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DESAFIOS PARA AS 10 REGRAS DE OURO PARA O REPARO MINIMAMENTE INVASIVO SEGURO DAS HÉRNIAS INGUINAIS: PODEMOS MELHORAR?

RESUMO

Racional:

Desde a publicação de nosso artigo “Dez Regras de Ouro para o Reparo Seguro de Hérnia Inguinal MIS”, recebemos muitos questionamentos. Como autores, sentimos que é importante abordar esses tópicos como seguimento do artigo

Objetivo:

Discutir com mais detalhes os principais pontos de controvérsia, revisar as regras e atualizar as recomendações.

Método:

As dúvidas e discussões surgiram principalmente sobre cinco regras, numeradas 3, 5, 6, 7, 10. Analisamos todos os comentários sobre as recomendações e atualizamos alguns dos princípios técnicos.

Resultados:

Regra 3 - remoção dos plugs de gordura normais do canal obturador é desnecessária e, portanto, não é recomendada; Regra 5 - transecção do ligamento redondo do útero (1 cm proximal ao anel profundo) facilita a dissecção adequada e quando realizado dessa forma, não parece estar associada com complicações; Regra 6 - transecção de grandes sacos herniários é mais segura do que a dissecção excessiva das estruturas do cordão espermático e, se dissecar completamente o saco ou abandonar a parte distal, resulta em menos seromas pós-operatórios ainda é motivo de debate; Regra 7 - qualquer estrutura retroperitoneal que atravessa o anel interno é ou desempenha o papel como uma hérnia e deixar de identificar e remover o lipoma acabará resultando em recorrência; Regra 10 - na TAPP o peritônio deve ser fechado preferencialmente com sutura do que com tacks.

Conclusão:

As 10 Regras de Ouro enfatizam as dicas cirúrgicas e etapas técnicas mais importantes que permitem a realização segura de reparos MIS de hérnias inguinais, independentemente da técnica.

DESCRITORES:
Hérnia inguinal; Cirurgia minimamente invasiva; Laparoscopia; Visão crítica; Robótica; Regras de ouro

ABSTRACT

Background:

Since publication of our paper “Ten Golden Rules for a Safe MIS Inguinal Hernia Repair” we have received many questions. As the authors, we feel it is important to address these topics as a follow-up to our paper.

Aim:

To discuss in more details the main points of controversy, review the rules and update de recommendations.

Method:

The questions and discussions came mainly over five rules, numbered 3, 5, 6, 7, 10. We analyzed all the comments about recommendations and update some technical principles.

Results:

Rule 3 - Removing normal fat plugs from the obturator canal is unnecessary and therefore is not recommended; Rule 5 - transection of the uterine round ligament (1 cm proximal to the deep ring) facilitates adequate dissection. When performed in this way it does not appear to be associated with complications; Rule 6 - transection of huge sacs are safer than over-dissection of the cord structures. Whether dissecting completely the sac or abandon the distal part it results in less postoperative seromas is an ongoing debate; Rule 7 - any retroperitoneal structure traversing the internal ring is or play a role like a hernia. Failing to identify and remove the lipoma will ultimately result in the patient experiencing a recurrence; Rule 10 - in TAPP peritoneum should preferably be closed with suture than tackes.

Conclusion:

10 Golden Rules emphasize the most important surgical tips and technical steps that allow the safe performance of MIS repairs of inguinal hernias, regardless the technique.

HEADINGS:
Inguinal hernia; Minimally invasive surgery; Laparoscopy; Robotic, critical view; Golden rules

