ENTERÓTIPOS EM OBESOS SÃO MODIFICADOS PELA CIRURGIA BARIÁTRICA, USO DE SUPLEMENTOS PROBIÓTICOS E HÁBITOS ALIMENTARES?

RESUMO

Introdução:

Estudos sugerem que a cirurgia bariátrica, uso de suplementos probióticos e o padrão alimentar podem mudar enterótipos, assim como toda a população microbiana.

Objetivo:

Verificar a influência da cirurgia bariátrica, do uso de suplementos probióticos e de hábitos alimentares nos enterótipos de pacientes obesos.

Métodos:

Foi realizada a busca de artigos publicados entre os anos de 2015 e 2020 nas bases de dados Lilacs e PubMed com os descritores: probióticos, comportamento alimentar, consumo alimentar, alimentação, dieta, microbiota, microbioma gastrointestinal, cirurgia bariátrica, bypass gástrico e a palavra-chave enterótipo em português, inglês e espanhol.

Resultados:

Dos 260 artigos encontrados, foram selecionados os estudos originais realizados em adultos obesos relacionando mudanças de enterótipo após cirurgia bariátrica, a padrões alimentares ou ao uso de probiótico. Ao final, foram selecionados e categorizados oito estudos sobre mudança de enterótipo e cirurgia bariátrica, quatro sobre relação entre consumo alimentar e microbiota e somente um sobre efeitos dos probióticos nos enterótipos.

Conclusão:

A estrutura microbiana é amplamente modificada após a cirurgia bariátrica. O uso de suplemento probiótico não parece trazer mudanças duradouras. Os enterótipos parecem ser moldados por padrões alimentares em longo prazo e podem modular como os nutrientes são metabolizados, podendo vir a ser um biomarcador útil para melhorar o manejo clínico de pacientes obesos.

DESCRITORES:
Probiótico; Consumo alimentar; Microbiota; Bypass gástrico; Obesidade

ABSTRACT

Introduction:

Studies suggest that bariatric surgery, use of probiotic supplements and the dietary pattern can change enterotypes, as well as the entire microbial population.

Objective:

To verify the influence of bariatric surgery, the use of probiotic supplements and eating habits on enterotypes in obese patients.

Methods:

Articles published between the 2015 and 2020 were searched in Lilacs and PubMed with the headings: probiotics, eating behavior, food consumption, food, diet, microbiota, gastrointestinal microbiome, bariatric surgery, gastric bypass and the keyword enterotype in Portuguese, English and Spanish.

Results:

Of the 260 articles found, only studies carried out in obese adults relating changes in the enterotype after bariatric surgery or use of probiotics or dietary patterns and original articles were selected. In the end, eight papers on enterotype change and bariatric surgery were selected and categorized, four on the relationship between food consumption and microbiota and one on the effects of probiotics on enterotypes.

Conclusion:

The microbial structure is widely modified after bariatric surgery, since the use of probiotic supplement does not bring lasting changes. Enterotypes appear to be shaped by long-term dietary patterns, can modulate how nutrients are metabolized and can be a useful biomarker to improve clinical management.

HEADINGS:
Probiotic; Food consumption; Microbiota; Gastric bypass; Obesity

INTRODUÇÃO

De causa multifatorial, a obesidade está intimamente ligada a hábitos alimentares incorretos⁶. Com a epidemia global da obesidade, a cirurgia bariátrica é hoje considerada o tratamento mais efetivo, rápido e duradouro para pacientes com obesidade mórbida¹⁶. As técnicas mais realizadas no mundo são a bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) e a gastrectomia vertical⁸.

A microbiota intestinal é colonizada por cerca de 100 trilhões de bactérias as quais contribuem para 3,3 milhões de genes microbianos únicos, e é única a cada indivíduo²¹. Após a cirurgia bariátrica, os hábitos alimentares mudam, os pacientes frequentemente utilizam medicações e suplementos, incluindo probióticos, há intensa mudança do peso corporal, e frequentemente os pacientes incorporam hábitos de vida mais saudáveis, como a prática de atividade física. Todos esses fatores, isolados ou em conjunto, têm o potencial de influenciar a composição da microbiota intestinal²¹.

