Open-access FUNCIONALIDADE DE PACIENTES COM NEOPLASIA GASTROINTESTINAL ALTA SUBMETIDOS AO TRATAMENTO CIRÚRGICO EM FASE HOSPITALAR

RESUMO

Racional:   Os pacientes com câncer apresentam diversas alterações fisiológicas, metabólicas, sociais e emocionais como consequências do próprio catabolismo provocado pela doença, podendo ser potencializadas nos canceres gastrointestinais pela sua interferência na ingestão, digestão e absorção dos alimentos.

Objetivo:  Avaliar o comportamento funcional de pacientes com neoplasia gastrointestinal alta submetidos ao tratamento cirúrgico e analisar os fatores associados às alterações da força e funcionalidade durante o tempo de internação.

Métodos:   Estudo prospectivo analítico de pacientes com câncer do trato gastrointestinal alto submetidos ao tratamento cirúrgico. Foram avaliadas a força de preensão palmar por meio do dinamômetro manual e funcionalidade por meio da Medida de Independência Funcional e Functional Status Scale for Intensive Care Unit no pré-operatório, no 2º e 7º dias do pós-operatório .

Resultados:   Foram incluídos 12 pacientes, 75% homens, com idade média de 58,17 anos. O sítio tumoral mais prevalente foi o estômago (66,7%). Houve redução progressiva da força de preensão palmar das fases pré-operatória em relação ao 2º e 7º dias do pós-operatório, respectivamente. Ocorreu diminuição do desempenho funcional do pré-operatório para o 2º dia e um ganho do 2º dia pós-operatório para o 7º dia (p<0,001).

Conclusão:  Houve importante redução na força de preensão palmar e funcionalidade durante o período pós-operatório em relação ao valor basal no pré-operatório.

DESCRITORES: Neoplasias gastrointestinais; Período pós-operatório; Imobilização; Força muscular

ABSTRACT

Background:   Cancer patients present various physiological, metabolic, social and emotional changes as a consequence of the disease’s own catabolism, and may be potentiated in the gastrointestinal tract cancer by their interference with food intake, digestion and absorption.

Aim: T  o evaluate the functionality of upper gastrointestinal cancer patients which have undertaken surgery and analyze the factors associated with changes in strength and functionality during hospitalization time.

Methods:  Prospective analytical study in patients with cancer of the upper gastrointestinal tract which have undertaken surgery. Was evaluated the handgrip strength using a hand dynamometer and functionality through the functional independence measure and Functional Status Scale for Intensive Care Unit in the preoperative period, 2nd and 7th postoperative day.

Results:  Were included 12 patients, 75% men, and mean age was 58.17 years old. The most prevalent tumor site was stomach (66.7%). There was a progressive reduction from the pre-operative palmar grip strength to the 2nd and 7th postoperative day, respectively. There was a decrease in functional performance from the preoperative period to the 2nd and a gain from the 2nd to the 7th postoperative day (p<0.001).

Conclusion:  An important reduction in the handgrip strength and functionality was evidenced during the postoperative period in relation to the basal value in the pre-operative period.

HEADINGS: Gastrointestinal neoplasms; Postoperative period; Immobilization; Muscle strength

INTRODUÇÃO

Os pacientes com câncer apresentam diversas alterações fisiológicas, metabólicas, sociais e emocionais como consequências do próprio catabolismo provocado pela doença, podendo ser potencializadas nos cânceres gastrointestinais pela sua interferência na ingestão, digestão e absorção dos alimentos. Essas alterações podem levar a diversas consequências susceptíveis de agravamento quando associadas aos tratamentos, que incluem a ressecção cirúrgica, quimioterapia e radioterapia, o estadiamento do tumor e o órgão acometido4,12,13.

Entre os tratamentos, a abordagem cirúrgica é considerada primordial para o tratamento curativo11,13. No âmbito das complicações do procedimento cirúrgico, as pulmonares representam uma das mais frequentes após operações abdominais e também são responsáveis pelo aumento na morbimortalidade, pelo maior tempo de internação e custos relacionados com a saúde26. As complicações ocorrem mais frequentemente em procedimentos nos quais a incisão cirúrgica é feita acima da cicatriz umbilical17, fato este já também reconhecido em pacientes bariátricos20,28. Sua incidência está relacionada com a existência de fatores de risco pré-operatórios5 e também a fatores perioperatórios, como anestesia, depressão do sistema nervoso central, uso de ventilação mecânica invasiva, ineficácia da tosse, dor e imobilização9,17. Este quadro reduz a capacidade cardiorrespiratória, que também é influenciada negativamente pela inatividade física pós-operatória, gerando perda de força muscular e descondicionamento30.