INTRODUÇÃO

Desde a publicação de nosso artigo “Dez Regras de Ouro para o Reparo MIS Seguro das Hérnias Inguinais Usando um Conceito Anatômico como Guia”22 Claus, C., Furtado, M., Malcher, F., Cavazzola, L. T., & Felix, E. Ten golden rules for a safe MIS inguinal hernia repair using a new anatomical concept as a guide. Surgical Endoscopy. 2020, 34(4), 1458-1464. https://doi.org/10.1007/s00464-020-07449-z
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, ele foi baixado mais de 15.000 vezes e recebemos muitas perguntas sobre a publicação, bem como elogios e críticas. Como autores, sentimos que é importante abordar essas questões e dúvidas como seguimento do nosso artigo. É importante ressaltar que na publicação original não pretendíamos esgotar o assunto ou discutir todos os aspectos dos reparos minimamente invasivos (MIS) das hérnias inguinais e suas variações anatômicas e técnicas, por ser impossível em um único artigo. Nosso principal objetivo foi estabelecer o que acreditamos serem as etapas essenciais que, se seguidas pelos cirurgiões, devem resultar em um reparo bem-sucedido e minimizando o risco de complicações. Esperamos que a descrição da técnica MIS de forma didática e sistemática possa aumentar a adoção de forma segura dessa abordagem, que têm sido promovida pelas principais diretrizes de hérnia55 HerniaSurge Group. International guidelines for groin hernia management. Hernia. 2018, 22(1), 1-165. https://doi.org/10.1007/10029-017-1668-x
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,1616 van Veenendaal, N., Simons, M., Hope, W., Tumtavitikul, S., Bonjer, J., & HerniaSurge Group. Consensus on international guidelines for management of groin hernias. Surgical Endoscopy. 2020, 34(6), 2359-2377. https://doi.org/10.1007/s00464-020-07516-5
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porém é utilizada em apenas 10-20% das cirurgias em todo o mundo.

O objetivo desse novo documento é discutir com mais detalhes os principais pontos de controvérsia, revisar as regras e atualizar as recomendações.

MÉTODO

Nosso artigo publicado há um ano tornou-se referência tanto na padronização da técnica quanto para ensinar a correção das hérnias inguinais por MIS. No entanto, algumas dúvidas e controvérsias sobre as regras têm sido levantadas.

Como autores, sentimos que é importante abordar essas questões e críticas como seguimento do artigo. As dúvidas e discussões surgiram principalmente sobre cinco regras, numeradas 3, 5, 6, 7, 10. Analisando todos os comentários e entendendo as possíveis melhorias nas recomendações, nós agora atualizamos alguns princípios técnicos nas cinco regras publicadas anteriormente.

RESULTADOS

Regra 3:

Texto original

A dissecção deve se estender pelo menos até a sínfise púbica e pelo menos 2 cm abaixo do púbis na Zona 2, a fim de criar espaço suficiente para acomodar uma tela de tamanho adequado, que se sobrepõe aos triângulos das hérnias direta e femoral, em pelo menos 3-4 cm e não será levantada pela distensão da bexiga.

Atualização

Muitas dúvidas e debate têm surgido sobre como lidar com a zona 2 (dissecção medial), seus limites e como lidar com o forame obturatório. Embora as hérnias obturatórias sejam extremamente raras1313 Schizas, D., Apostolou, K., Hasemaki, N., Kanavidis, P., Tsapralis, D., Garmpis, N., Damaskos, C., Alexandrou, A., Filippou, D., & Kontzoglou, K. Obturator hernias: a systematic review of the literature. Hernia. 2020, Advance online publication. https://doi.org/10.1007/s10029-020-02282-8
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, entendemos que é importante estender a dissecção pelo menos 2 a 3 cm abaixo do púbis, a fim de obter cobertura adequada do orifício miopectíneo (MPO), de modo que a tela não seja deslocada pela expansão da bexiga. Ao estender a dissecção dessa maneira, o cirurgião identificará uma hérnia obturatória se houver, e a cobrirá adequadamente com tela se necessário. Contudo, como muitos apontaram, a remoção dos tampões/plugs de gordura normais do canal obturatório é desnecessária e pode causar sangramento e, portanto, não é recomendada (Figura 1).

Regra 5

Texto original

A parietalização dos elementos do cordão é considerada suficiente quando o peritônio é dissecado inferiormente até pelo menos o nível em que o canal deferente cruza a veia ilíaca externa na Zona 3 e o músculo iliopsoas é identificado posteriormente na Zona 1.

Comentário: Nas mulheres, o ligamento redondo do útero geralmente está intimamente aderido ao peritônio. Recomenda-se então a transecção do ligamento redondo, 1 cm proximal ao anel profundo, a fim de evitar lesão do ramo genital do nervo genitofemoral neste local.