A avaliação da microbiota de um determinado indivíduo é complexa, visto que ela é específica de cada um. Por esse motivo surgiu a proposta de se agrupar as bactérias intestinais em grupos, denominados enterótipos¹⁰. Estudo recente analisou metagenomas fecais de indivíduos de diferentes países usando análise de agrupamento multidimensional e de componentes principais². Os autores foram capazes de agrupar os metagenomas fecais em três enterótipos diferentes, que foram identificados por quantidades relativas de qualquer um dos três gêneros dominantes: Bacteroides (enterótipo 1), Prevotella (enterótipo 2) e Ruminococcus (enterótipo 3). Curiosamente, esses enterótipos parecem ser independentes da nacionalidade, gênero, idade ou índice de massa corporal.

No entanto, os resultados de outro estudo²⁵ sugerem que os enterótipos podem estar fortemente associados à composição da dieta em longo prazo. O enterótipo 1, rico em Bacteroides, foi fortemente associado ao consumo de proteínas animais e gorduras saturadas. O enterótipo 2, rico em Prevotella, foi associado com dieta à base de carboidratos, composta de açúcares simples e fibras. Já o enterótipo 3 parece estar fortemente relacionado com o estado de saúde individual¹⁸. Embora não se saiba se os enterótipos podem estar associados à predisposição a determinados estados de doença, esses achados sugerem que os padrões alimentares em longo prazo podem afetar o estado do enterótipo, a conexão nutricional-microbioma e a fisiopatologia em indivíduos suscetíveis à doença²⁵.

A administração oral de suplementos com cepas de probióticos associa-se a benefícios já comprovados para a saúde humana e o seu uso tem se tornado comum, inclusive após cirurgia bariátrica. Probióticos são microrganismos vivos que, por já residirem naturalmente na microbiota humana saudável, quando utilizados em dosagem adequada, são seguros e conferem benefícios ao hospedeiro^19,20.

Há evidências de que a cirurgia bariátrica induz mudanças na microbiota intestinal^1,16 e que cada enterótipo parece estar fortemente associado a escolhas alimentares, afetando a quantidade de cepas específicas de maneira diferente na microbiota intestinal^9,19,21. Sabe-se ainda que o uso de probióticos pode também modular a microbiota da população em geral¹³. Porém, não foram identificados estudos na literatura que contemplem todos esses temas.

Assim, o objetivo deste estudo foi verificar a influência da cirurgia bariátrica, do uso de probióticos e de hábitos alimentares nos enterótipos de pacientes obesos.

MÉTODOS

Trata-se de revisão integrativa da literatura, realizado a partir de: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa, estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão, identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados, categorização dos estudos selecionados, análise e interpretação dos resultados e apresentação da revisão³.

A questão norteadora dessa revisão foi: “A cirurgia bariátrica, o uso de suplementos probióticos e os hábitos alimentares podem afetar ou modificar enterótipos em pacientes obesos?”.

O período de coleta de dados ocorreu entre os meses de maio e junho de 2020 nas bases de dados Pubmed e Lilacs. Foram utilizados os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e combinações booleanas: “probióticos”, “comportamento alimentar”, “consumo alimentar”, “alimentação”, “dieta”, “microbiota”, “microbioma gastrointestinal”, “cirurgia bariátrica”, “bypass gástrico», «obesidade» e a palavra-chave: «enterótipo».

Foram incluídos artigos disponíveis em português e inglês, na íntegra, que apresentassem como foco de estudo mudanças nos enterótipos após cirurgia bariátrica, o uso de probiótico ou relacionadas a padrões alimentares. Foram incluídos somente artigos originais publicados e indexados nos referidos bancos de dados nos últimos cinco anos. Foram excluídos artigos de revisão, estudos feitos em animais e crianças e aqueles em que a população não era obesa.

Dos selecionados, foram coletados dados de interesse para análise por meio de um instrumento de coleta que abrange publicação, amostra, objetivos, metodologia empregada e principais resultados de cada estudo. Para a tabulação dos estudos de probióticos, além dos itens anteriormente citados, foi acrescentada a descrição das cepas utilizadas.

A análise dos dados foi realizada de forma descritiva e comparativa e os estudos foram categorizados em três tabelas. Aqueles que apresentaram mudanças da composição da microbiota intestinal em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica, estudos que relacionaram as mudanças ao consumo alimentar e aqueles que estudaram o uso de algum suplemento probiótico.

