A cirurgia minimamente invasiva por via laparoscópica ganhou popularidade e tornou-se o método padrão de abordagem de diversos procedimentos cirúrgicos.(10) Entretanto, seu emprego para o tratamento do câncer gástrico (CG) sempre trouxe dúvidas sobre a possibilidade de se realizar adequadamente a complexa linfadenectomia envolvida nesses procedimentos.(2) Como ocorre em toda incorporação de uma nova tecnologia na cirurgia, os relatos iniciais de seu emprego envolviam apenas série de casos retrospectivas de pacientes selecionados. Esse grande viés de seleção dos pacientes sempre levou ao questionamento da real efetividade do método e sua capacidade de generalização.
Apesar dessa inegável limitação dos estudos iniciais, os resultados preliminares de outros centros, assim como nossa própria experiência, nos mostravam que a abordagem laparoscópica dos tumores gástricos era factível.(3) As vantagens já descritas do método laparoscópico, como menor dor pós-operatória, recuperação e alta mais precoces, eram mantidas. O tempo cirúrgico era mais prolongado; porém, o dado mais importante desses estudos iniciais foi a certeza que as complicações pós-operatórias eram equivalentes e os parâmetros oncológicos cirúrgicos precoces, como número de linfonodos e margens cirúrgicas, não se alteravam. Esses resultados nos encorajaram já em 2016 a questionar se não estava no momento de uma mudança de paradigma da laparotomia convencional para a laparoscópica minimamente invasiva.(1) Talvez, naquele momento nos apoiávamos em evidências não ideais e retrospectivas dando a impressão que aquilo poderia ser um “wishful thinking”. Entretanto, os resultados apresentados nos anos seguintes de grandes estudos prospectivos randomizados acabaram por confirmar nossa impressão inicial.
Sem dúvida um grande número de estudos foi publicado sobre o assunto nos últimos anos. A análise crítica deles é importante e detalhes não devem ser confundidos para que conclusões equivocadas não sejam realizadas. Alguns pontos devem sempre ser considerados na análise desses estudos do emprego da cirurgia minimamente invasiva no CG: 1) Que tipo de tumor foi avaliado precoce ou avançado? 2) A ressecção cirúrgica foi distal ou total? 3) O estudo foi prospectivo randomizado ou os casos foram selecionados? 4) Os desfechos analisados são precoces relacionados às complicações cirúrgicas ou oncológicos em longo prazo? 5) O estudo foi de superioridade ou de não inferioridade? 6) Os dados reproduzem a realidade da minha prática?
O grande marco do emprego da cirurgia laparoscópica no tratamento do CG foi a divulgação dos resultados do estudo sul-coreano KLASS-01.(8) Este estudo de não inferioridade comparou a cirurgia laparoscópica com a laparotômica no tratamento de tumores precoces distais. O método laparoscópico apresentou menor ocorrência de complicações cirúrgicas relacionadas à ferida operatória sem inferioridade em relação à sobrevida livre de doença em três anos. Posteriormente, o estudo japonês JCOG0912 confirmou a equivalência de resultados cirúrgicos precoces, mas resultados oncológicos tardios ainda não foram divulgados.(7) Desde então, a cirurgia laparoscópica é considerada o padrão para ressecção de tumores gástricos precoces distais. Ainda, avaliando-se tumores precoces só que proximais, dois estudos - KLASS-03 e JCOG1401 - já evidenciaram resultados cirúrgicos precoces semelhantes e espera-se que em breve ocorra a divulgação dos resultados oncológicos em longo prazo.
A cirurgia laparoscópica nos tumores avançados sempre trouxe maior preocupação com relação à possibilidade de disseminação peritoneal pela manipulação dos tumores que acometem a serosa assim como a possibilidade de linfadenectomia incompleta de casos com alta probabilidade de acometimento linfonodal. Resultados cirúrgicos preliminares de três estudos - JLSSG0901, KLASS-02 e CLASS-01 - não evidenciaram alteração no número de complicações cirúrgicas precoces.(5,9,11) Análise de critérios oncológicos precoces como margens cirúrgicas, número de linfonodos ressecados e estadiamento patológico final também não diferiram entres os grupos. Entretanto, resultados oncológicos em longo prazo eram aguardados com grande ansiedade. Felizmente, no último Congresso Mundial de Câncer Gástrico realizado em Praga no mês de maio de 2019, foram apresentados pelos autores do estudo sul-coreano KLASS-02 e do chinês CLASS-01 resultados oncológicos em longo prazo. Ambos evidenciaram não inferioridade da cirurgia laparoscópica com relação a sobrevida livre de doença em três anos. Logo em seguida, o estudo CLASS-01 foi inteiramente publicado no JAMA confirmando os dados preliminares apresentados de não inferioridade da cirurgia laparoscópica.(11) Dessa forma, também podemos afirmar que a cirurgia laparoscópica pode ser empregada para tratamento de tumores gástricos distais avançados. Com relação aos tumores proximais avançados, os sul-coreanos iniciaram em 2018 o estudo KLASS-06; porém, nenhum dado está disponível até o momento.
A dúvida se os dados orientais podem ser extrapolados para pacientes e cirurgiões ocidentais é sempre pertinente. Nesse contexto o estudo holandês LOGICA serve como uma ponte entre os dois extremos.(4) No Congresso Mundial de Câncer Gástrico - Praga 2019, também tivemos a oportunidade de avaliar os dados cirúrgicos iniciais desse estudo multicêntrico que envolveu 10 centros holandeses e incluiu 210 pacientes. Dados preliminares apresentados não evidenciaram diferença entre as técnicas, mas ainda não houve publicação desses resultados.
Infelizmente o grande número de pacientes e financiamento necessários nesses estudos dificulta sua realização em nosso país. Portanto, o acompanhamento dos resultados desses grandes estudos internacionais é fundamental para estarmos atualizados com as últimas evidências. Se não dispomos de dados prospectivos randomizados, a análise crítica dos nossos próprios resultados com a publicação de série de casos é fundamental para o controle de qualidade da técnica e verificarmos se é possível sua generalização no nosso país.(6)
Este ano a Associação Brasileira de Câncer Gástrico comemorou 20 anos de sua fundação. Para celebrar essa data realizou-se em Porto Alegre no mês de agosto uma jornada comemorativa, quando tivemos a oportunidade de debater esses novos estudos. Se em 2016 não dispúnhamos das melhores evidências científicas para fazermos a transição para a abordagem minimamente invasiva, atualmente os recentes dados divulgados corroboram nossa impressão inicial. Dessa forma, considerando que a maior parte dos tumores no nosso país ainda são distais, acreditamos que cada vez mais a cirurgia minimamente invasiva vai se tornar o padrão no tratamento cirúrgico do CG.
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Dez 2019 -
Data do Fascículo
2019