A funcionalidade pode ser compreendida como a capacidade de o indivíduo efetuar determinadas atividades ou funções que influenciam nos comportamentos simples e complexos exigidos em seu dia-a-dia. O comprometimento funcional incapacita o indivíduo para realização de atividades básicas, como cuidar de si mesmo e de seu entorno de forma independente29. Com isso, é importante conhecer o nível de capacidade funcional em curto e longo prazo, após procedimento cirúrgico, para que seja possível direcionar melhor os cuidados de saúde, que ultrapassam a solução clínica da doença, prolongando até sua recuperação funcional desejada.

O objetivo desse estudo foi avaliar o comportamento funcional de pacientes com neoplasia gastrointestinal alta submetidos ao tratamento cirúrgico e analisar os fatores associados às alterações da força e funcionalidade durante o período de internação hospitalar.

MÉTODOS

Estudo prospectivo analítico, realizado na Seção de Cirurgia Abdominopélvica do Hospital de Câncer I do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do INCA sob o parecer de número 1.650.497.

Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, sem alterações cognitivas e que concordaram com a participação no estudo por meio do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos pacientes com doenças neuromusculares, os que realizaram laparotomia exploradora e os que permaneceram por mais de 48 h na unidade de terapia intensiva e unidade pós-operatória. Após a concordância quanto à participação e assinatura do consentimento, foram obtidos os aspectos sociodemográficos, clínicos e terapêuticos através de uma ficha de avaliação por meio de entrevista e dos sistemas de prontuário da unidade hospitalar. Em seguida, os participantes foram submetidos à aplicação de um questionário de atividade física, escala de dor, escalas de funcionalidade e realizaram um teste de força muscular periférica. Eles foram avaliados em três momentos durante a internação hospitalar: pré-operatório (um dia antes da operação), 2º dia do pós-operatório (DPO) e 7º DPO.

Para avaliação da atividade física foi utilizado o questionário internacional de atividade física, versão 8, já validado para a população brasileira13. A versão usada foi a forma curta, em abordagem de entrevista na avaliação pré-operatória, contendo perguntas quanto à frequência e duração da realização de atividade física referente à última semana, a qual classifica o indivíduo em categorias: muito ativo, ativo, irregularmente ativo e sedentário. Para analisar os dados do nível de atividade física foi usado o questionário internacional de atividade física de forma adaptada, no qual foram classificados os pacientes em dois grupos: sedentários e não sedentários (muito ativo, ativo, irregularmente ativo).

A dor foi mensurada por meio da escala visual analógica de dor (EVA). Ela consiste em uma linha de 10 cm, na qual a extremidade esquerda, o zero, indica ausência de dor e na extremidade direita, o 10, indica a pior dor imaginável16. Esta régua foi mostrada ao paciente para ele identificar e classificar o seu nível de dor naquele momento, através da marcação de um traço vertical na linha. Os valores da EVA foram coletados nos três momentos da avaliação de todos os indivíduos.

A funcionalidade foi avaliada pelas escalas Medida de Independência Funcional (MIF) e Functional Status Scale for Intensive Care Unit (FSS-UCI). A MIF é escala organizada pela classificação do paciente em sua habilidade para realizar uma atividade vs. sua necessidade por assistência de outra pessoa ou alguma adaptação. Ela avalia o desempenho do indivíduo para realização de 18 tarefas, referentes à subescalas de autocuidados, controle de esfíncteres, transferências, locomoção, comunicação e aspecto cognitivo social. Esse instrumento pontua as informações obtidas em escala de um a sete para cada item, na qual o escore um representa a total dependência do paciente, e o escore sete a total independência. O escore total na MIF é calculado a partir da soma de pontos atribuídos a cada item dentro das categorias. Essa pontuação é pré-definida pela escala, através do seu equivalente de funcionalidade, com escore mínimo de 18 e máximo de 126, de forma que escores maiores representam melhor funcionalidade e menor dependência23.

A FSS-ICU é escala semelhante à MIF, mas inclui tarefas mais apropriadas para mobilidade e transferência em ambiente hospitalar. É composta pela avaliação de cinco funções básicas (rolar, transferência da posição supina para sentada, transferência da posição sentada para em pé, sentar à beira da cama e andar). Cada função é avaliada usando escala de um a sete com pontuação de um, correspondendo à dependência total e sete à total independência; pode ser graduado total de 0-35 pontos, com maiores valores relacionados à maior capacidade funcional31.