RESULTADOS

Após a associação dos termos, foram encontrados 237 artigos indexados na base de dados Pubmed e 23 na Lilacs. Após a leitura dos títulos, foram excluídos aqueles duplicados, os que não contemplavam os critérios de inclusão e aqueles não pertinentes ao tema. Ao final da busca, foram selecionados 13 artigos que foram analisados e discutidos (Figura 1).

FIGURA 1
Fluxograma da seleção dos artigos integrantes da revisão

Dos 13 estudos, oito tinham por objetivo a mudança da microbiota após a cirurgia bariátrica; quatro relacionaram os enterótipos com hábitos alimentares; e um examinou a influência do uso de suplementos probióticos na microbiota.

Os estudos que avaliaram as mudanças da composição da microbiota intestinal após a cirurgia bariátrica (Tabela 1) apontam que houve mudança de enterótipos, aumento na diversidade alfa, aumento relativo nos filos Proteobacteria, Bacteroidetes e Fusobacteria. Tais mudanças ocorrem a partir dos três primeiros meses^4,5,16,17 pós-cirúrgicos e podem se estender por até 10 anos²². No entanto, um estudo⁸ não encontrou mudanças significativas nas composições dos enterótipos ao longo do tempo.

TABELA 1
Mudanças da composição da microbiota intestinal em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica

