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DRENAGEM ECOGUIADA DE NECROSE PANCREÁTICA DELIMITADA COM HOT-AXIOS TM : PRIMEIRO RELATO DE CASO NO BRASIL

DESCRITORES:
Pancreatite necrosante agud; Pseudocisto pancreátic; Endoscopia

INTRODUÇÃO

As coleções fluidas pancreáticas são complicações agudas da pancreatite11 Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut 2013; 62:102.. Geralmente são auto limitadas e intervenções são indicadas apenas em casos de crescimento da coleção, pacientes sintomáticos ou com complicações, como infecção e sangramento22 Bradley EL, Clements JL, Gonzalez AC. The natural history of pancreatic pseudocysts: a unified concept of management. Am J Surg. 1979;137:135-141.. Atualmente, a drenagem guiada pelo ultrassom endoscópico é o tratamento padrão-ouro77 Varadarajulu S, Bang JY, Sutton BS, Trevino JM, Christein JD, Wilcox CM. Equal efficacy of endoscopic and surgical cystogastrostomy for pancreatic pseudocyst drainage in a randomized trial. Gastroenterology 2013; 145: 583-90.. O Axios é um stent metálico de aposição luminal especificamente desenvolvido para o tratamento de coleções fluidas pancreáticas. A aposição de lúmen melhorou as limitações dos outros dispositivos de drenagem. Essa característica reduz as taxas de migração e obstrução e a necessidade de substituições do stent. O Hot-AxiosTM é um sistema de entrega isolado, conectado dentro da prótese, que permite a liberação transmural do Axios sem necessidade de utilização do fio-guia e de dilatação do pertuito1010 Yamamoto N, Isayama H, Kawakami H, et al. Preliminary report on a new, fully covered, metal stent designed for the treatment of pancreatic fluid collections. Gastrointest Endosc 2013;77:809-814..

O objetivo deste estudo (número de aprovação do Comitê de Ética Institucional 54011816.6.0000.0068) é relatar o primeiro caso brasileiro de drenagem transmural guiada por ultrassom endoscópico de uma necrose organizada (do inglês, walled-off necrosis) com o sistema Hot-AxiosTM e descrever a técnica para a implantação.

TÉCNICA

Os passos iniciais para realizar o procedimento são: 1) umedeça o cateter com água/solução salina estéril; 2) insira o cateter e fixe a trava; 3) conecte o gerador e configure-o para corte puro; 4) desative a trava do cateter; 5) avance o hub de controle do cateter até que a ponta distal fique visível na imagem do ultrassom endoscópico; 6) ligue o cateter e avance-o até o alvo; 7) ative a trava do cateter; garanta que o cateter esteja pelo menos 3 cm dentro da estrutura-alvo e, depois, trave o cateter; 8) desligue o gerador e desconecte-o; 9) implante a primeira flange tirando o dispositivo de segurança amarelo; 10) desative a trava da prótese; 11) mova o hub do cateter até o número 02 indicado no cabo.

Para promover o alinhamento do stent é necessário desativar a trava do cateter; deslizar o hub de controle do cateter para cima, até que pelo menos 2 a 3 mm do marcador do eixo do cateter preto seja visível no trato gastrointestinal; finalmente, ativar a trava do cateter.

A seguir é realizada a implantação da segunda flange após desativar a trava do stent; mova o hub de implantação do stent para cima em direção à seta do número 4; após confirmação que a segunda flange está implantada e visível no trato GI, destrave o encaixe luer e remova o sistema de aplicação.

RELATO DE CASO

Paciente etilista, de 42 anos, apresentando história de 30 dias de dor abdominal e vômito pós-prandial. Relatava duas internações prévias por pancreatite aguda. O exame físico não apresentava alterações. Estudos laboratoriais revelaram apenas discreto aumento das enzimas pancreáticas. A ressonância magnética mostrou uma coleção de 13 cm com conteúdo espesso no colo do pâncreas. A endoscopia digestiva alta revelou importante abaulamento na parede posterior do estômago e a ultrassonografia endoscópica revelou um cisto pancreático de 15,7x7,2 cm, predominantemente anecóico, com pouco material móvel heterogêneo, compatível com walled-off necrosis (Figura 1).