Atualização

Muitas questões foram levantadas sobre a transecção do ligamento redondo nos reparos das hérnias inguinais em pacientes do sexo feminino. Consideramos importante a secção do ligamento redondo do utero para facilitar a parietalização do peritônio e conseguir uma dissecção adequada, bem como para o correto posicionamento da tela. É importante que a transecção ocorra cefálica/proximal (pelo menos 1 cm abaixo do anel interno) ao ponto em que o ramo genital do nervo genitofemoral se junta ao ligamento redondo. Além disso, durante a transecção deve-se tomar cuidados com os vasos para evitar um possível sangramento pós-operatório (a artéria normalmente está obliterada mas pode persistir). Existem poucas evidências de que a transecção neste ponto acarrete qualquer complicação ginecológica pós-operatória e pode ser realizada com segurança, se realizada da maneira que sugerimos1414 Schmidt, L., Andresen, K., Öberg, S., & Rosenberg, J. Dealing with the round ligament of uterus in laparoscopic groin hernia repair: a nationwide survey among experienced surgeons. Hernia. 2018, 22(5), 849- 855. https://doi.org/10.1007/s10029-018-1802-4
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,1515 Schmidt, L., Andresen, K., & Rosenberg, J. No difference in genitourinary com- plications after laparoscopic vs. open groin hernia repair in women: a nationwide linked register-based cohort study. Surgical Endoscopy. 2020, 34(5), 1978-1984. https://doi.org/10.1007/s00464-019-06973-x
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(Figura 2). Se alguém deseja preservar o ligamento redondo, como feito com o cordão espermártico nos homens, o cirurgião deve ser extremamente cuidadoso para fazer a parietalização de forma adequada para evitar o deslocamento da tela quando o retalho/flap peritoneal é fechado na TAPP ou o CO2 é evacuado na TEP. Da mesma forma, uma dissecção inadequada pode resultar em uma tela mal posicionada.

Regra 6

Texto original

Em hérnias grandes ou inguinoescrotais, recomenda-se seccionar e abandonar o saco herniário distal dentro do escroto.

Os sacos herniários indiretos geralmente são dissecados e reduzidos do canal inguinal. Entretanto quando é necessário lidar com sacos herniários grandes ou crônicos e fibróticos, pode-se transeccionar o saco herniário após a identificação segura dos elementos do cordão espermático. Esta decisão é feita para evitar a dissecção excessiva dos elementos do cordão, evitando assim lesá-los. É mais fácil lidar com uma pseudo-hidrocele no pós-operatório do que com um hematoma escrotal, orquite isquêmica ou lesão do cordão espermático.

Atualização

Nesta regra, nós discutimos como lidar com o saco herniário indireto. Recomendamos que, nos casos em que o saco indireto seja extremamente grande, aderente e difícil de dissecar de forma completa das estruturas do cordão, ele seja parcialmente (e cuidadosamente) separado do cordão, seccionado e a extremidade distal abandonada e na bolsa escrotal. Se dissecação completa do saco herniário ou abandonar a parte distal, resulta em menos seromas pós-operatórios é um debate bastante atual77 Li, W., Li, Y., Ding, L., Xu, Q., Chen, X., Li, S., Lin, Y., Xu, P., Sun, D., & Sun, Y. A randomized study on laparoscopic total extraperitoneal inguinal hernia repair with hernia sac transection vs complete sac reduction. Surgical Endoscopy. 2020, 34(4), 1882-1886. https://doi.org/10.1007/s00464-019-07303-x
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,1212 Ruze, R., Yan, Z., Wu, Q., Zhan, H., & Zhang, G. Correlation between laparoscopic transection of an indirect inguinal hernial sac and postoperative seroma formation: a prospective randomized controlled study. Surgical Endoscopy. 2019, 33(4), 1147-1154. https://doi.org/10.1007/s00464-018-6374-y
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. Entretanto, nós entendemos que para a maioria dos casos, a transecção destes grandes sacos herníarios é mais segura do que a dissecção excessiva das estruturas do cordão e possível desvascularização do testículo e/ou hematoma66 Li, J., Gong, W., & Liu, Q. Intraoperative adjunctive techniques to reduce seroma formation in laparoscopic inguinal hernioplasty: a systematic review. Hernia. 2019, 23(4), 723-731. https://doi.org/10.1007/s10029-019-01903-1
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,99 Morrell, A.C., Morrell, A.L.G., Malcher, F., Morrell, A.G., Morrel-Junior, A.C. Primary abandon-of-the-sac (PAS) technique: preliminary results of navel minimally invasive approach for inguinoscrotal hernia repair. Arq Bras Cir Dig. 2020, 33 (2). http://dx.doi.org/10.1590/0102-672020200002e1519
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. É importante que o cirurgião decida o mais precocemente possível durante o procedimento se vai dissecar completamente o saco herniário ou se vai seccioná-lo, evitando assim a dissecção desnecessária dos vasos testiculares e ducto deferente (Figura 3). Deve-se ressaltar que para a grande maioria das hérnias indiretas de pequeno e médio tamanho, o saco herniário pode ser dissecado sem nenhuma complicação, e a manobra que nós propomos deve ser reservada somente para quando o cirurgião julgar que haverá riscos elevados ao dissecar um grande saco herniário.