Autores	Objetivos	População	Principais resultados encontrados
Aron-Wisnewsky, et al., 2019 1	Examinar se a riqueza de genes microbianos piora na obesidade grave e como se relaciona com agravamento de comorbidades; e se os diferentes tipos de cirurgia influenciam nas características microbianas, em composição e função.	61 mulheres com obesidade severa 41 BGYR e 20 BGV Acompanhamento antes da cirurgia, um, três e 12 meses após o procedimento	Os enterótipos foram encontrados em obesos severos. Um estilo de vida e alimentação explicam uma grande parte da composição microbiana. Houve modificações nos enterótipos em alguns pacientes após a cirurgia (Bacteroidetes 2 para Bacteroidetes 1), tais mudanças ocorrem em até 1 ano após a cirurgia. A troca de enterótipos pós-RYGB pode ser uma característica importante na melhoria dos resultados metabólicos
Campisciano et al., 2018 5	Determinar se a cirurgia bariátrica molda a composição da microbiota intestinal influenciando o biofilme da mucosa intestinal e se isso pode levar a um resultado positivo e duradouro	20 pacientes obesos, 10 GV e 10 BGYR 20 pacientes eutróficos para controle Acompanhamento antes e 3 meses após a cirurgia	A quantidade de Proteobacteria diminuiu após cirurgia de banda gástrica e aumentou após BGYR. Foi observado um aumento do padrão alfa-diversidade após 3 meses da cirurgia assim como predominância de Bacteroidetes, os quais podem melhorar a resposta imune ao hospedeiro e aumentar a formação de biofilmes e o reestabelecimento do equilíbrio da microflora. Sugere-se que caracterizar as comunidades microbianas antes da cirurgia pode ajudar no gerenciamento clínico.
Campisciano et al., 2018 4	Discussão de dados da composição microbiana de pacientes elegíveis para cirurgia bariátrica considerando a primeira linha de tratamento em casos de obesidade mórbida não responsiva a dieta e/ou atividade física	20 pacientes obesos, 10 GV e 10 BGYR 20 pacientes eutróficos para controle Acompanhamento antes de 3 meses após a cirurgia	A composição microbiana foi dominada por Bacteroidetes, Firmicutes e Proteobacteria apesar de ser detectada Actinobacteria também. Nos pacientes BGYR houve aumento da Proteobacteria e de Prevotella assim como uma melhora do padrão alfa-diversidade após 3 meses de cirurgia, um interessante marcador indireto para avaliar a eficácia do tratamento cirúrgico em termo de restaurar a função da microflora intestinal. Achou-se que os microrganismos se adaptam rapidamente na situação de “fome” induzida pela cirurgia
Dao, et al., 2019 8	Quantificar a abundância relativa da A.muciniphila antes e após 1 ano de dois tipos de cirurgia bariátrica em relação a resultados clínicos	65 mulheres adultas com obesidade severa 21 indivíduos foram acompanhados antes, 1, 3 e 12 meses após a cirurgia	A abundância relativa de A.muciniphila foi menor nos pacientes obesos severos quando comparado à obesidade moderada. Houve aumento de A. muciniphila após BGYR mas não após banda gástrica. No enterótipo Rumminococcus A. muciniphila foi significativamente aumentada, em consonância com seu maior perfil de riqueza, assim como no enterótipo Bacteroidetes 2, onde foram encontrados baixos índices de A. muciniphila. Não houve mudanças significativas nas composições dos enterótipos a longo do tempo.
Ilhan, et al., 2017 14	Determinar as diferenças microbianas após cirurgia BGYR e banda gástrica; identificar a produção de metabólitos que distinguem as cirurgias; revelar relações entre microbioma e perda de peso associada à cirurgia bariátrica.	Acompanhamento de quatro grupos: após BGYR (24), após BGV (14), saudáveis e eutróficos (10) e obesos mórbidos (15).	Após cirurgia BGYR houve aumento de Gammaproteobacteria e Fusobacteria. Sugere-se que a obesidade e a cirurgia (BGYR) mudam a estrutura microbiana e suas funções, refletidas pelo metaboloma e que tais mudanças são devidas a mudanças de anatomia do TGI. O grupo BGYR teve a maior concentração de butirato e propionato e não foi relacionado à dieta.
Palleja, et al., 2016 16	Investigar alterações de curto e longo prazo na composição da microbiota e no seu funcionamento após rearranjo intestinal induzido pelo BGYR e alterações associadas ao peso corporal e metabolismo	13 indivíduos com obesidade mórbida 5 homens e 8 mulheres Antes, 3 meses e 1 ano após BGYR	A mudança para um metabolismo mais saudável ocorre nos primeiros 3 meses, quando houve aumento na riqueza de espécies após a cirurgia e se manteve por 1 ano. Já a riqueza de genes tende a aumentar apenas após 1 ano. As mudanças na microbiota, em geral, ocorrem dentro dos 3 meses e se mantem até 1 ano. Essas mudanças podem estar relacionadas a mudança nas preferências alimentares
Sánchez-Alcoholado, et al., 2019 17Spain. Methods: We studied 28 patients with severe obesity; 14 underwent a Roux-en-Y gastric bypass (RYGB	Avaliar a evolução em curto prazo do microbioma intestinal após diferentes procedimentos de cirurgia bariátrica e sua funcionalidade e relacioná-la com a resolução da obesidade.	28 pacientes com obesidade mórbida que passaram por cirurgia bariátrica pelas técnicas GV ou BGYR Dados coletados antes da cirurgia e 3 meses após	Apenas após 3 meses de cirurgia os perfis microbianos diferiram entre as técnicas cirúrgicas. Após BGYR houve aumento em Proteobacteria e Fusobacteria. Sugere-se que o pH e o ácido biliar podem ser a chave para as mudanças produzidas na microbiota após cirurgia bariátrica.
Tremaroli, et al., 2015 22	Identificar se as alterações na microbiota observadas anteriormente a curto prazo permanecem estáveis ao longo do tempo e se o BGYR e a banda gástrica induziram alterações específicas no microbioma intestinal.	Três grupos de mulheres: 7 após 9 anos de BGYR, 7 após 9 anos de BGV e 7 com obesidade severa (controle)	Apresenta-se uma diferença significativa na composição da microbiota de BGYR versus pacientes obesas. Após BGYR houve aumento da abundância de Proteobacteria. O procedimento de cirurgia bariátrica produz mudança específica na microbiota que persiste até uma década após a cirurgia, sendo diferente das mudanças relacionadas a intervenções dietéticas para perda de peso.

• BGYR=bypass gástrico em Y-de-Roux; TGI=trato gastrointestinal; BGV=gastroplastia vertical em banda; GV=gastrectomia vertical

Em relação aos estudos que analisaram mudanças nos enterótipos relacionado ao consumo alimentar (Tabela 2), houve mudança dos enterótipos Prevotella para Bacteroidetes. O consumo de carboidratos^7,11,19 e proteína animal^12,19 podem modificar os enterótipos, assim como o tipo de enterótipo pode modular as respostas à dieta.