FIGURA 1
Punção de cisto pancreático, predominantemente anecóico, com pouco material móvel heterogêneo, compatível com walled-off necrosis

Devido o diagnóstico de walled-off necrosis, optou-se pela drenagem endoscópica com o stent AxiosTM de 10x10 mm (Figura 2). O procedimento foi realizado sob anestesia geral. Após a punção, houve saída imediata de secreção acastanhada com componentes sólidos necróticos (Figura 2). A duração total do procedimento foi de 20 min e o tempo necessário para a drenagem foi de 4 min. Não foi utilizada fluoroscopia e não houve complicações imediatas.

FIGURA 2
Drenagem endoscópica com o stent AxiosTM de 10x10 mm com saída imediata de secreção acastanhada com componentes sólidos necróticos

O paciente recebeu alta três dias após o procedimento, assintomático. No sétimo dia pós-drenagem, ele foi submetido a nova endoscopia digestiva alta e endoscópio pediátrico (5,4 mm de diâmetro) foi passado através do stent para a cavidade do cisto. Cerca de 80% da walled-off necrosis estava colapsada e havia pequena quantidade de fibrina, sem coágulos ou de tecido necrótico. Foi realizada a lavagem com 300 ml de solução salina a 0,9%.

No 14º dia pós-drenagem, realizamos outra endoscopia digestiva alta e CPRE para avaliação do ducto pancreático principal. Primeiramente, tentamos introduzir gastroscópio padrão através do stent, mas isso não foi possível devido ao colapso completo da prótese. Então, instilamos o contraste através do stent e notamos refluxo completo para a câmara gástrica, confirmando o colapso completo da coleção. A pancreatografia revelou um estreitamento na transição da cabeça e colo, mas sem fístula. Realizamos esfincterotomia pancreática e colocamos um stent plástico reto de 7Fx10 cm através da estenose. Após a implantação do stent pancreático, removemos o stent da Hot-AxiosTM utilizando uma pinça de corpo estranho (Figura 3). O paciente permaneceu assintomático e recebeu alta 24 h após o procedimento por CPRE.

FIGURA 3
Hot-AxiosTM removida utilizando uma pinça de corpo estranho

No 30º dia pós-drenagem, uma nova TC de abdome mostrou resolução completa da coleção pancreática (Figura 4). O paciente está atualmente há dois meses em acompanhamento e permanece assintomático. CPRE está planejada no terceiro mês de evolução para remoção do stent pancreático.

FIGURA 4
Nova TC de abdome mostrou resolução completa da coleção pancreática

DISCUSSÃO

O tratamento invasivo para as coleções fluidas pancreáticas é indicado quando sintomáticas, infectadas ou em crescimento, preferencialmente pelo menos quatro semanas após o início66 Tsiotos GG, Sarr MG (1999) Management of fluid collections and necrosis in acute pancreatitis. Curr Gastroenterol Rep 1:139-144. O tratamento pode ser realizado por cirurgia, endoscopia ou radiologia intervencionista (drenagem percutânea). O tratamento cirúrgico é o mais invasivo e com maior morbidade, enquanto que a drenagem percutânea apresenta alta incidência de fístulas e de taxa de recorrência33 Mortele KJ, Girshman J, Szejnfeld D et al (2009) CT-guide percutaneous catheter drainage of acute necrotizing pancreatitis: clinical experience and observations in patients with sterile and infected necrosis. AJR Am J Roentgenol. 192:110-116. O tratamento endoscópico é atualmente o padrão-ouro, por ser menos invasivo e altamente efetivo77 Varadarajulu S, Bang JY, Sutton BS, Trevino JM, Christein JD, Wilcox CM. Equal efficacy of endoscopic and surgical cystogastrostomy for pancreatic pseudocyst drainage in a randomized trial. Gastroenterology 2013; 145: 583-90..

Stents com diâmetro interno igual ou maior que 10 mm permitem a passagem direta do endoscópio para a coleção. No entanto, não realizamos necrosectomia endoscópica direta no primeiro procedimento devido ao risco de migração do stent. Em nossa unidade, empregamos abordagem escalonada, ou seja, do mais simples ao mais complexo, de acordo com a resposta clínica do paciente. Inicialmente, realizamos drenagem simples, seguida da desobstrução do stent com solução salina e peróxido de hidrogênio (se obstruído) e, finalmente, irrigação com dreno nasocístico. Se todas essas etapas falharem, indicamos a necrosectomia endoscópica direta. Usando abordagem semelhante, Nabi Z et al.44 Nabi Z, Basha J, Reddy DN: Endoscopic management of pancreatic fluid collections-revisited. World J Gastroenterol;23:2660-2672. diminuíram a necessidade da necrosectomia endoscópica de 40% para 10% dos casos.