Regra 7

Texto original

O canal inguinal profundo deve ser explorado durante a dissecção da Zona 3 em busca de lipoma de cordão.

O denominado lipoma de cordão é uma extensão da gordura retroperitoneal que geralmente corre lateralmente aos elementos do cordão espermático, na área do anel inguinal profundo. Frequentemente, a simples inspeção visual do anel inguinal profundo pode não identificar de forma clara a presença de um lipoma. Qualquer lipoma deve ser dissecado e reduzido do canal inguinal. Os lipomas não tratados são uma das principais causas de “recorrência da hérnia” após o reparo laparoscópico.

Atualização

Enfatizamos a importância de descartar a presença de lipoma de cordão assim como a forma de lidar com ele durante os reparos MIS. A maioria dos cirurgiões concorda, mas alguns argumentam que o lipoma não é uma hérnia verdadeira1010 Niebuhr, H., & Köckerling, F. Surgical risk factors for recurrence in inguinal hernia repair - a review of the literature. Innovative Surgical Sciences. 2017, 2(2), 53-59. https://doi.org/10.1515/iss-2017-0013
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. Nós acreditamos que qualquer estrutura retroperitoneal, seja bexiga ou lipoma do cordão que atravesse o anel interno, é ou desempenha papel como uma hérnia. O paciente apresenta os mesmos sintomas e protuberância. Deixar de identificar e remover o lipoma resultará em uma provável recorrência ao paciente. Da mesma forma, é muito provável que o radiologista, em um eventual exame de imagem, ao detectar tecido adiposo passando pelo orifício inguinal profundo, interprete como recidiva de hérnia. Aqueles que argumentam contra a remoção do lipoma afirmam que a dissecção dos lipomas pode resultar em aumento da dor pós-operatória, principalmente no testículo. Há poucas evidências para apoiar essa alegação, mas há ampla evidência de que deixar para trás um lipoma pode resultar na necessidade de um segundo procedimento cirúrgico no paciente55 HerniaSurge Group. International guidelines for groin hernia management. Hernia. 2018, 22(1), 1-165. https://doi.org/10.1007/10029-017-1668-x
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,88 Lilly, M. C., & Arregui, M. E. Lipomas of the cord and round ligament. Annals of Surgery. 2002, 235(4), 586-590. https://doi.org/10.1097/00000658-200204000-00018
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.

Regra 10

Texto original

Desinsuflação sob visualização direta

Na TAPP, o fechamento com sutura do peritônio é recomendado ao invés de utilizar grampos ou tacks para o fechamento porque esta última técnica pode aumentar potencialmente o risco de lesões nervosas. A maioria dos cirurgiões concorda que as aberturas, orifícios ou rasgos no peritônio devem ser fechados para reduzir o risco de obstrução intestinal precoce ou exposição da tela.