TABELA 2
Mudanças de enterótipo e sua relação com hábitos e consumo alimentar

Autores	Objetivos	População	Principais resultados encontrados
Christensen, et al., 2019 7	Efeitos específicos dos enterótipos analisando indivíduos em um consumo livre, com dieta rica em fibra e grãos integrais ou com consumo moderado de fibras e trigo refinado. Investigar se o enterótipo Prevotella está associado a outros marcadores metabólicos e de saúde intestinal.	70 adultos saudáveis e com sobrepeso. Duração de 6 semanas	Os indivíduos com alta abundância de Prevotella perderam peso com uma dieta rica em fibras e grãos integrais quando comparados a uma dieta baseada em grãos refinados e baixa em fibras. Dentre esses, aqueles com enterótipo Bacteroidetes aparentaram menor degradação de fibra que os sujeitos Prevotella dominantes. Isso poderia explicar a diferença metabólica na resposta a dieta rica em fibras.
Hjorth, et al., 2019 11	Reanálise de um estudo de 24 semanas de intervenção dietética para diferenças potenciais na resposta à perda de peso entre indivíduo com baixa relação P/B, alta P/B e Prevotella não detectável	80 indivíduos com sobrepeso ou obesidade Déficit de 500kcal na dieta, sendo a composição dos macronutrientes: 30% de lipídeos, 52% de carboidratos, 18% de proteína	Sujeitos com baixa relação P/B perderam menos gordura e peso corporal. Já o grupo 0-Prevotella perdeu mais peso. Aqueles com alta relação P/B foram mais suscetíveis a perder peso corporal quando comparados a baixa relação P/B especificamente em uma dieta rica em fibras, carboidratos, proteínas e hipolipídica. Não foi possível concluir se a relação P/B está relacionada a efeitos diferentes da dieta ou a um marcador não mensurado. A relação P/B foi comprovada como um importante biomarcador associado a perda de peso com dieta.
Hjorth, et al., 2020 12	Investigar a interação entre dieta, relação P/B e gene da amilase salivar humana na mudança de peso, em 26 semanas, como potenciais marcadores de pré-tratamento na nutrição personalizada para o gerenciamento da obesidade	181 participantes com aumento da circunferência abdominal Um grupo recebeu dieta nórdica (rica em fibras, grãos integrais, frutas e vegetais) à vontade, e o outro uma dieta controlada (dieta dinamarquesa, similar a dieta ocidental), por 26 semanas	A dieta nórdica, em comparação com dinamarquesa, teve mais fibras, grãos integrais e proteínas, menos gordura e açúcar de adição. A amilase salivar humana não foi suficiente para prever perda de peso entre as dietas. Tanto os participantes com relação baixa P/B e os com alta P/B apresentaram a mesma média de amilase salivar e os enterótipos não foram modificados. Exclusivamente entre os indivíduos com baixa amilase salivar e alta relação P/B, perderam mais peso com a dieta nórdica, enquanto indivíduos com baixa relação P/B perderam mais peso com a dieta dinamarquesa.
Shin, et al., 2019 19	Examinar os efeitos da dieta padrão coreana e da dieta ocidental na microbiota intestinal e no perfil metabólico de adultos coreanos saudáveis.	54 participantes coreanos obesos ou acima do peso, antes e depois de 4 semanas de consumo de 3 dietas diferentes Dieta típica coreana, dieta ocidental típica (americana), dieta americana saudável recomendada Cada dieta foi administrada por 4 semanas, com pausa de 2 semanas, todos os participantes receberam as 3 dietas	O tipo da dieta levou a mudanças nas comunidades microbianas em relação à dieta usual. Após a dieta coreana, houve aumento de Firmicutes, queda nos Bacteroidetes e aumento da relação Firmicutes/Bacteroidetes. Dentre os indivíduos, 22 pertenciam ao enterótipo Bacteroidetes, 20 ao Prevotella e 12 apresentaram relação balanceada de Bacteroidetes e Prevotella. A dieta coreana modificou a abundância do filo Bacteroidetes e aumentou Firmicutes devido à alta ingestão de carboidratos e baixa de proteína animal. As respostas à dieta foram afetadas pelos enterótipos, sugerindo que pode ser uma variável significativa que contribui para modular a microbiota.

