realizada inicialmente15. Algumas séries1 mostram confirmação diagnóstica em 78% dos casos com seu uso. Deve ser levado em conta, no entanto, o fato dela não ser capaz de demonstrar fístulas em locais em que o ponto de ruptura ductal é mais distal do que o ponto de obstrução - razão pela qual a tomografia deve ser o método de escolha nesses casos11. A colangiopancreatografia por ressonância magnética mostrou-se eficaz para diagnóstico de fístula em vários trabalhos1,12,13. Constitui-se em método não-invasivo, sem necessidade de contraste e isento de riscos infecciosos. Alguns autores defendem-na como método inicial1,12,13. A ultrassonografia abdominal não é considerada efetiva para diagnóstico em decorrência de sua baixa sensibilidade, uma vez que a distensão intestinal gasosa e a presença de ar no estômago prejudicam a identificação das fístulas1,4,7,11,13.

Não existem diretrizes para o tratamento da fístula baseados em ensaios clínicos randomizados. O manejo é embasado em relatos de casos e séries de casos1,11. Inicialmente o tratamento clínico é realizado por duas a três semanas que consiste em nutrição parenteral total, associado a análogos da somatostatina e drenagem torácica em selo d'água1,7,11,13. Deve-se lembrar que a redução das secreções pancreáticas é menos importante do que a restauração da continuidade anatômica do ducto pancreático1,9. A eficácia do tratamento conservador varia de 30 a 60% em algumas séries1 e de 0 a 33% em outras4. Recentemente o tratamento endoscópico ganhou espaço que consiste na dilatação com balão e colocação de próteses intraductais1,4,7,11,13. A endoprótese pode permitir a drenagem da secreção pancreática para o duodeno. São relatadas taxas de sucesso de até 25% com tratamento endoscópico.

A falha no tratamento conservador indica tratamento cirúrgico. O tipo de procedimento é determinado de acordo com a porção pancreática acometida12 e pela anatomia do ducto pancreático. Ruptura completa do ducto pancreático e a presença pseudocistos de grande volume são indicações claras de tratamento cirúrgico1. A pancreatectomia distal constitui-se no procedimento com maior número de descrições na literatura para o tratamento dessas fístulas1,11. Em pacientes portadores de pseudocisto, faz-se necessária a realização de drenagem interna com pancreatojejunostomia1,9,11.

CONCLUSÃO

Fístula pancreaticopleural constitui-se em um achado raro que deve ser suspeitado principalmente em pacientes com história de pancreatite ou alcoolismo que apresentem sintomas respiratórios ou derrame pleural.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 17/05/2010

Aceito para publicação: 07/02/2011

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Montes Claros, Hospital Universitário Clemente Faria, Montes Claros, MG, Brasil.

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  • Correspondência:
    Antônio Sérgio Barcala Jorge - Hospital Universitário Clemente Faria (Clínica Cirúrgica), Avenida Cula Mangabeira, nº 562, Santo Expedito, Montes Claros, MG, CEP: 39401002, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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