Atualização

A última controvérsia levantada em nosso artigo é como o peritônio na TAPP deve ser fechado. Embora recente artigo sugere que o grampeamento do peritônio é seguro11 Belyansky, I., Tsirline, V. B., Klima, D. A., Walters, A. L., Lincourt, A. E., & Heniford, T. B. Prospective, comparative study of postoperative quality of life in TEP, TAPP, and modified Lichtenstein repairs. Annals of Surgery. 2011, 254(5), 709-715. https://doi.org/10.1097/SLA.0b013e3182359d07
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,1111 Ross, S. W., Groene, S. A., Prasad, T., Lincourt, A. E., Kercher, K. W., Augenstein, V. A., & Todd Heniford, B. Does peritoneal flap closure technique following trans- abdominal preperitoneal (TAPP) inguinal hernia repair make a difference in postoperative pain? A long-term quality of life comparison. Surgical Endoscopy. 2017, 31(6), 2548-2559. https://doi.org/10.1007/s00464-016-5258-2
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, nós consideramos que essa técnica é mais arriscada. A colocação “as cegas” de fixação penetrante no peritônio, seja ela permanente ou absorvível, pode lesar desnecessariamente os nervos ilioinguinal e ílio-hipogástrico e, portanto, deve ser evitada. Quanto mais grampos ou tacks utilizados na fixação da tela ou fechamento do peritônio, maior o risco de dor pós-operatória44 Furtado, M., Claus, C.M.P., Cavazzola, L.T., Malcher, F., Bakonyi-Neto, A., Saad-Hossne, R. Systemization of laparoscopic inguinal hernia repair (TAPP) based on a new anatomical concept: inverted y and five triangles. Arq Bras Cir Dig. 2019, Feb 7;32(1):e1426. doi: 10.1590/0102-672020180001e1426
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. Sugerimos o fechamento do peritônio com sutura, ainda que tecnicamente mais difícil, para evitar esse risco desnecessário.

FIGURA 1
(Região Inguinal Direita) A dissecção da Zona 2 se estende pelo menos até 2 cm abaixo da pube (marcador preto). O círculo verde mostra a área do forame obturatório, que geralmente é preenchido com um tampão/plug normal de gordura. Não parece aconselhável estender a dissecção ainda mais, a menos que haja suspeita de hérnia obturatória.

FIGURA 2
(Região Inguinal direita) O peritônio geralmente envolve o ligamento redondo do útero no terço inferior. Para facilitar a dissecção, o cirurgião pode optar por seccionar o ligamento 1 cm abaixo do anel profundo.

FIGURA 3
Região inguinal direita: A) Anel inguinal profundo alargado e grande hérnia com saco herniário fibrótico; B) Incisão circular do peritônio ao nível do anel profundo realizada como primeira etapa da cirurgia (uma das possibilidades técnicas). A parte distal do saco herniário é abandonada no escroto. Atenção aos vasos epigástricos inferiores, ducto deferente e vasos espermáticos (Y invertido representado em vermelho, branco e azul, respectivamente)

DISCUSSÃO

Apesar da maior adoção recente das técnicas MIS para correção das hérnias inguinais, ainda a maioria dos cirurgiões tem como primeira opção a cirurgia aberta. Além de menores custos diretos, possibilidade de realização com anestesia local e segurança da cirurgia convencional; o aumento da complexidade das técnicas laparoscópicas ou MIS, anatomia incomum ao cirurgião geral e tecnicamente mais exigente são os principais motivos por esta situação. A partir disso, parece fundamental criar uma sistematização das principais etapas cirúrgicas, definir os elementos anatômicos de referência, bem como criar uma linguagem universal para os cirurgiões.

Uma das principais contribuições para a evolução da colecistectomia laparoscópica foi o estabelecimento e disseminação do conceito conhecido como visão crítica de segurança com objetivo de reduzir a incidência de lesões das vias biliares. O mesmo conceito foi introduzido recentemente para reparos inguinais por Daes e Felix33 Daes, J., & Felix, E. Critical View of the Myopectineal Orifice. Annals of Surgery,. 2017, 266(1), e1-e2. https://doi.org/10.1097/SLA.0000000000002104
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. Na mesma direção, Furtado et al.44 Furtado, M., Claus, C.M.P., Cavazzola, L.T., Malcher, F., Bakonyi-Neto, A., Saad-Hossne, R. Systemization of laparoscopic inguinal hernia repair (TAPP) based on a new anatomical concept: inverted y and five triangles. Arq Bras Cir Dig. 2019, Feb 7;32(1):e1426. doi: 10.1590/0102-672020180001e1426
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publicaram uma nova proposta didática para compreender (e ensinar) a anatomia da região inguinal posterior e a definição das áreas de dissecção, cada uma com suas particularidades.