Foi realizado também o teste de dinamometria manual (DM) ou força de preensão palmar (FPP), para avaliação da força muscular periférica, que visa avaliar o estado funcional do músculo esquelético, fazendo uso do dinamômetro JAMAR®. A FPP foi avaliada em ambas as mãos do voluntário para evitar o efeito de dominância, utilizando-se dinamômetro de preensão palmar e seguindo as recomendações da Sociedade Americana de Terapia da Mão1. Os incluídos permaneciam sentados, com os pés apoiados no chão, tornozelos em posição neutra, joelhos fletidos a 90º e coxas apoiadas no assento. O membro superior avaliado permaneceu com ombro levemente abduzido, cotovelo em flexão de 90º, antebraço em posição neutra entre supinação e pronação e o punho entre 0-30º de extensão e 0-15º de desvio ulnar. Após a tentativa de familiarização com força submáxima, eram estimulados verbalmente a realizar três contrações isométricas máximas por 5 segundos e o resultado foi registrado em kg. Efetuavam-se três medidas de cada mão com valor médio nas análises.

Análise estatística

Os dados coletados foram digitados em planilha do software Microsoft Excel®), exportados e analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.0. As variáveis foram descritas como percentuais e frequências relativas e absolutas, ou como médias e desvio-padrão, dependendo da natureza da variável (categóricas ou contínuas, respectivamente). O teste estatístico utilizado foi ANOVA e Wilcoxon. O nível de significância considerado foi de 5% para todos os testes. Foram realizadas análises comparando as diferentes variáveis da amostra.

RESULTADOS

Vinte e seis pacientes foram internados para realização de operação abdominal alta, sendo 12 elegíveis e incluídos na avaliação pós-operatória (Figura 1).

A média de idade foi de 58,17±10,8 anos, sendo 75% homens. O sítio tumoral mais prevalente foi de estômago (66,7%), seguido de duodeno, pâncreas, esôfago e fígado. As operações realizadas foram: gastrectomias parciais (41,7%), gastrectomias totais (33,3%), gastroduodenopancreatectomia (8,3%), duodenopancreatectomia (8,3%) e hepatectomia (8,3%), com tempo médio de duração de 216,6±57,5 min (Tabela 1).

FIGURA 1
Fluxograma dos pacientes incluídos no estudo

TABELA 1
Características dos pacientes incluídos no estudo

Quanto ao tratamento, seis (50%) realizaram quimioterapia neoadjuvante e todos os pacientes foram atendidos pelo serviço de fisioterapia do hospital já no primeiro dia do pós-operatório.

Os pacientes tiveram em média 2,66±0,88 atendimentos fisioterapêuticos até a fase final da coleta. As condutas variaram entre: cinesioterapia respiratória reexpansiva, uso de incentivadores respiratórios, treino de transferência no leito, sedestação à beira do leito, ortostatismo, marcha estática e deambulação.

A média de tempo de internação foi de 12,50±6,1 dias. A perda de peso corporal ocorreu em 10 pacientes (83,3%), com média de 1,96 kg (p=0,021) até o 7º dia do pós-operatório, sendo essa perda maior nos pacientes com doença pulmonar obstrutivo crônica (p=0,043).

Na avaliação EVA da intensidade da dor apenas dois (16,7%) relataram dor leve e moderada no pré-operatório. No 2º DPO 66,4% relataram diferentes intensidades de dor (leve, moderada e intensa); destes, sete (58,1%) mantiveram dor leve no 7º DPO.

A maior parte dos pacientes era destra (83,3%). Para avaliação da DM foram utilizadas as duas mãos, dominante e não dominante. A dominante apresentou maior força muscular que a não dominante, e os homens apresentaram maior força muscular que as mulheres em ambas as mãos e em todos os momentos coletados (Tabela 2). Houve redução progressiva dos valores da FPP nas duas mãos, da fase pré-operatória, para o 2º e 7º DPO, sendo estatisticamente significante na mão dominante (p=0,031).

TABELA 2
Apresentação dos valores da força de preensão palmar da mão dominante e não dominante na amostra de pacientes com câncer gastrointestinal

A relação da DM com idade e gênero não apresentou diferença significativa. No que diz respeito às variáveis clínicas, a redução no valor da DM na mão não dominante teve relação significativa nos indivíduos cardiopatas (p=0,015).

Na avaliação da funcionalidade, utilizando-se da MIF, foi observado que houve queda nos valores da escala quando o 2º e 7º DPO foram comparados à fase pré-operatória (p<0,001, Tabela 3), ocorrendo maior variação nas medidas funcionais entre o pré-operatório e o 2º DPO (Figura 2).