O Hot-Axios é uma melhoria do Axios que leva um sistema de fornecimento isolado conectado ao stent metálico de aposição de lumens, permitindo a cauterização e a introdução do stent simultaneamente. Este sistema isenta punções, colocação de fios-guia e dilatação do trato. Portanto, reduz o risco de complicações relacionadas ao procedimento, como fístulas, extravasamentos para a cavidade abdominal e perda da punção durante a troca de dispositivos55 Teoh AY, Binmoeller KF, Lau JY. Single-step EUS-guided puncture and delivery of a lumen-apposing stent for gallbladder drainage using a novel cautery-tipped stent delivery system. Gastrointest Endosc. 2014;80:1171.,99 Weilert F, Binmoeller KF. Specially designed stents for translumenal drainage. Gastrointest Interv. 2015;4:40-45..

Walter et al.88 Walter D, Will U, Sanchez-Yague A, et al. A novel lumen-apposing metal stent for endoscopic ultrasound-guided drainage of pancreatic fluid collections: a prospective cohort study. Endoscopy. 2015;47:63-67. realizaram um estudo prospectivo multicêntrico envolvendo 61 pacientes: 15 pseudocistos pancreáticos e 46 walled-off necrosis. O sucesso técnico foi alcançado em 93% no grupo dos pseudocistos pancreáticos e em 81% no grupo das walled-off necrosis. Eles realizaram a necrosectomia endoscópica em 59,6% dos pacientes, e 19% deles necessitaram de mais de um procedimento. Eventos adversos ocorreram em 9%. Houve um deslocamento do stent Axios em três casos durante o desbridamento e três migrações espontâneas dos stents metálicos de aposição de lumens. Os stents foram removidos após uma média de 32 dias após o procedimento em 82% dos pacientes.

Apesar de apenas recentemente disponível em nosso país e ser um dispositivo mais caro, já se provou eficaz em vários países. Outras experiências com o dispositivo Hot-Axios em nossa unidade permitirão nossa avaliação pessoal da real eficácia e perfil de segurança. Neste primeiro caso, utilizando o novo dispositivo Hot-Axios, obtivemos sucesso técnico e terapêutico em um curto período de tempo, sem nenhum evento adverso.

REFERENCES

  • 1
    Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut 2013; 62:102.
  • 2
    Bradley EL, Clements JL, Gonzalez AC. The natural history of pancreatic pseudocysts: a unified concept of management. Am J Surg. 1979;137:135-141.
  • 3
    Mortele KJ, Girshman J, Szejnfeld D et al (2009) CT-guide percutaneous catheter drainage of acute necrotizing pancreatitis: clinical experience and observations in patients with sterile and infected necrosis. AJR Am J Roentgenol. 192:110-116
  • 4
    Nabi Z, Basha J, Reddy DN: Endoscopic management of pancreatic fluid collections-revisited. World J Gastroenterol;23:2660-2672.
  • 5
    Teoh AY, Binmoeller KF, Lau JY. Single-step EUS-guided puncture and delivery of a lumen-apposing stent for gallbladder drainage using a novel cautery-tipped stent delivery system. Gastrointest Endosc. 2014;80:1171.
  • 6
    Tsiotos GG, Sarr MG (1999) Management of fluid collections and necrosis in acute pancreatitis. Curr Gastroenterol Rep 1:139-144
  • 7
    Varadarajulu S, Bang JY, Sutton BS, Trevino JM, Christein JD, Wilcox CM. Equal efficacy of endoscopic and surgical cystogastrostomy for pancreatic pseudocyst drainage in a randomized trial. Gastroenterology 2013; 145: 583-90.
  • 8
    Walter D, Will U, Sanchez-Yague A, et al. A novel lumen-apposing metal stent for endoscopic ultrasound-guided drainage of pancreatic fluid collections: a prospective cohort study. Endoscopy. 2015;47:63-67.
  • 9
    Weilert F, Binmoeller KF. Specially designed stents for translumenal drainage. Gastrointest Interv. 2015;4:40-45.
  • 10
    Yamamoto N, Isayama H, Kawakami H, et al. Preliminary report on a new, fully covered, metal stent designed for the treatment of pancreatic fluid collections. Gastrointest Endosc 2013;77:809-814.
  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2017
  • Aceito
    06 Nov 2018
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