Em nosso artigo anterior (Dez Regras de Ouro para o Reparo MIS Seguro das Hérnias Inguinais Usando um Conceito Anatômico como Guia) reunimos esses conceitos e definimos as etapas cirúrgicas mais importantes (do que fazer e não fazer) para o reparo MIS das hérnias inguinais, independentemente da técnica (TAPP, TEP, ETEP, RTAPP). Com as etapas apresentadas de forma bem definidas, nosso objetivo é padronizar os reparos MIS e facilitar ainda mais a disseminação segura da técnica.

Desde então, temos recebido muitos elogios, mas ao mesmo tempo muitas dúvidas e questionamentos sobre os passos cirúrgicos propostos. Como autores, nós sentimos que é importante abordar esses tópicos como seguimento de nosso artigo. As dúvidas e discussões surgiram principalmente sobre cinco regras, numeradas 3, 5, 6, 7, 10. Analisando todos os comentários e entendendo as possíveis melhorias nas recomendações, agora nós atualizamos alguns princípios técnicos nas cinco regras publicadas anteriormente.

Embora o desejo e esforço em se estabelecer uma sistematização definitiva da técnica cirúrgica, alguns aspectos técnicos da correção inguinal MIS ainda permanecem controversos como o melhor manejo da fáscia transversalis; fechar ou não o defeito (principalmente nas hérnias diretas); tipo e formato da tela; etc. As 10 regras de ouro são guia, roteiro, check list de verificação para o cirurgião que deseja realizar a correção MIS de hérnia inguinal. A ordem de execução dos passos pode variar de acordo com a hérnia do paciente e a preferência do cirurgião, mas não deve comprometer os princípios da visão crítica do orifício miopectíneo (MPO)1616 van Veenendaal, N., Simons, M., Hope, W., Tumtavitikul, S., Bonjer, J., & HerniaSurge Group. Consensus on international guidelines for management of groin hernias. Surgical Endoscopy. 2020, 34(6), 2359-2377. https://doi.org/10.1007/s00464-020-07516-5
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.

CONCLUSÃO

Nós acreditamos que as regras descritas são as etapas básicas necessárias para realizar reparo MIS seguro de hérnia inguinal, seja quando realizado pela técnica TAPP, TEP, e-TEP ou r-TAPP, e que podem ser ajustadas no futuro à medida que obtivermos mais conhecimentos. Ao facilitar o aprendizado, a compreensão e a aplicação desse conceito, esperamos que cada vez mais cirurgiões, e consequentemente pacientes, possam ser beneficiados.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento:

    não há.

  • Ten golden rules for a safe MIS inguinal hernia repair using a new anatomical concept as a guide
  • Mensagem central

    Como a visão crítica de segurança tornou a colecistectomia laparoscópica mais segura, acreditamos que 10 Regras de Ouro enfatizam as dicas cirúrgicas e etapas técnicas mais importantes que permitem a realização segura de reparos cirúrgicos minimamente invasivos de hérnias inguinais, independentemente da técnica TEP, TAPP, ETEP, R-TAPP.
  • Perspectiva

    As Dez Regras de Ouro foram estabelecidas a partir do entendimento anatômico e das etapas técnicas para atingir a visão crítica de segurança para a cirurgia minimamente invasiva de hérnia inguinal. As etapas bem definidas apresentadas padronizam a operação que podem facilitar a disseminação da técnica. No entanto, algumas recomendações podem gerar polêmicas e discussões. Assim, as regras podem ser reavaliadas e até atualizadas. independente da fonte, pode ser estratégia útil no manejo de pacientes que aguardam o transplante de fígado, uma vez que há melhora da qualidade de vida, antes mesmo de serem observadas alterações no estado nutricional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2020
  • Aceito
    09 Mar 2021
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