TABELA 3
Comparação dos desfechos no pré-operatório, 2º e 7º dia do pós-operatório (Wilcoxon test)

FIGURA 2
Variação nas medidas funcionais da MIF no pré-operatório, 2º e 7º DPO.

Os escores da MIF obtidos por pacientes sedentários, com comorbidades e que realizaram quimioterapia neoadjuvante foram menores quando comparados aos não sedentários, sem comorbidades e que não realizaram quimioterapia, sendo que essa comparação não apresentou diferença significativa entre os grupos. Não houve diferença entre gênero e idade no estudo.

A FSS-UCI, usada para avaliação de mobilidade e transferência, também evidenciou queda em sua pontuação quando comparado à fase pré-operatória com 2º e 7º DPO (p<0,001), com maior variação entre o pré-operatório e o 2º DPO (Figura 3). Foi observada limitação importante nas funções de transferência no 2º DPO, em que 10 pacientes (83,3%) necessitaram da ajuda de um profissional ou acompanhante para mudanças de decúbito e realização do ortostatismo. Em contrapartida, quatro pacientes (33,4%) necessitaram da ajuda de terceiros para deambular e cinco (41,7%) precisaram de algum tipo de supervisão e realizavam a deambulação de forma lenta. Entretanto, houve melhora da mobilidade do 2º para o 7º DPO, quando dois (16,7%) pacientes precisaram de ajuda de terceiros para realizar as mudanças de decúbito e apenas um (8,3%) para realização da marcha.

FIGURA 3
Variação nas medidas funcionais da FSS-UCI no pré-operatório, 2º e 7º DPO

Houve redução nos valores da FSS-UCI nos indivíduos sedentários e que realizaram quimioterapia neoadjuvante em comparação com os grupos não sedentários e que não realizaram quimioterapia neoadjuvante; porém, essa redução não foi significante. No que diz respeito às outras variáveis, idade, gênero e comorbidade, os grupos foram semelhantes.

DISCUSSÃO

Neste estudo, foi observado que houve piora da força muscular periférica através da DM e da capacidade funcional quando comparado o período pré-operatório com o pós-operatório.

Foi verificado que oito pacientes (66,4%) relataram episódio de dor abdominal durante o 2º DPO, sendo que no 7º DPO sete deles (58,1%) referiram persistência da dor abdominal, independentemente do escore da EVA. Esses valores corroboram com estudos descritos na literatura que mostram que aproximadamente 44% dos pacientes submetidos à operação abdominal declararam sentir algum tipo de dor durante a fase pós-cirúrgica22. Em contrapartida, apesar de não verificado nesta pesquisa, é preciso considerar os dados descritos no estudo de Oliveira et al.21 nos quais foi mostrado que 45% apresentavam dor abdominal no pós-operatório, indicando tratamento não efetivo da dor.

Os resultados obtidos demonstraram redução significativa na DM da população estudada, havendo decréscimo progressivo no decorrer das fases da coleta, com perda maior quando relacionado ao grupo com doença cardíaca. Savage et al.25 com indivíduos cardiopatas e saudáveis mostraram que os pacientes com doenças cardíacas apresentaram perda da capacidade funcional global, afetando a perda de função do músculo periférico, sendo esta perda agravada durante hospitalizações, pelo repouso no leito, similar a esta amostra, na qual pacientes cardiopatas apresentaram FPP significativamente menor quando comparado aos sem comorbidades cardíacas.

A redução da FPP tem sido pouco estudada quando se trata de paciente oncológico cirúrgico, mas tem despertado interesse de estudiosos nessa área, visto que a redução dela tem forte correlação com complicações pós-operatórias, tempo de permanência hospitalar, perda de status funcional e morte no período de um ano18.

No presente estudo, quando avaliada a relação da DM com idade e sexo a diferença entre os grupos não foi significativa. Entretanto, Budziarecket et al.,6, que avaliaram a influência das variáveis como idade e gênero em indivíduos saudáveis, evidenciaram que a idade e gênero influenciaram na força muscular. Vale destacar que, até o momento, não há na literatura valores de referência para a DM em pacientes oncológicos.

O estado nutricional dos pacientes estudados, segundo IMC, mostrou prevalência de sobrepeso e obesidade (58,3%). A minoria (16,7%) mostrou-se com baixo peso e esse grupo apresentou FPP inferior aos valores de referência para população brasileira saudável6. Da mesma forma, Norman et al.18 encontraram em seu estudo valores de FPP 25,8% menores em pacientes com baixo peso quando comparados aos hospitalizados bem nutridos e que a DM não é significativamente diferente entre os indivíduos obesos e eutróficos.