• P/B=Relação Prevotella/Bacteroidetes

Já os estudos que avaliaram mudança de enterótipo com o uso de probióticos (Tabela 3), nenhum conseguiu observar mudança duradoura. Nos indivíduos obesos com enterótipo Prevotella, os probióticos B. breve CBT BR3 e L. plantarum CBT LP3 parecem ter efeito benéfico²⁰.

TABELA 3
Mudanças de enterótipo em indivíduos utilizando algum suplemento probiótico

Autores	Objetivos	População	Probiótico utilizado	Principais Resultados Encontrados
Song, et al., 2020 20	Avaliar se probiótico com multi cepas melhora os marcadores relacionados à obesidade e investigar diferentes respostas por enterótipo microbiano do intestino humano.	50 obesos saudáveis 12 semanas de intervenção, grupo placebo e probiótico, dados coletados a cada 3 semanas	B. breve CBT BR3 (15 milhões de células viáveis) e L. plantarum CBT LP3 (15 milhões de células viáveis)	Não houve diferenças significativas entre os grupos a nível de filo e família microbiana. As mudanças antropométricas e bioquímicas foram mais notáveis no enterótipo Prevotella. Os probióticos podem ter um efeito benéfico nos indivíduos obesos com enterótipo Prevotella.

DISCUSSÃO

De acordo com os achados no presente estudo, a cirurgia bariátrica parece alterar a comunidade microbiana. As mudanças em geral ocorrem a partir do terceiro mês tanto na técnica de BGYR como de banda gástrica^8,16. Não há consenso da duração dessa mudança. Poucos estudos ^16,22 investigaram tais mudanças por mais de um ano, mas um relatou que a mudança produzida pela operação é específica na microbiota e pode persistir por até uma década.

Nos primeiros três meses após a cirurgia bariátrica houve aumento no padrão alfa diversidade ⁵ e mudança para um metabolismo mais saudável, com aumento na riqueza de espécies. Já a riqueza genética parece aumentar apenas após um ano da operação¹⁶. O padrão alfa diversidade, por representar a diversidade de um habitat ou uma comunidade de microrganismos e descrever a riqueza e a igualdade de indivíduos, pode ser utilizado como interessante marcador indireto para avaliar a eficácia do tratamento cirúrgico em termos de restaurar a função da microflora intestinal⁴.

Após BGYR foi observada ainda redução de Firmicutes⁵, aumento de Proteobacteria^5,16,17,22, Prevotella⁴, Bacteroidetes^4,5,23, Firmicutes⁴, Fusobacteria^14,16, Actinobacteria⁴, Kleibsiella pneumoniae, Escherichia col¹⁶, Gammaproteobacteria¹⁴ e A. muciniphila⁸. O aumento de Proteobacteria após BGYR já está bem consolidado na literatura e ocorre devido às alterações nas condições ambientais, fisiológicas e metabólicas¹⁶. Tais mudanças, como o aumento de oxigênio intestinal, crescimento de bactérias anaeróbicas facultativas^4,14 e o aumento do pH facilitam a sobrevivência de microrganismos sensíveis ao ácido^14,17, e promovem mudanças na composição microbiana. Sendo assim, as mudanças microbianas após BGYR são mais devido ao rearranjo intestinal do que à perda de peso¹⁶. Apesar disso, a abundância de Proteobacteria não é considerada benéfica, devido à sua propriedade pró-inflamatória²².

Quanto à troca de enterótipos, um estudo com mulheres após cirurgia bariátrica mostrou mudanças do enterótipo Bacteroidetes 2 para Bacteroidetes 1, indicando característica importante na melhoria de resultados metabólicos¹. Quanto à relação Prevotella/Bacteroides (P/B), esta permaneceu estável, com predominância de Bacteroides⁵.

Houve diminuição de Proteobacteria nas técnicas de banda gástrica e gastrectomia vertical⁵, além de manutenção da relação P/B antes e depois da operação⁴. No estudo realizado com 14 pacientes após gastrectomica vertical, foi observada diferença a nível de população microbiana, com aumento de Verrumicrobia¹⁷.