Norman et al.19 com 189 pacientes com diversos tipos de câncer sólidos observaram que a desnutrição, idade e gênero são fatores contribuintes na diminuição da força muscular periférica em pacientes oncológicos e que a força muscular avaliada com o dinamômetro manual esteve associada com estado funcional e qualidade de vida, pois esperava-se que eles tivessem determinantes parecidas. O volume de medicamentos por dia, estadiamento, localização do tumor e tipo de tratamento não tiveram impacto na força muscular dessa população. A força muscular obtida na dinamometria manual pode ser considerada como preditor de força muscular global25.

Em relação à funcionalidade, a intervenção cirúrgica provocou alterações em seu desempenho, ocorrendo perda significativa dela quando comparado o pré-operatório com o 2º DPO, e aumento quando comparado o 2º com 7º DPO. Dados semelhantes foram encontrados no estudo de Shida et al.,27 avaliando a independência física através do Quality of Recovery Score (QoR-40) em pacientes com câncer colorretal operados, oportunidade em que demonstrou melhora da funcionalidade no 6º DPO em comparação ao pós-operatório imediato.

No estudo de Santos et al.24 com 55 pacientes oncológicos que passaram por procedimento cirúrgico, identificou-se que as atividades mais prejudicadas no pós-operatório foram as transferências no leito e o sono. Neste estudo, 83,3% e 33,4% dos pacientes necessitaram da ajuda de terceiros (profissional ou acompanhante) para as mudanças de decúbito e deambulação, respectivamente, no 2º DPO. Ocorrendo uma melhora da mobilidade e transferência no 7º DPO em comparação com o 2º DPO.

No presente estudo, a permanência dos pacientes por mais de 48 h em UTI ou unidade de pós-operatório ocorreu devido a diferentes motivos: alterações hemodinâmicas, complicações provocadas pelo procedimento cirúrgico, alterações respiratórias e necessidade de manutenção da ventilação mecânica. Essas diferentes razões que levaram à internação na UTI fazem com que os pacientes necessitem do uso prolongado de medicações específicas para cada tipo de alteração e, na maioria das vezes, uso prolongado de ventilação mecânica, fatores estes que geram perda de força muscular e interferem na funcionalidade3. Os pacientes em UTI têm pouco controle e influência no ambiente, comprometendo tanto o fator psíquico, como também o funcional. Assim, foi necessário excluir este grupo para que o desfecho observado estivesse relacionado exclusivamente ao procedimento cirúrgico e à internação hospitalar, sem outras múltiplas variáveis.

Por conseguinte, a recuperação fisicofuncional no pós-operatório depende de vários fatores, incluindo a resolução de dor e fadiga. Esta está relacionada ao sono alterado no ambiente hospitalar, perda de força muscular e perda de peso15. A redução do estresse cirúrgico, a nutrição enteral e a mobilização precoce são intervenções importantes que contrariam a fadiga e a necessidade de auxílio para atividades básicas30.

A redução da dor e o acompanhamento pela equipe de fisioterapia podem ter influenciado o aumento da funcionalidade no 7º DPO, visto que mobilizar o paciente no primeiro dia pós-operatório de ressecção gastrointestinal alta tem como objetivo recuperação fisicofuncional mais acelerada e redução de complicações pós-operatórias e pulmonares10. O repouso no leito é indesejável, pois acelera a perda massa e a fraqueza musculares e prejudica a função pulmonar30 e a permanência no leito por longos períodos pode levar a outros danos de natureza física. Os sinais e sintomas aparecem e podem ser observados na locomoção e nos sistemas orgânicos2,30.

Não há definição padrão para mobilização precoce8. Brooks-Brunn5 com 400 pacientes submetidos à operação abdominal observaram que a deambulação pareceu ser a atividade de maior benefício no período pós-operatório imediato com evidências de melhorias na função pulmonar, prevenção de declínio funcional e teve um efeito positivo sobre depressão e ansiedade7.

A limitação deste estudo foi o tamanho pequeno da amostragem. Muitas associações não foram significativas, e possíveis explicações baseiam-se no pequeno número de pacientes estudados.

CONCLUSÃO

Houve importante redução na força de preensão palmar e funcionalidade durante o período pós-operatório em relação ao valor basal no pré-operatório.

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  • Fonte de financiamento:
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2017
  • Aceito
    06 Fev 2018
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