A cirurgia bariátrica, especialmente BGYR, não diminui somente a quantidade de alimento ingerido, como também altera o comportamento alimentar, influenciando preferências alimentares¹⁵. De tal modo, as mudanças ocorridas na microbiota desses pacientes podem estar relacionadas às mudanças nos padrões e preferências alimentares^16,17 assim como relacionadas a situação de fome induzida pela operação e à rápida adaptação microbiana a tal estresse⁴.

Na população em geral, a composição do microbioma intestinal, tanto a nível taxonômico quanto de enterótipo, está diretamente relacionada ao estilo de vida e frequência de ingestão de alguns alimentos^1,13,21,25.

Nos indivíduos com alta abundância de Prevotella, observou-se maior perda de peso com dieta rica em fibras, carboidratos, proteínas e grãos integrais quando comparados a dieta baseada em grãos refinados e baixa em fibras^7,11. Apresentaram, ainda, maior degradação de fibra quando comparados aos sujeitos com enterótipo Bacteroidetes⁷, o que pode ser explicado pelo fato de que alta produção de ácidos graxos de cadeia curta afeta o apetite por meio de diferentes vias de sinalização cerebral, as quais influenciam a secreção de hormônios gastrointestinais.

A relação P/B foi comprovada como importante biomarcador associado à perda de peso com dieta¹¹. Ao mesmo tempo que a alta relação P/B está associada à dieta rica em amido resistente e fibras⁷, a dieta rica em gorduras e pobre em fibras está associada a baixa relação P/B¹¹.

O estudo que comparou o consumo de pacientes obesos por quatro semanas de dieta típica coreana, dieta típica americana, e dieta americana recomendada, demonstrou que cada dieta mudou significativamente a estrutura da microbiota intestinal e que as respostas às dietas foram afetadas pelos enterótipos iniciais dos indivíduos¹⁹. A dieta tradicional coreana, composta principalmente por altos níveis de vegetais, grãos integrais, baixos níveis de alimentos de origem animal e gordura saturada, demonstrou diminuição em Bacteroidetes e aumento significativo de Firmicutes, sugerindo que Firmicutes são essenciais para o metabolismo dietético de polissacarídeos vegetais¹⁹.

As observações realizadas demonstram que mudanças nas comunidades microbianas, impulsionadas por escolhas dietéticas, podem ser dependentes do enterótipo do hospedeiro. Sugere-se então que a enterotipagem forneça evidências plausíveis para ser estratégia útil ao desenvolvimento da nutrição personalizada¹⁹.

Apesar da existência de pesquisas a respeito da influência da dieta nos enterótipos, os probióticos ainda têm sido examinados sobre a possibilidade de impactar enterótipos a um nível similar. O uso de probióticos para modulação da microbiota intestinal e tratamento de sintomas gastrointestinais têm sido considerado uma alternativa para melhorar os resultados cirúrgicos²⁴.

Em indivíduos obesos com enterótipo Prevotella, os probióticos podem ter efeito benéfico, porém tal suplementação não demonstrou diferenças significativas entre os grupos ao nível de filo e família microbiana²⁰.

Aparentemente os enterótipos, assim como toda a população microbiana intestinal, são moldados principalmente pela dieta habitual, ou seja, por padrões alimentares em longo prazo²¹. As intervenções dietéticas de curto prazo e os probióticos parecem causar apenas mudanças transitórias na microbiota²⁵.

São escassos os estudos onde a ingestão alimentar foi avaliada junto com o uso de probiótico e, apesar de serem fatores impactantes, não foram encontrados estudos que avaliaram a associação entre cirurgia bariátrica, mudanças de preferências alimentares e uso de probióticos sobre os enterótipos, assim como é limitada a literatura acerca de troca de enterótipos e não apenas a outras mudanças microbianas.

CONCLUSÃO

A microbiota intestinal é modificada após a cirurgia bariátrica, e essa mudança pode influenciar os enterótipos, principalmente nos primeiros três meses pós-operatórios. Tanto a modificação anatômica e funcional do trato intestinal consequente à cirurgia bariátrica como as modificações dietéticas impostas pela operação parecem ser responsáveis pela mudança dos enterótipos após ela. O uso de suplemento probiótico em pacientes obesos não se associou com mudanças duradouras de enterótipo. Resta investigar se o uso de probióticos após a cirurgia bariátrica poderia influenciar o enterótipo.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Out 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  01 Dez 2020
• Aceito
  11 Mar 2021